Resumos
INTRODUÇÃO: O artigo apresenta experiência de implantação e implementação do quesito cor/raça nos serviços de atendimento às DST/Aids no Estado de São Paulo (ESP), através de parceria firmada em 2004 entre a Divisão de Prevenção do Programa Estadual DST/Aids do ESP e o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade (CEERT), visando executar um projeto serviços. Trinta e cinco serviços de atendimento às DST/Aids foram envolvidos no projeto e foram realizadas, de 2004 e 2006, sete oficinas de sensibilização e monitoramento do processo de implantação do quesito cor/raça, segundo metodologia de construção participativa e compartilhada do conhecimento, proposta pelo CEERT. Como resultado, verificou-se que o processo de discussão e de reflexão da temática étnico-racial torna a implantação do quesito cor/raça mais fácil. Os folhetos e cartazes propiciam o esclarecimento de profissionais e usuários, facilitando a implantação do quesito. Investir na capacitação dos profissionais da recepção dos usuários é importante para a implantação desse quesito nos serviços de saúde. CONCLUSÃO: A partir desta experiência o Grupo de Trabalho Etnias do Programa Estadual DST/Aids vem ampliando sua atuação. Em 2006, com a parceria das profissionais do Instituto AMA-Psique, iniciou-se o processo para 13 novos municípios, consolidando a implantação do quesito cor/raça no ESP. Esperamos que as informações produzidas possam sensibilizar as diversas esferas, para que sejam propostas e aprovadas políticas públicas que promovam a eqüidade racial na saúde e a qualidade de vida para população negra e indígena.
Etnia; Cor/Raça; Informação em saúde
This paper describes the experience to implement a systematic collection of these data on color/race in the STD/Aids care services in the State of São Paulo (SSP), through a partnership signed in 2004 between the Prevention Division of the STD/Aids State Program of the SSP and CEERT (initials in Portuguese for Center of Studies on Work Relations and Inequality) to carry out a project question in these services. Thirty-five STD/Aids care services were involved in the project and between 2004 and 2006, seven workshops of sensitization and monitoring of the process of implementation of the color/race question were held. It was observed that the process of discussion and reflection on the ethnic-racial theme renders the implementation easier. The campaign material provides clarification for the team of professionals and for the users, facilitating the implementation of this question. Investing in the qualification of reception professionals is important for the implementation of this question in the health services. CONCLUSION: With this experience, the Work Group Ethnicities of the STD-Aids State Program has broadened its performance. In 2006, with the partnership of the professionals of the AMA-Psique Institute, the process was extended to 13 new cities, consolidating the implementation of the color/race question in the STD-Aids services in the SSP. We hope that the produced information can sensitize the diverse spheres, so that public policies that promote racial equity in health and quality of life for black and aboriginal population are proposed and approved.
Ethnicity; Color/Race; Health Information
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Márcia Regina GiovanettiI; Naila Janilde Seabra SantosII; Caio P. WestinIII; Dulcimara DarréIV; Maria Clara GiannaV
IAssistente Social - Gerência de Prevenção do Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo - Coordenadora do Grupo de Trabalho Etnias - DST/Aids. Endereço: Rua Santa Cruz, 81, 1º andar, Vila Mariana, cep 04121-000, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: giovanetti@crt.saude.sp.gov.br
IIMédica Sanitarista, Doutora em Saúde Pública pela FSP da USP, Gerente da Prevenção do Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo. E-mail: naila@crt.saude.sp.gov.br
IIIPsicólogo, Diretor do Núcleo de Populações Mais Vulneráveis da Gerência de Prevenção do Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo. E-mail: cwestin@crt.saude.sp.gov.br
IVAssistente Social, Técnica do Núcleo de Populações Mais Vulneráveis da Gerência de Prevenção do Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo. E-mail: vulneráveis@crt.saude.sp.gov.br
VMédica Sanitarista, Diretora Técnica do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids e Coordenadora do Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo. E-mail: mariaclara@crt.saude.sp.gov.br
RESUMO
INTRODUÇÃO: O artigo apresenta experiência de implantação e implementação do quesito cor/raça nos serviços de atendimento às DST/Aids no Estado de São Paulo (ESP), através de parceria firmada em 2004 entre a Divisão de Prevenção do Programa Estadual DST/Aids do ESP e o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade (CEERT), visando executar um projeto serviços. Trinta e cinco serviços de atendimento às DST/Aids foram envolvidos no projeto e foram realizadas, de 2004 e 2006, sete oficinas de sensibilização e monitoramento do processo de implantação do quesito cor/raça, segundo metodologia de construção participativa e compartilhada do conhecimento, proposta pelo CEERT. Como resultado, verificou-se que o processo de discussão e de reflexão da temática étnico-racial torna a implantação do quesito cor/raça mais fácil. Os folhetos e cartazes propiciam o esclarecimento de profissionais e usuários, facilitando a implantação do quesito. Investir na capacitação dos profissionais da recepção dos usuários é importante para a implantação desse quesito nos serviços de saúde.
CONCLUSÃO: A partir desta experiência o Grupo de Trabalho Etnias do Programa Estadual DST/Aids vem ampliando sua atuação. Em 2006, com a parceria das profissionais do Instituto AMA-Psique, iniciou-se o processo para 13 novos municípios, consolidando a implantação do quesito cor/raça no ESP. Esperamos que as informações produzidas possam sensibilizar as diversas esferas, para que sejam propostas e aprovadas políticas públicas que promovam a eqüidade racial na saúde e a qualidade de vida para população negra e indígena.
Palavras-chave: Etnia; Cor/Raça; Informação em saúde.
ABSTRACT
This paper describes the experience to implement a systematic collection of these data on color/race in the STD/Aids care services in the State of São Paulo (SSP), through a partnership signed in 2004 between the Prevention Division of the STD/Aids State Program of the SSP and CEERT (initials in Portuguese for Center of Studies on Work Relations and Inequality) to carry out a project question in these services. Thirty-five STD/Aids care services were involved in the project and between 2004 and 2006, seven workshops of sensitization and monitoring of the process of implementation of the color/race question were held. It was observed that the process of discussion and reflection on the ethnic-racial theme renders the implementation easier. The campaign material provides clarification for the team of professionals and for the users, facilitating the implementation of this question. Investing in the qualification of reception professionals is important for the implementation of this question in the health services.
CONCLUSION: With this experience, the Work Group Ethnicities of the STD-Aids State Program has broadened its performance. In 2006, with the partnership of the professionals of the AMA-Psique Institute, the process was extended to 13 new cities, consolidating the implementation of the color/race question in the STD-Aids services in the SSP. We hope that the produced information can sensitize the diverse spheres, so that public policies that promote racial equity in health and quality of life for black and aboriginal population are proposed and approved.
Keywords: Ethnicity; Color/Race; Health Information.
Introdução
Há anos o movimento negro reivindica a inclusão do quesito cor/raça nas estatísticas oficiais de saúde no Brasil. Com a justificativa equivocada de que a inclusão desse quesito poderia ser interpretada como uma medida discriminatória e/ou racista, as autoridades sanitárias do país furtaram-se durante muito tempo, de incluir esse dado nas estatísticas de saúde.
Além disso, havia todo um discurso de que o Brasil é um país onde existe democracia racial e que todos os cidadãos brasileiros usufruem os mesmos direitos civis e sociais, não havendo, portanto, a necessidade de discriminá-los. Obedecendo a essa filosofia, a informação sobre cor/raça constante nos censos demográficos de 1940 e 1950 foi excluída do censo de 1960, com conseqüente ausência de informações sobre a demografia da população negra por um longo período (Machado e Carvalho, 2004).
A falácia de que os piores indicadores de saúde mortalidade infantil, mortalidade materna e taxas de mortalidade da população adulta1 encontrados na população negra devem-se à questão socioeconômica e não tem relação com a questão étnico-racial perpetua as dificuldades para a implantação concreta e a análise adequada do quesito cor/raça no setor saúde (Batista e Kalchmann, 2005).
Ao longo do tempo, diversas tentativas de obtenção da informação sobre o quesito cor/raça têm sido efetuadas no setor saúde, sem, entretanto, ter conseguido, até os dias de hoje, uma coleta contínua e sistemática desse dado.
O quesito cor foi implantado nos serviços do Município de São Paulo no início dos anos 90 por meio da portaria nº. 696/90. Diversas articulações, técnicas e políticas, foram efetuadas pela prefeitura, naquele momento, na tentativa de consolidar a coleta desse dado, incluído, basicamente, pela reivindicação do movimento negro. No decorrer do tempo, entretanto, essa consolidação não se efetuou. "A verdade é que o corpo técnico os epidemiologistas não se convenceu efetivamente da importância do quesito, aceitou a portaria e a existência do grupo, porém não se envolveu" (Bento, 1999). Essa falta de envolvimento, por parte dos técnicos, não redundou em uma concretização da proposta.
A implantação do quesito cor/raça nos Sistemas Nacionais de Informação em 1996, no Sistema Nacional de Nascidos Vivos (SINASC) e no Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) e, em 2001, no Sistema Nacional dos Agravos de Notificação (SINAN) veio preencher uma lacuna existente há muito tempo nas estatísticas de saúde.
Em 2001, por ocasião da implantação desse quesito no SINAN, o Serviço de Vigilância Epidemiológica do Programa Estadual DST/Aids-SP lançou o boletim Cor/raça e AIDS, (Lopes e Malachias, 2001) com objetivo de propor uma reflexão sobre a importância desse quesito na investigação epidemiológica e de sua utilidade, para análise de possíveis vulnerabilidades associadas às questões étnico-raciais.
"A inclusão do quesito cor no sistema de informação indica a vulnerabilidade de diferentes grupos sociais e possibilita a adoção de políticas públicas específicas e, portanto, mais eficazes" (Lopes e Batista, 2003).
De 1988 até 2002, o Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids-SP (CRT DST/Aids-SP), sede da Coordenação do Programa Estadual DST/Aids, coletava a informação referente à cor/raça dos usuários utilizando o sistema de heteroclassificação.
Em 2002, devido a problemas para estabelecer contato com os usuários do serviço, foi promovido um recadastramento de seus pacientes, para a atualização de endereço e pactuar o contato do serviço com seus usuários de modo a não quebrar o sigilo e o vínculo de confiança estabelecido, nem colocar os pacientes em situações desagradáveis. Nesse recadastramento, foram incluídas outras perguntas, entre as quais a cor ou raça dos pacientes utilizando a classificação do IBGE e a autoclassificação, isto é, perguntando aos pacientes sua cor, pois até o momento essa classificação era feita pelos funcionários, no momento da matrícula.
De acordo com o IBGE, as definições para as categorias de cor/raça/etnia (Osório, 2003) são:
Preto: de pele bem escura.
Branco: de aparência e de pele clara.
Amarelo: asiáticos (japonês, chinês e coreano).
Pardo: de pele mais clara (filhos de branco e preto, indígena e preto, indígena e branco).
Indígena: descendentes de índios brasileiros.
Para a inclusão dessa pergunta foram feitas palestras para orientar os voluntários que fizeram o recadastramento.
No CRT, esta iniciativa gerou outras ações como a formação de um grupo para a discussão das questões ligadas ao quesito cor/raça, bem como uma pesquisa junto aos funcionários para saber se eles julgavam que perguntar a cor era racismo, ao que 12% dos funcionários responderam que sim.
Comparando-se as informações do quesito cor/raça no Centro de Referência e Treinamento de DST/Aids no sistema de heteroclassificação (1980 a 2001) e depois a partir da autoclassificação (outubro/2002 a janeiro/2004), a proporção de brancos passou de 84% para 66%, a de negros (somando os pardos e pretos) passou de 14% para 30%, a de amarelos variou entre 0,04% e 1%, e a de indígenas 1%. O aumento da proporção de negros e indígenas, quando aplicada a autoclassificação, foi uma surpresa para os trabalhadores da instituição e desmistificou a crença, colocada por alguns deles nas capacitações de que as pessoas pretas e pardas, especialmente as últimas, tenderiam a se autoclassificar brancas.
Ainda em 2002, sob a coordenação da Divisão de Prevenção do Programa Estadual de DST/Aids, houve a instalação do Grupo de Trabalho (GT) "Etnias e Vulnerabilidade". Dentre as atividades desse GT, destacou-se a construção do projeto interinstitucional de pesquisa Fronteiras da cidadania em saúde: vulnerabilidade e ações frente as DST/Aids entre comunidades negras e indígenas, no contexto da construção do SUS.
Várias instituições compuseram, naquele momento, esse GT, entre elas, o Instituto de Saúde, o Departamento de Antropologia da PUC-SP, o NepAids/USP-SP e as ONG Comissão Pró-Índio-SP, Fala-Preta! Organização de Mulheres Negras e Grupo de Valorização do Trabalho em Rede (GVTR). Essa composição foi modificando-se, ao longo do tempo.
Em 2003, o Boletim Epidemiológico do Programa Estadual DST/Aids trouxe o tema "Cor/raça e Mortalidade" (7). Nessa publicação, discorreu-se sobre a ausência das questões de cunho étnico-raciais nas ações institucionais e seu impacto na vulnerabilidade da população negra, levando-a muitas vezes ao adoecimento e à morte, em uma proporção maior do que na população branca.
Em 2004, com o intuito de implementar a informação sobre o quesito cor/raça nos serviços de atendimento às DST/Aids do Estado de São Paulo, a Coordenação Estadual de DST/Aids de São Paulo se propôs a executar um projeto-piloto em parceria com o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade (CEERT), com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e com o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UnAids).
Para o início dos trabalhos foi elaborado um questionário (anexo 1 Anexo 1 ) para avaliar a coleta dessa informação em serviços de atendimento de DST/Aids em diversos municípios. Responderam ao questionário 27 serviços entre Serviço Ambulatorial Especializado (SAE), Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA), Unidades Básicas de Saúde (UBS), hospitais e outros. Do total de serviços, 15% possuíam o quesito cor/raça em todos os formulários utilizados, 48% em alguns e 37% não possuíam essa informação. Em 37% das instituições que faziam a coleta deste quesito, a cor dos pacientes era definida pelos funcionários e em 22% pelos próprios usuários; nas demais a classificação era feita às vezes pelos usuários, às vezes pelos funcionários. Apenas 55% dos serviços realizavam essa coleta regularmente. Das instituições pesquisadas, 30% referiram ter tido orientação/treinamento suficiente para a coleta do quesito cor e praticamente todas concordaram em participar de treinamento específico para a coleta desse quesito de maneira autoclassificada.
Dentre as dificuldades apontadas para a coleta dessas informações a maior delas foi classificar o usuário em uma categoria. Muitos relataram que na dúvida perguntavam ao paciente. A falta de concordância entre a percepção do funcionário e a cor autoclassificada também foi apontada como dificuldade. Não foi especificado o tipo de treinamento aplicado, mas acatar sempre a decisão do paciente na autoclassificação foi uma das orientações recebidas. A maior parte das pessoas que responderam ao questionário acha que a informação é importante, porém delicada.
As justificativas das respostas passaram por várias questões, partindo de que a raça predispõe a determinadas doenças, que faz parte da identidade da pessoa, até a questão de ser ofensa pessoal tratar desse assunto e que dependia do modo como era feita a questão. Uma dúvida levantada que demonstra a dificuldade das pessoas em lidar com a questão da raça/etnia foi a necessidade de se perguntar a cor/raça, já que o Brasil é um país marcado pela miscigenação.
De um modo geral a análise dos questionários indicou que mais ações devem ser empregadas de modo a esclarecer o porquê da pergunta e a importância de um treinamento específico para que essa questão seja encarada sem qualquer juízo de valor.
O Projeto: Implantação/implementação do quesito cor/raça nos serviços de atendimento de DST/Aids do Estado de São Paulo
A proposta do projeto era implantar a coleta do quesito cor/raça nos serviços de assistência aos portadores de DST/HIV/Aids que ainda não colhiam essa informação ou implementar essa coleta nos serviços que já o faziam, por meio do método da autoclassificação, isto é, o próprio usuário define em qual das cinco categorias de cor propostas pelo IBGE (Branco, Preto, Pardo, Amarelo e Indígena) ele se enquadra.
Os objetivos do projeto:
Sensibilizar gestores e trabalhadores da saúde para a importância da coleta do quesito cor/raça/etnia.
Ampliar e qualificar a coleta do quesito cor/raça/etnia nos serviços de DST/Aids do Estado de São Paulo.
Qualificar os bancos de dados, objetivando a melhoria da informação em saúde.
O projeto visava formar os profissionais das Coordenações Estadual e Municipais de DST/Aids para essa implantação/implementação por meio de uma metodologia que respeitasse, valorizasse, incorporasse e problematizasse as experiências dos participantes no processo desenvolvido.
Inicialmente, 35 serviços de atendimento às DST/Aids foram envolvidos no projeto-piloto. De junho até setembro de 2004 profissionais desses serviços participaram de duas oficinas de sensibilização e monitoramento do processo de implantação do quesito cor, segundo metodologia de construção participativa e compartilhada do conhecimento, proposta pelo CEERT. O projeto previa três oficinas, sendo a última de avaliação. Essa terceira oficina ocorreu em novembro do mesmo ano. Ficou acordado que o Programa Estadual de DTS/Aids daria continuidade ao processo, em um trabalho conjunto com os municípios do Estado.
A primeira oficina de sensibilização, realizada em julho de 2004, contou com a participação de 100 funcionários dos serviços de DST/Aids do Estado de São Paulo e permitiu apresentar as etapas para a implantação do quesito cor: constituição de grupo de trabalho, levantamento de formulários e banco de dados, produção e distribuição de material para a campanha de implantação do quesito cor para os serviços de DST/Aids envolvidos, além do planejamento de novas oficinas de sensibilização, monitoramento e avaliação.
Na ocasião foram discutidas as idéias de preconceito, racismo e discriminação, houve a exibição de filmes, além da exposição dialogada das técnicas do CEERT e outros especialistas convidados, todos com larga experiência no trabalho de enfrentamento da discriminação e do racismo, incluindo uma expositora com experiência de trabalho com a população indígena.
As técnicas do CEERT conduziram o processo de sensibilização com maestria e, em dado momento, convidaram os participantes da oficina a se apresentarem declarando nome, inserção profissional e cor/raça. Esse momento foi particularmente importante para o entendimento das dificuldades, pessoais e culturais, de se lidar com as questões relativas a cor/raça na nossa sociedade, permeadas pelas crenças e preconceitos enraizados em nosso inconsciente coletivo.
No total, cerca de 24 serviços de atendimento de DST/Aids (serviços de atendimento especializado em DST/Aids-SAE, Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA), Ambulatórios de Especialidades, Centros de Referências (CR), hospitais) implantaram ou implementaram, a partir de então, o quesito cor/raça em seus formulários de atendimento.
Considerando ser o Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (CRT-DST/Aids) a sede do Programa Estadual e um centro formador de profissionais nas áreas de Prevenção, Vigilância Epidemiológica e Assistência às DST/HIV/Aids, foi entendida como prioritária a capacitação de seus funcionários para a coleta do quesito cor/raça, nessa primeira etapa do processo. O Serviço de Atendimento Médico e Estatístico (SAME), apesar da discussão efetuada na época do recadastramento e da orientação para utilizar a autoclassificação na coleta do quesito cor, não havia ainda incorporado este método em sua rotina e continuava colhendo o dado de forma heteroclassificada. A partir da oficina, além do Same, todas as demais áreas (Ambulatório de DST/COAS, Pronto Atendimento, Posto de Enfermagem Ambulatório, atendimento telefônico do Disque DST/Aids e Biblioteca, do CRT-DST/Aids) passaram a utilizar esse método.
Os profissionais dos diversos serviços envolvidos no projeto enfrentaram algumas dificuldades para implantar o quesito cor, mas conseguiram propor soluções criativas para superá-las. Dado o atraso na elaboração dos cartazes e folders, sobre a questão da importância do quesito cor/raça, propostos para distribuição aos serviços e seus usuários, muitos não esperaram a chegada do material de campanha e fizeram cartões, carimbos, cartazes e filipetas para orientar os usuários sobre os critérios de cor/raça propostos pelo IBGE; constituíram grupos de trabalho, promoveram discussões internas, reorganizaram serviços e portas de entrada; mobilizaram gestores municipais, conselhos municipais, diretores e outros profissionais dos serviços de atendimento em DST/Aids, movimentos sociais e usuários dos serviços das regiões. Todas essas iniciativas visavam despertar a atenção para a importância do quesito cor.
A segunda oficina de monitoramento, em setembro de 2004, permitiu um novo encontro de sensibilização e fortalecimento da ação desses profissionais.
Apesar do atraso, o material gráfico produzido (30.000 folhetos e 5.000 cartazes) e distribuído para os serviços de DST/Aids por meio das Direções Regionais de Saúde (DIR) foi apontado por muitos profissionais como um facilitador no processo de implantação da coleta do quesito cor/raça.
Essa segunda oficina apontou as dificuldades e sugeriu propostas interessantes, feitas pelos municípios, como a divisão do grupo de trabalho em outros subgrupos para realizar tarefas específicas, relativas ao monitoramento da coleta do quesito cor, com o intuito de envolver os funcionários das instituições/serviços de DST/Aids; a criação de um GT Etnias municipal que envolvesse outras secretarias e movimentos sociais para a implementação/monitoramento do quesito cor; e a ampliação do quesito cor/raça/etnia para a Rede Básica de Saúde, dentre outras que indicaram a aceitação do projeto-piloto e o empenho dos profissionais na sua implementação.
A terceira oficina Workshop de Monitoramento e Avaliação foi um momento de avaliação de todo o processo desenvolvido para a implementação do quesito cor nos serviços e para a identificação das necessidades individuais e coletivas. Nesse momento os principais envolvidos puderam falar da experiência, refletir sobre o impacto que o projeto causou no serviço e relatar as mudanças ocorridas neles, como profissionais de saúde.
Esse workshop foi realizado com os gestores e técnicos dos Serviços de DST/Aids dos Municípios do Estado de São Paulo, e seus objetivos foram:
Discutir as necessidades de continuidade do processo e identificar o processo em que cada serviço está vivendo na implementação do quesito cor nos serviços de DST/Aids;
Possibilitar a troca de experiência entre os participantes;
Identificar o andamento e as estratégias utilizadas por cada multiplicador durante a implementação;
Elaborar um Plano de Ação para as futuras ações regionais de continuidade do processo.
A proposta para continuidade da implementação do quesito cor no serviço e/ou no município foi a criação e o fortalecimento de grupos de trabalho, por meio de uma educação continuada para: divulgação do material, indicação e leitura de textos, discussão e definição de papéis dos integrantes dos GT. O grupo indicou também a inclusão do quesito cor/raça/etnia em todos os bancos de dados; ampliação da coleta para outros serviços; inclusão dos usuários nas discussões sobre a implantação e a sensibilização dos gestores.
Algumas necessidades específicas foram propostas, como o levantamento das populações quilombolas e indígenas por região; continuação da parceria entre os Municípios, CE DST/Aids do Estado e o CEERT; definição de um coordenador/articulador dentro do grupo; nas sensibilizações e eventos de educação continuada com os gestores ter o apoio do CEERT e do CRT DST/Aids; realização de um novo encontro para troca de experiência e avaliação, uma IV Oficina e solicitação para o Ministério da Saúde para maior divulgação nos meios de comunicação sobre a implantação/implementação do quesito cor/raça.
Após a realização das 3 oficinas previstas no projeto, o Programa Estadual de DST/Aids comprometeu-se com a continuidade do processo, absorvendo-o na rotina do Núcleo de Populações mais Vulneráveis da Gerência de Prevenção.
Nesta continuidade foram efetuadas, até novembro de 2006, mais 4 oficinas, para o grupo de serviços que participou do projeto-piloto.
Nessas oficinas, a discussão primordial foi sobre a necessidade de se homogeneizar e modos de informatizar os dados obtidos pelos serviços sobre o quesito cor/raça.
Acordando-se os dados mínimos (sexo, idade, escolaridade, ocupação, categoria de exposição e diagnóstico), que todos os serviços envolvidos nesta proposta deveriam colher, para posterior análise, algumas possibilidades de informatização foram discutidas, para a apreciação dos serviços e respectivos municípios:
Serviços de DST/Aids Coleta pelo SINAN: uma vez que tanto os casos de HIV/Aids, quanto os de DST devem ser notificados. Viável apenas para os serviços que têm o SINAN.
Coleta por instrumento específico em Epi-Info ou planilha Excel: para os serviços de DST/Aids que não utilizarem o SINAN e para os serviços que atenderem outras demandas.
Avaliação de sistemas próprios dos serviços: identificar a base, avaliar se seria possível fazer um programa que extraia os dados mínimos, acima descritos, dos programas utilizados pelo Same dos serviços. Avaliar diferenças das UBS e dos Hospitais.
Outra questão, importantíssima, que foi objeto de discussão, foi o fato de a coleta do quesito cor/raça ser a pedra fundamental para a obtenção de informações e deve servir de subsídio para o entendimento de como trabalhar as questões de racismo institucional, levando ao surgimento de propostas de atenção à saúde que possam ser adequadas e eficientes para todos os cidadãos que a ela têm direito.
A sétima e última oficina realizada em novembro de 2006 discutiu a importância do trabalho em rede envolvendo gestores dos níveis federal, estadual e municipais, trabalhadores da saúde e sociedade civil para a concretização das ações de combate ao racismo institucional.
Em 2006, o CRT-DST/Aids fez uma nova parceria com o Instituto AMA-Psique e Negritude e, desde então, suas profissionais têm atuado como facilitadoras nas oficinas com os municípios para a discussão das questões étnico-raciais.
Com essa nova parceria, iniciou-se, em 2006, o processo de implantação/implementação do quesito cor/raça para 13 novos municípios, procurando consolidar essa implantação nos serviços de DST/Aids das diversas regiões do ESP.
A experiência bem-sucedida desse projeto trouxe-nos alguns aprendizados:
Se o serviço de saúde tem experiências na temática étnico-racial e dispõe de um grupo de reflexão, a implantação do quesito cor torna-se mais fácil, pois a equipe do GT e os diretores já estão sensibilizados para essa questão;
Conhecer o diagnóstico da coleta de dados de cor/raça/etnia dos serviços de saúde da região ajuda a planejar a implantação desse quesito;
Com a promoção do debate para a constituição dos grupos de trabalho nos serviços de DST/Aids, pós-oficina de sensibilização, introduziu-se a discussão da temática étnico-racial em âmbito municipal e local.
O material de campanha (folhetos e cartazes) agiliza a implantação do quesito cor, facilitando a colocação da pergunta por parte dos serviços e sua compreensão por parte dos usuários.
Investir no treinamento continuado dos funcionários que fazem as recepções, nos serviços, é importante para o acompanhamento e a continuidade da implantação do quesito cor nos serviços de saúde.
O trabalho em rede e a busca de apoios são fundamentais na formalização e na concretização tanto para a coleta do quesito cor/raça, quanto para a sua utilização como mecanismo de adequação e eqüidade dos serviços de saúde para os diversos segmentos da população, particularmente, as populações negras e indígenas.
Tivemos, também, alguns desdobramentos que podem, pelo menos em parte, ser atribuídos a esse trabalho:
A realização de Seminários de Saúde da População Negra em alguns municípios envolvidos, sendo um deles de amplitude regional.
A ampliação, em alguns municípios, da coleta para outros serviços da saúde (Ex.: Rede Básica, Ambulatórios Especializados), e também para outros serviços municipais e setores governamentais. Ex: Secretaria da Educação, Trabalho, etc.
As parcerias locais com organizações da sociedade civil, outras secretarias e conselhos municipais para aprofundamento das discussões sobre as questões raciais.
O incentivo à realização do trabalho em rede envolvendo gestores, trabalhadores da saúde e sociedade civil utilizando como estratégia inicial a criação de um grupo de discussão virtual: redequesitocor_sp@ yahoogrupos.com.br
O estimulo à inclusão e à participação efetiva dos usuários dos serviços na discussão da temática étnico-racial e suas implicações na vulnerabilidade à infecção, ao adoecimento e à morte pelo HIV/Aids.
A utilização do site do CRT-DST/Aids-SP com criação de página para divulgação das ações do GT Etnia e a disponibilização de documentos e textos relacionados à temática étnico-racial.
A formalização e o fortalecimento das ações do Grupo de Trabalho População Negra e Aids, vinculado ao Comitê Técnico Estadual de Saúde da População Negra. (Resolução SS nº. 155 que constitui o Grupo de Trabalho População Negra e DST-HIV/Aids do Comitê Técnico Estadual Saúde da População Negra).
O GT Etnias da Coordenação Estadual vem se esforçando para consolidar o processo de implantação do quesito cor/raça/etnia no Estado de São Paulo, esperando assim contribuir para o aprofundamento da investigação sobre as vulnerabilidades específicas de cada segmento populacional, confiante de que em breve teremos, não só políticas públicas voltadas para essa questão específica, como também esperando que as informações produzidas por esse trabalho possam sensibilizar as diversas esferas, para que sejam propostas e aprovadas políticas públicas que promovam a eqüidade racial na saúde e a qualidade de vida para população negra e indígena nesse país.
Recebido em: 11/12/2006
Reapresentado em: 26/03/2007
Aprovado em: 23/04/2007
Aos Coordenadores de Programa, Interlocutores de DST/Aids e Responsáveis pela Vigilância Epidemiológica
DIR e Municípios Prioritários
Considerando a importância da implantação do quesito cor/raça nos instrumentos de coleta de dados da saúde, inclusive sua inclusão nas fichas de investigação epidemiológica das doenças de notificação compulsória, pelo SINAN, a partir do ano 2000 em todo o território nacional e, sendo esta uma questão prioritária para o Programa Estadual de DST/Aids, vimos solicitar as seguintes informações:
1. Quais (ou quantos) serviços de DST/Aids de sua região têm e quais não têm, em seus prontuários, o quesito cor/raça na parte de identificação dos pacientes?
2. Nos serviços que já incorporaram este dado, ele tem sido coletado rotineiramente?
( ) Sim
( ) Não
( ) Não sei responder
3. Se sim, de que forma o quesito cor/raça foi categorizado?
( ) Branco, Preto, Pardo, Indígena, Amarelo
( ) Outra categorização, qual:
( ) Não sei responder
4. Como é realizada esta coleta de dados?
( ) Por autoclassificação
( ) Por heteroclassificação
( ) As vezes por uma forma, as vezes por outra
( ) Não sei responder
5. Você acredita que as pessoas responsáveis pela coleta deste dado nos serviços foram, suficientemente, orientadas para esta atividade?
( ) Sim
( ) Não
( ) Não sei responder
6. Que dificuldades têm surgido, com relação ao preenchimento do quesito cor/raça, nos serviços?
7. Qual a proporção de fichas de notificação epidemiológica de DST/Aids, dos serviços notificantes de sua região, que tem este dado preenchido, no SINAN, de 2000 até agora?
8. De um modo geral, de onde se retira esta informação para o preenchimento da ficha de investigação epidemiológica de DST/Aids?
9. Você observa a ausência deste dado nas fichas de alguns serviços, especificamente?
( ) Sim
( ) Não
( ) Não sei responder
10. O que você considera importante ser feito, para sensibilização dos profissionais de saúde, com relação a esta questão?
Referências bibliográficas
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Anexo 1
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
15 Fev 2008 -
Data do Fascículo
Ago 2007
Histórico
-
Recebido
11 Dez 2006 -
Revisado
26 Mar 2007 -
Aceito
23 Abr 2007