Resumos
Neste artigo, nosso objetivo é analisar as discussões entre formador e professores no planejamento do ambiente de modelagem em um curso de formação continuada para professores da Educação Básica. Essas discussões aconteceram em dois momentos que antecederam a implementação da atividade de modelagem na prática pedagógica dos professores participantes: primeiramente, na discussão geral do planejamento do ambiente de modelagem e, posteriormente, na elaboração do planejamento de cada professor. O contexto foi o quinto encontro do curso cuja finalidade era abordar o planejamento do ambiente de modelagem. Os dados referentes à pesquisa qualitativa foram coletados por meio de observações realizadas durante o desenvolvimento do encontro. Os resultados sugerem que as discussões entre os participantes convergem para duas vertentes do planejamento do ambiente de modelagem, a saber: o planejamento das ações do professor e o planejamento da atividade de modelagem. Além disso, observamos que os professores, durante as discussões com a formadora, tendem a legitimar o discurso dela na elaboração do planejamento, nesse caso, quando lidam com dilemas para construção de situações-problema abertas ou fechadas, bem como apresentam dificuldades em evidenciar elementos que possam gerar um debate social ou reflexões com os alunos na prática pedagógica.
Formação de Professores; Professores; Planejamento do ambiente de modelagem matemática
In this paper, our aim is to analyze the discussions between teacher educator and teachers in the planning of a modelling environment in a continued education course for elementary school teachers. These discussions took place at two different times before the implementation of the modelling task in the participants' teaching practice: first, during the general discussion of the planning of the modelling environment, and again when each teacher developed their lesson plans. The general discussion took place during the fifth meeting of the course. The qualitative data was collected through observations made during the meeting. The results suggest that the discussions among the participants converge on two aspects of the planning of the modelling environment: the planning of teachers' actions and the planning of the modelling task. In addition, we observed that teachers, during discussions with the teacher educator, tend to legitimize the teacher educator's discourse in the planning, in this case, when dealing with the dilemma of open versus closed problem-situations. They also had difficulty in presenting elements that can generate a social debate or reflections with the students in a pedagogic practice.
Teacher education; Teachers; Planning of the mathematical modelling environment
ARTIGOS
As discussões entre formador e professores no planejamento do ambiente de modelagem matemática
The discussions between teacher educator and teachers in planning a mathematical modelling environment
Lilian Aragão da SilvaI; Andréia Maria Pereira de OliveiraII
IGraduada em Licenciatura em Matemática pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências da Universidade Federal da Bahia / Universidade Estadual de Feira de Santana (UFBA/UEFS). Endereço para correspondência: Rua Prado, nº 75, Jardim Acácia, CEP: 44004-352, Feira de Santana, BA, Brasil. E-mail: liuzinhaaragao@yahoo.com.br
IIDoutora em Ensino, Filosofia e História das Ciências pela Universidade Federal da Bahia / Universidade Estadual de Feira de Santana (UFBA/UEFS). Docente do Departamento de Ciências Exatas da Universidade Estadual de Feira de Santana, do Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências da Universidade Federal da Bahia / Universidade Estadual de Feira de Santana (UFBA/UEFS) e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Endereço para correspondência: Avenida Transnordestina, s/n, Novo Horizonte, CEP: 44036-900, Feira de Santana, BA, Brasil. E-mail: ampodeinha@gmail.com
RESUMO
Neste artigo, nosso objetivo é analisar as discussões entre formador e professores no planejamento do ambiente de modelagem em um curso de formação continuada para professores da Educação Básica. Essas discussões aconteceram em dois momentos que antecederam a implementação da atividade de modelagem na prática pedagógica dos professores participantes: primeiramente, na discussão geral do planejamento do ambiente de modelagem e, posteriormente, na elaboração do planejamento de cada professor. O contexto foi o quinto encontro do curso cuja finalidade era abordar o planejamento do ambiente de modelagem. Os dados referentes à pesquisa qualitativa foram coletados por meio de observações realizadas durante o desenvolvimento do encontro. Os resultados sugerem que as discussões entre os participantes convergem para duas vertentes do planejamento do ambiente de modelagem, a saber: o planejamento das ações do professor e o planejamento da atividade de modelagem. Além disso, observamos que os professores, durante as discussões com a formadora, tendem a legitimar o discurso dela na elaboração do planejamento, nesse caso, quando lidam com dilemas para construção de situações-problema abertas ou fechadas, bem como apresentam dificuldades em evidenciar elementos que possam gerar um debate social ou reflexões com os alunos na prática pedagógica.
Palavras-chave: Formação de Professores. Professores. Planejamento do ambiente de modelagem matemática.
ABSTRACT
In this paper, our aim is to analyze the discussions between teacher educator and teachers in the planning of a modelling environment in a continued education course for elementary school teachers. These discussions took place at two different times before the implementation of the modelling task in the participants' teaching practice: first, during the general discussion of the planning of the modelling environment, and again when each teacher developed their lesson plans. The general discussion took place during the fifth meeting of the course. The qualitative data was collected through observations made during the meeting. The results suggest that the discussions among the participants converge on two aspects of the planning of the modelling environment: the planning of teachers' actions and the planning of the modelling task. In addition, we observed that teachers, during discussions with the teacher educator, tend to legitimize the teacher educator's discourse in the planning, in this case, when dealing with the dilemma of open versus closed problem-situations. They also had difficulty in presenting elements that can generate a social debate or reflections with the students in a pedagogic practice.
Keywords: Teacher education. Teachers. Planning of the mathematical modelling environment.
1 Introdução
A modelagem1 no âmbito da educação matemática tem sido apresentada como uma das maneiras de organizar as aulas, bem como de possibilitar a instauração de um ambiente de investigação e reflexão no contexto da sala de aula. Sob esse ponto de vista, compreendemos e assumimos a modelagem como um ambiente de aprendizagem2, no qual os alunos são convidados a investigar problemas provenientes do cotidiano, de outras ciências ou de áreas profissionais, por meio da matemática (BARBOSA, 2007). A inserção desse ambiente no contexto escolar incide sobre a participação dos alunos e amplia a possibilidade de analisarem e refletirem o papel dos modelos matemáticos nas práticas sociais (BARBOSA, 2003).
No entanto, a inserção da modelagem no contexto escolar ainda não acontece naturalmente ou de maneira integrada às outras demandas do currículo. Em geral, os professores justificam tal lacuna recorrendo a dificuldades oriundas da organização da escola, das rotinas estabelecidas e da relação com os demais pares (BARBOSA, 2001, 2004), bem como, apontando inseguranças para implementar a modelagem (DIAS, 2005; OLIVEIRA; BARBOSA, 2007) ou apresentando tensões e dilemas ao desenvolver o ambiente de modelagem nas práticas pedagógicas (BLOMHØJ; KJELDSEN, 2006; OLIVEIRA, 2010). Diante dessas justificativas, podemos considerar os espaços de formação como um meio de propiciar aos professores experiências de implementação da modelagem matemática e, dessa maneira, contribuir para a naturalização de suas inseguranças, tensões e/ou dilemas.
Alguns trabalhos apresentam resultados de pesquisas sobre a inserção e as potencialidades da modelagem nos seguintes espaços de formação: inicial (ALMEIDA; DIAS, 2003), continuada, por meio de cursos e programas (DIAS, 2005; BISOGNIN; FERREIRA; BISOGNIN, 2007; SILVA, 2006) e, recentemente, em grupos colaborativos (CAMPOS; LUNA, 2009; SILVA et al., 2010). Esses autores concluem que os espaços de formação citados tendem a contribuir para a inserção da modelagem na sala de aula, porém não descrevem as discussões e reflexões que precedem (ou seguem) a realização das atividades, de modo que possam contribuir e, assim, apoiar a prática pedagógica desses profissionais. A falta de investigações sobre este aspecto configura-se como uma lacuna na literatura da área. Uma maneira de mostrar a dinâmica interna desses espaços de formação, com a intenção de apontar as contribuições para a prática pedagógica dos professores em modelagem, é apresentar e compreender as discussões privilegiadas no momento em que os docentes planejam e organizam esse ambiente para seus contextos específicos.
Face ao exposto, tratamos da seguinte pergunta, norteadora do estudo: O que discutem professores e formador no planejamento do ambiente de modelagem matemática? O objeto da pesquisa são as discussões do planejamento do ambiente de modelagem em que os dois participantes (professor e formador) de um espaço de formação estiveram envolvidos, de modo a evidenciar sua dinâmica interna e a maneira como eles se engajaram nas discussões. Assim, objetivamos identificar e analisar as discussões que podem ocorrer entre formador e professores no momento do planejamento do ambiente de modelagem, tema que se configura como pouco discutido nas pesquisas da área de educação matemática.
Os dados da pesquisa foram coletados em um encontro do curso de formação continuada, o qual foi ministrado por uma formadora/pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em Modelagem Matemática (Nupemm3), no ano de 2009. Em relação à abordagem metodológica, a pesquisa é de natureza qualitativa (ALVES-MAZZOTTI, 2002; DENZIN; LINCOLN, 2003), visto que o intuito é gerar compreensões acerca dos dados obtidos a partir da pergunta norteadora da pesquisa, e não quantificá-los. Assim, realizamos observações dos encontros do curso e, principalmente, do encontro que abordou o planejamento do ambiente de modelagem.
Depois das observações e da análise dos dados, os resultados obtidos trouxeram algumas elaborações teóricas: evidenciaram o engajamento dos participantes em discussões que abordam o planejamento do ambiente de modelagem e forneceram subsídios para compreender as preocupações e as tensões dos professores quando refletem a organização curricular desse ambiente de aprendizagem na prática pedagógica.
Quanto à sua organização, este artigo, inicialmente, apresenta duas seções, abordando os temas relacionados ao estudo. Na primeira, destaca o planejamento do ambiente de modelagem com a finalidade de definir o alcance de alguns conceitos. Na segunda, estabelece um diálogo com a literatura acerca dos cursos de formação continuada de professores em modelagem matemática. Por fim, apresenta o contexto em que se desenvolveu a pesquisa, as opções metodológicas utilizadas, a análise dos dados e as considerações finais.
2 O planejamento do ambiente de modelagem matemática
De acordo com Vasconcellos (2010) e Baffi (2002), o termo planejamento diz respeito à preparação de um conjunto de decisões e ações, tendo em vista agir, posteriormente, para atingir determinados objetivos. Em relação ao ato e o verbo planejar, a segunda autora argumenta que:
Planejar é uma ação que tem como característica básica evitar a improvisação, prever possibilidades de ações futuras, estabelecer caminhos que possam nortear mais apropriadamente a execução da ação educativa, prever o acompanhamento e a avaliação da própria ação. (BAFFI, 2002, p. 2).
O planejar, nesse caso, diz respeito a um processo de reflexão e de tomada de decisões relativas a uma ação que, porém, não está incondicionalmente limitada aos objetivos delineados inicialmente pelo indivíduo. Durante a execução do planejamento, pode vir a ser necessário introduzir modificações que possam alterar o curso previsto para uma determinada ação. Portanto, o planejamento pode ser visto como um processo flexível, sujeito a eventos circunstanciais (alguns até previsíveis) que sofram alterações a ser adotadas.
Sob o viés educacional, o planejamento é um ato político e pedagógico que revela intenções e intencionalidades, cujo objetivo é expor o que se deseja realizar e o que se pretende atingir (LEAL, 2005). A preparação de aulas convencionais, por exemplo, requer do professor a elaboração de um planejamento de ensino4 que contenha alguns componentes essenciais para a organização de uma ação. Segundo Leal (2005), o planejamento de ensino significa, sobretudo, pensar a ação docente refletindo sobre os objetivos, os conteúdos abordados, os procedimentos metodológicos, os recursos, os materiais utilizados e a avaliação do aluno e do professor. No geral, esses componentes contemplam o planejamento de ensino.
A estrutura de um planejamento depende do ambiente de aprendizagem que o professor pretende implementar na prática pedagógica. Alguns ambientes de aprendizagem demandam do professor a inclusão de outros procedimentos e finalidades pedagógicas. No caso da modelagem matemática, sua implementação solicita do professor a construção de atividades5 focadas em problemas com referência na realidade - dependendo da organização curricular estabelecida pelo professor -, o planejamento da implementação na aula e das estratégias para a condução dessas atividades.
Desse modo, as ações necessárias para a utilização da modelagem pelo professor não se limitam apenas ao planejamento de uma atividade, mas se estendem, também, às circunstâncias em que essa atividade se desenvolverá. Assim sendo, o planejamento do ambiente de modelagem se define como um processo de tomada de decisões relativas à elaboração da atividade de modelagem e à organização das ações e estratégias do professor.
Na literatura da área, localizamos discussões relacionadas à configuração da modelagem no contexto escolar, sugestões e insights de como desenvolvê-la nas aulas (BARBOSA, 2003). Esse autor apresentou um esboço teórico da organização do ambiente de modelagem na sala de aula, o qual denominou de casos ou possibilidades para utilizar a modelagem na prática pedagógica.
Para Barbosa (2003), os casos variam quanto ao propósito e aos papéis do professor e dos alunos. No caso 1, o professor apresenta o problema com dados qualitativos e quantitativos, cabendo aos alunos investigarem. O professor, no caso 2, apresenta o problema e o papel dos alunos é coletar as informações e investigar. Por fim, no caso 3, os alunos são responsáveis pela elaboração dos problemas, pela coleta das informações e pela investigação. Em todos os casos, o papel do professor é orquestrar ou conduzir a implementação da atividade. Os casos sugerem maneiras diferentes que professores podem utilizar na elaboração do planejamento do ambiente de modelagem, pois, dependendo do caso escolhido, há uma variação quanto à natureza das ações dos professores.
Assim, ainda que sugestões sejam apresentadas na literatura, pesquisas apontam que professores não se sentem confortáveis na implementação da modelagem no contexto escolar (BARBOSA, 2001, DIAS, 2005) e apontam dificuldades em elaborar problemas abertos para os estudantes (SILVA, 2006). Em vista disso, os espaços de formação podem subsidiar a prática pedagógica dos professores mediante discussões sobre o ambiente de modelagem e apoiá-los na construção do planejamento do ambiente de modelagem (BARBOSA, 2001).
3 Modelagem matemática em cursos de formação continuada
Os estudos de Caldeira e Meyer (2001) e Dias (2005) sustentam que os cursos de formação continuada em modelagem podem propiciar aos professores o acesso a informações cotidianas e a experiências em relação à modelagem, bem como contribuir para seu desenvolvimento profissional. Ao abordar a formação do professor de matemática em cursos de formação continuada, Dias (2005) enfatiza que esses espaços de formação são adequados para produzir um conjunto de ações que motivem professores a trilhar os caminhos da reflexão sobre a prática pedagógica. Outro argumento apresentado pela autora incide sobre a possibilidade de esses cursos proporcionarem aos professores uma reelaboração de seus saberes em confronto com as experiências anteriores e um processo coletivo de troca de experiências.
Em outras palavras, Barbosa (2001, 2004) sublinha que os espaços de formação precisam envolver os professores a partir de experiências diversas em modelagem, inclusive nos contextos específicos em que eles atuam, a fim de potencializar a prática pedagógica desses profissionais. O autor apresenta dois domínios que podem favorecer o contato de professores com modelagem, a saber: a experiência como aluno e como professor. A primeira implica na proposição de atividades de modelagem, de modo que os docentes desenvolvam uma visão mais dinâmica da matemática e do papel da matemática na sociedade. E, a segunda, diz respeito às discussões sobre o papel do professor no planejamento, na organização e na condução do ambiente de modelagem na sala de aula. Para o autor, é fundamental que os dois domínios aconteçam juntos, para que os professores compreendam a dinâmica do ambiente de modelagem e se sintam mais seguros para inseri-la no contexto escolar.
Algumas pesquisas, por exemplo, relatam experiências desenvolvidas como aluno e/ou como professor, a partir de cursos de formação continuada sobre modelagem (BISOGNIN; FERREIRA; BISOGNIN, 2007; DIAS, 2005; SILVA, 2006). Esses cursos foram elaborados com o objetivo de permitir que os professores tivessem experiências com atividades de modelagem e vislumbrassem esse ambiente de aprendizagem na prática pedagógica. No entanto, sabemos pouco sobre as dinâmicas desses cursos e, também, sobre a maneira como esses espaços de formação apoiam a prática pedagógica do professor em modelagem.
Dentre essas pesquisas, Silva (2006) relata implicações da experiência como professor dos participantes de um curso. Segundo a autora, os docentes apontaram dificuldades em elaborar atividades que envolvessem a modelagem matemática e a necessidade de uma maior ênfase sobre esse tema quando o objetivo é elaborar atividades dessa natureza. De acordo com o estudo, essas dificuldades foram atribuídas ao fato de os professores estarem acostumados a utilizar problemas matemáticos que sugerem encaminhamentos predefinidos para a resolução dos problemas. Entretanto, Silva (2006) não apresenta detalhes a respeito da maneira como os professores elaboraram a atividade e planejaram o ambiente de modelagem, bem como se esse planejamento foi discutido coletivamente com o formador e/ou com os outros professores. Apenas, é destacado que alguns utilizaram atividades desenvolvidas ao longo do curso, já outros docentes elaboraram novas atividades, porém fizeram uso de problemas fictícios com os alunos. No entanto, não pretendemos desapreciar a experiência desenvolvida no curso mencionado, mas tecer considerações sobre o modo como formadores pode subsidiar a prática pedagógica dos professores em modelagem.
Oliveira (2010), por sua vez, ao discutir as tensões manifestadas por professores, nos discursos6 sobre a implementação da modelagem nas práticas pedagógicas, apontou tensões localizadas nas ações realizadas pelos professores no planejamento do ambiente de modelagem e na prática pedagógica. De acordo com a autora, cada aula destinada à modelagem foi planejada e discutida com a formadora/pesquisadora. Assim como no estudo de Silva (2006), nessa pesquisa, não houve uma descrição dos passos por meio dos quais os professores planejaram o ambiente de modelagem e da maneira como a formadora/pesquisadora os orientou ou os auxiliou nisso.
Em vista disso, a pesquisa que relatamos neste artigo objetivou apresentar e analisar as discussões entre formador e professores no planejamento do ambiente de modelagem em um curso de formação continuada. Particularmente, essas discussões aconteceram em dois momentos do curso, os quais antecederam a implementação da modelagem no contexto específico de cada professor.
A seguir, apresentamos o contexto de coleta dos dados da pesquisa, bem como fornecemos algumas informações sobre os participantes do estudo.
4 O contexto e os participantes da pesquisa
A pesquisa teve como contexto as atividades vinculadas ao Curso de formação continuada de professores da educação básica sobre o ambiente de modelagem, que ocorreu na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e foi certificado como projeto de extensão universitária. As atividades do curso desenvolveram-se, semanalmente, aos sábados, durante oito encontros, no período de 8 de agosto a 17 de outubro de 2009. Cada encontro foi ministrado por um ou mais formador(es)/pesquisador(es), integrantes do Nupemm. Os formadores em questão assumem a modelagem matemática como um ambiente de aprendizagem que pode propiciar investigação, reflexão e compreensão do papel dos modelos matemáticos na tomada de decisões na sociedade. Essa visão converge para uma perspectiva de modelagem denominada sociocrítica (BARBOSA, 2003).
O curso tinha como objetivo subsidiar os professores e envolvê-los em diversas experiências vinculadas ao ambiente de modelagem e, em geral, consistiu em propiciar aos professores experiências dos dois domínios de formação em modelagem propostos por Barbosa (2004), no sentido de promover reflexões e ampliar possibilidades para a organização da prática pedagógica. Sendo assim, os professores tiveram a experiência como aluno, a partir dos três casos apresentados anteriormente, e a experiência como professor, na prática pedagógica. Além disso, os professores tiveram a oportunidade de socializar e analisar as experiências ocorridas nas aulas.
Neste artigo, analisamos o quinto encontro do curso - denominado Planejando o ambiente de modelagem para sala de aula - que teve como objetivo engajar os professores em discussões acerca da elaboração do planejamento do ambiente de modelagem e das implicações de possíveis situações ocorridas na sala de aula, sendo essas situações esperadas ou não pelos professores.
O encontro foi dividido em três momentos: no primeiro, os professores apresentaram as resoluções das atividades do caso 3 realizada em um encontro anterior; no segundo, a formadora discutiu a elaboração de um planejamento do ambiente de modelagem e, no terceiro, os professores apresentaram à formadora o esboço do planejamento para implementação de uma atividade do caso 1 nas práticas pedagógicas. Os dois últimos momentos tiveram como tema de discussão o planejamento do ambiente de modelagem, e foram eles que se mostraram cruciais para entender o problema da pesquisa. Todavia, na pesquisa, utilizamos um recorte da fala de um professor, no primeiro momento, para fundamentar uma discussão apontada e identificada neste artigo.
No encontro, estava presente a formadora Liza7 e onze professores. Dentre estes últimos, destacamos aqueles cujas falas aparecem nos extratos8 apresentados neste artigo: Enzo, Sandro, Maíza, Karol e Taís. Nos últimos extratos, mostramos as discussões entre dois professores, selecionados por participarem ativamente das discussões no encontro, Enzo e Taís, com a formadora. Em particular, elegemos o primeiro por ser integrante de um grupo colaborativo e já ter desenvolvido anteriormente uma primeira experiência com modelagem e a segunda, por não ter qualquer experiência com modelagem em sala de aula. E, ambos, foram selecionados por participarem ativamente das discussões no encontro.
Antes do quinto encontro, os professores receberam da formadora, Liza, por email, um formulário que constava a estrutura de um planejamento do ambiente de modelagem, com o propósito de solicitar que os professores iniciassem o preenchimento. Essa estrutura era formada por itens semelhantes ao guia do planejamento do Grupo Colaborativo em Modelagem Matemática (GCMM), havendo, porém, dois itens adicionais. Os itens intitulavam-se: Tema da atividade, Justificativa/motivo da escolha do tema, Série (em que a atividade seria desenvolvida), Escola, Texto motivador da atividade (o texto refere-se às informações qualitativas e/ou quantitativas necessárias para a atividade), Situação-problema, Possíveis resoluções matemáticas do problema (resolução do professor), Conteúdos matemáticos abordados na atividade, Possíveis novos conteúdos apresentados pelos alunos, Outras disciplinas e conteúdos relacionados, Questões sociocríticas que podem ser abordadas na atividade e A dinâmica da implementação da atividade na sala de aula.
Na próxima seção, apresentamos a metodologia utilizada no estudo, os procedimentos de coleta dos dados e o processo de análise dos dados.
5 Metodologia
Para compreender as discussões entre formador e professores no planejamento do ambiente de modelagem, utilizamos uma abordagem qualitativa (ALVES-MAZZOTTI, 2002; DENZIN; LINCOLN, 2003), com a intenção de descrever o fenômeno em estudo nos termos dos significados extraídos das falas e das ações que os participantes expressaram na comunicação entre eles. Nesse caso, as discussões entre os envolvidos (professor e formador) constituíram-se como objeto de análise da pesquisa. Tais discussões podem ser identificadas e analisadas a partir da observação da fala dos participantes no ambiente natural em que elas aconteceram.
A observação foi utilizada como procedimento que possibilitou gerar dados pertinentes, permitindo ao observador acompanhar as experiências desenvolvidas pelos participantes, de modo a extrair o significado que eles atribuíram à realidade que os cerca e às suas próprias ações (ALVES-MAZZOTTI, 2002). No encontro observado, reconhecemos e registramos diversas discussões que estavam relacionadas com o planejamento do ambiente de modelagem. Dentre elas, optamos por apresentar aquelas discussões em que professores se engajaram conjuntamente com o formador, bem como as que a literatura e as pesquisas tendem a, apenas, apontar teórica ou sucintamente. A observação foi realizada de maneira não estruturada ou livre, visando descrever as situações observadas que aconteceram durante o quinto encontro do curso.
Para coletar os dados, utilizamos como instrumento principal uma filmadora, que permitiu capturar as discussões no quinto encontro do curso. Após a coleta dos dados, transcrevemos as falas dos participantes e descrevemos as ações produzidas tanto pelos professores quanto pela formadora. Com o auxílio dos registros das observações realizadas no encontro, realizamos as transcrições das falas dos professores e da formadora, quando estavam envolvidos em alguma discussão que abordava novos aspectos acerca do planejamento do ambiente de modelagem.
A análise dos dados foi inspirada nos procedimentos analíticos da grounded theory (CHARMAZ, 2006), no que se refere à elaboração de códigos e categorias para os extratos selecionados da transcrição dos dados. Essa análise desenvolveu-se em cinco fases: primeiramente, realizamos uma leitura linha por linha das transcrições, seguida de uma análise prévia desses dados; posteriormente, reconhecemos e identificamos discussões entre formador e professores já vistas durante a observação, além de outras; na sequência, codificamos os extratos e discutimo-los à luz da literatura; em seguida, encontramos semelhanças entre as discussões codificadas e analisadas, de modo a reuni-las em categorias mais gerais e, por fim, sistematizamos e analisamos esse conjunto de categorias.
Na seção que se segue, apresentamos os dados analisados e codificados. Durante a descrição das análises, utilizamos um código para apontar as falas dos professores a fim de evitar repetições. Este código refere-se ao nome do professor e ao número de ordem da fala correspondente.
6 As discussões entre formador e professores no planejamento do ambiente de modelagem
Apresentamos, aqui, as discussões que aconteceram entre formador e professores no quinto encontro do curso de formação. Como foi anteriormente mencionado, houve três momentos que geraram discussões diferentes, a saber: no primeiro, os professores apresentaram as resoluções das atividades do caso 3; no segundo, a formadora iniciou as discussões gerais no planejamento do ambiente de modelagem e, no terceiro, cada professor, juntamente com a formadora, discutiu o esboço do seu planejamento para implementação de uma atividade do caso 1 na prática pedagógica. As discussões foram extraídas, principalmente, dos dois últimos momentos cujo objeto foi o planejamento do ambiente de modelagem. Para facilitar o entendimento de algumas das discussões, apresentamos, também, recortes de falas dos professores, proferidas no primeiro momento, mas utilizadas pela formadora para fundamentar as discussões dos últimos momentos.
Em relação às discussões do segundo momento, apresentamos e analisamos três extratos que codificamos da seguinte forma: a abordagem de questões sociocríticas na atividade de modelagem, o convite inicial da atividade de modelagem e a intervenção do professor e suas inseguranças ao conduzir a atividade de modelagem. Para o terceiro momento, analisamos um extrato que foi designado como a elaboração da situação-problema. Em todos os extratos apresentamos recortes do encontro, ilustrando-os com as falas dos participantes.
6.1 A abordagem de questões sociocríticas na atividade de modelagem
No primeiro momento do encontro, os professores relataram as soluções obtidas em uma atividade do caso 3. Desse momento, destacamos um grupo de professores que escolheu a geração de empregos na Copa do Mundo de 2014 como tema geral da atividade. Inicialmente, a professora Taís explicitou o tema e o problema a ser investigado pelo grupo:
(1) Taís: [...] O nosso trabalho vai constituir num tema útil, bastante motivador, pois aborda um tema de caráter social, que é a taxa de desemprego no país, aliada a um evento tão importante do país que fascina todos os torcedores brasileiros. E aí, o nosso problema é: Qual é o impacto gerado com a reconstrução do estádio da Fonte Nova em Salvador para a Copa de 2014 na geração de emprego?
Como resultado, a professora apontou um dos impactos que a Copa de 2014 oferecerá em relação à geração de empregos:
(2) Taís: A reforma do estádio da Fonte Nova irá proporcionar o surgimento de aproximadamente 12 mil empregos até o ano de 2012, que é o prazo para o término da obra. Fazendo uma estimativa da quantidade de empregos gerados e a comparação com índices atuais de emprego e desemprego foi possível montar um gráfico especificando o acréscimo dos índices de empregos para a população. Houve um pequeno aumento de 0,25% ao ano, comparado ao crescimento sem a reforma. É... Que foi de 0,2% ao ano, sendo um número reduzido. É mais, pensando em ser um pouquinho significativo! Além disso, pode-se concluir que tais empregos serão temporários, pois se trata de uma situação passageira. E que logo após a conclusão, as mesmas pessoas provavelmente estarão desempregadas.
Com base nesses resultados do grupo, a formadora Liza iniciou uma discussão com os professores, no segundo momento do encontro, sobre um dos itens propostos no planejamento do ambiente de modelagem: a abordagem de questões sóciocríticas. Nessa discussão, a formadora Liza utilizou a experiência como aluno dos próprios participantes do curso.
(3) Liza: [...] Tem um item no planejamento, que eu falei que é questões sociocríticas. Vejam que não é a questão do desemprego. A gente viu que na verdade o desemprego não vai diminuir. Essa é uma questão crítica. Por que ela fez a conta, chegou à conta. Se ela tivesse chegado à conta e não tivesse refletido... É chegar à conta e ver que não diminui. Ver que, na verdade, a taxa de desemprego não vai diminuir tanto assim e refletir sobre isso. Os meios de comunicação querem que a gente acredite que a motivação da copa é o aumento de emprego. Quando na verdade não é isso!
(4) Taís: Então, como a gente colocou na aula passada que foi da... [...] A última copa, acho que foi da Alemanha. Assim, a expectativa que eles [os patrocinadores da copa da Alemanha] tinham. Toda aquela... Aí, depois, quando passou, e eles viram que não foi nada daquilo, que não gerou tanto emprego quanto foi. Então, tudo já uma questão de especulação. É a realidade, é... Que é uma questão e ainda mais a gente precisa ver a questão de ser o país do futebol, de ter que parar para realidade e ver esses dados realmente.
(5) Liza: É...
(6) Taís: Como é que vai ficar isso? Será que gerou, vai gerar tanto emprego? Foi um exemplo que aconteceu com eles e que é necessário também que a gente pare...
(7) Sandro: Reflita.
(8) Taís: Para poder refletir em relação a isso.
Inicialmente, a formadora Liza (3) se apropriou dos resultados encontrados por um grupo de professores na experiência como alunos do próprio curso. Seu objetivo, com tais discussões, foi sinalizar para os professores a abordagem de questões críticas perante os temas do cotidiano, a partir de uma reflexão sobre os resultados encontrados na atividade de modelagem. Sua fala indicou que a reflexão sobre o resultado pode propiciar discussões acerca das imposições estabelecidas na sociedade, como por exemplo, a influência de parte da mídia no contexto social. Além disso, a formadora indicou, implicitamente, discussões e resultados de estudos sinalizados na literatura.
Em linhas gerais, a discussão originada pela formadora sugeriu uma compreensão da modelagem alinhada com a perspectiva sociocrítica, cujo propósito é analisar o papel da matemática na compreensão e avaliação dos problemas do cotidiano. Particularmente, a formadora Liza (3) abordou o que Barbosa (2007) classifica como discussão reflexiva e o que Skovsmose (2006) denomina conhecimento reflexivo. A primeira refere-se a discussões que analisam e refletem sobre os pressupostos e critérios utilizados na construção de modelos matemáticos. A segunda refere-se à capacidade de discutir as implicações, na sociedade, dos resultados matemáticos, os quais foram decorrentes da resolução da atividade. Necessariamente, a primeira pode ocorrer sob o ponto de vista da segunda, pois esta se refere a uma implicação/reflexão da situação, seja essa reflexão sobre os pressupostos e critérios utilizados para construir o modelo ou não. Assim, na fala da formadora, ambas não foram identificadas isoladamente, mas notificadas de forma intrínseca e não linear.
A professora Taís (4), posteriormente, explicou o problema que investigou como aluna, apontando uma implicação da sua experiência com modelagem. Tal experiência lhe possibilitou entender a situação por meio de uma investigação dos dados reais. Em seguida, a professora Taís (6 e 8) afirma que, após essa ação, tornou-se necessário refletir sobre o tema, a situação-problema e as implicações sociais. Nesse caso, sugerimos que a professora legitimou a fala de Liza (3), já que, após a fala da formadora, ela reconheceu suas ações e a presença dessas discussões em atividades de modelagem.
Na literatura, poucas pesquisas apontam a presença de discussões que tratam da abordagem de questões sociocríticas em atividades de modelagem nos espaços de formação. Em Dias (2005), menciona-se que os professores argumentaram de maneira tímida sobre a competência crítica e o conhecimento reflexivo. Como justificativa, a autora apontou que o curso realizado não propiciou uma discussão mais ampla sobre essa questão.
Como implicação desse extrato, sugerimos que a participação do professor em tais discussões pode desencadear algumas ações no planejamento e nas práticas pedagógicas, tais como: a reflexão sobre a comunicação e o diálogo9 com seus alunos em termos de discussões relacionadas ao contexto social e político (ALRØ; SKOVSMOSE, 2006); a investigação de argumentos matemáticos utilizados em debates sociais para desafiar a ideologia da certeza10 (BORBA; SKOVSMOSE, 2006); a problematização, na sala de aula, com o intuito de possibilitar aos alunos analisarem o papel da matemática nas práticas sociais (BARBOSA, 2003).
Além disso, a reflexão sobre a abordagem de questões sociocríticas na sala de aula pode permitir que professores planejem atividades de modelagem, de tal modo que elejam temas que suscitem discussões reflexivas e matemáticas, bem como a interseção de ambas, tanto propostas pelo professor quanto pelos alunos. Por outro lado, a presença de discussões como estas, no curso, não é suficiente para garantir uma mudança na elaboração do planejamento do ambiente de modelagem do professor e/ou na prática pedagógica. Afinal, esses professores podem dar atenção a outros tópicos do planejamento e/ou não privilegiar discussões reflexivas e debates sociais e políticos na sala de aula. Não pretendemos, neste artigo, a partir das hipóteses levantadas, ampliar as implicações que essas discussões no curso produzirão em sala de aula.
Portanto, a discussão desse extrato remete ao planejamento da atividade de modelagem matemática, particularmente, à reflexão sobre a abordagem de questões sociocríticas em atividades dessa natureza.
6.2 O convite inicial11 da atividade de modelagem
A formadora Liza discutiu com os participantes acerca do convite inicial de uma atividade de modelagem, destacando a postura e o tom de voz do professor na abordagem do tema e da situação-problema com os alunos. Para isso, a formadora Liza utilizou um vídeo que retratava o momento do convite do professor John12 que inseriu o ambiente de modelagem na educação básica e, em seguida, lançou perguntas aos participantes sobre o tom de voz do professor naquele momento:
(1) Liza: [...]. Ali, ele falou: A partir dessas informações que a gente viu no vídeo, eu convido vocês a responderem essas perguntas. É isso que ele fala. E aí, eu convido vocês a responderem essas perguntas que eu fiz aqui [Apontando para os slides]. Qual é o tom do convite?
(2) Enzo: Qual é o quê?
(3) Liza: Qual é o tom do convite?
(4) Enzo: O tom? Faça isso! [Fala rindo] É brincadeira!
(5) Liza: Qual é o tom do convite?
(6) Maíza: Do que John está...
(7) Liza: Do que ele fez.
(8) Maíza: Estava fazendo? [A formadora movimenta a cabeça afirmando que sim]
(9) Maíza: Para resolver a... [...] O que ele estava falando da prestação, quanto tempo ia passar pagando a prestação da sua casa. Ele estava falando, por que isso aí, se for pela Caixa Econômica, que depende do seu salário. [...] Você vai pagar apenas a prestação que é proporcional o seu salário. Se você ganha mais, a prestação é maior. Se você ganha menos, a prestação é menor.
(10) Liza: É menor. Como foi que ele fez essa... Como foi que ele solicitou que os alunos resolvessem as questões? Como foi que ele fez? Ele fez assim: Olha gente, vocês vão resolver as questões! Estão aqui as questões! As questões são essas! Ele fez assim?
(11) Maíza: Não. Acho que cada aluno...
(12) Liza: Vejam que é um tom...
(13) Karol: Motivador.
(14) Liza: É um tom motivador! O tom é diferente!
(15) Maíza: Ele motivou o aluno a... Cada aluno a resolver a sua questão do seu jeito, como sabia. Querendo que cada aluno dê uma resposta a ele.
A discussão acima se refere aos momentos apontados na literatura no ambiente de modelagem como, por exemplo, o convite do professor em cenários para investigação13 (ALRØ; SKOVSMOSE, 2006) ou, em particular, as estratégias do professor no convite inicial de uma atividade de modelagem (OLIVEIRA; CAMPOS, 2007). Conforme Alrø e Skovsmose (2006), o convite do professor, no cenário para investigação, torna-se acessível se os alunos o aceitam e têm relação com as condições propostas pelo professor. Em vista disso, o autor argumenta que:
Aceitar um convite depende da natureza do convite [...] depende do professor, (um convite pode ser feito de muitas maneiras e para alguns alunos um convite partindo do professor pode parecer uma ordem), e certamente depende dos alunos (eles podem ter outras prioridades no momento) (ALRØ; SKOVSMOSE, 2006, p. 57).
No convite, em um cenário para investigação, o tom de voz do professor pressupõe uma postura não autoritária e, sim, convidativa. Assim sendo, reconhecemos que o professor é o responsável por conduzir tal cenário na sala de aula, ou seja, a autoridade naquele contexto, porém, concordamos com as palavras do autor ao apontar que o professor pode realizar o convite de diversas maneiras, expressando ou não um ordenamento. Sobre o extrato acima, o professor Enzo (4) reconheceu que o professor, na sala de aula, pode assumir uma postura autoritária, que ilustrou por meio da imitação irônica de um tom de voz para esse convite. Em meio à discussão e diante dos questionamentos da formadora Liza (10 e 12), a professora Karol (13) considerou que o tom do convite do professor era motivador.
De acordo com Oliveira e Campos (2007, p. 242), o convite inicial de uma atividade de modelagem pode ser caracterizado como "o momento em que o professor comunica aos alunos que eles irão trabalhar com situações provenientes do cotidiano". Esse momento requer do professor a ação de engajar os alunos na atividade. Além disso, o convite inicial pode ser estendido para outros momentos da atividade, visto que o professor poderá continuar engajando os alunos nas tentativas de solucionar a situação-problema e o faz instigando-os e questionando-os.
A professora Maíza (15) sugeriu uma compreensão sobre essa característica do convite inicial, e indicou que o tom do convite do professor pode condicionar as ações futuras dos alunos. Anteriormente, Maíza (9) compreendeu a ação do professor no convite por meio da matematização do problema. Essa passagem em que a professora Maíza (9 para 15) compreendeu o tom do convite do professor de duas maneiras sugere-nos que ela legitimou, posteriormente, a fala da formadora Liza (14).
Neste extrato, as discussões entre formador e professores estiveram relacionadas às ações dos professores no ambiente de modelagem no momento do convite inicial da atividade, o que o diferencia do propósito das discussões no extrato anterior. Essa discussão, portanto, remete ao planejamento das ações e estratégias dos professores na implementação do ambiente de modelagem.
6.3 A intervenção do professor e suas inseguranças ao conduzir uma atividade de modelagem
No extrato abaixo, a formadora discutiu o papel do professor em uma atividade de modelagem. Nessa discussão, os professores apontaram futuras inseguranças em relação à intervenção nos grupos de alunos durante o desenvolvimento da atividade:
(1) Liza: Nunca o professor é tão chamado como nesse tipo de atividade. Não sei se nunca. Estou exagerando talvez. Mas ele é chamado muitas vezes. Por que os alunos querem um encaminhamento de como é que faz. Então, o professor, ele é chamado com muita frequência nesse tipo de atividade.
(2) Taís: Até por que eles [os alunos] estão acostumados a... A ter uma coisa muito bem definida. E quando eles se veem em uma determinada... Em uma situação que eles não veem aquela... Aquela solução ali já pronta, o modelo, eles, de certa forma, eles se desestruturam. Mas, assim mesmo, eu acho que, da mesma forma, (que) o professor também, ele está... Não é dizer perdido, não seria a palavra perdido, mas de certa forma...
(3) Maíza: Se o aluno apresenta uma coisa e você olha e não sabe como você dá a direção ao aluno...
(4) Taís: Você [professor] não está totalmente preparado. É aquela coisa de que você já tem prontinho ali, um modelo. Como Liza falou antes: você já não tem o modelo, então, ao mesmo tempo em que você não está colocando esse modelo para o aluno, também você não tem esse modelo para você. Você tem uma... Esse modelo está meio aberto. Na verdade, está meio aberto! E você não sabe para que lado, de qualquer forma, o aluno (ele), vai ter essa imaginação. Para que lado ele [professor] vai direcionar a discussão. Mesmo o assunto sendo diferente. A gente teve atividade aqui que Luca14... Então, cada grupo foi com o mesmo assunto agora cada um apresentou de uma forma diferente. E apresentou coisas que ele [o formador Luca] já tinha apresentado várias vezes e coisas que ele não tinha imaginado para aquele ponto de vista. Então, de certa forma, pega de surpresa. E aí vai por onde?
(5) Liza: A gente [professor] e ele [formador].
(6) Taís: É.
(7) Maíza: Cada um [dos alunos] vai dizer... Uma direção, vai numa direção onde cada um vai resolver de sua maneira, onde você [professor] possa ajudar o aluno a sair daquele caminho se você tiver dúvida. Aqui por esse lado não é melhor? Você fazendo assim, fazendo assim, é melhor? Bota o aluno em uma direção onde você possa conduzir ele. Não é isso? Para não ficar... [Gesticulando com as mãos um sinal de aspas] meio perdido no tempo.
A formadora Liza (1) discutiu o papel do professor ao conduzir atividades de modelagem. Segundo ela, os alunos solicitam do professor encaminhamentos para resolver a situação-problema. A professora Taís (2) justificou que os alunos solicitam do professor certos encaminhamentos, já que a situação-problema não induz uma resposta e o modelo não está explícito. E, como decorrência desse fato, ela apontou indícios de insegurança ao conduzir atividades de modelagem.
Na pesquisa de Dias (2005), um dos professores participantes do curso mostrou insegurança ao conduzir atividades de modelagem, relativa ao desconhecimento do modelo a ser construído pelos alunos. Essa insegurança foi semelhante à mencionada pela professora Taís em (2 e 4). Diante disso, podemos observar que, de acordo com Barbosa (2004, p. 5) "a insegurança do professor é condicionada por lacunas que ele percebe em relação ao seu saber-fazer [modelagem]". Nesse caso, a professora identificou uma lacuna quanto à dificuldade de encaminhar a atividade com os alunos, ou seja, Taís (4) apontou que a falta de esquemas prévios e o modelo, tanto pelo professor quanto pelos alunos, implica em uma insegurança do professor quanto ao direcionamento das discussões na atividade. Podemos inferir que essas inseguranças foram condicionadas pela imprevisibilidade que o ambiente de modelagem proporciona no contexto escolar.
Posteriormente, a professora Taís (4) reconheceu que, na experiência como aluna, o formador lidou com situações semelhantes, porém ela permaneceu com a insegurança de como proceder em determinadas situações imprevisíveis na sala de aula e que caminhos os alunos seguirão como foi visto na fala: E aí vai por onde? A fala dessa professora permite-nos reconhecer que, tal como é apontado em Barbosa (2004), não basta que professores saibam desenvolver atividades de modelagem como alunos, mas torna-se necessário que eles tenham uma perspectiva de toda a questão e desenvolvam tais experiências em sala de aula, a fim de possibilitar que se descubram as implicações das tarefas do professor para a prática pedagógica. A nosso ver, essa última experiência permite que professores analisem a dinâmica da aula no que se refere à intervenção professor-aluno. A partir da fala da professora Taís (4), podemos inferir que a experiência como aluna lhe propiciou desenvolver novos entendimentos sobre o papel do professor na condução de atividades dessa natureza, apesar de evidenciar lacunas sobre o como proceder.
Lacunas semelhantes às apresentadas nesse extrato foram identificadas na pesquisa de Oliveira (2010), na qual os professores participantes manifestaram tensões durante a elaboração do planejamento e na implementação da atividade de modelagem. Segundo a autora, nos discursos dos professores foram manifestadas tensões em relação às situações imprevisíveis que os alunos poderiam desenvolver e à indecisão sobre diversas possibilidades de encaminhamentos na condução da atividade. Essas situações de tensões que professores manifestaram sobre o/no ambiente de modelagem, provêm da falta de clareza do papel do professor quanto à maneira como organizar e como proceder na prática pedagógica na implementação da modelagem.
Em linhas gerais, a possibilidade de discutir a inserção da modelagem na prática pedagógica pressupõe que professores desenvolvam, na realização de atividade dessa natureza, estratégias (OLIVEIRA; CAMPOS; SILVA, 2009; CHAPMAN, 2007) e conhecimentos pedagógicos próprios (DOERR, 2007). Por outro lado, os professores podem limitar suas ações com o intuito de atingir os argumentos da formadora, realizando ações semelhantes às apresentadas.
Uma das estratégias pedagógicas apontadas pela professora Maíza (7) estava pautada no direcionamento do professor ao conduzir as discussões dos alunos para o encaminhamento planejado pelo docente. Essa fala da professora sugere-nos um estilo de interação professor-aluno mais direcionado (BARBOSA, 2007), no qual o professor indica as ações a ser desenvolvidas pelos alunos.
No entanto, pesquisas pautadas em investigações sobre as estratégias adotadas pelos alunos na construção de modelos matemáticos apontam que estudantes podem utilizar estratégias diversas. Resultados de pesquisas fundamentam a convicção de que as estratégias dos alunos podem ser condicionadas pelas sugestões ou direcionamentos do professor ou, ainda, pelo conhecimento prévio dos alunos acerca do assunto (OLIVEIRA; BARBOSA, 2007). Outro resultado identificou que os alunos podem adotar uma estratégia inversa àquelas recomendadas pelo professor (ARAÚJO; BARBOSA, 2005). Tudo isso, depende das opções e escolhas adotadas pelos alunos, podendo eles legitimar ou não a fala do professor. A partir dessas circunstâncias, o planejamento do professor poderá sofrer alterações ou não.
Em síntese, essa discussão difere das outras analisadas nos extratos anteriores, porém trata-se do mesmo propósito da discussão relacionada ao convite inicial de uma atividade de modelagem, ou seja, refere-se ao planejamento das ações dos professores para a implementação do ambiente de modelagem na prática pedagógica.
6.4 A elaboração da situação-problema
No segundo momento do encontro, os professores apresentaram à formadora o esboço de seu planejamento do ambiente de modelagem. A seguir, apresentamos as discussões no planejamento de dois professores, Enzo e Taís. O tema da atividade do professor Enzo referia-se à média da altura estabelecida para um jogador de basquetebol, e o tema da professora Taís mencionava a possibilidade de ganhar na Mega-Sena ou na Loteria.
Inicialmente, apresentamos as discussões no planejamento do ambiente de modelagem do professor Enzo com a formadora. Nessa discussão, o professor questionou a formadora em relação à ausência de questão sociocrítica na situação-problema:
(1) Enzo: Meu tema é Basquete.
(2) Liza: Hum.
(3) Enzo: E trabalharei com eles assim, foi mais educacional mesmo, eu já sabia o conteúdo. Para trabalhar com números irracionais na forma decimal, entendeu? Por que eu ia pegar a seleção brasileira de um ano que foi o destaque, pegar as alturas deles. Pegar a seleção de 2003 que também foi destaque com as alturas deles e fazer uma comparação. Calcular a média da altura dos jogadores e tal, depois fazer uma relação dos anos, desse tipo, só que aí, quer dizer, a situação-problema como eu fiz, não estou gostando. É assim: se existe uma média estabelecida para jogar na seleção brasileira de basquetebol.
(4) Liza: É, está muito...
(5) Enzo: Não tem a ver com... Determine a média, aí eu pedia pra eles calcularem com a altura deles. Entendeu? Em relação à altura deles, por que eles jogam basquete lá na escola. E depois pra ver se... [...] Para calcular a média, para eles calcularem a média. Alguma coisa para eles. Sim, mas o que de sociocrítico tem a ver aqui?
(6) Liza: Sociocrítico... Eu acho que pode ser a questão da altura. Não sei se a altura tem a ver com a questão, também, não é? Não sei. Social...
(7) Enzo: Podia olhar se... Não sei! Por que oh! No meu texto inicial tem falando assim, que o basquete...
(8) Liza: Por exemplo, eu acho que tu podes pegar, por exemplo, o quê que o...
(9) Enzo: O basquete, economicamente, é bastante barato.
(10) Liza: É. Pois é! Tu podes...
(11) Enzo: Ele pode ser praticado ao ar livre, em praças, escolas.
(12) Liza: É. Acho que tu podes ver por que...
(13) Enzo: Qualquer lugar.
(14) Liza: Por exemplo, não tem...
(15) Enzo: Não tem muito dinheiro.
(16) Liza: Tu podes pegar, sabe o quê? No Ministério do Esporte, o quanto é o gasto... O gasto com basquete, com futebol, com não sei o que...
Nesse extrato, o professor Enzo (3) afirmou que seu objetivo em elaborar a atividade e a situação-problema foi abordar conteúdos matemáticos. Em seguida, Enzo (5) apontou uma possível relação do tema com o cotidiano dos alunos e, com base nisso, identificou ações dos alunos frente a um conteúdo matemático. No entanto, o professor não conseguiu localizar questões sociocríticas decorrentes da situação-problema. Nesse caso, Enzo não assinalou elementos da situação-problema que despertassem nos estudantes o interesse de discussão crítica sobre o tema.
Posteriormente, a formadora Liza (6) apontou um elemento que podia gerar um debate social, apesar de não ter clareza se esse elemento apresentado tem relação com as questões. A partir de então, o professor Enzo (7, 9, 11, 13 e 15), identificou e citou outros elementos que envolvem a prática do basquete e que estavam no texto inicial da atividade. A formadora Liza (16) sugeriu, também, a busca de outros dados para a atividade a fim de alimentar um debate social. Nesse caso, a atividade, a situação-problema e os exemplos citados e propostos pelo professor Enzo, bem como as sugestões da formadora não forneceram elementos que propiciassem um debate social. Podemos considerar que a falta de elementos que possam gerar debates sociais na situação-problema da atividade do professor Enzo foi consequência do propósito inicial que ele estabeleceu para a atividade, ou seja, o conteúdo matemático. Particularmente, o professor operacionalizou a atividade e a situação-problema de acordo com o conteúdo a ser abordado, o que dificultou a abordagem de questões sociocríticas.
Esse extrato trata discussões que não foram localizadas na literatura e permite-nos observar que a discussão gerada entre formadora e professores, apresentada no segundo momento do encontro e no primeiro extrato deste artigo, propiciou ao professor Enzo, durante a elaboração do seu planejamento da atividade de modelagem, reflexões e preocupações em evidenciar elementos que possam gerar um debate social na prática pedagógica. Dessa maneira, inferimos que o professor se apropriou e privilegiou a discussão do outro momento do encontro para a elaboração do planejamento da atividade de modelagem, apesar de não conseguir imprimir elementos que fundamentassem essa discussão.
No extrato a seguir, a professora Taís discutiu com a formadora a situação-problema que planejou para a atividade. No decorrer da discussão, a professora lidou com um dilema em relação à natureza da situação-problema:
(17) Taís: [...] Eu tinha que fazer em relação a... O que é mais fácil, ganhar na Loteria ou na... Mega-Sena? Por que são coisinhas diferentes.
(18) Liza: Pode perguntar. É... Essa pergunta: o que é mais fácil é ganhar na Mega-Sena ou ganhar na Loteria?
(19) Taís: Loteria.
(20) Liza: Por que aí, eles teriam que fazer a... A possibilidade de ganhar na Mega-Sena, a possibilidade de ganhar na Loteria e ia fazer a comparação, não é? E aí, ia fazer dois cálculos e ia comparar.
(21) Taís: Não, eu pensei em relação a isso. Agora, eu fiquei: será que não está...
(22) Liza: Para que série?
(23) Taís: É... Para o 2º ano.
(24) Liza: Hum! Perguntar o quê?
(25) Taís: Não, eu achei que seria, era assim aberta, como você tinha colocado [em uma discussão do primeiro momento do encontro].
(26) Liza: Não, por que se a pergunta, aí é... Quando você perguntou o que é mais fácil, ganhar na Loteria ou ganhar na Mega-Sena? A pergunta é o que é mais fácil. É... Eles vão ter que saber calcular na Loteria e na Mega-Sena, para a gente não dizer, faça o cálculo da Mega-Sena, faça o cálculo da Loteria e me diga qual é que é mais fácil. Entendeu? A pergunta é aberta, a pergunta ela é geral, mas, para responder (ela), eles vão precisar fazer essa comparação. [...] Aí deixa, pelo menos, eles pensarem, pensarem em alguma coisa.
(27) Taís: Aí, a questão que me é... A dúvida foi em relação a isso. Se, de certa forma, não estava fechada.
(28) Liza: Estava fechada ou estava aberta?
(29) Taís: [Professora ri e em seguida responde] Não, eu acho que está muito... Por que eu acho que o caminho disso aí [do problema] não é tão imprevisível.
(30) Liza: É mais fácil ganhar na Mega-Sena ou Loteria? Aí eles vão ter que fazer uma conta para ver o quê que é mais fácil. Não está tão fechada assim!
A professora Taís, nesse extrato, discutiu com a formadora em relação à natureza da situação-problema que planejou para a atividade. Na discussão, Taís lidou com um dilema ao analisar se a situação-problema caracterizava-se como aberta (de modo que possa não originar soluções matemáticas pelos alunos), ou fechada (a qual ocasione soluções restritas e diretas).
Inicialmente, Taís (19) identificou uma solução para a situação-problema planejada, após a formadora Liza (18) pronunciar a situação-problema. Apesar dessa identificação, Taís (20) ratificou a fala da formadora, contrapondo suas ideias ao argumentar que a situação-problema estava ampla. Nesse momento, a professora Taís (25) também indicou que tal argumentação coincide com a fala da formadora durante a discussão em outro momento do encontro.
O papel da formadora Liza (26), nesse instante, constitui-se em esclarecer que a situação-problema, até então planejada, era aberta, porém há possíveis caminhos que os alunos podem seguir para resolvê-la. Além disso, Liza (26) sugeriu que a professora não deveria fornecer situações-problema diretas e sequenciadas, bem como encaminhamentos da resolução, porém possibilitar que os alunos investiguem e escolham seus próprios caminhos e soluções.
A elaboração de uma situação-problema em modelagem matemática pode acarretar interpretações diversas pelos professores. Nos estudos de Silva (2006) e Sant'Ana e Sant'Ana (2009), professores e futuros professores, respectivamente, apresentaram uma tendência à formulação de situações-problema excessivamente fechadas, em que os alunos não tiveram possibilidade de buscar diferentes estratégias de resolução, já que os dados fornecidos permitiam a obtenção de respostas únicas. Por outro lado, situações-problema muito abertas podem ocasionar uma não matematização, visto que, no ambiente de modelagem, os alunos são convidados a investigar, por meio da matemática, problemas provenientes do cotidiano ou de outras ciências (BARBOSA, 2003, 2007).
Dessa maneira, na elaboração de atividades de modelagem, os professores podem lidar com dilemas para a construção de situações-problema nem muito abertas nem tão excessivamente fechadas. Esse foi o dilema que a professora Taís (25 e 27) apresentou quando elaborava a situação-problema. A formadora até questionou seu posicionamento, mas Taís (29) argumentou, em seguida, que a situação-problema não era tão imprevisível, já que a formadora apontou um determinado como para resolvê-la.
Em síntese, nesses dois extratos acima, os professores demonstraram dificuldades em elaborar situações-problema que gerassem debates sociais na prática pedagógica e evidenciaram o dilema quanto a elaborar situações-problema de natureza aberta ou fechada. No geral, as discussões relacionadas à elaboração da situação-problema convergem para o mesmo propósito: o planejamento da atividade de modelagem.
Na seção seguinte, trazemos uma sistematização para a análise dos dados, buscando construir uma compreensão para o problema que norteou a pesquisa, bem como as considerações finais.
7 A guisa de discussão
O presente artigo teve como objetivo apresentar e analisar as discussões entre formador e professores em dois momentos do encontro que abordava o planejamento do ambiente de modelagem. Como foi apresentado anteriormente, definimos planejamento do ambiente de modelagem como o processo de tomada de decisões na organização das ações e estratégias do professor, bem como na elaboração da atividade de modelagem.
Para compreender a questão central da pesquisa, consideramos as falas dos participantes como objeto das análises realizadas. Os dados analisados apresentam discussões que apoiaram professores em relação ao planejamento do ambiente de modelagem. Em cada extrato, apontamos e analisamos discussões que ocorreram entre a formadora e os professores, as quais categorizamos da seguinte maneira: (1) a abordagem de questões sociocríticas na atividade, (2) o convite inicial da atividade de modelagem, (3) a intervenção do professor e suas inseguranças ao conduzir a atividade e (4) a elaboração da situação-problema.
Apesar de as discussões presentes nos extratos terem a mesma finalidade, ou seja, a elaboração do planejamento do ambiente de modelagem, elas não convergem para o mesmo propósito. As discussões em (1) e (4) estão relacionadas à construção de uma atividade de modelagem pelo professor. Sendo assim, podemos classificá-las como discussões que conduzem ao planejamento da atividade de modelagem. Já as discussões em (2) e (3) abordam o planejamento das ações e estratégias do professor para a implementação da modelagem no contexto escolar. Assim, classificamos como discussões que orientam o planejamento das ações do professor. Desse modo, identificamos duas categorias que aproximam discussões que tratam do mesmo conteúdo. A seguir, propomos um quadro para esboçar essa compreensão.
Além disso, identificamos que esse conjunto de discussões e categorias envolve uma dimensão pedagógica. Nos estudos de Barbosa (2004), a dimensão pedagógica diz respeito à organização e à condução das atividades na sala de aula, especificando o que e o como a realizar na prática pedagógica em modelagem matemática. Neste artigo, propomos ampliar as ideias sugeridas pelo autor, visto que as categorias identificadas estão interligadas nas seguintes vertentes: no planejamento do ambiente de modelagem (o planejamento das ações do professor e o planejamento da atividade de modelagem) e na condução das atividades dessa natureza no contexto escolar.
As discussões presentes nos dois últimos extratos, em (4), permitem-nos reconhecer que os professores tendem a ter dificuldades em evidenciar elementos que possam gerar um debate social ou a formular reflexões com os alunos na prática pedagógica, bem como têm dúvidas relativas à elaboração do problema de natureza aberta ou fechada, quer esses professores tenham ou não experiência em modelagem. Nos resultados de Silva (2006), por exemplo, os professores participantes de um curso de formação continuada não manifestaram dificuldades sobre como promover ou trazer temas para investigações para a sala de aula. Porém, na condução da atividade, na prática pedagógica, eles não valorizaram a problematização da situação-problema e, em relação à natureza da situação-problema, os docentes a elaboraram de maneira excessivamente fechada, o que possibilitou a falta de investigação e problematização pelos alunos.
Apesar de os dois cursos tratarem do mesmo ambiente de aprendizagem, eles se diferenciam no desenvolvimento e na realização. Considerando tais diferenças, os resultados convergem e indicam que os professores mostram dificuldades ou dilemas na elaboração da situação-problema de uma atividade de modelagem. Podemos presumir que a principal razão que conduz para esse resultado, reside na falta de clareza do professor ao relacionar uma situação ou problema do cotidiano com a matemática. No entanto, a pesquisa que fundamenta este artigo mostrou que a figura do formador, nesse processo, teve um papel crucial de atenuar tais dificuldades ou dilemas, naturalizando-os ou amenizando-os.
Com a falta de dados acerca do papel do formador nesse processo, tal como se registra na literatura em que se relatam pesquisas sobre modelagem, destacamos a importância de seu papel no apoio e na orientação à elaboração do planejamento do ambiente de modelagem e, principalmente, na elaboração da atividade de modelagem. No estudo de Polettini (1996), a autora apresenta a noção de apoio próximo no início do processo de mudança de práticas como um aspecto importante para apoiar professores a realizá-las. Notamos que as sugestões da formadora podem ter impacto na construção do planejamento do ambiente de modelagem do professor e, consequentemente, na prática pedagógica, já que os professores tendem a legitimar a sua fala, ou melhor, o seu discurso15 na elaboração do planejamento.
No entanto, sabemos pouco como esses discursos são privilegiados ou não nas práticas pedagógicas e como são mobilizados, transformados e confrontados com os saberes já estabilizados nelas. Em vista disso, sugerimos que as discussões entre formadora e professores podem situar-se, também, em torno do objetivo de suscitar implicações para ações futuras dos professores, na elaboração e na implementação do ambiente de modelagem. A finalidade de instigar tais implicações resume-se na abordagem da discussão e na sugestão de pesquisas futuras para compreender as discussões que professores legitimam e privilegiam na sala de aula durante a realização de mudanças de práticas.
Sendo assim, não pretendemos com este artigo pôr fim à discussão acerca do planejamento do professor na implementação de atividades de modelagem na prática pedagógica, já que apontamos o papel do formador como fundamental e crucial para contribuir nesse processo. Desse modo, estudos posteriores serão realizados, e estão em andamento, a fim de aprofundar a análise da dinâmica interna de cursos de formação continuada sobre modelagem que apoiem e orientem a prática pedagógica em modelagem para professores da educação básica.
Submetido em Setembro de 2010.
Aprovado em Fevereiro de 2012.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
08 Jan 2013 -
Data do Fascículo
Ago 2012
Histórico
-
Recebido
Set 2010 -
Aceito
Fev 2012