Open-access A formação docente para o ensino superior: impasses e perspectivas para a contínua aprendizagem

Teacher training for higher education: impasses and perspectives for continuous learning

RESUMO

Este artigo foi elaborado a partir dos resultados da pesquisa desenvolvida no pós-doutoramento, que trata sobre a formação do docente do ensino superior, destacadamente, das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES). Para subsidiar a compreensão sobre os resultados obtidos com as entrevistas semiestruturadas realizadas com os participantes do processo investigativo, discute-se a formação (inicial e continuada) de docentes iniciantes/ingressantes e veteranos das IFES participantes da pesquisa, e suas concepções acerca da formação e da prática pedagógica docente. Os dados obtidos revelaram que a formação permanente dos professores do ensino superior precisa ser compreendida como parte indissociável do exercício profissional docente e assumida pelas Instituições, com o protagonismo dos professores, que se ocupam da formação dos mais diversos profissionais.

Palavras-chave:  Ensino Superior; Formação Docente; Exercício Profissional Docente; Qualidade Educacional

ABSTRACT

This article was prepared based on the results of post-doctoral research, which deals with the training of higher education teachers, particularly at Federal Higher Education Institutions (IFES). To support the understanding of the results obtained with the semi-structured interviews carried out with participants in the investigative process, the training (initial and continuing) of beginning/new and veteran teachers of the IFES participating in the research is discussed, and their conceptions regarding training and of teaching pedagogical practice. The data obtained revealed that the ongoing training of higher education teachers needs to be understood as an inseparable part of the teaching professional practice and assumed by the Institutions, with the leading role of teachers, who are responsible for training the most diverse professionals.

Keywords:  Higher Education; Professor Training; Professional Teaching; Education Quality

Introdução

O tema tratado neste artigo corresponde a um recorte da pesquisa desenvolvida durante o pós-doutoramento, realizado nos anos de 2022 e 2023, na Universidade de Campinas/Unicamp - SP, que tratou do processo formativo do docente das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), participantes do processo investigativo.

Partindo da compreensão de que a formação pedagógica do docente é um elemento fundante para a qualidade do ensino superior, é indispensável, não apenas, identificar o processo formativo (inicial e continuado), mas compreender como o docente concebe a formação, a prática docente e a prática pedagógica que caracteriza o seu exercício profissional.

A discussão sobre a formação dos professores do ensino superior no Brasil é recente, pois só nos últimos anos do século XX essa formação passa a ser um tema mais amplamente pesquisado e chega ao século XXI ocupando considerável espaço nas investigações e publicações. Os resultados encontrados têm apontado para a necessidade dessa formação ser entendida como integrante do exercício profissional. De tal forma, faz-se necessário que as Instituições de Ensino Superior (IES) assumam esse processo formativo a fim de assegurar esse elemento integrativo do exercício profissional docente, contando com o protagonismo desse profissional.

As primeiras décadas do século XXI trazem consigo novas exigências para as sociedades, e, enquanto instituições sociais, as IES precisam assumir o desafio de formar profissionais para atender a tais exigências. Nesse sentido, é requerida das IES atenção à profissionalidade do docente para o nível superior, sobretudo num momento em que as inovações, provocadas principalmente pelo avanço tecnológico, adentram essas Instituições. A profissionalidade docente é, neste espaço, compreendida como “o conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser professor”. (Gimeno Sacristán, 1995, p. 65)

Todavia, faz-se necessário esclarecer que a compreensão de inovação, neste trabalho, é compartilhada com a ideia defendida por Gaeta e Masetto (2013, p. 117), isto é:

[...] inovar na ação docente é buscar um novo entendimento do que é ser um professor do ensino superior: agir como um profissional da docência; inovar é ousar, romper com o paradigma tradicional das IES de se limitar a transmitir informações e práticas profissionais; inovar é entender a sala de aula como espaço e tempo do professor e do aluno que em parceria constroem a formação profissional para a contemporaneidade.

Em consonância com o pensamento dos autores acima citados, Cunha (2006), explica que romper com esse paradigma exige dos professores a ressignificação dos saberes que orientam a sua prática, o que implica em “atitudes emancipatórias”, que “também exigem conhecimentos acadêmicos e competências técnicas e sociais que configurem um saber fazer que extrapole os processos de reprodução” (Cunha, 2006, p. 17). Nessa direção, Lucarelli (2000, p. 36), chama a atenção para o necessário reconhecimento da pedagogia universitária como um espaço de “conexão de conhecimentos, subjetividades e cultura, exigindo um conteúdo científico, tecnológico ou artístico altamente especializado e orientado para a formação de uma profissão”. A formação permanente dos professores desse nível de ensino torna-se condição para o alcance desses propósitos, pois “Aprender a ensinar e a se tornar professor são [...] processos e não eventos” (Knowles et al., 1994, p. 286). Assim, as IES precisam tomar para si o dever com essa formação, desenvolvendo ações com o objetivo de assegurar a reflexão e a ação do exercício profissional dos professores.

Essas considerações permitem compreender que de modo divergente do ensino tradicional, cuja máxima “quem sabe ensina”, o exercício do ensinar corresponde a “uma variada e complexa articulação de saberes passíveis de diversas formalizações teórico-científicas, científico-didáticas e pedagógicas” (Cruz, 2017, p. 674). Ou seja, o ensino pautado na ação pura e simples de transmitir e na aprendizagem baseada na reprodução do que foi ensinado reclama por sua superação.

Garantir o processo formativo permanente do docente do ensino superior é ponderar que esse profissional necessita mais do que a especificidade da sua área de conhecimento, isto é, os professores carecem de múltiplos saberes. Como assevera Tardif (2002, p. 36), pode-se definir “o saber docente como um saber plural, formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais”. A clareza de que a formação docente compreende mais do que o domínio do conteúdo específico é o ponto de partida para se planejá-la visando um caráter permanente.

Vale esclarecer ainda que, no Brasil, do ponto de vista da legislação em vigor, é suficiente que o professor do ensino superior seja oriundo da pós-graduação, pois de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9394 de 20 de dezembro de 1996, Art. 66: “A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado” (Brasil, 1966, Art. 66). Desse modo, cabe às IES caminharem para além da legislação promovendo políticas de formação permanente do docente, como requisito para o avanço da qualidade do ensino superior.

Nesse sentido, importa destacar o trabalho de Forte e Ângelo (2022), que ao analisarem a regulação da formação de professores oferecida nos cursos de pós graduação de duas universidades públicas, chamam a atenção para a posição assumida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), a partir das regulações promovidas por esta Coordenação no período de 2017 a 2020, e que embasam a afirmação dos autores: “A Capes e a avaliação dos PPGDs: a formação para a pesquisa em primeiro lugar e a formação inicial de professores em lugar nenhum” (Forte. Ângelo, 2022, p. 10)

Nessa perspectiva, as ações pontuais de formação docente, embora tenham propósitos significativos, não são suficientes. Desse modo, a criação de políticas que garantam o espaço, o tempo e os recursos necessários aos processos formativos permanentes dos docentes do ensino superior, torna-se basilar para a melhoria dos resultados da educação desse nível de ensino.

O processo investigativo que originou este trabalho, buscou desta forma o alcance do seguinte objetivo geral: Analisar os processos de formação da docência do ensino superior presentes nas Instituições Federais do Ensino Superior (IFES) situadas na região Nordeste do Brasil. E, como objetivos específicos: Compreender as concepções de formação do docente do ensino superior expressas pelos professores; relacionar as similitudes e divergências presentes nos discursos dos participantes acerca do processo de formação do docente do ensino superior; compreender as ações de formação para o docente do ensino superior (Iniciante/Ingressante e veterano) promovidas pelas IFES; descrever as necessidades de formação para o docente do ensino superior apontadas pelos participantes da pesquisa.

Metodologia

A pesquisa que originou os resultados deste trabalho tem a natureza qualitativa, por considerar que esta abordagem “parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito” (Chizzotti, 1998, p. 79). Entretanto, os dados quantitativos apresentados neste trabalho não ofuscam a natureza qualitativa da pesquisa: ao contrário, esses dados contribuem para a compreensão do todo. Assim, evita-se a ortodoxia metodológica, ou ao que Bourdieu (2007, p. 25) chamou de “arrogância da ignorância”. A partir dessa compreensão, a pesquisa qualitativa possibilitou compreender o exercício docente e os aspectos que o constitui, destacadamente a formação desse profissional.

O campo de pesquisa correspondeu às 17 (dezessete) das 20 (vinte) Universidades Federais situadas na região Nordeste do Brasil, conforme mostra a tabela 1:

Tabela 1
Universidades Federais pesquisadas e distribuição dos participantes

Os participantes do processo investigativo foram os professores que ocuparam as seguintes categorias: Iniciantes/Ingressantes, com até 15 (quinze) anos na IFES; Veteranos, com mais de quinze anos na IFES; e Pró-Reitores de Graduação. Considerando o espaço deste artigo serão apresentados os resultados obtidos com as entrevistas dos docentes Iniciantes/Ingressantes e Veteranos. Contudo, importa ressaltar as relevantes contribuições dos Pró-Reitores à pesquisa realizada.

Dessa forma, os contatos com as IFES foram feitos a partir dos endereços eletrônicos institucionais e foram convidados dois docentes de cada IFES, um de cada categoria. Os docentes que aceitaram participar do processo investigativo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O referido documento assegura o anonimato dos participantes e, as informações prestadas por estes são utilizadas restritamente para os trabalhos originados da pesquisa e identificadas apenas como informação prestada por docente de determinada IFES.

São denominados professores iniciantes aqueles que passam a integrar o corpo docente da IFES sem trazer consigo experiência docente no ensino superior. A bagagem trazida pelos professores iniciantes corresponde às suas experiências como estudante nos cursos de graduação e pós-graduação.

Os professores ingressantes são os que trazem consigo experiência docente no ensino superior, em instituições públicas ou privadas, e passam a integrar o quadro de docentes das IFES.

Sobre a chegada dos novos docentes no ensino superior, Sordi (2019, p. 140) informa que:

Além do contato com a cultura institucional (à qual precisa se ambientar), com as atividades de pesquisa e extensão, enfrenta inúmeros desafios para desenvolver a atividade de ensino, tendo em vista que sua trajetória de formação, nos cursos de graduação e pós-graduação, está vinculada à aquisição de conhecimentos específicos de sua área de atuação profissional, sobretudo os graduados em cursos de bacharelado que, no Brasil, não habilitam para o exercício da docência.

Os docentes veteranos são entendidos como aqueles que concentram muitos anos de docência nas IFES, que na época do seu ingresso acumulavam ou não experiência no ensino superior, mas que atenderam às exigências para a sua inserção, as quais, de forma geral, correspondiam à comprovação de título da sua formação e dos conhecimentos específicos na sua área de atuação.

Não é incomum que os docentes Iniciantes/Ingressantes e Veteranos não tragam consigo os saberes pedagógicos para o exercício da docência no ensino superior, exigindo, portanto, um processo formativo permanente. Todavia, esse processo não pode se constituir em ações individuais, mas em programas institucionalizados compromissados com a profissionalidade docente e com a qualidade do ensino superior.

Como se pode observar na tabela 1, a pesquisa contou com a maior participação dos docentes Iniciantes/Ingressantes2 devido à criação de seis IFES nos últimos quinze anos na região Nordeste do Brasil, não havendo nessas (ou havendo poucos), os professores da categoria de veteranos.

É relevante destacar a expansão do ensino superior que ocorreu no Brasil no período de 2003 a 2014, sobretudo como a Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni3), programa do governo federal, que integrou o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Essa expansão pode ser visualizada no Quadro 1.

Quadro 1
Panorama da expansão universitária nas IFES

O exame das informações obtidas com as entrevistas partiu da interpretação crítica auxiliada pela Análise de Discurso (AD). A AD busca compreender “como um objeto simbólico produz sentidos, como ele está investido de significância para e por sujeitos. Essa compreensão, por sua vez, implica em explicitar como o texto organiza os gestos de interpretação que relacionam sujeito e sentido” (Orlandi, 2005, p. 26, 27). Desse modo, o trabalho investigativo buscou entender e descrever como a formação docente significa para o professor do ensino superior das IFES participantes da pesquisa.

Resultados e Discussão

Os dados acessados por meio das entrevistas foram, inicialmente, organizados a partir de quadros referenciais, seguidos do exame mais aprofundado das questões respondidas/tratadas pelos participantes do processo investigativo.

A centralidade da análise das informações tomou como base os discursos dos professores entrevistados acerca da formação do docente do ensino superior, visto que seus dizeres são “efeitos de sentidos que são produzidos em condições determinadas e que estão de alguma forma presentes no modo como se diz,” [...] (Orlandi, 2005, p. 30). Além da compreensão sobre a formação docente, a pesquisa buscou identificar e compreender os aspectos constitutivos das concepções e das práticas pedagógicas dos professores sobre o exercício da sua profissão.

A exposição dos resultados obtidos está organizada em duas seções. Na primeira são identificadas as formações (graduação e pós-graduação) dos entrevistados; e na segunda seção são apresentados os discursos dos participantes acerca das questões que nortearam o tema deste trabalho.

Formação dos docentes entrevistados

A amostra dos entrevistados contou com professores de formações (graduação e pós-graduação) variadas, visto que interessava à pesquisa compreender o processo formativo dos docentes que tiveram, ou não, na sua formação inicial e na pós-graduação o estudo dos elementos constitutivos exigidos para a docência, como o conhecimento acerca do ensino, da aprendizagem, da avaliação educacional e da aprendizagem, do currículo, das metodologias de ensino, dentre outros.

Compuseram o quadro de professores iniciantes ingressantes, quanto à graduação: 14 professores licenciados (licenciaturas diversas) e 03 professores bacharéis4. Quanto à Pós-Graduação: 08 professores cursaram o mestrado e o doutorado em Educação e 09 docentes fizeram os cursos de mestrado e doutorado em diversos programas.

Vale destacar que do número de professores iniciantes/ingressantes, apenas um não trazia consigo experiência docente no ensino superior antes de integrar o corpo docente da IFES. Os demais professores dessa categoria construíram experiências anteriores em IES públicas ou privadas.

O quadro de professores veteranos foi composto, quanto à graduação, de: 05 professores licenciados e 05 professores bacharéis5. Quanto à Pós-Graduação: Dos dez professores veteranos, 03 cursaram o mestrado6 em educação, e os demais cursaram nos variados programas. Sobre o doutorado: 03 cursaram em Educação, e os demais cursaram nos diversos programas.

No que se refere à experiência docente, antes de integrarem o corpo de professores das IFES, quatro dos dez professores veteranos participantes da pesquisa não possuíam experiência no ensino superior e seis traziam consigo essa experiência construídas em instituições públicas ou privadas.

Como é possível perceber, a amostra de participantes contou com professores formados nos diferentes cursos de graduação e pós-graduação. No entanto, importa destacar que dos 27 (vinte e sete) professores entrevistados, 19 (dezenove) cursaram a licenciatura, ou seja, mais de 70% trazem na sua formação inicial, a formação para o exercício do magistério na educação básica, e, embora não seja a formação voltada para a docência no ensino superior, é sabido que o curso de licenciatura em muito contribui para o exercício do magistério superior, pois como nos informa Silva et al. (2007, p. 22):

[...] se por um lado a licenciatura tem como referência a técnica, os procedimentos e práticas de ensino que irão marcar o fazer do professor, por outro lado situa esse mesmo fazer no interior de relações humanas e sociais, cujo entendimento passa necessariamente pelo desenvolvimento de um olhar e de uma intervenção crítica sobre o mundo que os cerca.

Decerto que não há razão para preocupação dos professores que não fizeram a licenciatura, mesmo porque não existe esta formação para todos os cursos de graduação. A preocupação deve estar focada no processo formativo permanente para a docência no ensino superior, e como sugerem Pimenta e Ghedin (2002, p. 19), a prática pode possibilitar esse processo, isto é: [...] “ uma formação profissional baseada em uma epistemologia da prática, ou seja, na valorização da prática profissional como momento de construção de conhecimento, através da reflexão, análise e problematização”. Entretanto, há de ter o cuidado para ir além da prática ou esbarra-se na instrumentalização, no tecnicismo que não permite enxergar os elementos fundantes dos processos de ensinar e aprender.

Os discursos dos professores Iniciantes/Ingressantes e Veteranos

A partir das informações dos entrevistados, serão problematizadas as seguintes questões: o ingresso nas IFES e as principais necessidades sentidas pelos docentes; a relação interpessoal com os docentes e discentes; e a formação docente promovida pela IFES.

O ingresso na IFES e as principais necessidades sentidas pelos docentes:

Para a maioria dos professores iniciantes/ingressantes e para a totalidade dos veteranos, o momento de acolhida na IFES foi valoroso e ampliou a confiança dos novos docentes. Esse tipo de acolhimento estimula, inspira, move os docentes recém-chegados, sendo um momento relevante na carreira docente, como declara a professora: “A acolhida pelo Departamento foi excelente, os colegas de área foram extremamente solícitos e companheiros no processo de orientação e partilhas dos trâmites institucionais”. (Iniciante/Ingressante - UFPB). E, ainda, a professora veterana que afirma:

Ser professora de universidade pública era algo que eu pretendia desde o final da graduação. [...]. A UNIVASF estava iniciando, ainda por formar as primeiras turmas. Isso demandava muito trabalho, afinal estávamos estruturando a universidade em construção, mas favoreceu o engajamento diante dos desafios. Por ser uma universidade nova e ainda pequena, a aproximação com todos era muito grande, inclusive com Reitor, Vice-Reitor e pró-Reitores (Veterana - UNIVASF).

Não obstante, para três docentes iniciantes/ingressantes a experiência do acolhimento não foi satisfatória e impactou os novos professores, gerando dificuldades na sua adaptação à IFES e causando desconforto na sua relação com os demais professores, às vezes reverberando no corpo discente. Um desses professores diz não ter suportado a hostilidade dos colegas e preferiu pedir remoção para outra unidade da IFES. Pode-se pensar que se trata de um pequeno número, visto que o total dessa categoria foi de dezessete professores respondentes, todavia essa representação de quase 20% (vinte por cento) é significativa, sobretudo por não se ter o conhecimento ou o controle das derivações desses impactos sobre os professores recém-chegados, sobre os estudantes e demais profissionais da Instituição.

Um dado interessante, colocado por alguns professores iniciantes/ingressantes, e que contribuiu para a rápida integração ao corpo docente da IFES, foi a sua condição de ex-aluno. Outro dado que favoreceu a integração dos professores iniciantes/ingressantes e veteranos foi sua experiência como professores substitutos na Instituição: “O ingresso como professora efetiva na UFPE foi acolhedor, eu já havia sido professora substituta na instituição por dois momentos, havia passado em segundo lugar e já havia uma expectativa para minha convocação” (Iniciante/Ingressante - UFPE).

Ainda sobre a condição da substituição contribuir para a integração ao corpo docente da IFES, a professora veterana esclarece:

Ingressei em 1992, pela via do concurso público. Antes também por processo seletivo simplificado fui professora substituta. Fui bem acolhida e não tive dificuldades tendo em vista que a minha habilitação em orientação educacional feita no curso de pedagogia associada a minha experiência no movimento sindical do magistério estadual (particularmente junto aos orientadores) em muito contribuíram para o desenvolvimento de minhas atividades iniciais de ensino na educação superior (Veterana - UFPB).

Quanto às necessidades sentidas pelos docentes quando da sua chegada à IFES, as respostas dos entrevistados possibilitaram relacionar variadas demandas, contudo no espaço deste artigo serão destacadas: o apoio pedagógico da IFES; e os recursos para o desenvolvimento do trabalho docente.

a) O apoio pedagógico da IFES:

Para os professores iniciantes/ingressantes, o apoio recebido por ocasião de sua chegada à IFES correspondeu ao encontro com a Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas, que se encarregou da parte mais burocrática, como o momento de posse e a entrega de manual com as principais informações da Instituição. Além desse encontro, a maior parte das IFES, por meio da Pró-Reitoria citada e, em alguns casos, pela Pró-Reitoria de Graduação, ofereceu um curso cuja denominação depende de cada instituição, mas que de modo geral se destinava às informações sobre o cotidiano das IFES e ao apoio pedagógico ao novo docente.

Segundo os entrevistados, esse curso focava nas tarefas dos professores e na organização e funcionamento das IFES. De acordo com os discursos dos docentes entrevistados o curso oferecido não tratava da formação pedagógica, na verdade era “uma imposição para avaliação do estágio probatório”. (Iniciante/Ingressante - UFAL). O curso oferecido era “de modo pontual ou mesmo fragmentado”. (Iniciante/Ingressante - UFCG). Pode-se inferir que embora as IFES anunciem um curso com finalidade pedagógica, os professores o recebem de outra forma, isto porque segundo Orlandi (2005, p. 39): “o lugar a partir do qual fala o sujeito é constitutivo do que ele diz”. Sendo assim, faz-se necessária a discussão a respeito das finalidades desse primeiro encontro, considerando que o docente não é apenas mais um servidor público.

Embora sejam consideradas importantes as informações sobre o cotidiano das IFES, e que nos primeiros encontros com os novos docentes a Instituição tem o dever de informá-los sobre a sua dinâmica, compreende-se que não se pode deixar de tratar aquilo que é específico do exercício docente, ou seja: a identidade docente, a profissionalidade dos professores, a prática docente e a prática pedagógica, a discência, o tripé ensino, pesquisa e extensão, dentre outros.

Importa destacar que para os novos docentes lotados nas novas IFES, o desafio foi ainda maior, pois essas IFES ainda não possuíam a estrutura necessária ao seu funcionamento (pessoal administrativo e recursos), como explicam os discursos dos entrevistados:

Como a Universidade era muito nova ainda não tínhamos estudantes. Minha maior dificuldade foi a audiência da minha área de atuação acadêmica, fato que só foi mudado em 2020. A estrutura física, como todas as universidades em implantação, é muito deficiente, dificultando muito o trabalho docente (Iniciante/Ingressante - UFSB).

Por se tratar de um campus de interiorização, as preocupações com a dimensão da organização da vida particular tomaram muita atenção nos primeiros meses. Combinado a isso, tudo era novidade entre a maioria dos professores, não se conhecia a cidade, às instituições escolares, e nem o público estudantil (Iniciante/Ingressante - UFRB).

O processo de expansão das IFES, anteriormente comentado, se deu principalmente para as cidades mais afastadas das capitais brasileiras. Essa interiorização exigiu muito dos docentes e do pessoal administrativo que, de forma geral, estavam sendo deslocados dos seus lugares de origem, geralmente dos grandes centros urbanos, para outras cidades.

Desse modo, construir uma familiaridade com os estudantes e as comunidades circunvizinhas tornou-se um imperativo para os novos professores. E isso exigia pressa, pois como organizar, por exemplo, um Plano de Ensino, ou visitas específicas aos espaços sociais da região, sem conhecê-los? Como fazer a articulação dos processos de ensino com a prática social? Diante do exposto, faz-se necessário avaliar esses momentos, escutando o que os professores têm a dizer sobre as suas necessidades pessoais e profissionais.

Quanto aos professores veteranos, importa notar que sobre o apoio pedagógico recebido da IFES no momento do seu ingresso, dos dez entrevistados apenas um fez um comentário sem muitos detalhes, os demais professores silenciaram sobre essa questão. O gesto de silêncio dos professores pode conduzir à reflexão de Foucault (2005, p. 8, 9) para quem,

[...] em toda sociedade a produção de discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e distribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade.

Recursos para o desenvolvimento do trabalho docente:

Certamente que a aula expositiva tem sua importância no ensino superior, porém a exacerbação desse tipo de aula, sobretudo quando coloca o professor como agente ativo e o estudante como agente passivo dos processos de ensino e de aprendizagem, ratificam o paradigma tradicional do ensino.

Diante dos avanços técnico-científicos, principalmente dos recursos possibilitados pelas mídias digitais, torna-se inadequado trabalhar o conhecimento em sala de aula a partir de longas exposições do professor e da reprodução pelo estudante do que foi por este memorizado.

Nesse sentido, o desenvolvimento do ensino carece de metodologias e recursos didático-pedagógicos inovadores, que permitam a participação ativa dos estudantes na construção das suas aprendizagens. Entretanto, não se trata de sobrecarregar professores e estudantes com inúmeros instrumentos, mas inovar os processos de ensino e de aprendizagem, conforme orienta Cunha (2006, p.18), isto é, as inovações devem se tornar tangíveis, a partir do reconhecimento [...] “de formas alternativas de saberes e experiências, nas quais imbricam objetividade e subjetividade, senso comum e ciência, teoria e prática, cultura e natureza, anulando dicotomias e procurando gerar novos conhecimentos mediante novas práticas”. Cabe, portanto, ao professor conhecer e selecionar os recursos didáticos e pedagógicos que lhes permita desenvolver um processo de ensino que promova aprendizagens significativas.

Interessa esclarecer que, ao promover aprendizagens significativas, o professor se compromete com a prática social imediata e mais ampla, pois como afirmam Pimenta e Lima (2012, p. 41), “[...], a profissão de educador é uma prática social. Como tantas outras, é uma forma de intervir na realidade social, no caso por meio da educação que ocorre não só, mas essencialmente, nas instituições de ensino. Isso porque a atividade docente é ao mesmo tempo prática e ação”.

Vale destacar a atenção dos professores às necessidades do ensino visando às aprendizagens qualitativas, porém essa atenção não pode ser responsabilidade só dos docentes. Quando perguntados sobre as necessidades sentidas ao ingressarem nas IFES, os docentes apontaram a dificuldade de recursos para o desenvolvimento das suas atividades. Esses recursos vão desde a estrutura das IFES aos materiais necessários ao desenvolvimento das aulas.

Nos seus discursos os professores iniciantes/ingressantes explicam a necessidade dos recursos:

O primeiro semestre, foi um semestre de conhecimento inicial, existia uma carência ainda de materiais, equipamentos e espaços adequados, o que exigiu um esforço grande na adequação e adaptações para organizar as atividades. Este sem dúvida foi o centro da preocupação docente no primeiro ano (Iniciante/Ingressante - UFRB).

Quanto ao uso de recursos, este era bem limitado, pois podíamos contar apenas com datashow, piloto, quadro e texto trazido pelo aluno. Às vezes eu queria fazer algo diferente, levar um vídeo, uma música ou imprimir algo e tinha que trazer ou fazer meu próprio material. Como a universidade fica um pouco afastada e tive problemas de transporte, muitas vezes foi difícil me deslocar de casa para a universidade carregando tantos materiais ou às vezes, com a correria do dia a dia, não conseguia me deslocar para uma gráfica para imprimir com meu próprio dinheiro os materiais que queria utilizar (Iniciante/Ingressante - UFAPE).

Nos discursos dos professores veteranos é possível perceber que essa dificuldade sempre existira, ainda que com mais ou menos intensidade. Alguns lembram a árdua tarefa de obter material para trabalhar com os estudantes, a escassez dos livros, o intenso uso das copiadoras, o giz e o quadro.

De 1986 para cá, protagonizamos revoluções cotidianas. O impacto das tecnologias nos nossos exercícios de docência. Da máquina de datilografia para digitação e do mimeógrafo para a impressão dos textos, às máquinas computadorizadas. Do funcionário digitando as notas registradas nas cadernetas, pela caneta dos professores, ao SIGAA. [...]. Experiências vividas nos contextos dos avanços e retrocessos políticos (Veterano UFPI).

A principal necessidade era acessar a bibliografia de ponta que naquele tempo vinha via língua espanhola, em editoras de países como ARGENTINA e CHILE...O que era produzido na Europa nos chegava por esta via (Veterano - UFBA)

Nos discursos dos professores é possível perceber os sentidos que eles dão quando interpretam a dificuldade de se obter os materiais indispensáveis ao bom funcionamento das atividades acadêmicas. Como explica Orlandi (2005, p. 47), “É o gesto de interpretação que realiza essa relação do sujeito com a língua, com a história, com os sentidos”. E acrescenta a autora: [...] “não há discurso sem sujeito. E não há sujeito sem ideologia”. É possível inferir que a passagem de uma prática auxiliada por recursos, quase que exclusivamente palpáveis, para um mundo digital, mais conhecido pelos estudantes do que pela maioria dos professores foi, e está sendo, muito desafiadora para os docentes.

Importa, ainda, lembrar, que embora as IFES gozem de certa autonomia essas instituições dependem dos recursos, dos investimentos do governo federal e, dessa forma, não é difícil compreender porque em determinados momentos há investimentos na educação superior pública federal e em outros há cortes nos investimentos.

A relação interpessoal com os docentes e discentes:

Ao serem questionados sobre a sua relação com os demais docentes da IFES, os professores se mostraram divididos, pois enquanto uns declaravam que a relação era profícua, outros falavam de um clima de tensão entre os docentes. Sobre a relação com os estudantes, de modo geral havia um clima de confiança e companheirismo. São exemplos dessa relação, os emitidos pelos novos professores:

O relacionamento [...], foi conflituoso e precisávamos de apoio para mediar as relações entre professores antigos e professores novos no CEDU (Centro de Educação). Quanto à relação com os estudantes era uma relação mais pautada na dimensão acadêmica pautada no respeito, carinho e no compromisso ético-pedagógico com a formação intelectual, pedagógica e ética dos estudantes, a partir do desenvolvimento do componente curricular (Iniciante/Ingressante - UFAL).

A relação com colegas docentes refletiu a diversidade humana com parcerias e conflitos. Com os alunos, a falta de autonomia nos estudos incomodava. Tivemos que descontruir o modelo de ensino escolar e estimular a emergência de uma cultura universitária (Iniciante/Ingressante - UFCG).

Sempre mantive um bom relacionamento com os colegas do departamento e com os alunos. Minha maior dificuldade e acredito que seja de todos, é a falta de formação para lidar com alunos que possuem deficiência (Iniciante/Ingressante - UFPI).

Quanto a relação dos professores veteranos com os demais colegas e com os estudantes, os participantes explicam:

Entrei na UFPB, João Pessoa, em 1990, com 28 anos. Em 1994 foi atendida a minha solicitação de remoção para Campina Grande, onde ocorrera a minha formação acadêmica. Lá com o curso de sociologia bastante solidificado e com a companhia de antigos professores, pude me dedicar cada vez mais à pesquisa, além de continuar ministrando disciplinas na graduação, participando da orientação de alunos na graduação e no mestrado. Em 2005, em nova remoção fui para o município de Cuité para criar um novo centro que se erguia devido ao processo de expansão do ensino superior. Com relação aos discente, a maior dificuldade - em João Pessoa - era ministrar aulas para alunos de outros cursos que não expressavam muito interesse pela sociologia, como por exemplo, alunos de engenharia (Veterano - UFCG).

O acolhimento foi muito bom no sentido humano, mas sem especificidades voltadas à adaptação à docência ou peculiaridades do curso no qual me inseria como professor. Como expectativas, sempre sonhei em me tornar pesquisador e professor. Por ser na mesma instituição que me formei se constituiu como uma contrapartida frente ao que recebi (Veterana - UFS).

Faz parte do meu perfil profissional conhecer de forma ampla (modo de funcionamento, princípios da gestão, como as relações verticais e horizontais se estabelecem, etc.) a instituição em que estou ingressando. [...]. O foco foi compreender as especificidades das relações na Rural e o perfil dos discentes. Chego com expectativa positivas quanto ao relacionamento com os colegas, tendo em vista o conhecimento de muitos deles ao longo da minha trajetória profissional (Veterana - UFRPE).

Embora apenas dois dos dez docentes veteranos tenham sentido, quando da sua chegada às IFES, alguma dificuldade no relacionamento com os seus colegas, essa questão de verticalidade na relação dos antigos professores com os recém-chegados precisa ser enfrentada pelo corpo docente, e mesmo pela universidade. Recorrendo a AD, pode-se “pensar a instituição não como um organograma estático, mas como um complexo que também inclui gestos e modos de relação entre os homens” (Maingueneau, 1997, p. 60). Os docentes falam dos seus lugares de recém-chegados e precisam da escuta dos demais.

Decerto, que enquanto instituição social, as IFES comportam suas contradições, mas que devem ser discutidas pela comunidade acadêmica, pois ao se identificar como Instituição Educacional, cabe-lhes: assegurar a inclusão de todos (docentes, discentes e pessoal administrativo); exercitar a partilha de ideias e ações; fortalecer a ética e o respeito pelo pensamento divergente, ou tão somente inovador; dentre outras tarefas.

A formação docente promovida pela IFES:

De forma geral, para os entrevistados, a formação permanente do docente do ensino superior é uma necessidade a ser assumida pelos professores, a partir de uma proposta institucionalizada. Poucas IFES possuem um programa de formação docente, a maioria desenvolve ações pontuais como: seminários, jornada ou semana pedagógica, etc., e outras não desenvolvem quaisquer ações. Possivelmente, por falta de um projeto consistente de formação docente permanente, muitos professores entrevistados não participam, ou participam pouco, das ações viabilizadas pelas IFES.

Sobre as formações promovidas pelas IFES seguem as declarações de alguns professores iniciantes/ingressantes:

[...] a UFAL tem melhorado significativamente a qualidade pedagógica dos seus cursos, mesmo em um período de parcos recursos financeiros e muitos cortes, tem conseguido promover cursos com melhor qualidade acadêmica e com o apoio institucional necessário, aspectos que víamos em outra época. A criação institucional de um setor próprio responsável de cuidar e se preocupar com o processo formativo foi criado, mas precisa ser potencializado ainda mais, pois não adianta ter o setor sem um trabalho articulado e que se preocupe em realizar levantamentos das reais necessidades formativas do docente e que reverbere no trabalho pedagógico junto ao estudante e que assim contribua para o seu processo formativo com qualidade acadêmica (Iniciante/Ingressante - UFAL).

Nunca participei. Creio que o fato de estar há mais de 11 anos na gestão, possa ter sido um impeditivo pelo reduzido tempo dedicado a atividade de ensino (Iniciante/Ingressante - UFSB).

Participo pouco. No último período aconteceram muitas atividades institucionais principalmente provocadas pela emergência do ensino remoto na pandemia, como se tratavam de atividades remotas optei por não participar (Iniciante/Ingressante - UFRB).

Tenho buscado participar de eventos científicos na minha área, estimulado o senso crítico de meus alunos e bolsistas, e sido presente, quando possível, de jornadas pedagógicas que minha instituição promove (Iniciante/Ingressante - UFCA).

No Magistério Superior não é tão constante a busca ou até mesmo o incentivo institucional para que os docentes invistam carga horária e despertem para a formação continuada com vistas ao aperfeiçoamento de suas práticas. Tenho buscado cursos de que discutam metodologias ativas, inclusão de estudantes com deficiência e até os Sistemas da Universidade (Iniciante/Ingressante - UFPB).

Participei do curso de formação para os docentes ingressantes da UFRPE que foi dividido em dois módulos. Também fiz um curso sobre o uso de tecnologias digitais e possibilidades de trabalho no formato remoto (Iniciante/Ingressante - UFRPE).

Formação continuada, oferecida pela instituição, só participei de um processo de formação, para professores ingressantes. É comum, na universidade, a Pró-reitoria de Graduação, juntamente com a governança, promoverem um seminário de formação docente. O seminário do qual participei, foi organizado em dois dias. Onde foi trabalhado algumas questões, como ética no ensino, métodos de avaliação, entre outros (Iniciante/Ingressante - UFPI).

A partir dos comentários dos professores iniciantes/ingressantes sobre a formação docente promovida pelas IFES, pode-se inferir que há uma dispersão de informações sobre esse processo formativo. Alguns professores ressaltam as programações viabilizadas por suas instituições e sugerem melhorias. Outros professores assumem essa formação a partir de ações isoladas, a exemplo dos temas tratados nos seus grupos de pesquisa, ou de seus interesses individuais, e outros não participam das ações formativas por razões diversas.

É oportuno destacar as formações promovidas pelas IFES sobre os recursos digitais que passaram a ser largamente utilizados devido ao afastamento social provocado pelo COVID - 19. Entretanto, a necessidade emergencial de utilização de tais recursos foi permeada por desafios. A partir de revisão de literatura sistemática, Weber e Alves (2022), realizaram um levantamento sobre os desafios impostos pelo ensino emergencial remoto, provocado pelo COVID-19, e discutem sobre as exigências infligidas aos docentes no mundo atravessado pela cibercultura, concluindo que:

[...] os desafios e dificuldades dos professores nos diferentes níveis de ensino apresentam similaridades em diversos aspectos: desafio em adaptar ao novo contexto que lhes foi imposto sem consulta ou formação adequada; compreender que o estabelecimento de vínculos com os estudantes e suas famílias é fundamental para o ensino remoto; alunos não preparados para estudar on-line; falta de ambiente virtual adequado para as aulas remotas (como existe na EaD); falta de políticas públicas de fornecimento de equipamentos tecnológicos para professores e alunos (Weber; Alves, 2022, p. 07).

Ainda sobre às ações de formação docente realizadas pelas IFES, os professores veteranos informam:

Temos uma matriz de problemas investigativos, construímos respostas coletivas, de conjunto, com unidade teórico-metodológica, o materialismo histórico dialético (Veterano - UFBA).

- Não participo. Busco estudar de forma autônoma, ler, estudar, e participar de grupos de estudos, mas evito cursos regulares (Veterano - UFS).

As poucas oportunidades para formação pedagógica sempre foram bem esvaziadas, com poucos colegas participando, e sempre os mesmos. Aos poucos, comecei a ser convidada para desenvolver atividades formativas para colegas, mas poucas vezes consegui conciliar, e realmente participar de forma mais ativa (Veterano - UNIVASF).

Foram várias (formações), desde os cursos oferecidos pela própria universidade às oportunidades de participação em encontros, congressos, colóquios e seminários (Veterano -UFAPE).

É válido afirmar que as razões expostas pelos entrevistados sobre a sua participação, ou não, nas ações ofertadas pelas IFES, não se esgotam neste espaço. Compreende-se, também, que os docentes são favoráveis à criação de programas e realização de ações formativas. No entanto, pode-se sugerir que há certa urgência na criação de programas institucionais que se ocupem do processo formativo permanente do docente do ensino superior, assegurando as condições objetivas que não obstaculizem a participação.

Os professores participantes da pesquisa contribuíram com sugestões de temas necessários de discussão nos encontros formativos, que estão para além das informações sobre a organização e o funcionamento das IFES, como: processos de ensino e de aprendizagem; avaliação; tecnologias digitais; metodologias interativas; relacionamentos interpessoais; inclusão e tecnologias assistivas; etc.

Os processos formativos permanentes para a docência do ensino superior, ao serem institucionalizados pelas IFES, devem contar com as coordenações ou assessorias pedagógicas, entretanto os demais professores não podem ficar alijados da discussão, elaboração e participação das ações que constituirão esses processos. Alguns discursos apontam para essa preocupação:

Um aspecto que considero importante é a formação docente propriamente dita, a maioria dos docentes das universidades não são licenciados, ou seja, não possuem formação para serem professores. Avalio que isto criou uma forma de docência do ensino superior que é alheia aos avanços no campo da formação docente, e assim é perceptível uma reprodução de práticas e condutas dos professores que eles foram formados, muitas vezes os equívocos de métodos e de avaliação do ensino, [...]. Neste sentido, penso que a tarefa seria: oferecer uma formação de professores para os docentes do ensino superior, para todos, inclusive para os licenciados, já que a graduação se limita à docência na Educação Básica (Iniciante/Ingressante - UFRB)

- A parte pedagógica deve ser enfatizada, pois estamos todos na condição de docentes, mesmo que alguns colegas não tenham formação inicial específica. É importante destacar que o mestrado e doutorado muitas vezes não prepara o professor para a atuação docente nas universidades, além de muitas instituições não darem muita atenção para essa necessidade. O professor tem uma formação técnica e tende a repetir as práticas de seus professores em sala de aula (Iniciante/Ingressante - UFRPE).

- Eu sugeriria um maior apoio e acompanhamento principalmente dos docentes que não cursaram uma licenciatura e não possuem formação pedagógica específica para que os mesmos pudessem fazer uma transição mais suave do papel de discente (de graduação e pós-graduação) para o papel de docente do ensino superior (UFS)

Considerações finais

Os resultados do processo investigativo que resultou, também, neste trabalho, apontam para a necessidade inadiável de elaboração de programas institucionalizados pelas IFES, que se encarreguem da formação permanente de todos os professores do ensino superior, ou seja, aqueles que trazem consigo a formação inicial construída nos cursos de licenciatura e dos docentes que fizeram o bacharelado. A participação dos professores, com suas diferentes formações, tornará o debate profícuo e a elaboração de propostas de formação docente mais próximas das necessidades dos professores e das IFES.

Trata-se da determinação de políticas de formação profissional dos professores desse nível de ensino, que recebam e acompanhem o fazer pedagógico docente, considerando suas histórias, necessidades e contextos. A institucionalização desse processo formativo possibilitará, dentre outros propósitos, o diálogo entre as diversas áreas do conhecimento e os conhecimentos pedagógicos, visando a melhor qualidade do ensino superior.

Ao lado da institucionalização do referido processo formativo, outras questões precisam ser tratadas com a devida responsabilidade como a relação entre docentes recém-chegados e os docentes mais antigos, evitando a hostilidade e favorecendo a parceria; e, ainda, a discussão acerca da experiência no ensino superior, quer seja por contrato de substituição ou por outro meio.

É possível, ainda, pensar na larga contribuição que a pós-graduação pode oferecer à formação dos professores do ensino superior, iniciando, por sugestão, pela revisão dos seus currículos, nos quais se podem incluir unidades curriculares e atividades voltadas para a referida formação. Ou, por exemplo, se construir parcerias entre os programas de pós-graduação em educação com os demais programas.

A troca de experiências entre as IFES sobre as ações formativas da prática pedagógica docente, sobretudo das IFES que já institucionalizaram os programas destinados a essa formação profissional, se converte em significativa colaboração. Sobre essa troca de experiências, vale destacar a importância da criação de redes de aprendizagens colaborativas na região Nordeste do Brasil, que podem otimizar os recursos e a implantação, e o desenvolvimento, das políticas de formação para a docência do nível superior. É válido ainda destacar os macros encontros que possibilitem, também, a troca de experiências entre essas redes.

O trabalho coletivo por envolver e comprometer os que o integram, fortalece a autonomia universitária, enquanto princípio constitucional7, que visa o desenvolvimento do ensino superior empenhado com as funções sociais que lhe são específicas. Desse modo, o processo formativo permanente do docente do ensino superior traduz-se num compromisso a ser assumido no interior das IFES com rebatimentos políticos e sociais mais próximos e mais amplos.

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  • APOIO/FINANCIAMENTO
    Não houve.
  • DISPONIBILIDADE DE DADOS DE PESQUISA
    Não se aplica.
  • COMO CITAR ESTE ARTIGO
    SALVADOR, Maria Aparecida Tenório; SORDI, Mara Regina Lemes de. A formação docente para o ensino superior: impasses e perspectivas para a contínua aprendizagem. Educar em Revista, Curitiba, v. 40, e91566, 2024. https://doi.org/10.1590/1984-0411.91566
  • 1
    As informações foram coletadas dos sites das IFES e organizadas pela autora na tabela.
  • 2
    Dos dezessete professores da categoria de iniciante/ingressante, dezesseis tinham experiência no ensino superior antes de sua admissão na IFES, assim, apenas um docente é considerado iniciante.
  • 3
    O Reuni foi instituído pelo Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007.
  • 4
    Dos professores iniciantes/ingressantes licenciados, quatro também fizeram o curso de bacharelado.
  • 5
    Dos cinco professores veteranos licenciados, um também fez o curso de bacharelado.
  • 6
    Um docente veterano não cursou o mestrado, logo após a conclusão da graduação ingressou no curso de doutorado.
  • 7
    Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (Brasil, 1988, Art. 207).

Disponibilidade de dados

Não se aplica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Nov 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    22 Jun 2023
  • Aceito
    22 Mar 2024
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