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Hiperplasia gengival induzida por ciclosporina A

Ciclosporine A-induced gingival hyperplasia

Resumos

O crescente uso da ciclosporina A (CSA) em transplantes de órgãos e no tratamento de doenças auto-imunes aumentou a incidência de seus efeitos adversos, entre eles a hiperplasia gengival (HG). Esta acarreta problemas estéticos, de fala, mastigação e de erupção dentária nos pacientes afetados. A prevalência de hiperplasia gengival induzida por ciclosporina varia nos diversos estudos, podendo chegar a 85%, dependendo do critério utilizado para seu diagnóstico. Esta revisão aborda aspectos etiológicos, histológicos, de quadro clínico, prevenção e tratamento desta importante lesão.

Ciclosporina A; Toxicidade; Hiperplasia Gengival


The increasing use of cyclosporine A (CSA) in organ transplants and in the treatment of autoimmune diseases has increased the incidence of cyclosporine A-related adverse effects, including gingival hyperplasia (GH). GH causes esthetic, speech, mastication and tooth growth problems in the affected patients. The prevalence of cyclosporine-induced GH varies in different studies and may be as high as 85%, depending on the diagnostic criteria. This review approaches etiological, histological and clinical issues, as well as the prevention and treatment of this important injury.

Cyclosporine-A; Toxicity; Gingival hyperplasia


ARTIGO DE REVISÃO

Hiperplasia gengival induzida por ciclosporina A

Ciclosporine A-induced gingival hyperplasia

Vera Lúcia Costa Ramalho; Horácio José Ramalho; José Paulo Cipullo; Emmanuel A. Burdmann

Disciplina de Nefrologia da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto

Endereço para correspondência E ndereço para correspondência Emmanuel A. Burdmann Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto Av. Brigadeiro Faria Lima 5416 CEP: 15090-000, São José do Rio Preto – SP Telefone: (17) 210.5712 E-mail: burdmann@famerp.br

RESUMO

O crescente uso da ciclosporina A (CSA) em transplantes de órgãos e no tratamento de doenças auto-imunes aumentou a incidência de seus efeitos adversos, entre eles a hiperplasia gengival (HG). Esta acarreta problemas estéticos, de fala, mastigação e de erupção dentária nos pacientes afetados. A prevalência de hiperplasia gengival induzida por ciclosporina varia nos diversos estudos, podendo chegar a 85%, dependendo do critério utilizado para seu diagnóstico. Esta revisão aborda aspectos etiológicos, histológicos, de quadro clínico, prevenção e tratamento desta importante lesão.

Unitermos: Ciclosporina A. Toxicidade. Hiperplasia Gengival.

SUMMARY

The increasing use of cyclosporine A (CSA) in organ transplants and in the treatment of autoimmune diseases has increased the incidence of cyclosporine A-related adverse effects, including gingival hyperplasia (GH). GH causes esthetic, speech, mastication and tooth growth problems in the affected patients. The prevalence of cyclosporine-induced GH varies in different studies and may be as high as 85%, depending on the diagnostic criteria. This review approaches etiological, histological and clinical issues, as well as the prevention and treatment of this important injury.

Keywords: Cyclosporine-A. Toxicity. Gingival hyperplasia.

INTRODUÇÃO

A ciclosporina tem sido usada quase que universalmente na prevenção da rejeição de transplantes de órgãos. Desde a sua utilização inicial em transplantados renais, em 19781, vem sendo empregada sozinha ou em combinação com outras drogas imunossupressoras para a prevenção da rejeição de transplantes de rim, fígado, pâncreas, medula óssea, intestino, coração e pulmão. O número de pacientes recebendo esta droga aumentou ainda mais com o seu uso no tratamento de doenças auto-imunes como artrite reumatóide, psoríase, líquem plano, pênfigo bolhoso, esclerose múltipla, lúpus eritematoso, miastenia grave, diabetes mellitus, uveites e diversas glomerulopatias2,3.

A ciclosporina A pode ser administrada por via oral, intramuscular ou intravenosa, em doses variáveis, dependendo da situação a ser tratada. A seleção da dose ótima de tratamento é usualmente baseada na mensuração individual dos níveis de ciclosporina no sangue. A meta é conseguir levar a dose de ciclosporina de cada paciente ao mais baixo nível efetivo. Novas formulações de microemulsão de ciclosporina começaram a ser utilizadas recentemente. Essas fórmulas têm melhor absorção intestinal, reduzindo a acentuada biovariação observada com as soluções tradicionais de CSA em óleo de oliva4 .

Apesar de seu inequívoco sucesso, a ciclosporina é associada a vários efeitos adversos. Muitos deles são dose dependentes e potencialmente reversíveis quando da diminuição ou descontinuação da droga. Os seus principais efeitos colaterais são nefrotoxicidade, hepatoxicidade, hipertensão, neurotoxicidade, aumento da predisposição a infecções bacterianas, fúngicas e virais, e alterações metabólicas (hiperglicemia, hipercolesterolemia)5,6. Em termos odontológicos, o efeito colateral mais notável da CSA é o desenvolvimento de hiperplasia gengival (HG).

Histórico e prevalência

A primeira descrição de um caso de crescimento gengival causado por medicamentos data de 1939 e foi associada ao uso de anticonvulsivantes7. Atualmente, três categorias de drogas são associadas com crescimento gengival iatrogênico (HG): anticonvulsivantes (especialmente fenitoina), agentes bloqueadores de canais de cálcio como a nifedipina, e o imunossupressor ciclosporina8. A ocorrência deste fenômeno pode interferir com a fala, mastigação e erupção dentária e ser esteticamente muito desagradável.

Em 1983 surgiram os primeiros relatos evidenciando que a CSA provocava HG em receptores de transplantes de órgãos9. A prevalência de hiperplasia gengival induzida por CSA varia amplamente entre os diversos estudos existentes (13% a 85%), dependendo do critério utilizado10,11. A determinação da prevalência real é difícil, pois existem diversos fatores de confusão nas populações sujeitas, como diferentes doses de droga e concentração sérica de CSA, duração da terapia, métodos de avaliação de crescimento gengival, condição periodontal básica, idade dos pacientes, condição médica para a qual a droga está sendo usada, saúde geral do paciente e uso concomitante de outros medicamentos (especialmente aqueles associados com crescimento gengival). A prevalência de HG independe do fato da CSA estar sendo usada para a prevenção da rejeição de órgãos ou para tratamento de outras desordens sistêmicas5.

Características clínicas

No paciente susceptível, o crescimento gengival freqüentemente acontece entre um a três meses após o início da terapia com ciclosporina12. A extensão da hiperplasia pode variar desde leve mudança no contorno do tecido da papila gengival até a completa cobertura dos dentes, interferindo com a oclusão, mastigação e fala.

Os tecidos gengivais afetados sangram prontamente à sondagem e são geralmente mais hiperemiados que os tecidos gengivais normais, mostrando marcantes mudanças inflamatórias. Todos os segmentos da dentição podem ser afetados, mas o segmento anterior parece ser a área mais propensa ao desenvolvimento de HG13. O aumento gengival é mais pronunciado no aspecto labial da gengiva do que na face palatina ou lingual14. A hiperplasia gengival induzida por CSA não foi observada em pessoas edêntulas15 .

Além dos óbvios problemas estéticos, o crescimento pode resultar em áreas sem higiene que são mais propensas às cáries, desenvolvimento de periodontites e infeccões que podem levar a septicemia. O crescimento gengival freqüentemente induz a dificuldades nutricionais, especialmente em crianças, nas quais pode alterar a erupção normal dos dentes16.

Características histológicas

As características histológicas de todas as hiperplasias gengivais induzidas por drogas são semelhantes, consistindo principalmente de tecido conjuntivo com um revestimento irregular de múltiplas camadas de epitélio paraqueratinizado de espessura variável. Sulcos epiteliais penetram no tecido conjuntivo subepitelial, produzindo feixes irregulares de fibras colágenas. Este tecido conjuntivo é altamente vascularizado e caracterizado por acúmulo de células de infiltrado inflamatório. O tipo de célula predominante no infiltrado é o macrófago, com linfócitos sendo observados em menor proporção6 .

Alguns pesquisadores têm notado certo grau de fibroplasia dentro do tecido conjuntivo gengival, caracterizado pela presença de grande número de fibroblastos12 . A maioria dos estudos, no entanto, não demonstrou aumento na densidade numérica de fibroblastos e colágeno extracelular em relação à gengiva normal17,18,19. Isto significa que o crescimento gengival induzido por ciclosporina não deve ser uma verdadeira hiperplasia. Por essa razão, o termo hiperplasia gengival tem sido substituído por crescimento gengival em publicações mais recentes. Análises ultra-estruturais têm demonstrado que fibroblastos gengivais mostram características de síntese e secreção ativas de proteína, com reduzida citotoxicidade ou mudanças degenerativas no crescimento gengival induzido por ciclosporina. O aumento de fibroblastos especializados, chamados miofibroblastos, também tem sido observado no crescimento gengival associado ao uso da CSA20.

Mecanismos potenciais da lesão

O mecanismo exato de ação pelo qual a ciclosporina age simultaneamente como um imunossupressor seletivo enquanto provoca reação tecidual indesejável continua pouco entendido. Como nem todos os pacientes desenvolvem o crescimento gengival, os termos resposta e não resposta têm sido utilizados na literatura para identificar, respectivamente, a existência ou não de susceptibilidade individual e talvez predisposição genética.

A idade e o sexo do paciente podem ser fatores adicionais que influenciam a prevalência e gravidade do crescimento gengival induzido por CSA. Estudos clínicos sugerem que crianças, especialmente adolescentes e mulheres jovens, são mais susceptíveis ao crescimento gengival causado por CSA que adultos14,21. Isso pode estar relacionado à existência de um fenótipo fibroblástico peculiar a pacientes jovens ou à influência de hormônios sexuais. Aumento de testosterona biologicamente ativa tem sido encontrado nos tecidos crescidos dos pacientes com aumento gengival induzido por droga22, sugerindo que alterações do metabolismo andrógeno podem causar propensão ao aumento de crescimento gengival induzido por CSA em crianças e adolescentes14. Por outro lado, um estudo realizado para determinar fatores de risco no desenvolvimento de HG induzida por CSA não conseguiu demonstrar associação com idade e sexo do paciente23,24.

A relação entre prevalência e gravidade de crescimento gengival com a dose e concentração sérica de CSA é ainda assunto controverso. Alguns estudos clínicos demonstraram que a prevalência de crescimento gengival foi relacionada a altas doses de CSA ou alta concentração sangüínea da droga18,23,24,25, enquanto outros não conseguiram confirmar esta correlação26,27,2).Tem sido postulado que um limiar de concentração definido da droga é necessário para induzir a reação gengival e que níveis de droga acima deste limiar não aumentariam a gravidade da lesão12,27. As concentrações de droga na saliva, fluido cérvico gengival ou placa bacteriana também podem estar relacionados à expressão e patogênese do crescimento gengival induzido pela CSA. Alguns autores têm demonstrado correlação positiva entre concentração de CSA na saliva estimulada e a extensão do crescimento gengival27,28, enquanto outros não evidenciaram esta correlação29,30. Estes achados conflitantes podem estar ligados ao fato da placa dental agir como um reservatório potencial para a CSA, que seria liberada pela ação do escoamento estimulado14. Esta hipótese é suportada pelo achado de concentrações de CSA na placa dental mais elevadas que aquelas encontradas no sangue ou outros tecidos5.

Existem evidências de que a placa induz à inflamação gengival e exacerba o crescimento gengival induzido por CSA26,27,28. Além disso, a maioria dos estudos sugere que o controle efetivo da placa e remoção de irritantes locais minimizam a intensidade do crescimento gengival induzido por CSA e previnem a recorrência de lesões gengivais 10,28,29,30,31. Estes dados sugerem que a inflamação gengival induzida por placa deve ser um fator importante no desenvolvimento do crescimento gengival induzido por CSA. Entretanto, não está ainda claro se a placa é fator contribuitório ou conseqüência das alterações gengivais. De fato, vários estudos bem controlados não conseguiram demonstrar correlação entre placa, inflamação gengival e crescimento induzido por CSA12,28. Adicionalmente, tem sido mostrado que controle ótimo da placa e remoção local de irritantes não preveniram o desenvolvimento do crescimento gengival por CSA28,31.

Em conjunto, estes dados sugerem que a inflamação gengival induzida por placa aumenta a intensidade do crescimento gengival induzido por CSA. Por esta razão seria razoável assumir que higiene oral excelente poderia diminuir a gravidade do crescimento gengival induzido por CSA, através da eliminação do componente inflamatório da lesão. No entanto, não é provável que um ótimo controle de placa previna significantemente o desenvolvimento do crescimento gengival.

Mais recentemente, tem se estudado a função das citocinas e fatores de crescimento na patogênese do crescimento gengival induzido por drogas32,33. Estas investigações são baseadas na premissa de que a homeostase celular em tecidos é, provavelmente, resultado de um balanço entre interações complexas de moléculas antagonistas, no qual citocinas e fatores de crescimento fazem a maioria das funções. Os mecanismos celulares e moleculares do crescimento gengival induzido por CSA podem estar relacionados a mudanças no fenótipo dos macrófagos. Por exemplo, demonstrou-se que a fenitoina causa aumento na expressão do RNA mensageiro (mRNA) e secreção de PDGF em cultura de macrófagos e monócitos32, sugerindo possível participação desta citocina no crescimento gengival induzido pela fenitoina. Da mesma forma, estudos recentes demonstraram que mRNA para PDGF-B estava significantemente aumentado em tecidos gengivais crescidos de pacientes tratados com CSA quando comparados a controles normais33 e que a expressão de interleucina I, interleucina 6 e fator de necrose tumoral encontra-se aumentada no fluido gengival crevicular de pacientes tratados com CSA34.

Prevenção e tratamento

O tratamento e a prevenção do crescimento gengival induzido por drogas permanecem insatisfatórios. Embora a mudança na dosagem de CSA possa ser considerada eficaz do ponto de vista odontológico, nem sempre é possível na prática médica, pela possibilidade de perda do enxerto. Assim, para o paciente transplantado, há pouca chance de suspender ou diminuir a droga, e cirurgias gengivais repetidas continuam sendo a opção de tratamento8,35.

A maioria dos autores concorda que um programa de higiene oral atua positivamente sobre a hiperplasia gengival induzida por ciclosporina, diminuindo o grau de inflamação, sangramento e dor, mas mostra-se impotente na diminuição do crescimento gengival8,12,28,36.

Recentemente, descreveu-se a utilidade do antibiótico macrolídeo azitromicina no tratamento deste tipo de hiperplasia37-40. A descrição inicial baseou-se nos resultados obtidos casualmente em dois transplantados renais que após tratamento de infecção respiratória com azitromicina apresentaram significativa redução de HG38. A dose utilizada tem sido de 250 mg a 500 mg em três a cinco dias de tratamento. Este efeito parece ser específico da azitromicina, pois antibioticoterapia com metronidazol produziu resultados conflitantes em relação à redução da HG41, 42.

Publicações recentes sugerem que a substituição da ciclosporina por tacrolimus pode reduzir significativamente a HG43,44,45.

REFERÊNCIAS

Artigo recebido: 29/10/2002

Aceito para publicação: 14/11/2002

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jul 2003
    • Data do Fascículo
      Jun 2003

    Histórico

    • Aceito
      14 Nov 2002
    • Recebido
      29 Out 2002
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