Editorial
Tratamento da insuficiência cardíaca ¾ Aspectos atuais
A insuficiência cardíaca é uma síndrome classicamente conceituada como uma incapacidade do coração em manter o débito cardíaco necessário a uma perfusão tissular adequada. Entre as principais patologias por ela responsáveis estão as valvopatias, a hipertensão arterial sistêmica, a miocardiopatia isquêmica, as miocardites e as pericardites, das quais algumas guardando relação com a faixa etária do paciente.
A disfunção sistólica e diastólica são, habitualmente, as causas das alterações hemodinâmicas e sintomas da insuficiência cardíaca. O comprometimento sistólico do ventrículo esquerdo é responsável pela maioria dos casos de falência crônica do coração e pode ser diagnosticado ecocardiograficamente pela fração de ejeção ventricular esquerda igual ou inferior a 0,40. A disfunção diastólica é caracterizada por sintomas de insuficiência cardíaca com a fração de ejeção preservada (habitualmente > 0,45).
A disfunção neuro-hormonal, da qual fazem parte, principalmente, a hiperatividade dos sistemas adrenérgico determinando um estado tóxico adrenérgico sobre os cardiomiócitos e renina-angiotensina-aldosterona, o aumento plasmático da arginina-vasopressiva e do fator natriurético atrial, é semelhante nos dois tipos de disfunção ventricular e nos permite caracterizar a insuficiência cardíaca como uma endocrinopatia e, em uma fase adiantada, como uma doença sistêmica da qual participam algumas citoquinas que comprometem a função cardíaca. A presença de TNFa, nos casos avançados da doença, determina algumas manifestações clínicas semelhantes às da síndrome de resposta inflamatória sistêmica.
Em relação ao prognóstico, ele é melhor quando a disfunção do ventrículo esquerdo é sistólica, e a terapêutica depende fundamentalmente do tipo de disfunção.
O tratamento da disfunção diastólica do ventrículo esquerdo fundamentase em medidas que reduzem os sintomas congestivos, como os diuréticos e nitratos. Devese observar, contudo, que o uso excessivo destas drogas pode reduzir significantemente o volume diastólico final do ventrículo esquerdo, com conseqüente redução do débito cardíaco e aparecimento de hipotensão arterial sistêmica. Medidas terapêuticas que possam atenuar as conseqüências dos processos patológicos iniciais, que levaram à disfunção diastólica, são objetivos que devem estar sempre em mente. Uma vez que na hipertrofia do ventrículo esquerdo o espessamento de sua parede e conseqüente redução da sua distensibilidade são freqüentes e determinantes da disfunção diastólica, as drogas que reduzem a massa ventricular e a hipertrofia, conseqüentemente, melhoram a função diastólica e, portanto, elas têm sua indicação1,2.
Na cardiopatia hipertensiva com disfunção diastólica do ventrículo esquerdo, os bloqueadores de canais de cálcio, inibidores de enzima conversora de angiotensina e b-bloqueadores1,2 diminuem a massa do ventrículo esquerdo e melhoram a função diastólica desta câmara. Em pacientes com miocardiopatia hipertrófica, o verapamil, o marcapasso DDD mantendo o intervalo PR curto e a disopiramida podem melhorar os sintomas de insuficiência cardíaca. Em determinados pacientes podese recorrer à miomectomia, com ou sem troca da valva mitral. A miocardiopatia isquêmica de longa evolução é outra importante causa de insuficiência cardíaca por disfunção da diástole do ventrículo esquerdo. A melhora da isquemia é importante no tratamento, usando-se para este fim os nitratos, os b-bloqueadores e os bloqueadores dos canais de cálcio3, e em casos selecionados, a angioplastia coronária e a revascularização do miocárdio.
As drogas que reduzem a fibrose intersticial, por menor síntese de colágeno pelos fibroblastos, como antagonistas da aldosterona, não demonstraram eficiência no tratamento de disfunção diastólica do ventrículo esquerdo. Em vista da taquicardia poder reduzir o enchimento diastólico ventricular, piorando a insuficiência cardíaca, devese manter a freqüência cardíaca dentro dos valores ideais utilizandose b-bloqueadores1 ou amiodarona4,5 e, em algumas eventualidades, recorrer à ablação por radiofreqüência com cateter de pontos específicos do sistema de condução.
O tratamento inicial de pacientes sintomáticos com disfunção sistólica do ventrículo esquerdo consiste no uso de diurético, digital6 e inibidores da enzima conversora de angiotensina II (ECA). O uso prolongado de diurético isolado está associado a alterações hemodinâmicas adversas e à ativação indesejável de mecanismos neuro-hormonais, tais como aumento de atividade adrenérgica, do nível de vasopressina-arginina, e à maior atividade do sistema renina-angiotensina. O digital isolado não melhora o prognóstico de pacientes com disfunção ventricular sistólica, embora diminua o número de internações e melhore a qualidade de vida6. A adição de inibidor da ECA ao digital e diurético efetivamente melhora o prognóstico dos pacientes com insuficiência cardíaca. Não havendo tolerância a esta droga, e não surgindo complicações, a hidralazina e o dinitrato de isossorbida devem substituí-la. Inibidor da ECA deve, portanto, sempre que possível fazer parte do esquema terapêutico por melhorar a sintomatologia, a qualidade de vida e a perfusão miocárdica, corrigir as alterações neuro-hormonais e atenuar a remodelação ventricular e vascular. Ao ser introduzido, deve-se reduzir a dose de diurético, diminuindo-se, assim, o nível de renina plasmática e, conseqüentemente, a possibilidade de hipotensão arterial. A dose deve ser a maior possível tolerada pela paciente, no que diz respeito ao nível pressórico, a função renal, à hipercalemia, e a outros possíveis efeitos colaterais.
Os bloqueadores dos receptores AT1da angiotensina II, teoricamente, poderão ser úteis no tratamento da insuficiência cardíaca por disfunção sistólica, em substituição aos inibidores de ECA7, com a vantagem de não acarretar tosse e impedir a ação da angiotensina formada por meio de vias alternativas quando do uso dos inibidores da enzima conversora; tais drogas, contudo, não aumentam a meia-vida da bradicinina, benéfica no paciente com falência ventricular.
Havendo refratariedade à terapia tríplice, bloqueadores de canal de cálcio podem ser úteis. A amlodipina8 e a felodepina3 parecem ser bem toleradas por pacientes com miocardiopatia dilatada isquêmica ou não; o emprego destas drogas poderá melhorar a sobrevida dos pacientes3,8.
Alguns estudos têm demonstrado que os b-bloqueadores associados ao esquema tríplice podem melhorar a função ventricular esquerda sistólica1,9,10 e, conseqüentemente, os sintomas, a classe funcional e a sobrevida dos pacientes por reduzir o efeito tóxico das catecolaminas, em nível elevado, sobre o sistema adrenérgico dos cardiomiócitos aumentando a densidade e sensibilidade dos b-receptores destas células do coração. Realmente, após três meses do uso destas drogas em pacientes classe funcional II e III, constatase aumento de mRNA para síntese de b1-receptores nestas células. O benefício do uso prolongado de amiodarona na disfunção do ventrículo esquerdo com insuficiência cardíaca ainda não foi definitivamente estabelecido4,5. Em alguns estudos com esta droga, a melhora na sobrevida não foi observada, e, em outros, uma importante redução no risco total de mortalidade, mortalidade por insuficiência cardíaca e por morte súbita foi constatada; deve-se considerar a possibilidade de acrescentar amiodarona ao esquema tríplice, quando há arritmia cardíaca, principalmente ventricular, e freqüência cardíaca acima de 90 bpm4.
Em pacientes edemaciados, além do tratamento tríplice e do uso de drogas inotrópicas por via endovenosa, a diálise com ultrafiltração tem-se mostrado eficiente, melhorando a sintomatologia e a mortalidade. Em um grupo selecionado de pacientes, com insuficiência mitral e/ou tricúspide, o emprego de marca-passo DDD com intervalo PR curto para reduzir o refluxo sistólico mitral poderá trazer benefício.
Deve ser ressaltado que o emprego de inibidores da ECA ou de b-bloqueadores deve ser o mais precoce possível em relação ao início da doença cardíaca. O transplante cardíaco é o mais eficiente tratamento para insuficiência cardíaca grave refratária. É, contudo, disponível apenas a um pequeno grupo de pacientes e, portanto, a terapêutica clínica deverá ser sempre considerada. A cirurgia redutora de Batista tem melhorado a qualidade de vida, a função ventricular e a sobrevida de pacientes com miocardiopatia dilatada refratária ao tratamento clínico, em substituição ao transplante cardíaco. Contudo, por ser um procedimento ainda recente, seus resultados necessitam de uma análise a longo prazo.
A.C. Lopes
Professor Titular e Chefe da Disciplina de Medicina de Urgência do Departamento de Medicina da Universidade Federal de São Paulo Escola Paulista de Medicina.
A.W. Liberatori Filho
Médico Assistente da Disciplina de Medicina de Urgência do Departamento de Medicina e Mestre em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo Escola Paulista de Medicina.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
28 Jul 2000 -
Data do Fascículo
Jun 1998