Reanimação cardiopulmonar para leigos: avaliação de vídeos sob a perspectiva do letramento digital em saúde

Resumo

Objetivo:

analisar indicadores de qualidade e conteúdo técnico dos vídeos postados na plataforma YouTube, para leigos, sobre reanimação cardiopulmonar em adultos e sua produção audiovisual quanto aos princípios do letramento digital em saúde.

Método:

estudo descritivo, exploratório, que selecionou vídeos gravados entre dezembro de 2015 e abril de 2021. Foram analisados por indicadores da produção de material audiovisual, considerando as diretrizes da American Heart Association e os princípios do letramento digital em saúde. Foi realizada estatística descritiva e inferencial.

Resultados:

dos 121 vídeos analisados, 26 não atenderam qualquer indicador sobre ressuscitação cardiopulmonar; quatro atingiram 81% de conformidade; oito vídeos, 79%; nove vídeos, 69% e 74 vídeos de seis a 63%. De acordo com os princípios do letramento digital em saúde, um vídeo atendeu 85% dos indicadores; 81 vídeos atenderam de 50 a 80% e 39 vídeos, de 10 a 49%. Foi identificada correlação positiva entre letramento e ressuscitação cardiopulmonar.

Conclusão:

nenhum vídeo apresentou 100% de conformidade com as diretrizes da American Heart Association. A falta de mecanismos de fiscalização e controle sobre conteúdos relacionados à saúde permite a publicação de vídeos equivocados, que têm sido utilizados como aprendizado pelas pessoas e podem perder o maior objetivo que é salvar vidas.

Descritores:
Reanimação Cardiopulmonar; Parada Cardiorrespiratória; Parada Cardiorrespiratória Extra-Hospitalar; Competência em Informação; Letramento em Saúde; Assistência Pré-Hospitalar

Abstract

Objective:

to analyze the quality indicators and technical content of the videos for lay people posted on the YouTube platform, on cardiopulmonary resuscitation in adults and their audiovisual production regarding the principles of digital health literacy.

Method:

a descriptive and exploratory study, which selected videos recorded between December 2015 and April 2021. They were analyzed by indicators of the production of audiovisual material, considering the American Heart Association guidelines and the principles of digital health literacy. Descriptive and inferential statistics were performed.

Results:

of the 121 videos analyzed, 26 did not comply with any indicator on cardiopulmonary resuscitation, four reached 81% compliance, eight videos reached 79%, nine reached 69% and 74 videos, from 6% to 63%. According to the principles of digital health literacy, one video met 85% of the indicators, 81 met from 50% to 80% and 39, from 10% to 49%. A positive correlation was identified between literacy and cardiopulmonary resuscitation.

Conclusion:

no video presented 100% compliance with the American Heart Association guidelines. The absence of mechanisms for supervision and control over health-related contents allows for the posting of mistaken videos, which have been used as a learning method by people and can thus miss their greatest goal: save lives.

Descriptors:
Cardiopulmonary Resuscitation; Heart Arrest; Out-of-Hospital Cardiac Arrest; Information Literacy; Health Literacy; Prehospital Care

Resumen

Objetivo:

analizar los indicadores de calidad y contenido técnico de los videos publicados en la plataforma YouTube, para legos, sobre reanimación cardiopulmonar en adultos y su producción audiovisual según los principios de la alfabetización digital en salud.

Método:

estudio descriptivo, exploratorio, que seleccionó videos grabados entre diciembre de 2015 y abril de 2021. Fueron analizados en función de los indicadores de producción de material audiovisual, considerando las directrices de la American Heart Association y los principios de la alfabetización digital en salud. Se realizó estadística descriptiva e inferencial.

Resultados:

de los 121 videos analizados, 26 no cumplieron con ninguno de los indicadores de reanimación cardiopulmonar; cuatro lograron un 81% de conformidad; ocho videos, 79%; nueve videos, 69% y 74 videos de seis a 63%. De acuerdo con los principios de la alfabetización digital en salud, un video cumplió con el 85% de los indicadores; 81 videos cumplieron del 50 al 80% y 39 videos del 10 al 49%. Se identificó una correlación positiva entre la alfabetización y la reanimación cardiopulmonar.

Conclusión:

ningún video cumplió el 100% de las directrices de la American Heart Association. La falta de mecanismos de supervisión y control sobre los contenidos relacionados con la salud permite la publicación de videos erróneos, que han sido utilizados como experiencia de aprendizaje por las personas y es probable que no cumplan con el principal objetivo, que es salvar vidas.

Descriptores:
Reanimación Cardiopulmonar; Paro Cardíaco; Paro Cardíaco Extrahospitalario; Alfabetización Informacional; Alfabetización en Salud; Atención Prehospitalaria

Destaques

(1) Descumprimento das diretrizes da American Heart Association nos vídeos analisados.

(2) Fragilidade e equívocos das informações sobre Reanimação Cardiopulmonar.

(3) Falta de fiscalização e controle sobre as publicações relacionadas à saúde.

(4) Falta de conexão entre a atitude ética e técnica para garantir adequação do material.

(5) Falta de identificação da autoria na maioria dos vídeos.

Introdução

A parada cardiorrespiratória (PCR) consiste na interrupção do suprimento sanguíneo e respiratório devido à falta de batimentos cardíacos ou de sua ineficácia. Ela ocorre subitamente e, na maioria das vezes, em ambientes não-hospitalares. Se não houver atendimento rápido e eficaz, poderá causar o óbito ou deixar sequelas graves que comprometerão a qualidade de vida da pessoa¹. Esse quadro pode ser reversível caso seja realizada a reanimação cardiopulmonar (RCP), que consiste na sequência organizada de manobras que restabelecerão a circulação espontânea, de maneira adequada e no tempo certo².

Essas manobras devem ser iniciadas por quem presencia a PCR ou primeiro se aproxima da vítima. Usualmente, pessoas leigas têm esse contato inicial e precisam saber como agir rapidamente, com o objetivo de contribuir na sobrevida e na redução dos riscos de lesões às vítimas^3-4.

A internet tem sido fonte imediata de informações sobre saúde, que muitas vezes não consideram o letramento digital em saúde (LDS) das pessoas⁵. Ele é definido como “a capacidade de buscar, encontrar, compreender e avaliar as informações de saúde de fontes eletrônicas e aplicar os conhecimentos adquiridos para abordar ou resolver um problema de saúde”⁶. Além disso, a falta de triagem da qualidade dos materiais publicados resulta em risco elevado de desinformação⁷.

Uma das plataformas online mais populares e acessadas com bilhões de visualizações todos os dias é o YouTube, surgindo como fonte significativa e vasta de informações sobre saúde^8-9. Considerando o quantitativo de pessoas que acessam vídeos educativos para saúde e a falta de critérios de qualidade para postagens, surgiu a preocupação em se avaliar as informações relacionadas à realização de RCP, disponibilizadas nesse ambiente virtual.

Para além de considerar as habilidades individuais sobre o acesso e uso das informações disponibilizadas por meio digital, o material apresentado deve conter informações baseadas em evidências científicas atualizadas, ser facilmente acessível e compreensível¹⁰. A preocupação relativa a conteúdos embasados em protocolos e diretrizes científicas se fundamenta na possibilidade de haver informações equivocadas sobre o que está sendo transmitido às pessoas que utilizam a internet como meio de aprendizado.

Desta forma, este estudo objetivou analisar os indicadores de qualidade e conteúdo técnico de vídeos sobre reanimação cardiopulmonar em adultos e sua produção audiovisual relacionada aos princípios do letramento digital em saúde, postados na plataforma YouTube para o público leigo.

Método

Delineamento, local e período de coleta de dados

Trata-se de uma pesquisa descritiva exploratória, com abordagem quantitativa. A coleta de dados foi realizada na plataforma de compartilhamento de conteúdo em vídeos YouTube (www.youtube.com.br). Esta plataforma foi escolhida dentre outros sítios, por ser a mídia social de pesquisa mais utilizada no Brasil e o segundo site mais visitado no mundo¹¹.

A coleta de dados foi realizada entre 2020 e 2021, incluindo vídeos gravados entre dezembro de 2015 e abril de 2021. O conteúdo dos vídeos sobre RCP foi avaliado com base nas diretrizes da American Heart Association (AHA)^12-13_, que são referências internacionais e sistematicamente atualizadas a cada cinco anos. A atualização periódica das diretrizes da AHA durante a coleta de dados não interferiu na avaliação dos vídeos, pois foram direcionadas à atuação dos profissionais de saúde.

Foram incluídos vídeos sobre reanimação cardiopulmonar em adultos publicados no idioma português e com duração máxima de 4 minutos. Os vídeos de “curta duração” são os mais acessados pelos usuários do YouTube^14-15, com maior potencial de serem visualizados e, assim, contribuir para os aspectos educacionais referentes à reanimação cardiopulmonar¹⁶. A curta duração de vídeos e imagens evidencia mudança nos padrões de ver e pensar, tornando os produtos desejáveis para quem procura essa informação¹⁷. Foram excluídos os vídeos que não faziam referência direta à RCP para leigos.

Coleta e análise de dados

Primeiramente, foi realizada busca nos Descritores em Ciências da Saúde para identificar os descritores controlados relacionados ao tema: “reanimação cardiopulmonar”, “ressuscitação cardiopulmonar” e “ressuscitação cardiopulmonar para leigos”.

Em seguida, foram aplicados filtros oferecidos pelo próprio site que delimitaram os resultados da pesquisa: “tipo de resultado”, “vídeos” e “tempo de duração” (selecionados os de “curta duração - menos de 4 minutos”).

Foram identificados 350 vídeos sobre reanimação cardiopulmonar, dos quais foram excluídos 160 vídeos sobre RCP em bebês, 52 em crianças e 17 vídeos que abordavam outros assuntos além da RCP.

Os vídeos selecionados para análise foram assistidos individualmente e registrados em planilha do Microsoft Excel^® para a tabulação dos dados. A planilha continha informações como: duração do vídeo; data da postagem; total de visualizações; quantidade de like e dislike; confiabilidade da autoria e os endereços URL dos vídeos (localizador padrão de recursos, do inglês uniform resource locator), para formar a lista de exibição e possibilitar quantas visitas fossem necessárias.

Para nortear a coleta de dados, os autores elaboraram dois checklists, sendo um para avaliação da pertinência do conteúdo considerando as diretrizes vigentes da American Heart Association^12-13, e outro para verificar a adequação dos vídeos considerando os critérios estabelecidos para produção de materiais educativos em meio digital^11,17.

A fim de assegurar maior confiabilidade dos dados coletados, os checklists foram submetidos à avaliação de profissionais que atuam nas áreas de reanimação cardiopulmonar e de letramento em saúde.

O checklist sobre a RCP foi avaliado por 10 profissionais, enfermeiros e médicos com experiência mínima de dois anos na área de urgência, emergência ou terapia intensiva. O checklist sobre letramento digital em saúde foi avaliado por 10 pesquisadores com formação em enfermagem, medicina e nutrição, que desenvolvem pesquisas voltadas para esta temática.

Os avaliadores realizaram a análise dos checklists informando se concordavam ou não com os itens apresentados e se tinham sugestões de modificações, acréscimos ou exclusão de algum item. Eles concordaram com os itens listados e sugeriram acréscimo de 02 itens no checklist sobre RCP e 03 itens no checklist sobre LDS. A versão final do checklist sobre RCP ficou com 16 itens de análise e a de LDS com 20 itens. Ambos têm como opções de resposta “0” para não atendimento dos critérios avaliados e “1” para critérios de avaliação atendidos.

Para analisar a adequação dos vídeos aos princípios do letramento digital em saúde, foram considerados os critérios: a) título/descrição do vídeo; b) confiabilidade do vídeo (presença de profissional da área da saúde ou autor desconhecido ou vídeo produzido por empresa); c) proporção de like/dislike, a fim de analisar a repercussão do conteúdo exposto; d) qualidade do arquivo (qualidade técnica do áudio e da imagem); e) qualidade do ensino sonoro (narrador/instrutor é claro nas explicações); f) qualidade do ensino visual (material visual complementar, como animação, letreiro ou elementos gráficos)¹⁸.

Análise dos dados

Todas as variáveis do instrumento de avaliação dos vídeos foram armazenadas em planilha eletrônica, com o auxílio do software Microsoft Excel^®. Foi realizada estatística descritiva. Para as variáveis categóricas (quantidade de itens dos instrumentos), foram determinadas as frequências absolutas e relativas percentuais. Para as variáveis contínuas (desempenho dos vídeos: like e dislike) foram calculadas medidas de tendência central e de dispersão, com o auxílio do software BioEstat^® versão 5.3. Além disso, foi realizada estatística inferencial com aplicação do teste de correlação de Pearson, adotando nível de significância de 5%.

Resultados

Do total de 350 vídeos identificados na plataforma YouTube, 34,6% atenderam aos critérios de elegibilidade. O fluxograma na Figura 1 demonstra as etapas do processo de coleta dos dados, que consistiu na identificação, triagem e seleção dos vídeos avaliados.

Figura 1
Fluxograma do processo de seleção de vídeos sobre reanimação cardiopulmonar em adultos na plataforma YouTube, destinados à pessoa leiga

Dos 121 vídeos analisados, 40,5% foram produzidos por profissionais e estudantes da área da saúde. A frequência de itens atendidos em relação à avaliação das informações sobre RCP está apresentada na Tabela 1.

Tabela 1
Frequência do atendimento aos itens na avaliação do conteúdo sobre reanimação cardiopulmonar em adultos, em 121 vídeos disponíveis na plataforma YouTube, destinados à população leiga

Nº	Itens (N=121)	Sim		Não
		n	f(%)	n	f(%)
01	Orientou sobre a verificação da segurança do local	22	18,2	99	81,8
02	Checou a responsividade	76	62,8	45	37,2
03	Checou respiração/verificação da expansão torácica	63	52,1	58	47,9
04	Orientou sobre a solicitação do serviço de emergência	71	58,7	50	41,3
05	Orientou a iniciar as compressões torácicas, em caso de respiração ausente	73	60,3	48	39,7
06	Orientou sobre a necessidade de a manobra ser realizada em superfície plana/rígida	22	18,2	99	81,8
07	Seguiu a sequência C-A-B	43	35,5	78	64,5
08	Orientou sobre a localização adequada das mãos na compressão torácica	59	48,8	62	51,2
09	Falou sobre o posicionamento correto das mãos	44	36,4	77	63,6
10	Orientou sobre a profundidade das compressões de pelo menos 2 polegadas (5 cm)	40	33,1	81	66,9
11	Reforçou a importância do retorno do tórax	16	13,2	105	86,8
12	Orientou sobre a solicitação do Desfibrilador Externo Automático (DEA)	21	17,4	100	82,6
13	Abordou a velocidade das compressões (100 a 120/min)	51	42,1	70	57,9
14	Orientou sobre a minimização de interrupções na compressão	09	7,4	112	92,6
15	Orientou sobre continuar compressões até a chegada da equipe de resgate	40	33,1	81	66,9
16	Orientou sobre quando parar as compressões	31	25,6	90	74,4

Os itens mais atendidos nos vídeos foram: checagem da responsividade (62,8%); início das compressões torácicas em caso de respiração ausente (60,3%); orientação sobre a solicitação do serviço de emergência (58,7%) e checagem da respiração/verificação da expansão torácica (52,1%). Os itens menos atendidos foram: minimização de interrupções na compressão (92,6%); reforço da importância do retorno tórax (86,8%); solicitação do desfibrilador externo automático (DEA) (82,6%); orientação sobre a verificação da segurança do local (81,8%); manobras realizadas em superfície plana/rígida (81,8%) e sobre quando parar as compressões torácicas (74,4%).

Nenhum vídeo apresentou 100% de conformidade com as diretrizes da American Heart Association^12-13. Cerca de 26 vídeos não atenderam aos itens do instrumento sobre RCP, quatro vídeos atingiram 81%, oito vídeos, 79% e nove vídeos, 69% dos itens e 74 vídeos de 6% a 63%. O número de vídeos em conformidade com as diretrizes da AHA, pode ser identificado na Figura 2.

Figura 2
Frequência de vídeos e conformidade do conteúdo relacionado às diretrizes da American Heart Association, disponibilizados no YouTube

Dos 121 vídeos analisados, os itens que obtiveram maior frequência de conformidade foram: a data da produção do vídeo constava no campo de descrição do vídeo (95,9%); o som e imagem coincidiam (95,0%); a iluminação estava adequada (90,1%); e o autor utilizava meios para contribuir na didática (88,4%).

Os itens menos atendidos foram: disponibilizar fontes de informações relacionadas ao conteúdo no campo de descrição do vídeo (6,6%); citar as principais referências utilizadas para produzir o conteúdo divulgado em vídeo (7,4%); gerar questionamentos reflexivos e inferenciais aos espectadores sobre o assunto abordado (25,6%); e atender ao talking head com material complementar (28,1%) (Tabela 2).

Tabela 2
Frequência de atendimento aos itens sobre o letramento digital em saúde em 121 vídeos disponíveis na plataforma YouTube, destinados à população leiga

Nº	Atendimento aos itens do instrumento (N=121)	Sim		Não
		n	f(%)	n	f(%)
1	A data da produção do vídeo consta no campo de descrição do vídeo	116	95,9	5	4,1
2	O título do vídeo é informativo, apresenta o que será dito de forma clara	87	71,9	34	28,1
3	O autor do vídeo se identifica (profissional/estudante)	49	40,5	72	59,5
4	O autor do vídeo se identifica (nome)	61	50,4	60	49,6
5	O autor cita as principais referências utilizadas para produzir o conteúdo divulgado em vídeo	9	7,4	112	92,6
6	O autor utiliza meios para contribuir na didática (simulação realística, lousa, manequim ou slide)	107	88,4	14	11,6
7	O autor do vídeo gera questionamentos reflexivos e inferenciais aos espectadores sobre o assunto abordado	31	25,6	90	74,4
8	Fornece/disponibiliza fontes de informações relacionadas ao conteúdo no campo de descrição do vídeo	8	6,6	113	93,4
9	A qualidade do som é adequada, ouve e compreende bem o que é falado	96	79,3	25	20,7
10	É talking head com material complementar (vídeo em que a pessoa fala para a câmera, mas é entrecortada por outras imagens, animações, gráficos, ilustrações)	34	28,1	87	71,9
11	Som e imagem coincidem	115	95,0	6	5,0
12	Presença de legenda	87	71,9	34	28,1
13	Linguagem clara e objetiva	70	57,9	51	42,1
14	Imagem (figura etc.) é nítida que retrata o conteúdo abordado	106	87,6	15	12,4
15	Iluminação adequada (permite boa visualização do conteúdo)	109	90,1	12	9,9
16	Sem presença de ruídos ou músicas que interferem no entendimento do conteúdo durante a fala	105	86,8	16	13,2
17	O autor do vídeo é ligado a alguma instituição de ensino ou de assistência relacionada ao assunto	74	61,2	47	38,8
18	O vídeo apresenta símbolo da instituição que o autor é vinculado	50	41,3	71	58,7
19	Vídeo que contém parte escrita, o tamanho da fonte utilizada é de fácil visualização	61	50,4	60	49,6
20	As informações do vídeo seguem protocolos nacionais ou internacionais do conteúdo	62	51,2	59	48,8

Observou-se que um vídeo atendeu 85% de itens do checklist, 81 vídeos de 50% a 80%, 39 vídeos de 10% a 49% do checklist. A Figura 3 mostra a quantidade de vídeos de acordo com a porcentagem de adequação às recomendações do letramento em saúde.

Figura 3
Frequência dos vídeos e conformidade com os princípios do letramento digital em saúde, disponibilizados no YouTube

Os itens de avaliação do letramento e os itens de avaliação do conteúdo de RCP abordados nos vídeos foram somados separadamente e submetidos ao teste de correlação de Pearson. Percebeu-se correlação positiva (p<0,0001; r=0,3497) entre os indicadores de qualidade do letramento e o conteúdo de RCP. Isto significa que os vídeos que atendiam aos indicadores de produção audiovisual, eram aqueles que apresentavam conteúdo mais adequado sobre RCP para leigos.

Em relação ao desempenho do vídeo no YouTube, a quantidade média de likes foi de 118,4, com coeficiente de variação (CV) de 441,2%, e variação de zero a 5.100 likes. A média de dislikes registrada foi de 2,5 (CV=334,8%), variando, portanto, de zero a 56 dislikes. A quantidade média de visualizações foi de 4.487 (CV=393,2%), variando de 4 a 147.886. E, finalmente, o tempo de duração dos vídeos foi, em média, de 2 minutos e 30 segundos (CV=46,5%).

Discussão

É fato que os vídeos são excelentes recursos didáticos no processo de ensino-aprendizagem e facilitam a propagação de informações de maneira dinâmica. Porém, aqueles que se dispõem a produzi-los devem estar atentos quanto à qualidade do conteúdo a ser transmitido. Neste contexto, analisar a qualidade dos vídeos sobre reanimação cardiopulmonar em uma das maiores plataformas online do mundo, possibilitou verificar que os benefícios dessa mídia social podem ser reduzidos pelo baixo nível de letramento em saúde digital de seus usuários e pela falta de cuidado com o conteúdo publicado¹⁹.

Os resultados do presente estudo evidenciaram a falta de domínio ou atenção sobre a maneira correta de atuar em situação de parada cardiorrespiratória (PCR), por parte de quem produziu os vídeos, ainda que, em vários casos, os autores sejam profissionais e estudantes da área de saúde. Considerando que a maioria dos vídeos não está de acordo com as diretrizes da AHA^12-13, é importante considerar também o compromisso ético com a fidedignidade das informações e com os paradigmas pertinentes às normas, regras e diretrizes²⁰.

Toda avaliação útil, tecnicamente adequada e ética, deve orientar a estratégia de ação, considerando que a ética permeia a técnica e a responsabilidade social²¹. Há estudos brasileiros^22-24 que avaliaram a qualidade das informações na plataforma YouTube sobre RCP, e que verificaram que a maioria dos vídeos não contemplava as diretrizes vigentes à época, corroborando com os resultados desta pesquisa.

Dessa forma, os responsáveis pela veiculação de conteúdos nas plataformas virtuais, em contradição com as recomendações feitas pelos órgãos responsáveis, precisam urgentemente modificar sua conduta para que não sejam disseminadas informações equivocadas ou incompletas, sob o risco de gerar grande prejuízo à vida de quantidade significativa de seus usuários que as utilizam como fonte de aprendizado^8,25.

Cada etapa da manobra de reanimação cardiopulmonar a ser realizada é fundamental. Está embasada em estudos que justificam sua execução e função, com objetivo principal de manter manualmente a função contrátil do coração, assegurando a perfusão sanguínea para manter os órgãos oxigenados, pelo maior tempo possível até a chegada da equipe de resgate, diminuindo assim as sequelas neurológicas e cardíacas que possam ocorrer²⁶.

A aplicação correta dos procedimentos da RCP não foi observada em boa parte dos vídeos, o que gera preocupação em tempos em que a tecnologia vem ocupando maior espaço a cada dia e provoca mudanças no processo de aprendizagem. As pessoas que utilizam esses vídeos executarão a manobra de maneira inadequada, não atingindo o objetivo maior que é salvar vidas²⁷.

Cerca de 60,3% dos vídeos orientaram a realização das compressões ao notar a ausência de respiração e expansão torácica, porém negligenciaram como fazê-las. Devem ser realizadas em superfície plana e rígida²⁸, e a metade inferior do esterno é o local do tórax para compressão; as mãos devem ser posicionadas uma entrelaçada sobre a outra; sendo a profundidade correta de duas polegadas ou cinco cm para adultos, evitando o excesso na profundidade das compressões torácicas e fraturas¹².

Além disso, a importância do retorno do tórax após as compressões para não comprometer o retorno venoso e o fluxo sanguíneo cardiopulmonar; a velocidade adequada com frequência de 100 a 120 compressões por minuto, em vítimas adultas; a não interrupção da RCP até a chegada da equipe de resgate que levará o desfibrilador externo automático; e a verificação da segurança do local, para evitar intercorrências tanto com a vítima, quanto com quem está prestando o socorro, é informação indispensável para o adequado atendimento, frente à situação de PCR¹².

A falta dessas informações pode induzir o socorrista leigo ao erro e até mesmo interferir na taxa de sobrevida da vítima. Sabe-se que a taxa de sobrevida após uma PCR pode triplicar, quando a RCP é realizada com alta qualidade e de forma precoce²⁹.

Isso reforça, mais uma vez, que a maioria dos vídeos direcionados aos leigos que estão publicados no YouTube sobre essa temática, não deve ser recomendada como forma de aprendizado, ainda que seja incontestável que vídeos do YouTube podem contribuir para o processo de ensino-aprendizagem da população. Deveria ser feito um planejamento criterioso, com controle dos conteúdos veiculados pela plataforma digital, permitindo aproveitá-la com toda a capacidade que oferece^16,30.

Um aspecto a ser considerado na construção de vídeos relacionados à saúde, e que pode auxiliar na qualidade do conteúdo a ser publicado, é utilizar as recomendações das diretrizes e protocolos vigentes com seus respectivos algoritmos de atendimento, gerando vídeos com informações baseadas em evidências e na sequência correta do atendimento na RCP. Essas estratégias são consideradas efetivas para o cuidado seguro e o YouTube, que é considerado o site mais difundido entre os usuários da internet e utilizado como fonte de pesquisa, deveria se atentar para esses cuidados em suas publicações^16,30.

Atualmente, a internet e as redes sociais representam os canais principais para a procura de informação sobre saúde e apoio entre pares. No entanto, os benefícios das mídias sociais sobre saúde, podem ser reduzidos pelo baixo nível de letramento digital em saúde, sendo indispensável que a informação esteja organizada e acessível o suficiente para que o usuário possa encontrá-la e utilizá-la em prol da sua saúde³¹.

Os vídeos que tiveram maior quantidade de itens atendidos foram os mais visualizados e com mais quantidade de likes. Isso indica mais aceitabilidade por parte dos usuários referente ao conteúdo. A credibilidade das informações é atributo imprescindível para garantir que as técnicas de RCP sejam adotadas sobretudo para o leigo, e que requer condições básicas de letramento digital.

Além da falta de domínio da técnica, também estão ausentes competências digitais por parte dos autores e as escolas devem iniciar a curricularização do letramento em saúde nos planos pedagógicos de maneira a formar profissionais que sejam responsivos ao letramento. Além disso, a saúde digital já é realidade mundial e cabe às escolas formadoras preparar os futuros profissionais para atender as demandas dessa nova realidade, pautada na ética e promoção da saúde segura no ambiente digital³².

Tanto a qualidade do conteúdo quanto qualidade da produção do vídeo devem ser fatores considerados. Mesmo havendo facilidade em se produzir um vídeo, deve-se levar em conta os aspectos técnicos, uma vez que produtores não podem apenas designar materiais para atingir fins particulares e sim, assumir a responsabilidade na transmissão de informações sobre o uso efetivo de tais materiais, que possam ter impacto na vida das pessoas^33-34.

A maioria dos autores dos vídeos analisados neste estudo não informou se era profissional ou estudante da área da saúde; muitos informaram apenas o nome. No entanto, foi observado o uso de termos técnicos, alguns estavam paramentados como profissionais da área da saúde e utilizaram manequins nas simulações; outros estavam em ambientes de instituição de ensino, presumindo-se, portanto, se tratar de profissionais ou estudantes da área da saúde.

Ao se publicar um conteúdo em uma plataforma virtual de acesso público, a identificação (nome e profissão) de quem está à frente dessa publicação, deve constar no seu material, visto que essas informações geram confiança à produção³⁵.

Um estudo¹⁸ apontou que critérios que transmitem confiabilidade aos vídeos e que garantem a manutenção de sua qualidade são a identificação e a data de produção do vídeo, pois informam a atualidade do conteúdo apresentado. Este mesmo estudo apontou que o objetivo do vídeo deve ser óbvio para o espectador; deve possuir título que reflita com clareza o propósito do vídeo, e, em nenhum caso, o título deve ser enganoso a respeito do conteúdo que será apresentado¹⁸.

Nas situações em que são utilizadas terminologias em saúde, é importante que sejam acessíveis para o público que se quer atingir; os termos técnicos necessários devem ser definidos. Além disso, é importante referenciar as informações que estão sendo utilizadas, pois além de comprovar de onde foi extraída a informação, demonstra o cuidado científico e ético. Se apropriar de conteúdo sem dar o devido crédito à fonte é antiético e pode resultar em ação judicial^36-37.

O presente estudo traz importantes avanços no conhecimento científico, uma vez que estamos em novo cenário de aprendizado e aquisição de conhecimento por meio das plataformas digitais, principalmente durante esse período pandêmico, quando é necessário identificar quais informações em saúde são confiáveis ou não. Nesse sentido, os profissionais de saúde podem criar estratégias como uma lista de sites com materiais educativos confiáveis disponíveis à população.

Além disso, esforços devem ser envidados para promoção de programas de educação em saúde que objetivem melhorar as condições de LSD, possibilitando às pessoas adquirirem habilidade para acessar, compreender e avaliar as informações disponibilizadas nos meios digitais.

Esta pesquisa apresenta limitações como a falta de instrumentos validados para avaliar vídeos educativos contendo os princípios do letramento digital em saúde. Essa lacuna pode ser explicada pelo fato de se tratar de tema ainda recente no Brasil, apontando a necessidade de novas investigações. E, ainda, a possibilidade de se analisar vídeos com maior tempo de duração sobre o assunto, visto que mesmo em menor frequência, também são visualizados por leigos.

Esta pesquisa demonstrou que há fragilidade nas informações em saúde disponíveis sobre reanimação cardiopulmonar, por ser tema que deve ser amplamente divulgado à população leiga, para que consiga prestar socorro imediato com manobras corretas e respaldadas em protocolos e diretrizes para segurança de todos.

Desta forma, recomenda-se que futuros estudos elaborem e validem instrumentos específicos com indicadores de conteúdo e qualidade dos vídeos, garantindo assim a qualidade das informações repassadas em sites da internet, tomada de decisões assertivas em saúde baseadas em evidências, com crivo de qualidade das informações publicadas^38-39. Além disso, a quantidade de vídeos relativos à RCP em crianças (60% dos encontrados), assinala para perspectivas de estudos futuros que analisem a qualidade dos vídeos nessa faixa etária.

Conclusão

Os resultados evidenciaram fragilidades nas informações disponíveis na plataforma YouTube sobre Reanimação Cardiopulmonar (RCP), relacionadas à sua confiabilidade e qualidade. Muitas informações que seriam indispensáveis para garantir credibilidade do conteúdo, definidas pelo letramento em saúde digital foram omitidas: autoria, instituição de vinculação e referências.

O dinamismo do meio digital favorece a disseminação de conhecimento e é considerado grande avanço para a democratização das informações em saúde. Porém, os vídeos precisam ser embasados em protocolos definidos cientificamente, para que os usuários da plataforma digital recebam informações corretas e possam alcançar o maior objetivo que é salvar vidas.

Referências

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  Abelsson A, Nygardh A. To enhance the quality of CPR performed by youth layman. Int J Emerg Med. 2019;12(30). doi: http://doi.org/10.1186/s12245-019-0247-6
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• Artigo extraído da dissertação de mestrado “Reanimação cardiopulmonar: avaliação de vídeos sob a perspectiva do letramento digital em saúde”, apresentada à Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Enfermagem, Goiânia, GO, Brasil.
• O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Código de Financiamento 001, processo 88887.474410/2020-00, Brasil.

Editado por

Editora Associada

Andrea Bernardes

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  15 Jul 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  02 Ago 2021
• Aceito
  02 Mar 2022