Open-access Crianças nos parques: segurança acima de tudo

Children in the parks: safety above all

Resumo

Os parques públicos são espaços ao ar livre, que podem contribuir para o aumento da atividade física das crianças. O objetivo deste estudo, partindo da avaliação das características ambientais físicas dos parques, é identificar fatores relatados por crianças usuárias de parques que podem influenciar a sua frequência de utilização dos parques. Estudo descritivo e exploratório de abordagem qualitativa com a aplicação do instrumento EAPRS para avaliação da oferta estrutural dos parques e realização de grupos focais com crianças usuárias dos parques. Os resultados deste estudo indicam que a segurança percebida pelas crianças e a manutenção geral dos parques podem contribuir para a maior frequência desse público nos parques. Estratégias transdisciplinares visando a melhorias na segurança e na manutenção geral dos parques públicos são necessárias para promover a maior frequência infantil nesses locais.

Palavras-chave: parques; crianças; atividade física

Abstract

Parks are outdoor environment that can contribute to increase the children´s physical activity. This study aimed to identify factors that may influence children parks use frequency of use of parks by evaluating the environmental characteristics of park and identifying factors reported by children. Descriptive and exploratory study with qualitative approach using the EAPRS tool and focal groups with children. Our results suggest that children’s perceptions about park safety and maintenance can influence their park use. Transdisciplinary strategies aimed at improving safety and park maintenance are necessary to promote greater children ´s park use.

Keywords: parks; children; physical activity

Introdução

Os parques são os ambientes naturais mais comuns nos meios urbanos e proporcionam aos indivíduos maior oportunidade de exposição à natureza, cada vez mais escassa nos centros urbanos (GLADWELL et al., 2013). A relação entre o ambiente natural e a saúde dos indivíduos é um tema em destaque no meio científico, que ressalta os benefícios que a frequência de ambientes naturais traz para a saúde mental, o bem-estar (ADINOLFI et al., 2014) e a vitalidade (VAN DEN BERG et al., 2016) dos indivíduos adultos. Esses ambientes também proporcionam melhoria na qualidade de vida das crianças (MCCRACKEN et al., 2016) e no seu bem-estar emocional (WARD et al., 2016). Um estudo recente (RICHARDSON et al., 2017) enfatiza o papel facilitador de interações socialmente benéficas dos ambientes naturais, especialmente nas crianças, uma vez que há uma maior oportunidade de interação entre pares e intercâmbio sociocultural.

Nesse cenário, atividade física (AF) é evidenciada no meio científico como um dos protagonistas (KACZYNSKI; HENDERSON, 2008; HARTIG et al., 2014), sendo definida como “qualquer movimento corporal produzido pelos músculos esqueléticos que resulta em gasto energético” (CASPERSEN et al., 1985). A prática da AF em ambientes naturais, ou ao ar livre, é reconhecida como uma das melhores estratégias de impacto positivo sobre a saúde dos indivíduos (GLADWELL et al., 2013; LEE et al., 2015).

Nas crianças, a AF está associada positivamente ao ambiente ao ar livre (TRAN et al., 2013; KLINKER et al., 2014a; SILVA; SANTOS, 2016), à presença de pares (FLOYD et al., 2011; MACDONALD-WALLIS et al., 2011; PEARCE et al., 2014), ao estilo de conduta permissivo maternal (JAGO et al., 2011), ao gênero masculino e à faixa etária das crianças (KLINKER et al., 2014b). Quando a AF é realizada em ambientes ao ar livre e fora do contexto escolar, apresenta associação positiva com a AF diária total (SCHOEPPE et al., 2014) e com os níveis de intensidade da AF praticada pelas crianças (KURKA et al., 2015). Particularmente nos parques, pela possibilidade de interação entre pares ativos, pode contribuir para o maior envolvimento em AF moderada-vigorosa (FLOYD et al., 2011).

A oferta ampliada de parques é uma estratégia adotada pelo setor público para a promoção da saúde através da AF (LARSON et al., 2016). Todavia, sua utilização está associada à combinação entre suas características estruturais e as características individuais de seus usuários (BEDIMO-RUNG et al., 2005). A acessibilidade, a percepção de segurança, a qualidade, a limpeza e a tranquilidade são fatores associados à utilização dos ambientes naturais urbanos (LEE et al., 2015), verificando-se uma associação positiva entre o uso e a oferta de estruturas (BARAN et al., 2014). Entretanto, a quantidade de usuários dos parques pode estar relacionada com as dimensões do parque e com a existência de atividades organizadas (COHEN et al., 2010). A percepção dos supervisores das crianças acerca da oferta de estruturas (BOHN-GOLDBAUM et al., 2013), a proximidade à residência das crianças e a densidade verde dos parques são fatores que podem favorecer a maior utilização dos parques pelas crianças (DUNTON et al., 2014).

As áreas próximas à residência das crianças revelam-se como potenciais ambientes promotores da sua AF (MITCHELL et al., 2016; PERRY et al., 2016). A percepção parental sobre os arredores da residência da criança pode ser um facilitador da AF moderada-vigorosa (KURKA et al., 2015) e da mobilidade independente das crianças (SANTOS et al., 2013). A presença de parques em zonas residenciais é associada a benefícios para a saúde através da AF (LARSON et al., 2016) e para o incremento dos níveis de intensidade da AF praticada pelos residentes locais (HAN et al., 2013). No entanto, a presença do parque não garante os benefícios para a saúde dos indivíduos (LEE et al., 2015) nem tampouco a utilização desse ambiente pelos residentes locais (COHEN et al., 2016). O fato de os parques proporcionarem oportunidades de comportamentos fisicamente ativos, como também sedentários, leva à necessidade de compreender as suas características ambientais e as possíveis associações com os níveis de AF praticados nesses ambientes (BEDIMO-RUNG et al., 2005). No contexto português, a percentagem de crianças que afirmam brincar ao ar livre é superior às que referem praticar um desporto (SILVA; SANTOS, 2016), sendo importante estudar o contributo da AF desenvolvida pelas crianças nos ambientes naturais, como os parques.

Conhecer as características das estruturas dos parques, sua utilização e as percepções de seus usuários, particularmente as crianças, poderá contribuir para a maior utilização desses ambientes ao ar livre (COHEN et al., 2016) e para o aumento do comportamento fisicamente ativo das crianças. No presente estudo, pretende-se, partindo da avaliação das características ambientais físicas dos parques, identificar fatores relatados por crianças utilizadoras desses lugares que podem influenciar a sua frequência de utilização.

Métodos

Este estudo de caráter descritivo-exploratório com uma abordagem qualitativa integra um projeto de doutorado em Atividade Física e Saúde, aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade do Desporto da Universidade do Porto, Portugal (processo CEFADE 07.2015). A amostra foi constituída por dois parques públicos (P1 e P2), com parque infantil, da cidade de Guimarães (Portugal) e quatro grupos focais (GF), com crianças usuárias desses parques (n = 36 crianças).

A avaliação da oferta das estruturas (instalações e facilidades) dos parques foi realizada através do instrumento Environmental Assessment of Public Recreation Spaces (EAPRS) (Saelens et al., 2006), versão 8.0/2011, que consiste numa observação direta das estruturas e da qualidade da sua funcionalidade. As observações seguiram a sequência proposta, resultando na pontuação dos 16 itens analisados. Em ambos os parques, a avaliação foi feita durante o outono, no período matinal, com duração média de 1 hora, não havendo remodelação dos parques durante a avaliação. Os resultados foram transcritos para um ficheiro Excel para cálculo da pontuação e usados para informações descritivas sobre as características estruturais dos parques. A coleta, tabulação e análise dos dados foram realizadas pela mesma avaliadora.

Para identificação dos fatores associados à frequência de utilização dos parques pelas crianças foram realizados quatro GFs de nove crianças com idades entre 10 e 12 anos, usuárias desses parques. Todos os participantes foram informados do objetivo e da metodologia pretendida no estudo, da participação espontânea e voluntária, da garantia de sigilo e de anonimato. Foi obtido o consentimento informado de todos os participantes e de seus responsáveis de educação/pais. Participaram dos GFs as crianças que retornaram ambos os documentos devidamente preenchidos e assinados. Os GFs se deram numa sala da escola pública vizinha do parque, tiveram duração média de 35 minutos e foram gravados em registro áudio, tendo sido feitas anotações pela entrevistadora durante a realização. Os encontros foram únicos, com um mesmo guião semiestruturado para todos os GFs e moderados sempre pela mesma entrevistadora, que não possuía qualquer vínculo com os participantes. O incentivo à participação de todos foi constante, sendo registrada a atuação ativa das crianças ao longo de todo o encontro.

Para a análise desses dados, procedeu-se a uma transcrição integral das perguntas e respostas de cada GF, assinalando pausas e interjeições, e optou-se pelo tema como unidade na análise de conteúdo. Foi realizada uma análise indutiva com o recurso ao programa QSR NVivo 11 para a sua gestão e codificação, de forma independente, por duas das autoras, tendo uma a responsabilidade da edição do processo de codificação. Os resultados foram comparados e discutidos até ser obtido um consenso. Os procedimentos de análise e discussão foram acompanhados por outra terceira autora no sentido de promover o confronto de crenças, valores e preconceitos.

Resultados

Caracterização das estruturas dos parques

As características das estruturas dos parques da amostra são apresentadas na tabela 1, na qual se verifica a oferta de diferentes estruturas entre parques.

Tabela 1
Caracterização estrutural dos parques

O P1, inserido numa região central de Guimarães, destaca-se pela maior dimensão (30 ha; tabela 1) e ampla área verde numa zona residencial urbana. Localizado ao lado de uma escola pública, possui dois parques infantis, que podem favorecer a maior frequência de utilização pelas crianças. Essas duas áreas do P1 estão localizadas em áreas diferentes e são compostas por equipamentos distintos, sendo que um dos parques infantis possui estruturas tradicionais, com balanços, escorregadores e plataformas (figura 1); e o outro, estruturas diferentes das tradicionais, que podem desafiar e atrair o público infantil, como cordas, “teias”, percursos, argolas para pendurar-se. A disponibilidade de informações sobre o parque (pontuação EAPRS = 3), a presença de percursos através do parque (pontuação EAPRS = 32) e a melhor acessibilidade (pontuação EAPRS = 98) foram características avaliadas que se destacaram no P1.

Figura 1
Imagem do parque infantil do P1

O P2 está localizado nas margens de um rio (rio Ave), tendo sido no passado uma área balnear, condição que pode torná-lo atraente, favorecendo a maior frequência de utilização do parque pelos indivíduos (figura 2). É um parque de menor dimensão (2.5 ha; tabela 1), mas que se destacou pela oferta de 11 quadras de petanca (pontuação EAPRS = 120; figura 3), modalidade desportiva semelhante à bocha. Conforme se verifica na figura 3, a ausência de facilidades de apoio aos usuários (banheiro, ponto de encontro, regras de utilização, mapas, bicicletário e mesas) foi uma característica avaliada (pontuação EAPRS = 0) que pode limitar a frequência de utilização desse parque pelas crianças.

Figura 2
Imagem da área balnear do P2

A qualidade das estruturas dos parques (figura 3) apresentou uma semelhança entre a amostra em relação à estética geral (pontuação EAPRS P1 = 47; pontuação EAPRS P2 = 46) e à paisagem (pontuação EAPRS P1 = 29; pontuação EAPRS P2 = 24). Todavia, em ambos se registrou a ausência de trilha pavimentada e de facilidades relacionadas com a segurança dos parques (telefones públicos).

Figura 3
Qualidade das estruturas dos parques

Dados qualitativos

Através da análise dos dados dos GFs, foram identificados quatro temas e correspondentes subtemas relacionados à frequência de utilização dos parques pelas crianças (tabela 2): utilização dos parques, segurança dos parques, oferta das estruturas e necessidades percebidas pelas crianças.

Tabela 2
Temas e subtemas emergentes da análise do conteúdo das entrevistas

Utilização dos parques

A companhia das crianças nos parques esteve centrada na figura de um adulto, em geral familiar, evidenciando o suporte parental como um fator associado à frequência de utilização dos parques pelas crianças: “Eu jogo com o meu pai futebol, brincamos, dizemos algumas piadas para nos entretermos, às vezes” (menina). “Eu vou de bicicleta, a minha mãe também corre e eu vou de bicicleta com o meu pai” (menino).

A oportunidade de AF nos parques surgiu nos relatos das crianças, inclusive quando supervisionadas por adultos que adotam comportamentos sedentários: “Enquanto o meu pai está a trabalhar no telemóvel e eu estou a passear o meu cão” (menino). “Às vezes, meus pais ficam lá sentados numa rocha e eu prefiro brincar, mas às vezes meu pai também vai lá comigo para me ajudar a fazer certas coisas” (menina).

Passear o cão surgiu como um potencial fator para a maior frequência de utilização dos parques pelas crianças: “Às vezes, nas férias um casal de amigos deixa-nos lá uma cadela e nós íamos ao parque assim com o cão” (menina). “À beira da minha casa há um parque e eu vou com o meu cão quando vou sozinho” (menino).

A socialização nos parques, considerada um benefício da utilização desses ambientes naturais, foi percebida pelas crianças dos GFs: “Mas também é mais divertido ir com a família, para convivermos mais e assim” (menina).

Assim, verifica-se que a utilização dos parques pelas crianças entrevistadas é realizada de forma familiar, sendo que as atividades são distintas entre crianças e adultos. O suporte de um adulto e a posse de um animal de estimação podem favorecer a frequência de utilização dos parques pelas crianças.

Segurança dos parques

Nos relatos das crianças, a percepção de segurança no parque destacou-se como principal fator associado à frequência de utilização dos parques pelas crianças. A maioria percebe o parque como local não seguro, frequentando-o preferencialmente na companhia de outrem: “Eu vou sozinha se for preciso, mas prefiro ir com a família” (menina). “Eu acho que não tem segurança se uma pessoa for sozinha” (menino).

A presença de um vigilante foi referida pelas crianças como uma estratégia que aumenta a segurança nos parques, além de contribuir para a sua manutenção: “Eu acho que devia haver seguranças para não, não nos sentirmos (silêncio)” (menino). “Mas também é por isso que também tem que haver guardas lá. Bem por isso, para não haver vandalismo” (menino).

A segurança percebida pelas crianças sobre as estruturas ofertadas nos parques foi outro fator que surgiu nos relatos e que pode afetar a frequência e inibir a AF das crianças nos parques: “Não, eu acho que podiam renovar por exemplo o escorrega, o baloiço, porque a poucos dias ali estava a andar um menino, a corda arrebentou, ele caiu e aleijou-se” (menino). “Por exemplo este parque tem um rio, uma pessoa vai buscar a bola e desequilibra-se, pode cair” (menino).

Segundo as crianças, a quantidade de usuários dos parques também seria um aspecto relacionado com a segurança dos parques: “Segurança até atrai mais pessoas” (menina).

Dessa forma, estes resultados evidenciam o impacto da percepção sobre a segurança nos parques, que pode condicionar a sua utilização pelas crianças. Parques percebidos como seguros podem favorecer a frequência de utilização por elas, aumentando a oportunidade de elas serem mais ativas.

Oferta das estruturas

As crianças relataram satisfação na oferta das estruturas existentes nos parques da amostra: “Eu acho se for referido para desporto, eu acho que é suficiente porque tem pistas próprias, tem relva, depois tem aquelas pistas, depois tem parques para as crianças mais pequenas [...]” (menina). “E tem espaço suficiente para as pessoas fazerem o que quiserem” (menino).

Entretanto, a manutenção e a renovação das estruturas surgiram como uma questão que pode afetar a frequência de utilização dos parques pelas crianças. A falta ou a má manutenção das estruturas pode impedir a sua utilização por elas, inibindo a adoção de comportamentos fisicamente ativos: “Eu acho que quando chove e depois quando há sol deviam limpar o escorrega e assim, porque depois nós queremos ir para lá brincar e andar de baloiço e não dá” (menina).

A limpeza dos parques foi um item ressaltado pelas crianças, em geral, relacionado aos comportamentos dos usuários dos parques: “[...] também acho que, por exemplo, os parques poderiam estar mais limpos” (menina). “[...] por muito que limpem, as pessoas estão sempre a deitar lixo para o chão. Tanto que (pausa), mas que continuam a limpar cada vez mais porque as pessoas não têm o costume, muitas delas não têm noção do que estão a fazer” (menina). “Cães. Eles fazem o cocô e depois não apanham. Depois uma pessoa vai lá andar e calca [...]” (menino). Estas preocupações das crianças sugerem uma consciência e atitude pró-ambientais derivadas da frequência de utilização desses ambientes naturais. A sua crítica recai sobre as pessoas que utilizam os parques bem como sobre a insuficiência de estruturas de apoio como depósito para o lixo: “Eu também acho que podia haver mais caixote de lixo que chamassem mais atenção para que as pessoas não deitassem, não deitassem sempre ao chão” (menino). “Se tivesse mais coisa de reciclagem era muito melhor” (menino).

Curiosamente, as crianças entrevistadas percebem que um maior controle no cumprimento das regras nos parques poderia minimizar algumas fragilidades dos parques percebidas pelas mesmas: “Eu acho que também deviam haver regras para entrar aos parques” (menina). “Tem que haver regras no parque, tipo, não deitar lixo para o chão” (menino).

Os relatos revelam a satisfação das crianças com a oferta disponível nos parques da amostra, sendo reconhecida como suficiente. Todavia, a manutenção destacou-se nos depoimentos, revelando o potencial deste fator sobre a frequência das crianças nos parques.

Necessidades percebidas pelas crianças

Algumas das necessidades percebidas pelas crianças em relação aos parques envolvem itens relacionados ao tema anteriormente apresentado. Importante ressaltar a percepção das crianças em relação à necessidade da presença de um vigilante, o que, segundo as crianças, asseguraria, além da segurança, a manutenção e o apoio aos usuários dos parques:“Devia ter vigilantes por causa dos grandes que ocupam as máquinas. E depois, as crianças querem brincar e chegam lá e aquilo lá está partido e [...]” (menino). “Eu acerca disso acho também que devia, porque quando as pessoas se magoam não tem pessoas por perto para (pausa), devia ter um guarda lá e caixas telefónicas lá, para ligar para o 112” (menino).

A diversidade de estruturas e atividades organizadas foram fatores percebidos pelas crianças que podem atrair mais crianças aos parques pela oportunidade de realizar experiências diversificadas: “Devia de haver mais (pausa), no parque devia de haver, ter lá muitas atrações como o parque de cordas, vários baloiços, muito escorregas” (menina). “Eu acho que havia de haver lá sempre uma pessoa a fazer atividades por exemplo do zumba, tipo às vezes trazia arcos, outras vezes boxe” (menina).

A oferta de entretenimento para os adultos acompanhantes das crianças nos parques pode estar associada à frequência das crianças a esses ambientes. Através dos relatos das crianças, identificou-se a preocupação delas em proporcionar bons momentos aos adultos enquanto estes os acompanham nos parques: “[...] talvez um espaço público em que pudessem estar os pais [...]. Para que os pais pudessem estar a vigiar as crianças e ao mesmo tempo estar com, com outras pessoas da idade deles ou a divertir-se também. Porque eu acho que os adultos também têm direito [...]” (menina). “Também havia de haver um spa para (pausa), para as mulheres adultas porque, enquanto que os filhos estão a brincar, podem estar a se embelezar” (menino).

A disponibilidade de material recreativo nos parques não foi valorizada pelas crianças. Mas a possibilidade desta esteve associada ao empréstimo na forma de aluguel: “Se tivesse uma bola e tivéssemos, olha é um euro toma e nós metíamos lá e quando acabássemos metíamos lá outra vez” (menino). “Alugavas uma bola. E tipo ias brincar” (menina).

Curiosamente, uma necessidade percebida pelas crianças foi o tipo de solo disponível nos parques. Segundo os relatos, a oferta de solos mais adequados pode contribuir para uma melhor utilização dos parques pelas crianças, favorecendo o aumento da frequência delas nesses ambientes: “Pôr sintética, porque depois para ir lá é meio (pausa), quando chove aquilo é horrível” (menino). “Se chover, aquilo fica encharcado e se vai para lá e depois só meter lá o coisa (refere-se ao pé) e já escorrega. Pois, devia ter relva pelo menos” (menino).

A oportunidade de utilização dos parques para práticas desenvolvidas pelas escolas surgiu nos relatos das crianças como uma possibilidade de maior frequência nos parques: “Acho que (pausa), acho que o parque como ela disse, devia haver mais modalidades para a escola também incentivar as crianças a irem aos parques, a levarem nós mesmo. Aqui às vezes, mesmo em vez de termos às vezes, por mês, imagine uma aula A, B ou C, vamos ao parque fazer qualquer coisa ou então uma aula de Física (refere-se à Educação Física) e vamos para lá” (menino).

Foi citada a condição favorável da proximidade entre o parque e a escola como uma oportunidade de maior frequência de utilização dos parques, evitando inclusive a adoção de alguns comportamentos sedentários, atualmente comuns às crianças, reconhecidos pelas mesmas: “Eu acho que devia haver parques à beira das escolas, porque assim, porque as crianças, os pais vêm buscar tarde e então enquanto, ao invés de nós estarmos aqui na escola e irmos para os computadores e isso, poderíamos sair da escola, estava lá um vigilante e irmos para o parque e começarmos a fazer exercício físico, a brincar, invés do que estar metidos na escola e nos computadores, enquanto que esperamos pelos pais. É isso” (menina).

Interessantemente, a divulgação dos parques foi percebida pelas crianças como uma necessidade para o aumento da frequência de utilização dos parques: “Devia de haver alguma coisa que chamasse a atenção de todos no parque, para virem todos, para não estarem, aquilo está tudo deserto” (menino).

A presença de um vigilante e a oferta diversificada de estruturas e atividades são condições que poderão aumentar a percepção das crianças sobre os parques como um ambiente seguro e atraente, favorecendo a maior frequência de utilização pelas crianças e pelas escolas.

Discussão

No presente estudo, a percepção da necessidade de maior segurança nos parques para um aumento da frequência de utilização pelas crianças ficou demonstrada no discurso dessas. A percepção de segurança é um fator social evidenciado como um mediador da utilização dos ambientes naturais, em especial dos parques (KRUGER et al., 2010; OU et al., 2016). Estratégias que assegurem melhores condições aos parques poderão contribuir para a melhor percepção de segurança e maior frequência de utilização desses ambientes pelas crianças.

A presença de vigilantes nos parques, sugerida pelas crianças, é uma estratégia que poderá melhorar a percepção de segurança nos parques e, consequentemente, aumentar a frequência de utilização dos parques pelas crianças para a prática da AF. Um estudo realizado com adolescentes norte-americanos verificou a associação entre a percepção de segurança no parque e a prática de AF nesses ambientes. Com efeito, os adolescentes que reportaram maior segurança foram os mais engajados em práticas de AF nesses ambientes (BABEY et al., 2015), sugerindo uma relação entre a AF praticada nos parques e a segurança percebida pelos usuários nesses locais. Todavia, em outro estudo também realizado em parques nos Estados Unidos, a presença de um vigilante e a percepção de segurança dos usuários não foram associadas à frequência de utilização dos parques (COHEN et al., 2010). Esta necessidade de reforço da segurança nos parques, segundo as crianças entrevistadas, revela fragilidades locais que podem afetar a frequência de utilização dos parques pelas crianças para a prática da AF. A exemplo do registro da ausência de estruturas relacionadas com a segurança em ambos os parques (pontuação EAPRS = 0) e dos relatos de utilização dos parques na companhia de adultos. A elaboração de estratégias que proporcionem maior suporte ao nível de estruturas e ao nível social local poderá favorecer o aumento da frequência de utilização dos parques pelas crianças para a prática da AF.

A análise dos relatos das crianças entrevistadas sobre a necessidade de medidas de segurança nos parques ratifica a percepção de insegurança dessas nos parques e sugere a extensão desta percepção aos adultos responsáveis pelas mesmas. A relação entre a percepção parental sobre o ambiente e o comportamento fisicamente ativo das crianças é conhecida, sendo que ambientes percebidos como pouco seguros pelos pais estão associados a menor mobilidade independente das crianças (SANTOS et al., 2013). A frequência de utilização dos parques pelas crianças de forma independente poderia contribuir para o aumento da utilização dos parques pelas crianças e para a AF diária das mesmas. Porém, os resultados deste estudo sugerem que os parques da amostra são percebidos como ambientes pouco seguros, visto que as crianças relatam a utilização a esses ambientes na companhia de um adulto, condição que parece refletir uma menor mobilidade independente das crianças aos parques. Esta necessidade de maior segurança nos parques poderá decorrer de uma educação num contexto marcadamente adultocêntrico, que requer a presença/vigilância de um adulto em todas as atividades das crianças. Pelos relatos das crianças, esta necessidade não surge de forma pessoal, mas como algo imposto pelo contexto, sendo de realçar a falta de justificação das crianças para esta percepção de falta de segurança nos parques.

As crianças relataram predominantemente a adoção de comportamentos fisicamente ativos nos parques. A supervisão de um adulto está associada a uma menor probabilidade desses comportamentos (FLOYD et al., 2011). Entretanto, o estilo de conduta parental é um fator associado aos níveis de intensidade da AF diária das crianças, sendo que filhos de mães permissivas podem apresentar um maior nível de AF diária (JAGO et al., 2011). De maneira que a companhia de um adulto com condutas menos controladoras poderá contribuir para a maior prática da AF das crianças nos parques. Segundo um estudo recente (HNATIUK et al., 2016), entre os níveis ambientais nos quais as crianças estão inseridas, o social é o que tem maior impacto sobre a AF das crianças no meio doméstico e nos arredores da residência, podendo estar relacionado com o padrão de conduta parental, moldado a partir do ambiente social no qual a criança está inserida. Assim, a reflexão sobre o ambiente social e suas possíveis influências sobre o estilo de conduta parental deve ser incluída na análise da AF praticada pelas crianças nos parques. A influência parental ou familiar sobre a AF das crianças é um fator já muito comprovado no meio científico. O suporte parental é um fator associado à AF, reconhecido pelas crianças (ROTH et al., 2012), que colabora positivamente para a AF diária das crianças e negativamente para a adoção de comportamentos sedentários nas crianças (MCMINN et al., 2013; TANDON et al., 2014; LAU et al., 2015).

A presença de um parque vizinho à escola pode ser otimizada com a maior utilização pelas escolas. Evidências (GRAZIOSE et al., 2016) revelam que o acesso ao parque vizinho à escola pode contribuir para a prática da AF e a saúde mental das crianças. De maneira que a maior utilização do parque vizinho pelas escolas poderá ser uma estratégia que beneficie a saúde das crianças, através da oportunidade de AF e contato com a natureza. Neste estudo, as crianças criticam a escola por não lhes proporcionar a utilização dos parques vizinhos, o que diminuiria a adoção de comportamentos sedentários no período escolar, além de tornar a sua rotina diária mais atraente e de contribuir para descentralização da utilização dos parques pelas crianças na companhia dos pais ou familiares.

A manutenção dos parques também surgiu nos resultados do estudo como um fator que poderá interferir na frequência das crianças nos parques para a prática da AF. A má conservação dos equipamentos nos parques foi percebida pelas crianças como uma barreira para a utilização dos mesmos, refletindo em menores oportunidades de AF. Flowers et al. (2016) destacam a relação entre a percepção da qualidade da oferta e a frequência dos indivíduos nos parques. Já Cohen et al. (2016) verificaram que as condições dos parques podem potencializar a AF praticada pelos indivíduos. Entretanto, a renovação dos parques, além de colaborar para a maior frequência de crianças, está associada a um aumento da percepção de segurança dos seus usuários (COHEN et al., 2015). A manutenção adequada dos parques surge como elemento facilitador da frequência e da AF das crianças nesses ambientes, favorecendo simultaneamente a percepção de maior segurança de seus usuários.

Curiosamente, a posse de um cão como animal de estimação surgiu nos relatos das crianças como uma oportunidade de maior frequência de utilização dos parques. Segundo Evenson et al. (2016), passear o cão nos parques pode cooperar para a AF dos adultos, todavia, é um comportamento que tem pouca influência sobre os níveis de AF praticada no parque. Dessa forma, os dados do presente estudo sugerem que ter um cão como animal de estimação pode contribuir para a maior frequência de utilização dos parques pelas crianças. Por sua vez, a companhia de pares no parque não teve destaque entre os relatos das crianças dos GFs. Estudos revelam que as crianças se agrupam de acordo com os níveis de AF que praticam (MACDONALD-WALLIS et al., 2011) e que nos parques, a presença de outra criança ativa pode aumentar os níveis de AF praticada pela criança (FLOYD et al., 2011). Assim, as estratégias que aumentem a frequência infantil de utilização dos parques são válidas, sendo que os parques percebidos como seguros podem aumentar a oportunidade de convívio entre pares de forma fisicamente mais ativa.

Este estudo apresenta pontos fortes e fracos. A caracterização e a avaliação das estruturas dos parques possibilitaram uma aproximação da realidade percebida pelas crianças que fundamentou as conclusões do estudo. Uma ampliação da amostra de parques e respectivos GFs poderia contribuir com novas realidades e, além disso, a participação de adolescentes neste estudo também complementaria os resultados com perspectivas diferentes.

Os resultados deste estudo não podem ser generalizados para todas as populações, tendo em vista as diferentes realidades decorrentes das políticas empregadas, do ambiente e da cultura local, que têm impacto sobre as perceções e os comportamentos dos indivíduos. Todavia, estes resultados são relevantes para a construção de políticas de promoção da AF das crianças em parques.

Considerações finais

Este estudo contribui para a reflexão sobre os ambientes naturais e as oportunidades de comportamentos fisicamente ativos em crianças. Proporcionar a utilização desses ambientes favorecendo a prática de AF das crianças pode colaborar para a prevenção de doenças decorrentes do estilo de vida sedentário e para o cumprimento das recomendações de práticas diárias de AF. Os parques são ambientes naturais que podem potencializar as oportunidades de AF das crianças por proporcionarem condições que facilitam a adoção deste comportamento.

A segurança percebida nos parques surgiu como uma forte evidência para a frequência da sua utilização pelas crianças. Condições que as crianças percepcionem como aumento da segurança nos parques poderão aumentar a sua frequência nos parques. A companhia de um cão como animal de estimação também é outro fator que pode cooperar para o aumento da frequência nesses locais. A manutenção dos equipamentos deve reger uma das ações primárias dos setores envolvidos com a urbanização das cidades. Políticas de incentivo para maior utilização dos parques pelas escolas e a oferta de parques localizados nas áreas residenciais das crianças podem contribuir para a descentralização da figura parental e/ou familiar como companhia para a frequência das crianças nos parques, bem como para a prática de AF entre pares.

Incentivos públicos à frequência de utilização dos parques de forma ativa devem centrar suas atenções sobre os fatores de segurança e manutenção das estruturas dos parques, em especial quando a população-alvo for crianças. Criar mais oportunidades de frequência das crianças de forma independente nos parques pode potencializar os contributos dess es ambientes na adoção de comportamentos ativos.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    05 Ago 2017
  • Aceito
    18 Mar 2018
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