RESUMO
Objetivo: realizar uma reflexão acerca das barreiras, facilitadores e possíveis implicações do exercício da advocacia do paciente pelos enfermeiros.
Resultados: essa reflexão resulta de uma leitura minuciosa da literatura internacional acerca da advocacia do paciente, acrescida de estudos nacionais e internacionais acerca do sofrimento moral e suas relações com o exercício da advocacia.
Conclusão: as barreiras diante do exercício da advocacia do paciente são notórias, pautando-se na própria estrutura organizacional das instituições de saúde e nas relações de poder entre equipes médica e de enfermagem, desafiando e desencorajando os enfermeiros a agirem de acordo com seus conhecimentos e consciências, implicando, muitas vezes, em situações reconhecidas como de sofrimento moral.
DESCRITORES: Advocacia em saúde; Enfermagem; Ética em enfermagem
RESUMEN
Objetivo: realizar una reflexión sobre las barreras, facilitadores y las posibles consecuencias del ejercicio de la defensa de los pacientes por enfermeras.
Resultados: esta reflexión resulta de una lectura exhaustiva de la literatura internacional en defensa de los pacientes, como estudios nacionales e internacionales acerca de la angustia moral y su relación con la práctica de la defensa de los pacientes.
Conclusión: los obstáculos al ejercicio de la defensa de los pacientes son notorios, basándose en la estructura organizativa de las instituciones de salud y de las relaciones de poder entre los equipos de médicos y enfermeros, desafiando y desencorajando los enfermeras para actuar de acuerdo con sus conocimientos y conciencia, resultando a menudo en situaciones consideradas como sufrimiento moral.
DESCRIPTORES: Defensa de la salud; Enfermería; Ética en enfermería
ABSTRACT
Objective: to promote reflection upon the barriers, facilitators and potential implications of patient advocacy on the part of nurses.
Results: this reflection results from a thorough reading of the international literature addressing patient advocacy along with Brazilian and international studies addressing moral distress and its relationship with patient advocacy.
Conclusion: the barriers imposed on patient advocacy are well-known and such constraints are based on the organizational structure of health institutions and power relationships established between doctors and nurses, challenging and discouraging nurses from acting in accordance with their knowledge and conscience, often leading to a condition known as moral distress.
DESCRIPTORS: Health advocacy; Nursing; Nursing ethics
INTRODUÇÃO
Durante as últimas décadas, a advocacia do paciente tem sido um tema de muito debate na enfermagem, sendo considerada um componente ético essencial para a prática dos enfermeiros.1 Embora a advocacia do paciente seja descrita como um ideal para a prática de enfermagem, seu significado, alcance e implicações ainda não estão claramente definidos, o que pode ocasionar ambiguidades e dificuldades no seu exercício nos diferentes ambientes de saúde.1-2
A advocacia do paciente revela-se como um conceito amplo na enfermagem, ações dos enfermeiros aplicáveis a diferentes situações e contextos relacionados à advocacia têm sido exploradas na literatura.2-4 Assim, as ações dos enfermeiros na advocacia do paciente podem ser definidas como parte integrante de seus esforços para promover o interesses de seus pacientes, assegurando que estejam cientes de seus direitos e que tenham acesso às informações para tomada de decisões, bem como defendendo seus direitos, auxiliando-os a obter cuidados de saúde necessários e garantindo a qualidade do cuidado.1,5-9
Ainda, o papel da enfermagem na advocacia do paciente revela, em sua essência, uma relação direta com a moral, sendo possível verificar na advocacia do paciente a atividade fundamental da enfermagem, mas que, em contrapartida, apresenta muitas barreiras em seu exercício, impossibilitando que os enfermeiros desempenhem esse papel de maneira que satisfaça seus ideais.10-11
Em estudos nacionais e internacionais, já foi identificado que o exercício da advocacia do paciente, em situações de conflitos éticos, pode gerar alívio para os trabalhadores de enfermagem, ou diferentemente, maior intensidade de sofrimento moral quando o profissional de enfermagem não consegue desempenhar esse papel de maneira que corresponda aos seus ideais.5,11-14 Desse modo, os enfermeiros vivenciam o sofrimento moral quando reconhecem que necessitam advogar pelos pacientes, porém por pressões externas, tornam-se incapazes de prosseguir com essa ação.15
Assim, considera-se que o exercício da advocacia do paciente possa constituir uma resposta aos constantes problemas morais vivenciados pela enfermagem nos ambientes de cuidado à saúde, especialmente, pela possibilidade de realizar enfrentamentos em seus ambientes de trabalho que culminem em potenciais benefícios aos pacientes e à profissão.
Desse modo, considerando que, muitas vezes, os enfermeiros podem não realizar suficientes enfrentamentos em seus ambientes de trabalho, comprometendo o exercício da advocacia do paciente, propõe-se uma reflexão acerca das barreiras, facilitadores e possíveis implicações desse exercício, visando fornecer subsídios para o desenvolvimento de estratégias que contribuam para a efetivação da advocacia nos diferentes ambientes de atuação da enfermagem. Portanto, objetivou-se refletir acerca das acerca das barreiras, facilitadores e possíveis implicações do exercício da advocacia do paciente pelos enfermeiros.
Essa reflexão resulta de uma leitura minuciosa da literatura internacional sobre a advocacia do paciente, acrescida de estudos nacionais e internacionais abrangendo o sofrimento moral e suas relações com o exercício da advocacia do paciente. Para refletir-se sobre as barreiras e facilitadores da advocacia, são evidenciados os principais obstáculos que podem impedir os enfermeiros de realizarem o seu papel de advogados, bem como os principais pontos de apoio para que os enfermeiros exerçam a advocacia. As reflexões acerca das principais implicações da advocacia do paciente trazem um resgate do conceito de sofrimento moral, evidenciando-o como principal implicação do exercício da advocacia para os enfermeiros.
BARREIRAS E FACILITADORES PARA O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA
O exercício da advocacia confronta-se com inúmeras barreiras que podem impedir os enfermeiros de realizarem plenamente o seu papel de advogados do paciente, além de contribuírem para que não percebam suas atribuições como defensores e para que tenham dificuldades para tomar decisões no seu trabalho.16-17 Entre as principais barreiras encontradas para o exercício da advocacia do paciente na enfermagem, podem ser destacadas: a equipe médica, falta de tempo, elevada carga de trabalho, falhas de comunicação com o paciente ou equipe de saúde, falta de conhecimento, impotência do enfermeiro, medo de assumir riscos e conflitos, falta de autonomia, frágil exercício de poder para tomar decisões e falta de suporte por parte da instituição.1,17-26
Em relação à barreira imposta pela equipe médica, faz-se necessário, frequentemente, que os enfermeiros, para exercerem a advocacia do paciente de maneira eficaz, questionem e desafiem decisões baseadas na autoridade médica estabelecida. Entretanto, apesar da equipe médica ser amplamente reconhecida como uma das principais barreiras à advocacia do paciente, os próprios enfermeiros não questionam ou desafiam decisões inaceitáveis, assim como não buscam formar alianças com a equipe médica para construir estratégias conjuntas de advocacia, apesar das implicações negativas para os pacientes.23
Inúmeras vezes, observa-se que enfermeiros se esquivam de examinar as decisões e ações da equipe médica, abdicando de sua responsabilidade como profissionais de saúde, o que reforça a concepção de que as barreiras à advocacia não residem apenas no desrespeito médico pelo conhecimento da enfermagem, mas também nas atitudes e práticas da própria profissão. Logo, no cotidiano da enfermagem, a impotência, a falta de autonomia e o frágil exercício de poder do enfermeiro para tomar decisões fortalecem o desequilíbrio de forças com a equipe médica.23
Destaca-se que a advocacia do paciente implica numa tomada de posição que pode gerar conflitos entre enfermeiros e demais profissionais de saúde. Por sua própria natureza, a advocacia desencadeia diferenças de opinião acerca dos melhores interesses do paciente, o que desequilibra as relações de poder, especialmente, entre a medicina e a enfermagem. Quando não resolvidas, essas diferenças podem gerar conflitos que compreendem um obstáculo à advocacia do paciente.23
Esses conflitos podem trazer riscos aos enfermeiros, como perder o emprego ou serem rotulados com uma imagem negativa, contribuindo para que se sintam inibidos para exercer poder e advogar pelos direitos do paciente nos seus ambientes de trabalho.1,20 É possível perceber que os enfermeiros estão imersos na aversão ao risco, na cultura do silêncio e na conformidade em detrimento do conflito ou confronto. Essas características constituem importantes obstáculos a serem observados e superados para a efetivação da advocacia na enfermagem.20
Tais barreiras podem ser ultrapassadas pelos enfermeiros, especialmente, através da busca e ampliação do conhecimento, mediadas pelas capacitação e qualificação profissional e por meio de programas de educação permanente, o que poderá possibilitar o fortalecimento da autonomia dos enfermeiros para advogar pelos pacientes. Do mesmo modo, a construção de alianças com a equipe médica, compartilhando valores e metas centradas no cuidado aos pacientes e estabelecendo ações conjuntas de advocacia, poderá minimizar a ocorrência de possíveis conflitos no exercício da advocacia do paciente pelos enfermeiros. Desse modo, para atuarem como advogados eficazes, os enfermeiros precisam reconhecer-se como parceiros iguais na equipe de saúde e buscar o apoio de seus empregadores e das instituições de trabalho.27-28
Assim, a adoção da advocacia do paciente como um elemento de ordem institucional poderá constituir uma importante estratégia para que os enfermeiros se sintam encorajados para advogar pelos pacientes, uma vez que os medos referentes à perda do emprego e à imagem negativa perante os colegas serão minimizados. Logo, o apoio da instituição de saúde pode proporcionar uma maior autonomia aos enfermeiros para que possam advogar pelos direitos dos pacientes e encorajá-los a garantir que estejam capacitados para tomar decisões.4,17,29
No que se refere às barreiras, como falta de tempo e sobrecarga de trabalho, pode-se afirmar que quando os enfermeiros exigem melhores condições organizacionais de trabalho, estão indiretamente advogando pelos pacientes.30 Desse modo, ao reivindicarem que suas responsabilidades éticas e profissionais sejam apoiadas pela instituição de saúde, os enfermeiros podem estar desempenhando importantes ações para advogar pelos pacientes.27
A exigência de melhores condições de trabalho, pautada no dimensionamento adequado de profissionais de enfermagem, na disponibilidade de recursos materiais e na construção de protocolos de normas e rotinas, poderá modificar e qualificar os ambientes de atuação dos enfermeiros, contribuindo para que exerçam a advocacia, ao garantir a qualidade de cuidado, e para que rompam com barreiras que podem impedir esse exercício, como a sobrecarga de trabalho.
Diversas vezes, os enfermeiros estão aptos e preparados para advogar por seus pacientes, mas não são capazes de defendê-los em virtude do modo como se organizam as instituições de saúde, muitas vezes, pautadas no quantitativo em detrimento da qualidade do cuidado e, possivelmente, pelo desequilíbrio de poder vivenciado nos ambientes de trabalho e na própria equipe de enfermagem.11,31 Assim, o ambiente de trabalho tem sido considerado o fator de maior influência para a eficácia das ações de enfermagem na advocacia do paciente.4,6,29,32
Pode-se destacar que a eficácia das ações de advocacia do paciente não depende apenas das características, habilidades e conhecimentos dos enfermeiros como advogados, mas de um ambiente de receptividade.29 Por conseguinte, é importante ressaltar que a advocacia ocorre sempre em um ambiente social, de modo que se torna relevante conhecer as características do ambiente que atuam como fatores facilitadores da advocacia.4,6,29,32
Entre os facilitadores para o exercício da advocacia do paciente, podem ser destacados: os conhecimentos e competências dos enfermeiros, bem como suas características pessoais, o médico como colega, as equipes multidisciplinares, a comunicação, o relacionamento com o paciente e a família, o reconhecimento das necessidades e desejos do paciente, a equipe e a gerência de enfermagem.4,6,18-19,24,26,29,32
As características dos enfermeiros podem influenciar, diretamente e de modo positivo, o exercício da advocacia do paciente, como quando os enfermeiros apresentam maior senso de confiança que provêm do seu autovalor profissional.1,4,18,24 Destaca-se que as características dos enfermeiros, como a confiança, a competência, a autonomia e a sensibilidade moral, constituem importantes pontos de apoio para o exercício da advocacia, orientando a prática da advocacia do paciente. Tais características são desenvolvidas, principalmente, a partir de uma atitude sensível e dinâmica no decorrer da experiência profissional, indo além do conhecimento teórico.
Contudo, os conhecimentos e competências dos enfermeiros também são considerados fatores determinantes no exercício da advocacia, podendo ser desenvolvidos na formação e/ou durante a experiência profissional, por meio de programas de educação continuada, oportunizando-lhes o preparo adequado para liderem com situações que necessitem da defesa dos direitos dos pacientes.19,24 Logo, a atuação efetiva de programas de educação permanente nas instituições de saúde constitui uma importante estratégia para favorecer o exercício da advocacia do paciente pelos enfermeiros.
A equipe e a gerência de enfermagem também são consideradas importantes facilitadores da advocacia do paciente, na medida em que reforçam e apoiam as ações desenvolvidas pelos enfermeiros no exercício da advocacia.24,32 Do mesmo modo, a natureza da relação com os outros membros da equipe de saúde constitui uma poderosa influência sobre o papel dos enfermeiros como advogados, principalmente quando os valores e metas para os cuidados são compartilhados, o que limita o modelo medicocêntrico e potencializa o cuidado centrado no paciente, evidenciando a importância das equipes multidisciplinares e da comunicação efetiva.24,33
Por fim, a relação enfermeiro-paciente, a comunicação efetiva e o reconhecimento das necessidades do paciente são fundamentais para o efetivo exercício da advocacia. Estabelecer uma relação adequada com os pacientes possibilita compreender de forma mais abrangente suas reais necessidades e ser mais eficaz na defesa de seus desejos e interesses, evitando atos paternalistas.1,17,24 Assim, uma importante estratégia para efetivação da advocacia do paciente consiste na construção de alianças entre enfermeiro e paciente, de modo que os enfermeiros estejam familiarizados com seus pacientes e sua situação, a fim de se sentirem confortáveis e seguros quando advogam.
Considera-se que, quando bem-sucedido, o exercício da advocacia pode trazer inúmeros benefícios para os pacientes e também para os enfermeiros. Entretanto, diversas vezes, mesmo buscando superar barreiras e reconhecer fatores facilitadores em seus ambientes de prática, os enfermeiros podem falhar ao tentarem advogar por um paciente, o que pode lhes desencadear sentimentos de frustração, raiva, impotência e, possivelmente, a vivência do sofrimento moral. Tais circunstâncias devem ser retomadas e gerenciadas a fim de evitar as consequências que podem se apresentar para enfermeiros e pacientes.34
ADVOGAR OU NÃO ADVOGAR? POSSÍVEIS IMPLICAÇÕES
Considera-se que há razões práticas para que a advocacia do paciente, muitas vezes, seja a exceção e não a regra nas instituições de saúde. Embora as consequências positivas da advocacia sejam abertamente reconhecidas ao garantirem que os direitos, valores e interesses dos pacientes sejam protegidos e preservados, os enfermeiros podem enfrentar diversas consequências ao desafiarem o sistema de saúde.35
As implicações do exercício da advocacia do paciente podem ser consideradas positivas ou negativas, ocorrendo tanto em níveis macrossociais como em níveis microssociais. Diversos estudos evidenciam que os resultados para os pacientes após intervenções que compreendam ações de advocacia são sempre positivos. No nível microssocial, os pacientes têm sua liberdade de autodeterminação e sua autonomia garantidas; recebem informações adequadas sobre suas condições clínicas e são capacitados para tomarem suas próprias decisões, além de receberem tratamentos rápidos e adequados. Já no nível macrossocial, as ações de advocacia podem provocar mudanças nas políticas e na organização das instituições de saúde, garantindo melhorias no cuidado para a sociedade em geral.19,35-38
Já do ponto de vista dos enfermeiros, em algumas situações, esses podem ser acusados de insubordinação e sofrerem perda da reputação profissional, podendo, até mesmo, serem rotulados como péssimos colegas de trabalho, perderem o emprego e experimentarem perturbações em suas vidas pessoais. Algumas vezes, podem experimentar conflitos extremos na forma de sofrimento moral, sentindo-se impotentes para tomarem a atitude correta.11-14 Diante de todas essas implicações, porque os enfermeiros aceitam o ônus da advocacia, se essa é potencialmente perigosa para eles?35
Considera-se que há sempre implicações pessoais para qualquer enfermeiro que, ao advogar por um paciente, questione práticas de outros profissionais e a política da instituição de saúde.35,37 Contudo, é possível perceber que, ao advogarem com sucesso para os pacientes, os enfermeiros podem aumentar sua satisfação profissional, autoconfiança, credibilidade e visibilidade da enfermagem.35 Por isso, incentivar e promover ações de advocacia na prática dos enfermeiros tem potencial para um impacto positivo na satisfação com o trabalho e no fortalecimento da identidade profissional.36
Ainda, a experiência do sofrimento moral, após tentativas fracassadas de advocacia do paciente, podem ser consideradas uma das principais razões para o abandono da profissão pelos enfermeiros, resultado da insatisfação com o trabalho e com a carreira escolhida. O sofrimento moral pode ser entendido como um desequilíbrio psicológico ocasionado por sentimentos dolorosos que ocorrem quando os trabalhadores de enfermagem não podem executar situações moralmente adequadas, segundo suas consciências.15
Na realidade brasileira, investigações do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Enfermagem e Saúde11-14,39-40 constataram que trabalhadores de enfermagem, ao optarem por não realizar o enfrentamento de situações potencialmente geradoras de sofrimento moral, optam por não abandonar a profissão, mas por afastar-se de seus valores, crenças e, por fim, dos próprios ideais da profissão.
A aplicação do instrumento Moral Distress Scale para verificar a vivência de sofrimento em enfermeiros no contexto brasileiro, permitiu identificar e validar quatro constructos relacionados à percepção do sofrimento moral, definidos como: negação do papel da enfermeira como advogada do paciente, falta de competência na equipe de trabalho, desrespeito à autonomia do paciente e obstinação terapêutica. A falta de competência na equipe de trabalho foi o constructo que mais influenciou a percepção de sofrimento moral, seguido pela negação do papel da enfermeira como advogada do paciente.12 Em estudos subsequentes, foi identificado que novamente a negação do papel da enfermagem como advogada do paciente, definido como o potencial não utilizado pela enfermagem para reivindicar os direitos dos pacientes, constituiu uma importante fonte para a vivência do sofrimento moral.13,41
No cotidiano de trabalho, os enfermeiros de maneira individual são capazes de reconhecer e advogar por problemas locais de seus pacientes, mas é praticamente impossível que enfrentem e promovam mudanças em problemas sistêmicos que afetam seus pacientes, o que poderia lhes ocasionar um sofrimento desnecessário. A compreensão da advocacia como uma responsabilidade individual do enfermeiro parece afastar as associações profissionais de enfermagem de suas funções de liderança mais importantes, resultando no abandono de enfermeiros e de seus pacientes.34-35
Contudo, reconhecer que a enfermagem tem uma responsabilidade coletiva na advocacia não significa negar que o enfermeiro individual tem um papel a desempenhar na mudança sistêmica. A expressão da advocacia como uma responsabilidade coletiva, sustentada pela participação de associações profissionais e entidades de classe representantes da enfermagem, ao invés de constituir-se somente num dever dos enfermeiros individualmente, poderá estimular a prática da advocacia nos ambientes de atuação da enfermagem, beneficiando pacientes e profissionais e, evitando implicações, como o sofrimento moral.34-35,42
DESAFIOS E POSSIBILIDADES
A necessidade de advogar pelos interesses dos pacientes carrega consigo, inevitavelmente, o risco do insucesso e a necessidade de coragem por parte do enfermeiro que busca em suas atitudes desempenhar esse importante componente da enfermagem como profissão de múltiplas interfaces éticas. As barreiras diante do exercício da advocacia do paciente são notórias, pautando-se na própria estrutura organizacional das instituições de saúde e nas relações de poder entre equipes médica e de enfermagem, desafiando e desencorajando os profissionais a agirem de acordo com seus conhecimentos e consciências, implicando, muitas vezes, em situações reconhecidas como de sofrimento moral.
Importantes elementos podem ser destacados como facilitadores da advocacia do paciente nos múltiplos contextos de saúde, destacando-se, entre esses, a importância dos ambientes de trabalho em todas suas dimensões. O fortalecimento das relações profissionais nesses ambientes, a construção de climas éticos compatíveis com o exercício da autonomia, o apoio das chefias, o diálogo franco e aberto, o conhecimento clínico, a educação permanente e a construção progressiva de competências morais podem ser considerados importantes fatores associados ao exercício efetivo da advocacia do paciente.
Nos microespaços de atuação dos enfermeiros, o exercício da advocacia parece se manifestar de forma isolada, silenciosa e fragmentada, o que dificulta sua difusão e reconhecimento. A adoção da advocacia do paciente como elemento coletivo, de ordem institucional, concreto e indissociável da prática profissional do enfermeiro, poderá possibilitar o enfrentamento das barreiras que atualmente impedem a enfermagem de realmente fazer a diferença no contexto de saúde, culminando em potenciais benefícios aos pacientes e à profissão.
Por fim, cabe destacar que as reflexões realizadas nesse estudo são provenientes de dados pontuais de produções científicas nacionais e internacionais, dificultando a generalização dos resultados.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
28 Set 2017
Histórico
-
Recebido
24 Mar 2015 -
Aceito
03 Dez 2015