Open-access Preocupações e necessidades dos pais de crianças hospitalizadas

Concerns and needs of parents of hospitalized children

Resumo

A hospitalização pediátrica é um acontecimento crítico, com repercussões na vida da criança internada e da sua família. Este estudo teve como objetivos auscultar as principais preocupações e necessidades experienciadas pelos pais durante a hospitalização de um filho em situação de internamento agudo e explorar eventuais diferenças entre o pai e a mãe no conjunto de vivências partilhadas. Para isso, realizou-se um estudo qualitativo, de natureza exploratória, do qual participaram 16 casais (16 pais e 16 mães) com um filho internado no serviço de pediatria de um hospital do norte de Portugal. Os dados foram recolhidos por meio de entrevistas e avaliados com base na metodologia de análise de conteúdo. O discurso dos pais evidencia como preocupações mais expressivas as referentes ao estado de saúde do filho e, entre as necessidades mais prementes, as associadas à sua recuperação e regresso ao domicílio. Os resultados encontrados revelam igualmente a presença de expressivas diferenças nas vivências desses casais, não devidas à variável pai/mãe, mas à centralidade do papel assumido em termos dos cuidados ao filho (cuidador principal ou secundário).

Palavras-chave: Hospitalização; Pediatria; Parentalidade; Fenomenologia

Abstract

Pediatric hospitalization is a critical event with repercussions on the life of hospitalized children and their families. This study recorded the main concerns and needs experienced by parents during the hospitalization of a child under acute hospitalization, and verified the potential differences between the father and the mother regarding their shared experiences. This qualitative study of exploratory nature involved 16 couples (16 fathers and 16 mothers), with a child hospitalized in a pediatric service of a hospital in the north of Portugal. The data were collected through interviews and analyzed using content analysis. The parents’ discourse shows significantly more concern regarding the state of health of the child as well as their recovery and homecoming, among the most urgent needs. The results showed presence of significant differences in the experiences of these couples, not only due to the father/mother variable, but also due to their central role regarding child care (primary or secondary caregiver).

Keywords: Hospitalization; Pediatrics; Parenting; Phenomenology

Introdução

A hospitalização constitui uma experiência suscetível de afetar o desenvolvimento e o bem-estar da criança1 submetida a um internamento e a procedimentos de diagnóstico ou terapêuticos (Esteves, 2015; Jorge, 2004; Schneider; Medeiros, 2011). No momento em que ocorre o internamento, a criança é afastada do seu núcleo familiar, permanecendo num ambiente estranho, onde convive com pessoas desconhecidas e é alvo de rotinas e procedimentos invasivos que tendem a gerar-lhe desconforto e dor (Barros, 1998, 2003; Benavides; Montoya; González, 2000; Caires; Esteves; Almeida, 2014; Morais; Costa, 2009; Parcianello; Felin, 2008; Schneider; Medeiros, 2011). Alterações de apetite, sono e humor; perda de peso; diminuição das capacidades cognitivas e de concentração; enfraquecimento das funções fisiológicas; perda de autoestima; fobias; ansiedade, medo, angústia, insegurança e desorientação são exemplo das inúmeras reações físicas e emocionais que podem ter lugar entre esses pacientes e que contribuem para um aumento da sua vulnerabilidade e da de seus pais (Algren, 2006; Barros, 2003; Benavides; Montoya; González, 2000; Caires; Esteves; Almeida, 2014; Jorge, 2004; Parcianello; Felin, 2008; Schneider; Medeiros, 2011).

Segundo evidências na área, a experiência de hospitalização tende a ser mais problemática durante a primeira infância e na fase pré-escolar, em particular entre os seis meses e os quatro anos (Algren, 2006; Barros, 1998, 2003). A maior intensidade das dificuldades vividas nessas etapas desenvolvimentais prende-se essencialmente com a sua maior imaturidade em termos sociocognitivos e o restrito leque de estratégias de coping para fazer face às experiências vividas em contexto hospitalar (Barros, 1998, 2003). Entre estas, a separação dos pais e a submissão a procedimentos médicos representam as maiores fontes de ameaça nas idades mais precoces (Algren, 2006; Barros, 1998, 2003).

Os pais assumem um papel de particular relevância na hospitalização pediátrica, sendo que seus sentimentos e suas reações influenciam de modo determinante a adaptação psicossocial do filho internado (Barros, 1998, 2003; Schneider; Medeiros, 2011). Sua participação ativa e contínua nesse processo interfere significativamente no tratamento e na recuperação do filho, reconhecendo-se os benefícios dessa presença para a minimização ou eliminação dos efeitos da hospitalização (Algren, 2006; Barros, 1998, 2003; Jorge, 2004; Just, 2005; Moura; Ribeiro, 2004; Parcianello; Felin, 2008; Schneider; Medeiros, 2011).

Em muitos casos, a experiência desses pais é marcada por medo, apreensão, angústia e sentimentos de inutilidade, impotência, ansiedade ou culpa, os quais poderão decorrer, por exemplo, de um quadro clínico indefinido; do recurso tardio à ajuda médica; das potenciais sequelas da doença e/ou dos tratamentos no desenvolvimento e bem-estar do filho; ou, mesmo, do risco de vida implicado (Algren, 2006; Barros, 1998, 2003; Benavides; Montoya; González, 2000; Correia, 2012; Diaz-Caneja et al., 2005; Gomes et al., 2014; Jorge, 2004; Just, 2005; Milanesi; Collet; Oliveira, 2006; Schneider; Medeiros, 2011; Schultz, 2007). Desespero, confusão, desconfiança, cansaço e exaustão física e mental poderão, pois, estar presentes em alguns desses pais, bem como sentimentos de solidão, “clausura” (pelos longos dias passados no hospital e pela “liberdade” condicionada), privação (do seu espaço, dos seus bens e rotinas) ou de falta de privacidade pelo facto de compartilharem espaços com pessoas desconhecidas (Algren, 2006; Barros, 2003; Benavides; Montoya; González, 2000; Milanesi; Collet; Oliveira, 2006; Schneider; Medeiros, 2011). Nos casais com mais do que um filho, acrescem, geralmente, as preocupações com os outros filhos (Correia, 2012; Milanesi; Collet; Oliveira, 2006; Schneider; Medeiros, 2011; Silva et al., 2010).

O sofrimento desses pais acentua-se quando sentem que têm pouca informação ou existem incertezas por parte da equipa de saúde quanto ao diagnóstico ou procedimentos e intervenções mais adequados (Algren, 2006; Barros, 1998, 2003; Morais; Costa, 2009; Schneider; Medeiros, 2011). Nesse sentido, alguns autores salientam a importância de informar esses pais quanto ao diagnóstico do filho (ou de sua ausência), dos exames, tratamentos e procedimentos realizados, entre outras explanações que possam ser geradoras de insegurança e incertezas (Hallström; Runesson; Elander, 2002; Jorge, 2004; Kristjánsdóttir, 1995). Segundo Jorge (2004) e Nelas et al. (2015), a informação permite aos pais adquirirem algum sentimento de controlo perante a situação, concorrendo para diminuir a ansiedade e a incerteza, promovendo sua adaptação à doença e ao processo de hospitalização.

A situação de hospitalização de um filho pode levar ainda à reorganização ou afastamento dos pais da sua atividade laboral, descrevendo alguns estudos a presença de preocupações nessa esfera (Jorge, 2004; Schneider; Medeiros, 2011; Schultz, 2007; Silva et al., 2010). Para além do mais, o orçamento familiar pode ficar afetado pela diminuição de rendimentos (e.g., por dispensas de serviço), assim como pelo aumento das despesas associadas a tratamentos, medicação, alimentação e/ou deslocamentos ao hospital, despoletando preocupações adicionais (Gomes et al., 2014; Jorge, 2004; Marques, 2015; Melamed, 2002; Sebastián; Palacio, 2000).

Também, nesse processo, os pais ficam privados de sua vida social e tendem a necessitar de apoios que são cruciais nessa etapa mais exigente da sua vida, como: a partilha de preocupações e decisões, a ventilação emocional, a alternância na assistência ao filho internado e a ajuda na realização das tarefas domésticas, nos cuidados aos outros filhos ou na área financeira (Benavides; Montoya; González, 2000; Correia, 2012; Melamed, 2002; Schultz, 2007).

De realçar, nesses processos, a grande diversidade de reações dos pais, dependendo esta da conjugação de vários fatores - de ordem interna e externa - associados, por exemplo, à condição clínica do filho, equipa de saúde e hospital e a aspetos de foro psicossocial (do filho doente, dos pais e dos outros elementos do núcleo familiar), financeiro e/ou familiar. Ao nível clínico e hospitalar, a literatura refere aspetos como a gravidade do diagnóstico, a duração da doença e seu prognóstico, o tipo de procedimentos médicos a que é submetido o filho, a qualidade da comunicação estabelecida com (e entre) a equipa de cuidados, as condições de hotelaria, a distância casa-hospital, a duração do internamento ou, entre outros, o tipo de assistência médica, psicossocial e educativa existentes (Algren, 2006; Barros, 1998, 2003; Benavides; Montoya; González, 2000; Correia, 2012; Jorge, 2004; Parcianello; Felin, 2008; Schneider; Medeiros, 2011; Sebastián; Palacio, 2000). A idade do filho doente, se é ou não a primeira hospitalização, o temperamento da criança doente, o temperamento dos pais, a possibilidade ou não de acompanhar (total ou parcialmente) o filho durante a hospitalização, as experiências de sofrimento vivenciadas anteriormente em relação a esse ou outros filhos, o número (e idade) de filhos que ficam em casa, as características do casal, a qualidade de comunicação no seio familiar ou o sistema de crenças são igualmente assinalados como de particular relevo na forma como os pais vivenciam o processo de hospitalização (Barros, 1998, 2003; Benavides; Montoya; González, 2000; Correia, 2012; Milanesi; Collet; Oliveira, 2006; Moura; Ribeiro, 2004; Sebastián; Palacio, 2000). Na esfera financeira, destacam-se a situação profissional dos pais, as condições socioeconómicas da família, o grau de perda de rendimentos ocorrido em resultado do afastamento laboral ou as despesas acrescidas (Benavides; Montoya; González, 2000; Correia, 2012; Sebastián; Palacio, 2000).

Durante a hospitalização, são geralmente as mães que assumem o acompanhamento e os cuidados do filho doente (Crepaldi et al., 2006; Milanesi; Collet; Oliveira, 2006; Moura; Ribeiro, 2004; Schneider; Medeiros, 2011). No entanto, a presença e a participação do pai na vida familiar e nos cuidados ao filho doente (e aos que ficam em casa) têm-se tornando progressivamente mais frequentes (Correia, 2012; Crepaldi et al., 2006; Just, 2005; Moura; Ribeiro, 2004), assistindo-se a uma maior aproximação dos papéis parentais (Balancho, 2007; Gomes; Lunardi Filho; Erdmann, 2008; Gomez, 2016; Guerreiro; Caetano; Rodrigues, 2008; Hintz, 2001; Murray, 2006). Subjacente a essa referência, estão as mudanças ocorridas na estrutura familiar na sociedade contemporânea, desde finais do século XX, e que foram concorrendo para uma nova forma de se olharem as funções parentais socialmente atribuídas à mulher e ao homem. Entre estas, realçam-se a entrada das mulheres no mercado de trabalho, a sua assunção, na atualidade, de um papel mais ativo na vida social e a sua maior contribuição para a subsistência económica da família e, consequentemente, o aumento do número de famílias em que ambos os pais trabalham, levando a uma maior necessidade de as tarefas familiares serem redistribuídas (Almeida, 2011; Balancho, 2007; Bayle, 2016; Crepaldi et al., 2006; Gomes; Lunardi Filho; Erdmann, 2008; Gomez, 2016; Hintz, 2001; Murray, 2006). Destaque-se que, na sociedade ocidental, até aproximadamente a década de 1970, o pai era reconhecido como o “chefe da família” (Bayle, 2016, p. 319), responsável pelo seu sustento económico, concentrando sua atenção quase exclusivamente no campo profissional, enquanto que a mãe se dedicava às tarefas domésticas, aos cuidados dos membros da família e à satisfação das suas necessidades emocionais (Balancho, 2007; Bayle, 2016; Crepaldi et al., 2006; Gomes; Lunardi Filho; Erdmann, 2008; Hintz, 2001).

Numa tentativa de conhecer algumas vivências experienciadas nesse contexto, as autoras desenvolveram um estudo exploratório, de natureza qualitativa, com o objetivo geral de auscultar as principais preocupações e necessidades experienciadas pelos pais durante a hospitalização de um filho em situação de internamento agudo, e explorar eventuais diferenças entre o pai e a mãe no conjunto de vivências partilhadas. As hipóteses, a metodologia e os resultados deste estudo são dados a conhecer em seguida.

Metodologia

O estudo realizado é do tipo qualitativo, exploratório e assenta na auscultação direta dos participantes quanto ao modo como vivenciaram o problema em foco: a hospitalização do seu filho.

Enquadrado num paradigma de investigação humanístico-interpretativo, cujo foco são as experiências subjetivas, as vivências e as perspetivas dos participantes, este estudo propõe-se partir do discurso dos participantes, e não de teorias previamente existentes, centrando-se nas particularidades dos fenómenos explorados mais do que em “leis” gerais (Almeida; Freire, 2017; Bogdan; Biklen, 2013; Fortin, 2009). No estudo, o ambiente hospitalar e os pais nesse contexto são assumidos como a fonte direta dos dados. No que se refere ao papel do investigador, e em conformidade com o paradigma de investigação humanístico-interpretativo, este é visto como o principal agente da recolha, focado na compreensão da situação atualmente vivida, no ambiente natural onde tem lugar, e reconhecendo a subjetividade de cada participante (Bogdan; Biklen, 2013; Coutinho, 2013; Fortin, 2009).

Quanto aos procedimentos de recolha de dados, numa primeira etapa deu-se a conhecer o estudo à comissão diretiva de uma unidade hospitalar do norte de Portugal onde são acolhidas crianças com quadros clínicos de menor gravidade, geralmente agudos, e implicando internamentos de curta duração (cerca de três dias). Uma vez obtida a sua autorização para a realização do estudo, foi estabelecido contacto com o enfermeiro-chefe do serviço de pediatria, que passou a ser responsável pela articulação com os potenciais participantes, designadamente em termos de uma primeira apresentação do estudo e da averiguação da disponibilidade dos pais para participar. Depois de anuírem a sua participação, procedeu-se ao agendamento das entrevistas, sendo que, ainda antes da sua realização, a investigadora principal procedeu à clarificação - junto de cada um dos pais - do enquadramento institucional e dos objetivos do estudo, bem como dos seus princípios éticos (caráter voluntário da sua participação, possibilidade de desistência e anonimato e confidencialidade dos dados). Em seguida, cada um dos participantes assinou um consentimento informado. A recolha de dados foi feita durante os meses de abril e maio de 2018. Recorreu-se ao método de amostragem por conveniência, assumindo como critérios de inclusão casais heterossexuais, casados ou a viver em união de facto, com um filho em comum e hospitalizado há, pelo menos, dois dias. Excluíram-se situações em que nenhum dos pais assumia o papel de cuidador principal. Cada membro do casal foi entrevistado separadamente, de modo a evitar uma potencial “contaminação” de respostas ou a “monopolização” da entrevista por um deles.

Os dados foram recolhidos por intermédio de dois instrumentos nucleares: (1) um questionário sociodemográfico; e (2) um guião de entrevista, aplicados por essa ordem.

Após as entrevistas, procedeu-se à sua transcrição integral para a análise dos dados, com recurso à metodologia de análise de conteúdo de Bardin (2013). Esta define-se como um conjunto de técnicas que podem ser usadas para analisar e tratar a informação de natureza qualitativa e para produzir inferências, assumindo como critérios a homogeneidade, a exclusividade, a objetividade, a pertinência e a exaustividade (Bardin, 2013; Coutinho, 2013). Neste estudo, todos os critérios são utilizados, à exceção do critério da exaustividade.

Dada a semelhança deste estudo ao desenvolvido por Correia (2012), recorreu-se a algumas das categorias emergidas neste último, criando-se categorias em função das respostas deste novo grupo de pais. Complementarmente, procedeu-se à análise da frequência com que cada uma das (sub)categorias emergiu no discurso dos participantes, traduzida em termos do número de entrevistas (NE) em que aparecem referenciadas, e o número de unidades de registo (UR), correspondente ao número de vezes em que essas (sub)categorias foram evocadas.

Resultados e discussão

Caracterização dos participantes

O estudo contou com a colaboração de 16 casais (16 pais e 16 mães), num total de 32 participantes. O seu filho encontrava-se internado há, em média, 3,25 dias (mínimo=2; máximo=6 dias) e com idades compreendidas entre os três meses e os 11 anos (média=3 anos e quatro meses). Quanto ao quadro clínico que justificou o seu internamento, este oscilou entre situações de diagnóstico indefinido (n=6), doenças infeciosas (n=5) e respiratórias (n=2), entre outras. Nenhum dos internamentos foi planeado e 13 casais não sabiam a duração prevista para o internamento do seu filho.

Relativamente à situação profissional desses pais, 15 mães e 15 pais estavam empregados e uma mãe e um pai em situação de desemprego. De entre os pais empregados, 10 mães recorreram a dispensas de serviço (baixa médica e licença de maternidade) e cinco pais ao pedido de dias de férias de modo a poderem acompanhar o seu filho durante a hospitalização. De entre os restantes participantes, duas mães e oito pais - por gozarem de um horário mais flexível, dado exercerem a sua atividade profissional por conta própria - continuaram a trabalhar, conciliando a sua atividade profissional com a hospitalização do filho. Treze mães e três pais assumiram o papel de cuidador principal. Nove desses casais tinham o apoio de outros familiares que, com a figura do pai, assumiam o papel de cuidadores secundários.

Quanto ao número de filhos, cada casal tinha entre um e três filhos (média=1,56), com idades compreendidas entre os três meses e os 11 anos. Segundo a informação cedida por cada um deles, todos dispunham de suporte social fora do hospital.

Preocupações dos pais das crianças hospitalizadas

Na Tabela 1, dão-se a conhecer as preocupações relatadas pelos participantes aquando da hospitalização do seu filho. Nela aparecem discriminadas as respostas dos pais e das mães, em função do número de participantes que evocou cada uma das categorias (NE) e o número de vezes que cada categoria foi, ao todo, referenciada (UR).

Tabela 1
Preocupações dos pais

De entre as sete categorias de preocupações que emergiram no discurso dos pais, as três primeiras dizem respeito ao filho internado e aludem às suas inquietações relativamente a: (1) seu estado de saúde; (2) sua reação ao internamento e à doença; e (3) sua situação escolar. As restantes categorias reportam-se às preocupações (4) com a gestão da vida profissional; (5) a aspetos financeiros; (6) com o outro elemento do casal; e com os (7) outros filhos.

Tal como se pode constatar pela leitura da Tabela 1, as preocupações com o estado de saúde do filho foram as que assumiram uma maior expressão no discurso dos participantes (n=12 mães e 10 pais). Essas preocupações diziam respeito aos sintomas “estranhos” manifestados pelo filho, bem como à indefinição do seu diagnóstico, tal como refere um dos pais: “O que me preocupa mais é o que ele [filho] tem; ninguém sabe o que é que ele tem […]. Era para ir hoje embora e já não vai… A incerteza; não se consegue descobrir o que é…” (pai, casal 14).2

Nessa categoria de respostas, os pais enfatizaram também preocupações com a recuperação do filho e com possíveis sequelas físicas e emocionais associadas ao quadro clínico e/ou aos efeitos colaterais dos tratamentos. Eis um exemplo: “Eu fico preocupado com ela […]. É sempre uma preocupação porque aquilo vai ser uma recuperação complicada […]. Qual é a percentagem de deficiência que ela vai ficar na perna? Isso é que me preocupa, […] como é que ela vai ficar no futuro” (pai, casal 5). A essas preocupações, soma-se a antecipação da possibilidade de reaparecimento ou agravamento dos sintomas, tal como é retratado pelo discurso de uma mãe: “[…] Se vai o quadro evoluir, ou seja, se pode piorar” (mãe, casal 2).

O sofrimento, a angústia e a apreensão relatadas por esses pais vão ao encontro das evidências recolhidas por estudos análogos, nos quais as dúvidas e os medos associados ao diagnóstico do filho, à possibilidade de reincidência dos sintomas, à evolução negativa do quadro clínico e/ou aos efeitos e sequelas da doença, tratamentos e hospitalização aparecem também retratados (Diaz-Caneja et al., 2005; Gomes et al., 2014; Schneider; Medeiros, 2011; Schultz, 2007).

Em segundo lugar, a reação do filho ao internamento e à doença aparecem entre as principais preocupações de cinco mães e dois pais, e associam-se a potenciais problemas de adaptação do filho ao contexto hospitalar. As imposições colocadas pelo seu quadro clínico (e.g., limitações na mobilidade), pelos exames e procedimentos médicos (e.g., dolorosos, invasivos) e/ou pelo hospital (e.g., regras e rotinas, alimentação, separação dos familiares) e a falta de compreensão do filho relativamente ao que se está a passar foram as mais comummente referidas. Desta última é exemplo o testemunho de uma das mães, que alude à tenra idade do filho: “[…] tem a ver com o facto da idade em que ele está e ser difícil […]. Se fosse mais velho, se calhar, era mais fácil explicar… O pensamento dele era centrado no ‘não quero ficar aqui, quero ir embora’” (mãe, casal 7). De realçar que, em cerca de metade dos participantes que mencionaram essas preocupações o filho, tinha entre um e três anos. Segundo Algren (2006) e Barros (1998, 2003), essas preocupações parecem justificar-se pela maior imaturidade cognitiva e emocional e a larga dependência da figura materna desses bebés/crianças.

Adicionalmente, entre os pais cujo filho se encontrava em idade escolar, a escola surgiu como uma preocupação adicional, tendo sido salientada por três mães e dois pais. A apreensão sentida - igualmente referida noutros estudos na área (Algren, 2006; Correia, 2012) - decorria do facto de o filho estar a faltar às aulas, dado se encontrar hospitalizado. Tal como refere uma mãe, pelo facto de estar afastado da escola por um longo período e/ou por essa ausência ser potencialmente geradora da diminuição do seu rendimento: “Até pode perder o ano…” (mãe, casal 5).

Outros tipos de preocupações mencionadas - ainda que com menor expressão e menos diretamente vinculadas ao filho internado - aludem à gestão da vida profissional desses pais, a questões financeiras, ao outro elemento do casal e aos outros filhos. Quanto às preocupações associadas à vida profissional, estas assumiram maior expressão entre duas mães e um pai (companheiro de uma delas). Pelo facto de se terem afastado temporariamente das suas responsabilidades profissionais para se poderem dedicar totalmente ao seu papel de mães e cuidadoras principais, temiam correr algum risco em termos da manutenção do emprego. Num dos casos, existia o risco de perda de uma oportunidade de emprego decorrente da atual situação de saúde da filha - que implicou o seu atual internamento e o agendamento de um outro, num futuro próximo. Tal como dizia esta mãe: “[…] onde eu estou é à experiência num restaurante de uma prima minha, mas ela disse que se o internamento demorasse mais que quinta-feira que teria que meter outra pessoa no meu lugar, […] depois ponho-me a pensar: […] arranjo outro trabalho, mas é de pensar duas vezes, porque ela em setembro vai ser operada…” (mãe, casal 1).

Os resultados espelham a literatura na área que, à semelhança dos participantes deste estudo, descrevem a presença de preocupações na esfera profissional resultantes das mudanças causadas pela necessidade de acompanhamento a um filho no hospital e da participação nos seus cuidados a tempo integral (Jorge, 2004; Schneider; Medeiros, 2011; Schultz, 2007; Silva et al., 2010).

Relativamente às preocupações financeiras - similarmente retratadas por outros autores (Gomes et al., 2014; Jorge, 2004; Melamed, 2002; Sebastián; Palacio, 2000) -, estas foram exclusivamente mencionadas por mães, num total de três. Tais preocupações associavam-se às anteriormente descritas, não só pela interrupção da atividade profissional, mas pela atual diminuição de rendimentos (da sua parte e, nalguns casos, também do marido) e pelo aumento das despesas associadas à hospitalização do filho. Eis o discurso de uma das mães: “O meu marido é que está a faltar aos trabalhos dele e depois temos contas para pagar ao fim do mês” (mãe, casal 4).

Inversamente, as preocupações com o outro elemento do casal apareceram com maior frequência no discurso da figura paterna (referidas por uma mãe e dois pais), reportando-se estas ao cônjuge que assumia o papel de cuidador principal. Assim, nesse domínio, foi evocada a preocupação com o bem-estar do cônjuge (e.g., por estar exposto, por longos períodos, às más condições de hotelaria do hospital) e a ausência ao trabalho do companheiro/a (“sacrificando”, por exemplo, dias de férias) para poder acompanhar o filho no hospital.

No que se refere às preocupações com os outros filhos, foram dois os pais que as referiram, decorrendo estas do facto de a mãe estar ausente, por períodos prolongados, da vida desses filhos enquanto acompanhando o irmão no hospital. Dado o seu papel de cuidadora principal do filho doente, essas mães estavam impedidas de acompanhar de perto os outros filhos e dar assistência às suas necessidades. Tal como diz um dos pais: “[…] a outra [filha] também sente a falta da mãe” (pai, casal 8). Iguais preocupações foram encontradas noutros estudos na área (Milanesi; Collet; Oliveira, 2006; Schneider; Medeiros, 2011; Silva et al., 2010).

Por último, salienta-se que, embora os pais tenham relatado uma panóplia diversificada de inquietações experienciadas durante o internamento do seu filho, sete desses pais (três mães e quatro pais) afirmaram não ter sentido qualquer preocupação digna de relevo.

O retrato de preocupações traçado pelos pais espelha de forma muito clara o impacto que o internamento de uma criança, mesmo que por um curto período, pode ter em todo o sistema familiar para os seus diferentes subsistemas (casal, relação pais-filhos, fratria) e nas diversas dimensões do seu funcionamento. Assim, durante esse episódio “crítico” da sua história, a família vê suas rotinas e dinâmicas alteradas, bem como diminuídos os recursos para fazer face às diferentes exigências colocadas pelo mesmo. No caso dos pais que participaram neste estudo, a par da gestão da vida doméstica, hospitalar e profissional, estes confrontam-se com questões financeiras que, somadas ao já amplo leque de preocupações associadas à condição clínica do filho internado, fazem desse um período particularmente exigente e de vulnerabilidade aumentada também retratado noutros estudos (Barros, 2003; Caires; Esteves; Almeida, 2014; Correia, 2012).

Necessidades dos pais das crianças hospitalizadas

A situação de internamento do filho foi também geradora de um conjunto de necessidades entre esses pais, cujo teor aparece representado na Tabela 2 em função das categorias de resposta emergidas na análise dos seus testemunhos. À semelhança das preocupações, as necessidades verbalizadas pelos pais aparecem discriminadas em função das respostas dos pais e das mães e tendo em conta o número de participantes que evocou cada categoria (NE) e o número de vezes que cada categoria foi referida (UR).

Tabela 2
Necessidades dos pais

Tal como a Tabela 2 dá a conhecer, foram sete as categorias de necessidades enumeradas pelos pais a respeito da hospitalização do seu filho. De entre as mais mencionadas, sobressaíram as respeitantes à recuperação do filho e regresso à casa (NE=22, UR=29), com igual expressão entre mães e pais (11 mães e 11 pais). Por um lado, esses pais expressam o desejo de superação da condição clínica que conduziu ao internamento do filho e, por outro, que este tenha alta hospitalar com a maior brevidade possível, de modo a regressarem à casa e retomarem as suas rotinas. Evidências recolhidas noutros estudos mostram a presença desse desejo entre os pais com um filho hospitalizado, para quem a falta do seu espaço, da vivência familiar e das rotinas está igualmente presente (Correia, 2012; Schneider; Medeiros, 2011; Schultz, 2007).

Em segundo lugar foram referidas as necessidades de melhores condições físicas no hospital, salientadas por três mães e quatro pais, a maior parte dos quais assumindo o papel de cuidadores principais. Dado o muito tempo passado com o filho no hospital, esses pais apontavam para a necessidade de serem asseguradas melhores condições de conforto (e.g., cadeirões mais adequados ao descanso) e higiene (e.g., um espaço para tomar banho) durante a sua estadia. A este propósito, uma das mães “reivindica”: “Um espaço para tomar banho, […] conforto […]. Que em vez de andarem a pedir para televisões, para plasmas, que pensem antes em pôr cadeirões para os pais descansarem… Porque a gente não pede camas… Pede ao menos um cadeirão como deve ser…” (mãe, casal 1). Um cenário similar foi encontrado pelos estudos de Correia (2012), Redondeiro (2003) e Shields, Young e McCann (2008), considerando-se que melhores condições de hotelaria facilitam o acompanhamento e a prestação de cuidados ao filho, o que, por sua vez, contribui para a sua recuperação e bem-estar (Moura; Ribeiro, 2004; Parcianello; Felin, 2008; Redondeiro, 2003).

As necessidades de ter mais tempo para si próprio/a e para descansar surgem em terceiro lugar, e foram evocadas por um maior número de mães (NE=3 e um pai), que assumiam o papel de cuidadoras principais. A alusão a essas necessidades parece decorrer do facto de, enquanto cuidadores principais, permanecem longos períodos no hospital e com sua liberdade largamente condicionada, à semelhança do que referem Milanesi, Collet e Oliveira (2006) e Schneider e Medeiros (2011). Tais limitações e o pouco tempo que têm para si próprios parecem estar (entre outros) na origem do cansaço e da exaustão física e mental habitualmente relatadas por esses pais (Algren, 2006; Jorge, 2004; Milanesi; Collet; Oliveira, 2006; Schneider; Medeiros, 2011).

Entre o quarto grupo de necessidades mais referidas surgiram as alusivas à comunicação e relação desses pais com os profissionais de saúde, salientadas exclusivamente por mães (NE=3), duas das quais assumindo o papel de cuidadoras principais, que se debatiam com a indefinição do diagnóstico do filho. Mais informação, por parte da equipa clínica, sobre o estado de saúde do filho, uma comunicação mais clara e concreta sobre o que se está passar ou a presença de maior “segurança” ou “certezas” dos profissionais quanto ao quadro clínico do filho emergem no discurso dessas mães como necessidades de grande premência. Nesse mesmo sentido apontam as evidências recolhidas por autores como Hallström, Runesson e Elander (2002), Jorge (2004) ou Kristjánsdóttir (1995), que salientam a necessidade de os pais acederem e compreenderem a informação relativa ao quadro clínico do filho, sendo que o acesso a essa informação e a forma como ela é transmitida influenciam substancialmente a capacidade de adaptação da família a esse processo (Jorge, 2004; Nelas et al., 2015).

Quanto às necessidades de mais apoio na gestão familiar - enfatizadas por duas mães com mais do que um filho -, as mais prementes reportaram-se ao apoio na realização das tarefas domésticas e na participação nos cuidados ao(s) outro(s) filho(s), à semelhança de outros estudos na área (Correia, 2012; Melamed, 2002; Schultz, 2007). Entenda-se, nesse sentido, que o número de filhos constitui uma variável que interfere na forma como os pais vivenciam essa situação, dado terem de se dividir entre a atenção e cuidados ao filho hospitalizado e o(s) outro(s), em casa.

Adicionalmente, a hospitalização do filho levou a que duas outras mães - cuidadoras principais - referissem a necessidade de maior disponibilidade para estar em casa em família e a acompanhar os outros filhos. Em conformidade com o observado por Milanesi, Collet e Oliveira (2006) e Schneider e Medeiros (2011), essa necessidade de disporem de mais tempo para estarem com os outro(s) filho(s) surge não só por sentirem sua falta, mas por considerarem a presença da mãe como determinante para o bem-estar desses filhos e para a diminuição do impacto da hospitalização entre os irmãos saudáveis.

Um pai mencionou a necessidade de mais apoio no nível dos cuidados e acompanhamento do filho hospitalizado por parte da companheira. Essa referência decorreu do facto de esse pai assumir o papel de cuidador principal e estar mais tempo junto do filho internado, devido, essencialmente, à indisponibilidade da mãe para se revezar com ele nessa tarefa de cuidado, reconhecendo que gostaria “que a mulher tivesse mais coragem para fazer intermédio um e outro…” (pai, casal 3).

Por último, evidencia-se que dois pais (figura paterna) referiram que, durante a hospitalização do filho, não sentiram qualquer necessidade digna de nota.

As necessidades descritas pelos pais nos seus testemunhos dão, pois, a conhecer as múltiplas exigências colocadas pela hospitalização de um filho e alguns aspetos lacunares das condições em que esta tem lugar ou as carências que emergem entre os pais durante esse período. Entre esses destacam-se, a nível pessoal, e em particular entre os cuidadores principais, a sensação de perda de seu espaço, privacidade e liberdade, agravada pelo desconforto das condições de hotelaria oferecidas pelo hospital e/ou pelas lacunas existentes na comunicação com os profissionais de cuidados, em especial nos casos em que o diagnóstico do filho ainda se encontra “em aberto”. A prioridade dada ao cuidar do filho hospitalizado, dos outros filhos em casa e da vida doméstica e/ou profissional dão também lugar à sensação de falta de tempo para si próprios e à necessidade de algum apoio adicional para fazer face às várias solicitações que o atual cenário coloca ao seu quotidiano. Entre os agregados familiares maiores, em particular aqueles nos quais existem outros filhos dependentes, essas necessidades parecem surgir de forma mais enfática.

Diferenças entre as vivências do pai e da mãe das crianças hospitalizadas

A par da descrição das principais preocupações e necessidades vividas pelos pais durante a hospitalização de um filho, este estudo procurou averiguar eventuais diferenças entre a forma como pai e mãe experienciam esse processo. Como se pôde constatar, os resultados apontam para a inexistência de diferenças expressivas entre o discurso de ambos os elementos do casal, designadamente no que concerne a aspetos como as preocupações com o estado de saúde do filho - especialmente nos casos de ausência de um diagnóstico concreto -, com a sua situação escolar ou em termos das necessidades vividas em relação à recuperação do filho e ao regresso à casa.

Por sua vez, as preocupações relacionadas com a reação do filho ao internamento e à doença, a gestão da vida profissional, as necessidades de melhores condições no hospital, de mais tempo para si próprio/a e para descansar, de uma melhor comunicação com os profissionais de saúde, de mais tempo para acompanhar os outros filhos em casa e de maior apoio nos cuidados ao filho internado assumiram maior peso no discurso da figura parental que assumia o papel de cuidador principal.

Olhando mais pontualmente as diferenças entre os dois elementos do casal, as preocupações financeiras e as necessidades de mais apoio na gestão familiar apareceram com maior ênfase no discurso das mães, revelando que, relativamente a estas últimas, apesar de a figura paterna estar cada vez mais presente e comprometida nas tarefas dos cuidados aos filhos e na gestão da vida doméstica, as mulheres continuam a assumir um papel nuclear nesses domínios (Almeida, 2011; Milanesi; Collet; Oliveira, 2006; Moura; Ribeiro, 2004).

Adicionalmente, neste estudo, apenas a figura do pai salientou preocupações em relação ao outro elemento do casal e aos outros filhos em casa. Tais preocupações estavam, mais uma vez, direcionadas à mãe, pelo facto de esta assumir o papel de cuidadora principal do filho internado, permanecendo mais tempo no hospital (exposta a condições de alguma limitação e precariedade) e longe dos filhos “saudáveis”.

Em face desses resultados, poder-se-á afirmar que, de forma geral, as diferenças identificadas entre as vivências do pai e da mãe parecem estar mais associadas ao tipo de papel que cada um dos membros do casal assume enquanto cuidador (principal ou secundário) na assistência ao filho hospitalizado, mais do que propriamente pelo facto de ser a figura materna ou paterna. A permanência por mais tempo junto do filho no hospital; o acompanhamento mais vigilante do seu estado clínico; a separação e gestão, a distância, de outros contextos significativos (e.g., casa, trabalho, outros filhos); a maior privação da sua liberdade; e/ou a maior exposição às condições hospitalares (nem sempre favoráveis em termos de conforto, privacidade e repouso) parecem ser fatores que assumem maior peso nas vivências da figura parental que desempenha o papel de cuidador principal, explicando, maioritaria-mente, as diferenças encontradas entre os membros do casal.

Subjacentes a esses resultados estão as mudanças que foram ocorrendo na estrutura familiar na sociedade contemporânea, as quais foram convergindo para um novo olhar sobre as funções parentais socialmente atribuídas à mulher e ao homem, no sentido de uma menor distinção entre ambos (Almeida, 2011; Bayle, 2016; Crepaldi et al., 2006; Gomez, 2016). Entre estas, realça-se o papel mais ativo das mulheres na vida social e no mercado do trabalho, levando a uma maior necessidade de redistribuição das tarefas familiares e do acompanhamento dos filhos, incluindo em situações de hospitalização destes (Almeida, 2011; Balancho, 2007; Bayle, 2016; Crepaldi et al., 2006; Gomes; Lunardi Filho; Erdmann, 2008; Gomez, 2016; Hintz, 2001; Murray, 2006). Por outro lado, também o pai está mais envolvido na vida familiar, preocupando-se com o bem-estar dos filhos e da companheira (Balancho, 2007; Correia, 2012; Gomes; Lunardi Filho; Erdmann, 2008; Guerreiro; Caetano; Rodrigues, 2008; Hintz, 2001; Moura; Ribeiro, 2004).

De realçar ainda que, apesar de todas essas mudanças na sociedade, neste estudo, o papel de cuidador principal foi assumido maioritariamente pelas mães (13 entre as 16 mães participantes), à semelhança de outros estudos na área (Crepaldi et al., 2006; Moura; Ribeiro, 2004; Schneider; Medeiros, 2011). Neste sentido, atualmente, a mulher ainda é tendencionalmente e tradicionalmente considerada como a principal responsável por acompanhamento, educação e prestação de cuidados aos filhos e pela gestão das tarefas domésticas, associando-se a ideia de um melhor desempenho do papel de cuidador da sua parte em relação ao homem (Almeida, 2011; Crepaldi et al., 2006; Gomes; Lunardi Filho; Erdmann, 2008; Milanesi; Collet; Oliveira, 2006; Moura; Ribeiro, 2004). No entanto, também neste estudo uma parte significativa dos pais (figura paterna) procurou estar presente no hospital e auxiliar na prestação de cuidados ao filho internado, conciliando essa tarefa com sua atividade profissional e com as funções domésticas e parentais em casa.

Considerações finais

Com a concretização deste estudo, verificou-se que a situação de hospitalização de um filho representa um acontecimento crítico e estressante para todo o núcleo familiar, e não só para a criança internada ou para o pai/a mãe que assume seu cuidado no hospital. Esse episódio crítico interfere nas rotinas e no bem-estar de todo o sistema, implicando que cada um dos seus membros se ajuste aos diferentes desafios e exigências colocados pelo internamento de um dos seus elementos mais jovens. Olhando mais concretamente as vivências dos pais, verificou-se que o internamento de um filho gera impacto em várias áreas da sua vida e é motivo de um alargado leque de preocupações e necessidades.

Esses desafios veem-se ampliados entre os pais que assumiram o papel de cuidadores principais e têm contornos distintos dos vividos pelo cônjuge que assume o papel de cuidador secundário. Assim, enquanto este último fica, geralmente, a braços com as questões laborais e com a gestão das tarefas domésticas e o cuidado aos outros filhos em casa, o cuidador principal experiencia mais de perto os sentimentos de angústia e apreensão relativamente ao quadro de saúde do filho, ampliados pelo facto de passar longos períodos no hospital, com pouca “liberdade de movimentos” e sob condições de hotelaria pouco confortáveis e desajustadas às suas necessidades de repouso, higiene e privacidade.

Para além disso, a diminuição do tempo para si próprios e para a gestão doméstica, bem como o facto de sentirem falta das suas rotinas, do conforto do lar e do núcleo familiar, parece ter contribuído, entre os cuidadores principais, para o maior desgaste relatado. Adicionalmente, a interrupção temporária da sua atividade profissional e o aumento das despesas financeiras associadas à hospitalização do filho geraram preocupações suplementares.

No que concerne a intervenções visando minorar do impacto dessa experiência nos pais e, consequentemente, a facilitação do processo de recuperação da criança, a diminuição do seu tempo de internamento e dos potenciais efeitos negativos desse episódio “crítico”, crê-se como prioritária a alteração do ambiente e das condições hospitalares, nomeadamente no nível das condições de hotelaria e da qualidade dos processos comunicacionais com a equipa de saúde. As primeiras, de ordem estrutural, poderão ser mais difíceis de contornar a curto prazo, parecendo, no entanto, existir maior amplitude (e imediaticidade) de possibilidades quanto às questões comunicacionais. A disponibilização de mais informação, pela equipa de cuidados, aos pais e a utilização de uma linguagem clara, ajustada às habilitações literárias e às expetativas e necessidades dos pais, poderão colmatar (ou minorar) algumas das preocupações e necessidades relatadas pelos pais deste estudo e de outros congéneres, à semelhança do sugerido por outros autores na área.

Apesar do limitado número de participantes envolvidos neste estudo e das particularidades do contexto onde foi realizado - inviabilizando a sua generalização -, as evidências recolhidas parecem tornar bem clara a pertinência de investigação mais aprofundada sobre as dificuldades, preocupações e necessidades dessas famílias, dando particular atenção ao paciente pediátrico e ao seu cuidador principal, quer pela sua exposição direta e prolongada ao contexto hospitalar e à doença, quer pelo papel nuclear deste último no acompanhamento, cuidado e recuperação da criança hospitalizada. Adicionalmente, a auscultação do olhar dos protagonistas desses processos quanto às respostas psicossociais mais ajustadas às suas experiências poderá ser igualmente útil no sentido de diminuir, por um lado, os estressores presentes durante a hospitalização, ou, por outro, ampliar a sua capacidade de enfrentamento deles. O reconhe-cimento dos recursos e competências já existentes no seio dessas famílias e a identificação das suas fragilidades são também de particular relevância, quer no sentido de promover a autoestima e o sentido de autoeficácia dos seus diferentes elementos, quer com vista à am-pliação - por meio de treinamento - de estratégias ajustadas aos desafios enfrentados durante hospitalização e após a alta. Nesse processo de empoderamento das famílias, a individualização e a humanização do apoio prestado assumem-se como valores primordiais.

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  • 1
    A utilização do termo “criança” abrange bebés, crianças e adolescentes.
  • 2
    Atribui-se um número de 1 a 16 para a identificação de cada casal.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    05 Nov 2019
  • Aceito
    19 Dez 2019
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