Resumos
O texto faz um diagnóstico da situação fundiária dos parques nacionais brasileiros atualmente existentes. Argumenta que a herança cultural e política brasileira, o histórico dos órgãos que administraram os parques nacionais e as complexidades da questão fundiária são fatores determinantes dos entraves ao processo de regularização fundiária dessas unidades de conservação (UCs). O texto sustenta que a carência de recursos financeiros para indenizações de terras a serem desapropriadas não é o maior entrave para a resolução da questão. Propõe-se, além disso, diversos instrumentos legais e administrativos alternativos que podem ser acionados para regularizar ou incorporar terras aos parques nacionais e dar mais efetividade à política de conservação da biodiversidade no Brasil. Por fim, conclui-se que a conservação da biodiversidade vai muito além da criação de unidades de conservação de qualquer modalidade, sendo necessário que diferentes setores do poder público e da sociedade civil invistam também em ações de fiscalização, formação de corredores ecológicos entre UCs de proteção integral e de uso sustentável, educação ambiental e implantação de instrumentos econômicos de gestão ambiental que induzam os proprietários particulares de terras a adotarem práticas compatíveis com a conservação da natureza.
unidades de conservação; políticas ambientais; ordenamento fundiário; ordenamento territorial; terras públicas
L'article fait un diagnostique de la situation agraire des parcs nationaux brésiliens actuellement éxistents. Il argumente que l'héritage culturelle et politique brésilienne, l'historique des organes qui administrent les parcs nationaux et les complexités agraires, sont des facteurs déterminants des obstacles dans le processus de régularisation de la terre de ces unités de préservation (Ucs). Le texte indique que le manque de ressources financières pour des indemnisations de terrains à exproprier n'est pas le plus grand obstacle pour la résolution de la question. On propose, encore, plusieurs instruments juridiques et administratifs alternatifs qui peuvent être déclenchés pour regulariser ou incorporer des terres aux parcs nationaux et donner plus d'effectivité à la politique de préservation de la biodiversité au Brésil. Pour finaliser, on conclut que la préservation de la biodiversité va beaucoup plus loin de la création des unités de préservation de n'importe quelle modalité, étant nécessaire que des différents secteurs du pouvoir publique et de la société civile investissent aussi dans des actions de fiscalisation, formation de corridors écologiques entre Ucs de protection intégrale et d'utilisation durable, education ambientale et implantation d'instruments économiques de gestion ambientale qui induisent les propriétaires de terres privées à adopter des pratiques compatibles avec la préservation de la nature.
unités de préservation; politiques ambientales; planification de terres; planification territoriale; terres publiques
This article makes a diagnosis of the land ownership situation for currently existing Brazilian national parks. We argue that Brazilian cultural and political heritage, the historical record left by the administrative organs managing national parks and the complexity of the land problem are determining factors in holding back processes of regularization of land use and ownership within these "conservation units" (CUs). We maintain that the paucity of financial resources for indemnification of lands that have been appropriated is not the greatest obstacle in resolving the matter. We propose, furthermore, that diverse alternative legal and administrative instruments could be deployed to regularize or incorporate land into national parks and therefore make policies for conserving the country's biodiversity more effective. Finally, we conclude that conserving biodiversity goes far beyond the creation of conservation units of whatever sort, making it necessary for different segments of public power and civil society to invest as well in actions of monitoring, formation of ecological corridors between fully protected and sustainable use CUs , environmental education and the implantation of economic instruments for environmental management that induce private owners of land to adopt practices that are compatible with the preservation of nature.
conservation units; environmental policies; land ownership regulation; public lands
ARTIGOS
Parques nacionais Brasileiros: problemas fundiários e alternativas para a sua resolução1 1 Adaptado e atualizado a partir de Rocha (2002).
Brazilian national parks: land ownership problems and alternatives for their solution
Parcs nationaux Brésiliens: des problèmes de terre et des alternatives pour leur résolution
Leonardo G. M. da RochaI; José Augusto DrummondII; Roseli Senna GanemIII
RESUMO
O texto faz um diagnóstico da situação fundiária dos parques nacionais brasileiros atualmente existentes. Argumenta que a herança cultural e política brasileira, o histórico dos órgãos que administraram os parques nacionais e as complexidades da questão fundiária são fatores determinantes dos entraves ao processo de regularização fundiária dessas unidades de conservação (UCs). O texto sustenta que a carência de recursos financeiros para indenizações de terras a serem desapropriadas não é o maior entrave para a resolução da questão. Propõe-se, além disso, diversos instrumentos legais e administrativos alternativos que podem ser acionados para regularizar ou incorporar terras aos parques nacionais e dar mais efetividade à política de conservação da biodiversidade no Brasil. Por fim, conclui-se que a conservação da biodiversidade vai muito além da criação de unidades de conservação de qualquer modalidade, sendo necessário que diferentes setores do poder público e da sociedade civil invistam também em ações de fiscalização, formação de corredores ecológicos entre UCs de proteção integral e de uso sustentável, educação ambiental e implantação de instrumentos econômicos de gestão ambiental que induzam os proprietários particulares de terras a adotarem práticas compatíveis com a conservação da natureza.
Palavras-chave: unidades de conservação; políticas ambientais; ordenamento fundiário; ordenamento territorial; terras públicas.
ABSTRACT
This article makes a diagnosis of the land ownership situation for currently existing Brazilian national parks. We argue that Brazilian cultural and political heritage, the historical record left by the administrative organs managing national parks and the complexity of the land problem are determining factors in holding back processes of regularization of land use and ownership within these "conservation units" (CUs). We maintain that the paucity of financial resources for indemnification of lands that have been appropriated is not the greatest obstacle in resolving the matter. We propose, furthermore, that diverse alternative legal and administrative instruments could be deployed to regularize or incorporate land into national parks and therefore make policies for conserving the country's biodiversity more effective. Finally, we conclude that conserving biodiversity goes far beyond the creation of conservation units of whatever sort, making it necessary for different segments of public power and civil society to invest as well in actions of monitoring, formation of ecological corridors between fully protected and sustainable use CUs , environmental education and the implantation of economic instruments for environmental management that induce private owners of land to adopt practices that are compatible with the preservation of nature.
Keywords: conservation units; environmental policies; land ownership regulation; public lands.
RESUME
L'article fait un diagnostique de la situation agraire des parcs nationaux brésiliens actuellement éxistents. Il argumente que l'héritage culturelle et politique brésilienne, l'historique des organes qui administrent les parcs nationaux et les complexités agraires, sont des facteurs déterminants des obstacles dans le processus de régularisation de la terre de ces unités de préservation (Ucs). Le texte indique que le manque de ressources financières pour des indemnisations de terrains à exproprier n'est pas le plus grand obstacle pour la résolution de la question. On propose, encore, plusieurs instruments juridiques et administratifs alternatifs qui peuvent être déclenchés pour regulariser ou incorporer des terres aux parcs nationaux et donner plus d'effectivité à la politique de préservation de la biodiversité au Brésil. Pour finaliser, on conclut que la préservation de la biodiversité va beaucoup plus loin de la création des unités de préservation de n'importe quelle modalité, étant nécessaire que des différents secteurs du pouvoir publique et de la société civile investissent aussi dans des actions de fiscalisation, formation de corridors écologiques entre Ucs de protection intégrale et d'utilisation durable, education ambientale et implantation d'instruments économiques de gestion ambientale qui induisent les propriétaires de terres privées à adopter des pratiques compatibles avec la préservation de la nature.
Mots-cles: unités de préservation; politiques ambientales, planification de terres, planification territoriale; terres publiques.
I. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo discutir a política de regularização fundiária dos parques nacionais (PNs) no Brasil, desde a criação do primeiro deles, em 1937, até a atualidade. Analisa as pendências dessa política e algumas soluções alternativas para a regularização fundiária dos PNs.
A premissa de que as terras destinadas aos PNs deveriam pertencer integralmente ao patrimônio público sempre prevaleceu na política brasileira sobre o assunto. Está subjacente a essa opção a idéia de que somente como bens públicos os PNs poderiam ser plenamente manejados para conservar a natureza e as suas belezas cênicas e para oferecer oportunidades de recreação, educação ambiental e pesquisa científica para a sociedade em geral. O Brasil adotou essa premissa (que não é adotada universalmente, diga-se de passagem) desde a criação do seu primeiro PN, o Parque Nacional do Itatiaia, em 1937. Desde então, convive com o desafio de cumprir o preceito básico de transformar em patrimônio público, com posse e domínio do Estado, as áreas decretadas como PNs. Esse desafio estende-se a outras categorias de unidades de conservação (UCs), como estações ecológicas e reservas biológicas, que, no entanto, não serão discutidas aqui. O país criou, de 1937 a 2008, 65 PNs (Tabela 1). Grande parte deles nasceu com graves pendências fundiárias, que se acumularam e mesmo se agravaram ao longo dos anos. Como conseqüência, grandes prejuízos vêm sendo causados à política conservacionista e ao erário e ao patrimônio públicos.
Para entender a questão fundiária dos PNs brasileiros, buscou-se neste texto analisar as seguintes dimensões passadas e atuais da política de sua criação: 1) a sua situação fundiária atual; 2) as raízes históricas da questão fundiária no Brasil; e 3) a missão das diversas instituições responsáveis pelos PNs entre 1937 e 2008. A finalidade é apontar os motivos que expliquem os graves problemas fundiários vividos pelos PNs, bem como sugerir alternativas para a solução da maioria das pendências observadas. Destaque-se que as propostas aqui apresentadas para o equacionamento da questão foram selecionadas de modo a ter uma importante virtude comum: elas não exigem mudanças legais, pois estão embasadas na legislação vigente. Isso não ocorre nos casos de muitas outras propostas que circulam entre gestores, cientistas e ambientalistas brasileiros.
As principais fontes de informações usadas foram materiais bibliográficos que tratam da legislação de terras e do histórico dos órgãos gestores e das políticas para o setor. Além disso, foi feita a análise das principais leis de terras que vigoraram no país, desde o período colonial. A legislação atual foi obtida no sítio eletrônico da Presidência da República (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA DO BRASIL, 2008). Para o diagnóstico da situação atual, foram feitas entrevistas com três informantes qualificados2 2 Luiz Cláudio Pereira Leivas, Procurador da República no estado do Rio de Janeiro, entrevistado em 11 de janeiro de 2001; Alceu Magnanini, pioneiro do conservacionismo no Brasil e funcionário de diversos órgãos que geriram UCs, entrevistado em 26 de setembro de 2001; e Paulo de Bessa Antunes, Procurador da República, especializado em Direito Ambiental, entrevistado em 9 de maio de 2001. .
Especificamente para a análise da situação fundiária dos parques, foram utilizados como fonte principal os dados da Divisão de Criação e Implantação de UCs (DICRI), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), referentes aos PNs criados até 2000.
Além disso, foram feitas consultas ao Cadastro Nacional de UCs, do Ministério do Meio Ambiente, e diretamente ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Com relação ao Cadastro Nacional de UCs, houve dois acessos. No primeiro, em 22 de dezembro de 2005, foram obtidas informações específicas, mas pouco precisas, sobre o grau de regularização fundiária de todas as UCs (não-regularizadas, parcialmente regularizadas, regularizadas). Em consulta mais recente, em 14 de agosto de 2008, o referido cadastro estava em revisão e dispunha de dados esparsos sobre apenas três PNs (Serra dos Órgãos, Ubajara e São Joaquim), dados esses desconsiderados. Usamos os dados obtidos com o acesso de 2005, pois eles não foram oficialmente revisados nem invalidados. A consulta direta ao ICMBio ocorreu em 22 de agosto de 2008, especificamente à Coordenação Geral de Regularização Fundiária3 3 Comunicação pessoal de Luciano Petribu, Coordenador Geral de Regularização Fundiária. . Esses dados são, infelizmente, desatualizados e incompletos, mas foram incluídos por serem a informação mais recente sobre o tema.
Lançou-se mão, ainda, de informações sobre os PNs do estado do Rio de Janeiro, mais especificamente o Relatório do Grupo de Trabalho (GT) criado pelo Escritório Regional do Ibama, por meio da Portaria Ibama n. 1 288/98-P, de 22 de outubro de 1998. Esse GT levantou as questões fundiárias específicas das UCs do estado do Rio de Janeiro4 4 Disparidades nas diferentes fontes indicam a pouca confiabilidade de alguns dados. Isso se expressa particularmente nas cifras referentes a áreas "regularizadas" e "a regularizar" dos PNs. Mesmo que elas fossem totalmente corretas, no entanto, seriam insuficientes para dar conta das complexas situações fundiárias da maioria das UCs. .
II. A POLÍTICA BRASILEIRA DE PARQUES NACIONAIS
Esta seção apresenta alguns dados históricos sobre a política brasileira de PNs, relevantes para a análise da sua situação fundiária. Desde 1937, a criação de UCs de vários tipos tem sido a mais importante estratégia de conservação da biodiversidade no país. Formou-se assim o sistema atual, vasto e diversificado, que, segundo o Cadastro de UCs do Ministério do Meio Ambiente, em 14 de agosto de 2008, abrangia 65 PNs, além de pelo menos 658 UCs federais de outras categorias.
Além dos parques nacionais, o Sistema de Unidades de Conservação da Natureza do Brasil (SNUC) abrange, apenas no nível federal, 32 estações ecológicas, 29 reservas biológicas, três refúgios de vida silvestre, 30 áreas de proteção ambiental, 17 áreas de relevante interesse ecológico, 62 florestas nacionais, uma reserva de desenvolvimento sustentável e 54 reservas extrativis-tas (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2008). Conforme o Ibama (2008), o SNUC conta, ainda, com 430 reservas particulares do patrimônio natural. A ampliação do número de UCs e a instituição de um sistema nacional seguiram uma tendência mundial. No entanto, esse progresso não ocorreu de forma contínua e regular. Os PNs brasileiros foram criados em várias etapas, descritas por Quintão (1983) e Drummond (1997) e visíveis nos dados das tabelas 1 e 2. A Tabela 2 mostra as fases de criação de PNs, divididas conforme os grupos de anos em que se concentraram o estabelecimento de novos PNs. Houve grandes intervalos (sem a criação de um único PN) entre a primeira (1937-1939) e a segunda fases (1959-1961) e entre a segunda e a terceira (1971-1974). A partir da quarta fase (1979-1986), os intervalos sem criação de novas unidades tornaram-se mais curtos, mas continuaram a ocorrer. A quarta fase, entre 1979 e 1986, destaca-se como fruto direto de um esforço concentrado de planejamento no âmbito do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF). Esse planejamento teve a sua expressão mais acabada nos Planos do Sistema de Unidades de Conservação - Etapas I e II (INSTITUTO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO FLORESTAL & FUNDAÇÃO BRASILEIRA PARA CONSERVAÇÃO DA NATUREZA, 1979; 1982), que adotaram diretrizes técnicas de criação e de gerenciamento de UCs.
Esses dois planos de 1979 e 1982 são os principais precursores do atual Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, criado por lei de 2000. Adotaram, entre outros, os princípios da ampliação das áreas protegidas na Amazônia, do aumento da representatividade ecossistêmica do sistema de UCs, da preferência por áreas de grande extensão e da priorização de escolha de áreas sem ocupantes. Em 1986, depois de cerca de sete anos de aplicação dos dois planos, o Brasil tinha quase triplicado a área protegida por PNs existente em 1979.
Ressalte-se que não houve uma distribuição regional ou ecossistêmica equilibrada dos PNs brasileiros ao longo da sua história. Drummond (1997) salienta que, por muito tempo, os critérios para escolha de áreas para PNs privilegiaram a beleza cênica excepcional, a facilidade de acesso e a possibilidade de visitação de massa. Mesmo na segunda fase (1959-1961), influenciada pela construção de Brasília, que levou à instalação de quatro parques na região Centro-Oeste, a justificativa enfatizada foi a de ofertar áreas de lazer e turismo para a população a ser instalada no Distrito Federal, e não a de proteger o Bioma Cerrado. Somente a partir de 1979, com os dois citados planos do IBDF, houve um esforço deliberado de fazer com que a política de criação de UCs se antecipasse ao processo de ocupação de áreas mais remotas e incluísse amostras grandes e em bom estado dos vários biomas e ecossistemas do país (DRUMMOND, 1997).
Essa mudança de critérios refletiu-se claramente na criação de PNs na Amazônia. Até o início da década de 1970, a região não contava com um único PN (Tabela 1). A partir de 1974, vinte PNs foram instituídos na região Norte, correspondendo a cerca de 31% dos PNs criados até 2008 (Tabela 1).
As mudanças nos critérios de escolha das áreas para a criação dos PNs brasileiros refletem em parte a evolução do próprio conceito de PNs, no Brasil e no mundo. Esse conceito vem-se alterando desde a criação do primeiro parque no mundo - Yellowstone -, em 1872, nos Estados Unidos da América. Inicialmente, os PNs visavam socializar o usufruto das belezas cênicas excepcionais e, ao mesmo tempo, resguardar tais belezas dos efeitos destrutivos da sua exploração direta. Aos poucos, outros objetivos foram incorporados, entre eles a proteção de certos animais ou plantas, a pesquisa científica e a educação ambiental. Os objetivos de conservação também foram ampliados, procurando-se garantir a representatividade dos ecossistemas e das paisagens nos PNs e demais UCs nos contextos nacionais.
A União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) tentou consolidar um conceito de PN a ser seguido por todas as nações. A cada dez anos, desde 1962, ela realiza conferências mundiais sobre PNs, nos quais os conceitos de PN e de UCs em geral são amplamente debatidos. As recomendações da UICN influenciaram a política de UCs de muitos países, entre eles o Brasil. Dentre as questões discutidas nesses e em outros fóruns internacionais sobre PNs, destaca-se a da ocupação humana das áreas formalmente protegidas. Um dos aspectos mais polêmicos a respeito de uma área de PN (no Brasil e em alguns outros paises, embora não em todos) é a presença de população humana, o que tem relação direta com o tema principal deste artigo. Tradicionalmente, os PNs eram concebidos, sobretudo, para proveito limitado do homem urbano e para a conservação dos recursos para as futuras gerações, não se admitindo no seu interior a presença humana permanente, nem a posse particular das terras, nem a exploração dos recursos naturais. Essa concepção baseava-se no preceito segundo o qual os humanos seriam modificadores ou destruidores contumazes de seu ambiente natural e, portanto, a conservação da natureza requereria a criação de áreas livres de sua presença.
No entanto, esse conceito não é incontroverso, nem foi adotado universalmente. Em países da Europa, no Japão e no Canadá, admitia-se e ainda se admite tanto a presença humana como a propriedade particular nos parques. No III Congresso Mundial de Parques Nacionais, da UICN, em 1982, houve ênfase na inserção dos PNs no desenvolvimento regional e na sua vinculação à melhoria do padrão de vida das comunidades locais, sobretudo das mais carentes. Recomendou-se o manejo dessas áreas em conjunto com os seus habitantes originais (WORLD CONFERENCE ON NATIONAL PARKS, 1984). Nessa concepção, os parques, além de cumprirem a sua função de protetores da biodiversidade, poderiam e deveriam contribuir para viabilizar diversas atividades indutoras do desenvolvimento local (QUINTÃO, 1983). O modelo de zoneamento de PN proposto pela UICN propunha, entre outras, uma "Zona de Ambiente Natural com Culturas Humanas Autóctones", destinada a abrigar populações primitivas ou tradicionais (BRITO, 2000).
Embora o Brasil tenha adotado muitas recomendações da UICN para criação e gestão de UCs e, em especial, de PNs, as recomendações quanto à admissão de presença humana nos parques não foram absorvidas, embora existam outros tipos de UCs que admitem essa presença. É interessante observar que o Código Florestal de 1934 (Decreto n. 23 793, de 23 de janeiro de 1934), base legal dos primeiros PNs, previa a possibilidade de permanência de propriedades particulares em florestas remanescentes (entre as quais se incluíam os PNs), desde que os proprietários, herdeiros e sucessores concordassem com as restrições impostas e se obrigassem a mantê-las sob o regime legal correspondente. O Código Florestal de 1965 (Lei n. 4 771, de 15 de setembro de 1965) e o Regulamento de Parques Nacionais de 1979 (Decreto n. 84 017, de 21 de setembro de 1979), entretanto, eliminaram essa possibilidade.
Mais tarde, durante a discussão, no Congresso Nacional, do Projeto de Lei que deu origem à Lei n. 9 985, de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Snuc), houve um intenso debate entre os ambientalistas brasileiros. Duas correntes enfrentaram-se: a dos preservacionistas, que defendia, entre outros pontos, o conceito tradicional de PN, e a dos socioambientalistas, para quem a administração das áreas protegidas teria melhor êxito se elas suportassem atividades humanas e tivessem as populações primitivas ou tradicionais como as suas aliadas (idem).
Para os socioambientalistas, os preservacio-nistas baseiam-se em dois mitos: o primeiro é de que o homem é, necessariamente, destruidor da natureza; o segundo é de que a natureza selvagem é intocada pelas mãos humanas, ou seja, é oriunda apenas de sua evolução natural. Assim, para os preservacionistas, a interferência humana na natureza, quando ocorre, é sempre destruidora. Contra-argumentando em bases culturais, os socioambientalistas afirmam que a sociedade urbano-industrial é, de fato, destruidora, mas existem culturas que desenvolveram uma relação mais harmônica com a natureza, cujos representantes, muitas vezes, residem justamente nas áreas onde se quer implantar UCs. Para os socioambientalistas, a natureza "selvagem" que os preservacionistas hoje consideram digna de proteção foi, em parte, moldada pelo gênero de vida das populações tradicionais (DIEGUES, 1998). Argumentam que a diversidade cultural também precisa ser conservada, tanto por motivos éticos, quanto como instrumento de proteção do conhecimento tradicional. As populações tradicionais, para eles, devem ser vistas como aliadas da conservação, e não como suas inimigas.
O texto final da Lei do Snuc refletiu, em parte, essa cisão no ambientalismo brasileiro. Não houve consenso sobre a permanência de populações tradicionais no interior dos PNs, mas a criação de UCs passou a ser obrigatoriamente precedida de estudos técnicos e consultas públicas (exceto para as categorias "estação ecológica" e "reserva biológica"). Estabeleceu-se ainda que "as populações tradicionais residentes em unidades de conservação nas quais sua permanência não seja permitida serão indenizadas ou compensadas pelas benfeitorias existentes e devidamente realocadas pelo Poder Público, em local e condições acordadas entre as partes" (art. 42). Enquanto o reassentamento não for realizado, serão estabelecidas normas destinadas a compatibilizar a presença das populações tradicionais residentes com os objetivos da unidade, "sem prejuízo dos modos de vida, das fontes de subsistência e dos locais de moradia dessas populações, assegurando-se sua participação na elaboração das referidas normas e ações" (art. 42, § 2º). Mais ainda, a lei do Snuc prevê nada menos do que sete tipos de UCs que admitem a presença de comunidades humanas e a exploração direta dos recursos naturais. Garantiu-se, portanto, aos que detêm apenas a posse de terras designadas para integrarem UCs, o direito de serem devidamente indenizados e realocados. Quanto à propriedade particular, a lei manteve a norma de que o "parque nacional é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas" (art. 11, § 1º; sem grifos no original).
Assim, o Brasil mantém em sua legislação, há 70 anos, o princípio do controle público integral das terras de PNs. As mudanças nos critérios de localização dos PNs, o gigantismo geográfico, a diversidade social do Brasil e, principalmente, a persistente falta de ordenação territorial e fundiária em amplas seções do país têm conspirado contra esse controle. Ainda assim, seria de se esperar que a situação fundiária dos PNs e das UCs em geral estivesse ao menos equacionada. A realidade, entretanto, é muito diversa, conforme será mostrado na próxima seção.
III. RESUMO DA SITUAÇÃO FUNDIÁRIA DOS PARQUES NACIONAIS BRASILEIROS
É patente e bem sabido que a política de regularização fundiária dos PNs não tem alcançado o seu objetivo maior, qual seja, o de fazer com que as suas terras sejam, em sua totalidade, de posse e domínio públicos. A análise a seguir evidencia que a questão nunca recebeu a devida prioridade dos órgãos competentes. Iniciemos pela análise dos dados da Tabela 3, que apresenta a situação dos PNs criados até 2000, para os quais se obteve os dados mais completos e organizados do Ibama-Dicri. Os dados mostram as áreas "regularizada" e "a regularizar" e o percentual regularizado de cada unidade. Embora cerca de 86% da área total dos PNs criados até aquele ano constassem como regularizados, 28 (66%) desses 44 PNs tinham problemas fundiários registrados. Ou seja, bem mais da metade ainda tinha terras em mãos de particulares e/ou fora do domínio público efetivo, o que certamente prejudicava o seu gerenciamento adequado. Há o agravante de que 15 unidades (34% desses mesmos 44 parques) tinham menos de 50% de sua superfície sob domínio público.
Não existe uma relação positiva entre as datas de criação dos PNs e as suas respectivas situações de regularização fundiária (Tabela 3). Ou seja, as unidades mais antigas não estavam em situação notavelmente melhor que as de idade intermediária ou as mais recentes. Essa observação reforça o argumento de que as pendências fundiárias são crônicas na política brasileira de PNs5 5 Destaque-se que a desapropriação de terras e a indenização por benfeitorias exigem grandes somas de recursos. Em 2001, o Ibama-Dicri apresentou uma estimativa de custos para aquisição das terras a regularizar, na ordem de R$ 556.496.216,00, ou seja, mais de meio bilhão de reais (ROCHA, 2002). Uma análise da situação fundiária dos PNs feita em 1997 (PÁDUA, 1997) evidenciava que, entre 1994 e 1997, o ritmo de aplicação de recursos destinados à regularização fundiária dos PNs foi tão lento que, a persistir, seriam necessários 700 anos para aquisição das áreas necessárias para regularizar as terras de todos os PNs! Considerando que, desde então, não se acelerou o ritmo de desapropriações, fica claro que o futuro de muitos PNs brasileiros não parece ser muito promissor no que toca à solução da sua situação fundiária pela via das indenizações. e de que não houve, ou não funcionou, uma diretriz de criação de PNs preferencialmente em áreas públicas e livres de problemas fundiários.
Examinemos agora a situação pela ótica das possíveis diferenças regionais entre as situações fundiárias dos PNs (tabelas 4 e 5). Em 2000, a região Norte destacava-se por apresentar o melhor índice de terras de PNs regularizadas. A situação fundiária dos PNs da região contribui mais do que proporcionalmente para elevar as estatísticas nacionais de regularização fundiária, uma vez que a região detinha mais de 73% da superfície dos PNs brasileiros.
A região Nordeste também apresentava índices elevados de regularização fundiária dos seus PNs, tanto em relação à superfície (cerca de 82%), quanto ao número de unidades (73% com mais de 85% da superfície regularizados). Em posição intermediária estavam o Centro-Oeste e o Sul, razoavelmente colocados quanto à superfície regularizada (cerca de 73% e 62%, respectivamente), mas apenas medianamente colocados quanto ao número de unidades (50% no Sul e um pouco mais no Centro-Oeste). Chama a atenção a fragilidade dos PNs da região Sudeste, onde apenas 20% tinham mais de 50% de suas terras regularizadas. Em termos de superfície, a situação é igualmente ruim, pois a região não tinha nem sequer 50% de sua superfície de PNs regularizados. Trata-se de uma situação perversa para a conservação da Mata Atlântica (objeto da proteção da maioria dos PNs dessa região), uma vez que a alta concentração demográfica regional promove, ao mesmo tempo, a valorização das terras e o aumento da pressão humana sobre as áreas protegidas. Consequentemente, o problema tende a piorar.
A título de ilustração, é interessante analisar mais detalhadamente a situação dos PNs do estado do Rio de Janeiro6 6 Os PNs do estado do Rio de Janeiro foram objeto de análise mais detalhada em Rocha (2002). . Ela mostra eloqüentemente tanto a gravidade da situação fundiária dos PNs do Sudeste quanto o caráter crônico das pendências fundiárias dos PNs antigos (Tabela 6). Apesar de ter sediado a capital federal até a década de 1960; apesar de o seu território relativamente pequeno ser afetado por cinco PNs e outras 14 UCs federais; apesar de esses PNs serem relativamente pequenos; e apesar de três desses PNs terem mais do que 40 anos de existência, apenas cerca de 15% da área total das cinco unidades estavam regularizados em 2000. Jurubatiba tinha um índice de regularização de 0% e Serra da Bocaina de apenas 8%. O enorme percentual (85%) de áreas dos PNs fluminenses carentes de regularização fundiária expressa bem a fragilidade dos PNs do Sudeste e o caráter crônico dos problemas fundiários dos PNs brasileiros.Em relação à totalidade do sistema de PNs, a conclusão geral é que a interiorização tardia dos PNs brasileiros, expressa principalmente pela criação de UCs na região Norte, contribuiu, proporcionalmente, para a melhoria do desempenho em relação à sua superfície regularizada, embora não em relação ao número de PNs afetados por problemas fundiários. Os problemas fundiários dos PNs são generalizados em todo o território brasileiro, situação que seria perceptível apenas a partir dos dados da Tabela 3, a partir dos quais se verifica que, em 2000, ainda era grande o número de unidades com área não-regularizada em seu interior (29, correspondentes a 66% dos PNs existentes). Porém, a situação era nitidamente mais grave na região Sudeste.
Na verdade, os PNs brasileiros constituem, no seu conjunto, mosaicos patrimoniais caracterizados por inúmeras situações: terras de domínio do Estado ocupadas ou não por posseiros ou intrusos; terras de particulares, muitas vezes de domínio indefinido ou contestável, exploradas ou não; terras de particulares ocupadas pelos PNs ou por posseiros; terras devolutas ou "terras de ninguém" ocupadas pelos PNs ou por posseiros (GUATURA, CORREA & COSTA, 1997)7 7 Um aspecto correlato, não focalizado no presente trabalho, diz respeito à presença de posseiros em grande número de PNs. É comum nos PNs brasileiros a presença de populações residentes que não detêm a propriedade, mas apenas a posse das terras, inclusive naqueles localizados na região Norte. .
Passemos, agora, à análise dos dados mais recentes, obtidos junto à Coordenação Geral de Regularização Fundiária do ICMBio. Eles abrangem apenas 52 dos 65 PNs existentes em meados de 2008. A Coordenação não dispunha de dados relativos a 13 PNs criados entre 2001 e 2008. Da mesma forma, não constam informações pormenorizadas acerca da área regularizada e a regularizar de cada PN. Embora o Ibama tenha se preocupado mais sistematicamente, após a aprovação da Lei do Snuc, com a existência de comunidades e atividades produtivas nas áreas selecionadas para criação de novas unidades, isso não redundou na elaboração de estudos prévios completos acerca da situação fundiária das áreas onde se pretende criar PNs, de modo a evitar conflitos. É prudente esperar que os resultados finais dos levantamentos demonstrem a existência de problemas fundiários nos PNs mais novos, semelhantes aos das unidades antigas.
De qualquer forma, os dados do ICMBio destacam a desanimadora informação de que nenhum PN é considerado regularizado pelo órgão (Tabela 7). Dos 52 parques para os quais valem os dados, 58% não estão regularizados e 42% estão apenas parcialmente regularizados. Esses dados são incongruentes com as informações da Tabela 3, pois eles apontam que 14 unidades estão 100% regularizadas. Na verdade, essa incongruência ressalta na própria Tabela 3, pois, entre as 14 unidades 100% regularizadas, seis não dispunham de levantamento fundiário. Portanto, se esses PNs não foram nem sequer objeto de estudos fundiários, não faz sentido a informação sobre a ausência de pendências fundiárias em seus limites.
Essas incoerências talvez se expliquem pela adoção de critérios diferentes de regularização fundiária, ao longo do tempo, pelos diferentes setores do Ibama e, mais recentemente, do ICMBio. No entanto, elas reforçam a nossa observação sobre a falta de dados confiáveis que permitam um diagnósticopreciso acerca da situação fundiária dos PNs.
Finalmente, para contextualizar a situação fundiária dos PNs brasileiros (inclusive a precariedade dos dados disponíveis), apresentamos os dados do Ministério do Meio Ambiente (2005) acerca do grau de regularização fundiária das sete categorias de UC cujo domínio deve ser exclusivamente público (Tabela 8).Apesar das inconsistências com os dados das tabelas anteriores e da grande quantidade de informações não-disponíveis, fica claro que os PNs não estão sozinhos na sua precária situação fundiária.
IV. A MISSÃO DAS INSTITUIÇÕES RESPONSÁVEIS PELA GESTÃO DE PARQUES NACIONAIS NO BRASIL
Em 1925, foi criado no Brasil o primeiro órgão governamental federal destinado a administrar áreas cobertas por flora nativa - o Serviço Florestal Federal (SFF), subordinado ao Ministério da Agricultura. Desde então, a política brasileira de PNs em particular, e de UCs em geral, ficou por mais de 60 anos vinculada ao Ministério da Agricultura. Primeiramente, nas décadas de 1930, 1940, 1950 e parte da década de 1960, encarregaram-se dessa política diversas seções e departamentos ministeriais de segundo e terceiro escalões, alguns incumbidos também do fomento à produção florestal. Em seguida, o Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal (IBDF), criado em 1967, representou um passo importante na institucionalização da gestão pública da flora e dos seus produtos, mas a sua ênfase recaiu sobre os aspectos produtivos. Igualmente subordinado ao Ministério da Agricultura, o IBDF herdou os quadros e as missões do Instituto Nacional do Pinho e do Instituto Nacional do Mate, dois órgãos de fomento de produtos madeireiros e não-madeireiros, sem missões conservacionistas ou preservacionistas (DRUMMOND, 1988; URBAN, 1998).
O IBDF geriu as UCs brasileiras por mais de 20 anos (1967-1989). Ao longo desse período, manteve o seu perfil produtivista, com ênfase secundária na conservação. Mesmo assim, foi dentro dele que surgiram e foram aplicados os referidos Planos do Sistema de Unidades de Conservação, que ampliaram em muito as áreas sob proteção e propuseram diversas novas categorias de áreas protegidas. Na década de 1970 e no princípio dos anos 1980, a mesma equipe do IBDF que redigiu esses planos introduziu uma prática inovadora que permitiu que o órgão adquirisse cerca de dois milhões de hectares de terras incorporadas a PNs e reservas biológicas. Esses recursos vieram de um Fundo de Reposição Florestal, formado com as taxas pagas por usuários de matérias-primas de florestas nativas. Até então, esses recursos tinham sido usados apenas para fomentar a formação de florestas plantadas para fins comerciais (DRUMMOND, 1988). Desse modo, o lado mais forte do IBDF, desenvolvimentista, ajudou a financiar o seu lado mais fraco, conservacionista.
Em 1989, foi criado o Ibama, vinculado inicialmente ao Ministério do Interior e hoje ao Ministério do Meio Ambiente. As características desse órgão e o contexto de sua criação colocaram pela primeira vez a política ambiental brasileira em geral, e a de UCs em particular, fora do domínio da esfera produtivista. Entre as suas incumbências estava a gestão das UCs federais. No entanto, o Ibama nasceu com um grande número de outras incumbências, bem variadas, herdadas dos quatro organismos federais que o formaram - IBDF, Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), Superintendência de Desenvolvimento da Pesca (Sudepe) e Superintendência da Borracha (Sudhevea). Essas incumbências variavam da regulamentação ao fomento da pesca e da borracha, ao licenciamento ambiental, à criação de normas de qualidade ambiental, à proteção da biodiversidade etc. No entanto, a forte centralização administrativa embutida no desenho do Ibama, o reduzido número de servidores envolvidos no processo de regularização fundiária e o próprio acúmulo de pendências fundiárias fizeram com que o órgão continuasse a agir apenas pontualmente no enfrentamento dessas pendências das UCs.
Seguindo uma tendência nacional ainda recente de descentralização das políticas ambientais e de algumas outras políticas governamentais, iniciada a partir da vigência da Constituição de 1988, os PNs estavam vinculados às Superintendências Estaduais do Ibama. Isso contribuiu para entravar o bom funcionamento das UCs, em virtude do grande volume de atividades de licenciamento e fiscalização desenvolvidas rotineiramente pelas superintendências. Elas acabavam drenando quase toda a atenção de seus dirigentes, bem como os parcos recursos disponíveis, enfraquecendo a capacidade de resolução das complexas e duradouras questões fundiárias.
Em 2007, a criação e a gestão das UCs federais foram dissociadas das funções do Ibama. Elas foram repassadas ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), por meio da Lei n. 11 516, de 28 de agosto de 2007. A estrutura do ICMBio abrange quatro diretorias, entre elas a de Planejamento, Administração e Logística, que abrange uma Coordenação Geral de Regularização Fundiária. Aparentemente é a primeira vez que a política federal de UCs conta com uma instância específica para tratar do assunto. Tal como o Ibama, o ICMBio deverá contar com órgãos descentralizados para a gestão das UCs (INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE, 2008). No entanto, um ano após a sua criação, o ICMBio ainda não realizou concurso público para a formação de seus quadros, valendo-se da transferência de servidores do Ibama. As unidades descentralizadas ainda não foram estruturadas e, segundo notícias veiculadas em O Eco (2008), 80 UCs federais continuam sem gestor.
Outro problema institucional herdado pelo ICMBio diz respeito à carência de informações sobre as UCs. Não havia - como ainda não há - uma base de dados unificada e confiável, calcada em levantamentos e estudos fundiários dos PNs, que permita uma ação coordenada, generalizada e rápida de resolução de pendências fundiárias.
A regularização fundiária de PNs é assunto de alta complexidade. Envolve muitos interesses, vultosos recursos financeiros, terras usadas para a produção agropecuária, comunidades rurais de diversos tipos, fluxos de visitação, empreendimentos turísticos etc. Talvez o mais grave problema seja o contexto historicamente consolidado de especulação e de apossamento ilegal de terras públicas. Isso configura um quadro de "indústria das desapropriações", que envolve procedimentos duvidosos e indenizações milionárias. Por outro lado, a questão fundiária tem peculiaridades que estimulam a inércia do poder público no seu trato, agravando os problemas. As pendências na regularização fundiária dos PNs, apesar dos prejuízos causados, normalmente não inviabilizam a existência das unidades e o cumprimento parcial de suas funções. Curiosamente, um PN pode conviver com elas por períodos relativamente longos sem que haja conflitos agudos, mas também sem que se alcancem soluções definitivas. Assim, os problemas fundiários não alcançam necessariamente uma grande repercussão pública, nem geram forte mobilização social que pressione o órgão gestor a resolvê-los. Isto suscita a convivência prolongada com situações irregulares e uma postura complacente ou postergadora dos órgãos administradores.
Outro fator que contribui para a inércia no trato da questão fundiária dos PNs é a baixa probabilidade de que a sua eventual resolução gere dividendos políticos para os gestores dos órgãos incumbidos de tratar das UCs. Os prazos para a obtenção de resultados significativos são relativamente longos, contrapostos aos períodos relativamente curtos dos cargos de direção. Criar novas UCs rende maior visibilidade e dividendos do que resolver os complexos problemas das UCs existentes. Novas UCs enriquecem o currículo do administrador. Além do mais, a resolução dos problemas fundiários, via de regra, gera atritos e desgaste com pessoas influentes, que se mobilizam jurídica e politicamente para resistir às ações que os prejudicam. Ocorre ainda a possibilidade de atritos não-desejados com as comunidades vizinhas das UCs. Essas situações levam à anulação recíproca das forças sociais envolvidas na questão e ajudam a explicar porque o problema nunca foi objeto de medidas sistemáticas, firmes e eficazes.
V. PERSISTÊNCIA DOS PROBLEMAS FUN-DIÁRIOS DOS PARQUES NACIONAIS BRASILEIROS
A persistência dos problemas fundiários dos PNs brasileiros indica que eles têm sido tratados com baixo grau de prioridade. Além de ocasionarem prejuízos diretos à gestão dos PNs, eles se agravam progressivamente, em várias dimensões: valorizam comercialmente as terras em litígio, em alguns casos por causa da própria criação da UC; ampliam a presença humana e, consequentemente, a construção de benfeitorias que interferem no ecossistema, mas incorporam mais valor à terra; contribuem para o desmembramento e venda de terrenos do entorno para pessoas "de fora", interessadas em construir casas de veraneio ou de segunda residência (isso, por sua vez, suscita a aparição de novos atores, com novos interesses, complicando as soluções); criam a "perspectiva de direito" ou o "direito" propriamente dito para os ocupantes; e propiciam a prescrição de prazos legais.
No entanto, se a situação é examinada à luz da história da ocupação das terras no Brasil, vê-se que ela não se deve apenas à falta de eficiência dos órgãos gestores das UCs ou à falta de vontade política de seus dirigentes. Os PNs e as demais UCs são vitimados pela desordem fundiária secular que assola o país. O processo de colonização do Brasil pelos portugueses teve por base o sistema sesmarial de distribuição de terras a particulares. Esse sistema teve início em 1532, com a divisão do enorme, recém-descoberto e ainda muito mal conhecido território em capitanias hereditárias, entregues a donatários. Eles detinham grande poder, entre eles o de outorgar sesmarias - concessões de terras - a pessoas de sua confiança. As sesmarias constituíam, via de regra, grande extensões de terras "virgens" que os sesmeiros comprometiam-se a cultivar dentro do prazo, organizando atividades produtivas, pagando tributos à Coroa e defendendo-as contra os inimigos de Portugal (FAUSTO, 1999).
Assim, a maneira básica de ocupação das terras do Brasil, consideradas propriedade do rei de Portugal, era a sua doação a pessoas selecionadas, em retribuição à lealdade e a serviços prestados à Coroa (MARTINS, 1999). A concessão de sesmarias era regulamentada pelas Ordenações Filipinas, vigentes em Portugal. As ordenações impunham ainda a obrigatoriedade de aproveitamento do solo (MOTTA, 1998a), que, se não cumprida, levaria à perda da concessão. Entretanto, isso raramente aconteceu, embora a Coroa por vezes tentasse recuperar o controle sobre sesmarias abandonadas ou de outra forma negligenciadas. Os concessionários de terras - quase todos homens, portugueses, católicos e fiéis ao Rei de Portugal - formaram uma oligarquia pequena, unida, poderosa e fechada, a expressão social acabada da falta de uma política democrática de ocupação das novas terras coloniais (DRUMMOND, 1997).
O sistema de distribuição de terras via sesmarias foi formalmente suspenso em 1822, pouco antes da independência do Brasil (MARTINS, 1999). Com a independência, o Brasil passou por um período de quase três décadas, conhecido como extralegal ou das posses, caracterizado pela inexistência de uma legislação específica sobre terras (SOUZA, 1994). Em 1850, promulgou-se a Lei de Terras, confusa e controversa, fortemente influenciada pelo pensamento inglês, que zelou acima de tudo pelos interesses da elite rural criada e estabilizada pelo antigo sistema de sesmarias (SMITH, 1990).
A Lei de Terras instituiu o "registro paroquial", cadastro por meio do qual o governo quis distinguir as terras que eram de sua propriedade das que eram propriedade de particulares. Os registros paroquiais eram ligados à organização da Igreja Católica. Acabaram sendo utilizados para acomodar os interesses estabelecidos dos grandes senhores de terra. As decisões de registrar ou não, de informar os limites e o tamanho da propriedade com precisão, eram tomadas conforme a sua conveniência, tendo em vista que os clérigos não eram qualificados para verificar a veracidade das informações. Além do mais, como proprietária e/ou ocupante de muitas extensões de terras, a Igreja Católica era uma parte interessada cuja atuação na regularização não era desejável, sob o ponto de vista das finalidades expressas de alcançar a regularização fundiária. Dessa forma, uma lei que se pretendia modernizante não teve os efeitos desejados, pois foi incapaz de reorganizar a estrutura fundiária e de discriminar as terras públicas das terras privadas. Ainda assim, ela criou efeitos duradouros e é usada, até os dias de hoje, como base para tomadas de decisão acerca da propriedade e do direito à terra (MOTTA, 1998a), inclusive no que diz respeito à regularização de UCs.
Assim, o registro paroquial, baseado nas simples declarações dos interessados, gerou intensa polêmica e duradoura confusão. Para alguns, o registro passou a ser considerado como título de domínio, enquanto outros o consideram um simples cadastro que não poderia ser usado para determinação da propriedade do imóvel, nem para conferir direitos ao declarante. Outros ainda consideram que, embora não fosse título de propriedade, o registro paroquial é fonte importante para análise da cadeia sucessória de proprietários em casos de terras em litígio (MOTTA, 1998b).
A Lei de 1850 possibilitou a consolidação e a legitimação de uma pequena elite agrária de grandes proprietários. Ela se fortaleceu desmesuradamente e adquiriu enormes poderes na sociedade e nas instituições públicas e privadas, conseguindo, pelos mais diversos meios, que os seus interesses fossem sempre resguardados. Holston (1993) afirma que a Lei de Terras promoveu "[...] conflito, e não soluções, porque estabelece os termos através dos quais a grilagem é legalizada de maneira consistente. [...] Nesse contexto repleto de paradoxos, a lei é o instrumento de manipulação, complicação, estratagema e violência, através do qual todas as partes envolvidas - dominadoras ou subalternas, o público e o privado - fazem valer seus interesses" (HOLSTON, 1993, p. 68).
Apesar de tudo, essa lei se tornou um marco na legislação de terras do país. Até hoje muitos procedimentos judiciais e as defesas das posições mais antagônicas buscam fundamentação nela. Isso dificulta, atrasa e, em muitos casos, impede decisões administrativas e judiciais seguras e ágeis sobre as pendências fundiárias em geral, e as das UCs e dos PNs em particular.
Outro fator relevante para a apreciação da desordem fundiária do Brasil é o do registro de imóveis. Esse registro foi instituído apenas em 1864, pela Lei n. 1 237, tornando-se um serviço público apenas em 1917, com base no Código Civil. Entretanto, os registros feitos nos Cartórios de Registro de Imóveis, órgãos auxiliares do poder Judiciário, os quais deveriam garantir legitimidade ao reconhecimento da propriedade imobiliária, tornaram-se outro fator complicador, pois eles muitas vezes foram focos de distorções e fraudes. Em 1913, foi aprovado o Novo Regulamento de Terras Devolutas da União (Decreto n. 10 105), ampliando o prazo dado a concessionários, posseiros e sucessores para declararem as suas terras. Isso possibilitou uma nova rodada de apossamentos irregulares de terras públicas, principalmente por grandes proprietários (SERVIÇO DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO, 1964).
Durante a Primeira República (1889-1930), os grandes proprietários de terras, principalmente os dos Estados economicamente mais fortes, interferiram ativamente na escolha de praticamente todos os detentores de mandatos eleitorais, inclusive governadores e presidentes. A política nacional ficava em grande parte à mercê de conchavos entre políticos de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, principalmente, mas havia também grande influência das oligarquias do Nordeste. É significativo, portanto, que a Constituição Federal de 1891 transferisse todo o patrimônio de terras públicas para os Estados e desse a eles a prerrogativa de legislar sobre o assunto, abrindo ainda mais espaço para a influência dos proprietários rurais. A concentração da propriedade de terras, as dificuldades de acesso democrático a elas e a sua falta de regularização documental não apenas tiveram continuidade, mas agravaram-se (LINHARES & SILVA, 1999).
A Revolução de 1930 afastou do poder uma parte desses setores até então dominantes. A nova elite de poder, no entanto, evitou um confronto mais explícito com os setores mais conservadores da elite rural, mesmo porque ela compartilhava dos benefícios do sistema fundiário vigente. De qualquer forma, no Estado Novo, a União assumiu em parte o patrimônio de terras públicas, principalmente para fins de doações e concessões de grande porte, pondo fim ao período em que as oligarquias locais tiveram pleno domínio sobre os mecanismos de legitimação das imensas posses adquiridas ao longo da República Velha (idem).
Em 1934, foram aprovados o Código de Águas e o Código Florestal, que instituíam limites ao direito de propriedade da terra. Os dois códigos não estancaram a exploração intensiva desses recursos - nem era esse o seu objetivo -, mas foi o Código Florestal que forneceu a base legal para a criação dos primeiros PNs. Em 1964, já sob a ditadura militar, foi promulgado o Estatuto da Terra (Lei n. 4 504, de 30 de novembro de 1964). Concebido para servir como base legal para um vasto programa de reforma agrária - chegando a incluir exigências de uso racional dos recursos naturais como um requisito para a legitimidade da propriedade privada da terra -, ele não conseguiu alterar a situação fundiária e agrária do país (DRUMMOND, 1999).
O legado dessa longa cadeia de políticas fundiárias privatistas, baseadas no favoritismo e no patrimonialismo, foi uma sociedade na qual "apenas 1% dos proprietários rurais detém 44% das terras, enquanto 67% deles detêm apenas 6% das terras" (MOTTA, 2000). Dados do Censo Agropecuário de 1995 mostram que, no fim do século XX, ainda era grande a concentração fundiária no Brasil (Tabela 9). Seria difícil, portanto, esperar que as UCs em geral, e os PNs em particular, ao pressuporem um grau significativo de controle público sobre extensões de terras por vezes grandes, estivessem livres dos problemas fundiários que expressam esse legado.
VI. SUGESTÕES PARA A RESOLUÇÃO DE PENDÊNCIAS FUNDIÁRIAS DOS PARQUES NACIONAIS
Tendo em vista a tendência de os problemas fundiários dos PNs tornarem-se crônicos, refletir sobre soluções alternativas é mais do que relevante. Este é o objetivo principal desta seção. O processo de regularização das terras dos PNs ressente-se muito da falta de uma política do poder público que proponha e acompanhe as ações necessárias, normalmente complexas e de longa duração. Quando se fala em regularização fundiária, quase sempre se faz ligação direta com desapropriações, via aquisição de terras e pagamento por benfeitorias pelo poder público e a conseqüente inscrição dessas terras como patrimônio público. No entanto, a regularização fundiária é complexa e deve contemplar outros procedimentos, alguns alternativos à desapropriação, os quais dependem de trabalho administrativo árduo e de atenção continuada estratégica. Seguem-se vários exemplos de tais procedimentos, a maioria deles discutida detalhadamente em Rocha (2002). Destaque-se que todos as alternativas aqui discutidas são factíveis sem que haja necessidade de criação de novas leis.
Desde o período do Império, o governo brasileiro toma posse ou adquire regularmente terras para fins diversos (colonização, reforma agrária, proteção de mananciais, construção de portos, ferrovias e rodovias, obras públicas de vários tipos etc.). Por falta de controle e de administração criteriosa, a documentação pertinente perde-se e muitas vezes as terras adquiridas acabam utilizadas por terceiros para outros fins. Para evitar ou reverter essa perda do patrimônio público, os títulos das propriedades da União precisam ser meticulosamente pesquisados nos arquivos públicos. Isso significa que a pesquisa cartorial de títulos de terras públicas é um primeiro procedimento que pode favorecer a regularização fundiária de UCs. Trata-se de um procedimento lento e difícil, mas, dentro de uma política conseqüente de UCs, não é admissível que terras públicas abrangidas pelos PNs estejam sob posse de terceiros, nem que a titularidade pública perca-se por falta de acesso ou por insuficiência de documentação comprobatória.
Um segundo procedimento a adotar, igualmente dependente de pesquisa sistemática em cartórios, é a identificação e incorporação de terras devolutas. Terras devolutas são "espaços físicos que não se encontram registrados, ou se afastam do patrimônio das pessoas jurídicas públicas, administrativamente encaradas, todavia sem se incorporarem, a qualquer título, ao patrimônio de particulares" (SIDOU, 1995). A pertinência desse procedimento é inquestionável, já que, de acordo com a Constituição Federal, art. 20, II, as terras devolutas "indispensáveis à preservação ambiental" constituem bens da União. Podem e devem, portanto, ser identificadas e incorporadas aos PNs e outras UCs como terras públicas (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 2008). Essas terras geralmente são de difícil identificação, principalmente quando são pesquisadas num universo muito grande. Levantamentos fundiários localizados, em torno das UCs, quando bem feitos, no entanto, são capazes de identificá-las.
Esse procedimento afeta as desapropriações de terras particulares para fins de sua incorporação a PNs, que podem ser diretas ou indiretas. As primeiras assemelham-se a uma alienação compulsória. Compreendem uma fase declaratória, em que o poder público declara, por meio de lei ou decreto, que determinado imóvel é de utilidade pública, e outra fase executória, em que o expropriante e o expropriado entram em acordo sobre o preço da indenização. A indenização deve ser feita em dinheiro e deve ser prévia e justa. Não havendo acordo, segue-se para a fase judicial. Uma ação de desapropriação indireta, ao contrário, é aquela movida pelo particular que teve o seu imóvel apossado pelo poder público, em decorrência da criação da UC. Esse instrumento tem sido largamente usado por particulares cujas terras são incluídas em UCs. Uma atenção sistemática às terras devolutas nas regiões de abrangência dos PNs pode, assim, ajudar a sanar pendências fundiárias das UCs, pois gera argumentos para impugnar processos de desapropriação indireta.
Essa medida é fundamental, tendo em vista que, em muitos casos, as desapropriações de terras - para todos os fins, e não apenas para regularização de UCs - são objeto de grandes transações financeiras, envolvendo dispêndios de dinheiro público. Avaliações muitas vezes irreais são acatadas, dando margem ao que se chama de "indústria das desapropriações indiretas". A supervalorização das indenizações decorre de laudos periciais que inflacionam o valor das terras e/ou impõem "condenações acessórias", relativas a juros compensatórios, honorários de advogados, atualização monetária etc. (SCHWENCK JÚNIOR & AZEVEDO, 1998).
Outro problema torna mais complexo o procedimento da desapropriação, qual seja, a da grilagem de terras públicas, por meio da obtenção de documentos fraudulentos. Em certas situações, que infelizmente não são raras, principalmente em áreas de avanço acelerado da fronteira agropecuária, podem existir diversos títulos de propriedade referentes às mesmas parcelas de terra, dificultando sobremodo os procedimentos administrativos e judiciais de identificação dos "verdadeiros" donos, inclusive se o dono for o governo. A própria Constituição de 1988, em seu art. 225, § 5º; dispõe que "são indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais". A Lei do Snuc, tendo em vista este problema, determinou, em seu art. 43, que o "Poder Público fará o levantamento nacional das terras devolutas, com o objetivo de definir áreas destinadas à conservação da natureza, no prazo de cinco anos" (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 2008), determinação esta que não foi executada8 8 Destaque-se que o Ibama e o ICMBio são menos responsáveis do que vitimas do desordenamento fundiário e da generalizada falta de controle governamental sobre as terras públicas em muitas partes do país. Pode-se especular que se o Serviço de Patrimônio da União (SPU) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) cumprissem as suas missões a contento, as terras públicas eventualmente colocadas sob algum status de proteção ambiental seriam muito mais facilmente incorporadas às UCs pelo Ibama e pelo ICMBio. O mesmo coloca-se quanto à Fundação Nacional do Índio e aos diversos institutos estaduais de terras. .
Daí a importância de que se proceda também à pesquisa cartorial sobre títulos de terras particulares. Considerando a probabilidade (por vezes forte) de existirem documentos de propriedade particular juridicamente inconsistentes, é imprescindível que sejam verificados todos os títulos de terras sobrepostas e vizinhas aos PNs, por meio dos levantamentos das cadeias sucessórias e da averiguação do cumprimento dos princípios que regem a transmissão das propriedades, até a sua origem. Títulos dúbios ou suspeitos devem ser conferidos administrativamente e contestados judicialmente pelo órgão gestor de UCs, o que significa abrir toda uma outra linha de trabalho, complementar à pesquisa de terras públicas ou devolutas. Estes procedimentos tendem a ser demorados, mas podem contribuir significativamente para resolver pendências.
Um terceiro procedimento capaz de ajudar na consolidação fundiária das UCs é que o órgão gestor desenvolva uma ação sistemática e decidida na localização e incorporação de terras abandonadas. Trata-se de terras sobre as quais o proprietário deixa de satisfazer os ônus fiscais, cessados os atos de posse (Lei n. 10 406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Novo Código Civil, art. 1 276). O imóvel é arrecadado como bem vago e, no prazo de três anos, passa à propriedade do Município ou do Distrito Federal, em caso de imóvel urbano, ou à propriedade da União, em caso de imóvel rural9 9 É relevante mencionar a falta de respaldo legal para uma solução por vezes defendida pelos defensores e até por gestores de UCs. Trata-se da proposta de que terras usadas para atividades ilegais - em particular, o cultivo e o processamento de drogas - sejam confiscadas e transferidas para UCs eventualmente existentes nas suas proximidades. . Haverá casos em que tais terras sejam de interesse para as políticas de conservação e sejam eventualmente incorporadas a UCs, em geral, e a PNs, em particular.
Os chamados "terrenos de marinha" e as "terras situadas em cursos baixos de rios" também devem ser considerados para incorporação ao patrimônio público. O Decreto-Lei n. 9 760, de 5 de setembro de 1946, inclui entre os bens da União os terrenos de marinha e os seus acrescidos. De acordo com este decreto, os terrenos de marinha são aqueles situados no fundo dos litorais marítimos, até uma distância de 33 metros, medidos horizontalmente a partir da posição da linha de preamar média de 1831. Neles estão incluídos também os terrenos situados no continente, nas costas marítimas e nas margens dos rios e lagoas e os que contornam as ilhas, até onde se faça sentir a influência das marés. Os terrenos acrescidos de marinha são aqueles que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha. Afirma Machado (2003) que, em tempos coloniais, a reserva dos terrenos de Marinha tinha como objetivo garantir a defesa militar do litoral e zonas adjacentes. Essa diretriz continua a valer, mas com o objetivo de manter o livre acesso ao mar e proteger o meio ambiente litorâneo. Conforme Leivas (1977, p. 54), o citado Decreto-Lei e os regulamentos conexos ao patrimônio da União constituem "formidável arma de que dispõe o Conservacionismo no Brasil, se souber usá-la". Assim, a limitação legal à propriedade particular de terrenos de marinha favorece a consolidação fundiária das UCs que as contêm.
Somente depois de esgotadas essas alternativas é que cabe dar início aos procedimentos para a desapropriação de terras em UCs. Uma consideração fundamental a respeito disso é que a alegação de que inexistam recursos não pode mais ser citada como obstáculo à regularização fundiária de UCs. A própria Lei do Snuc, art. 36, cria o instrumento da compensação ambiental e determina que os seus recursos sejam usados para a regularização fundiária das UCs (entre outras finalidades). De acordo com esse artigo, nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, o empreendedor é obrigado, a título de compensação, a apoiar a implantação e a manutenção de UCs do grupo de proteção integral. O valor da compensação será definido pelo órgão ambiental licenciador, caso a caso, de acordo com a sua avaliação sobre o grau de impacto do empreendimento. Esses recursos podem ser usados para diversos fins, entre os quais a consolidação de UCs, por meio da aquisição de terras desapropriadas10 10 Em abril de 2008, o Supremo Tribunal Federal julgou parcialmente procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3 378, proposta pela Confederação Nacional da Indústria contra o art. 36 da Lei do Snuc. Foram julgadas inconstitucionais as expressões "não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos na implantação de empreendimento" e "o percentual", contidas no § 1º do referido artigo. Assim, a lei deixou de definir um percentual mínimo para a compensação, como constava de sua redação original. A compensação continua a ser obrigatória, mas o seu valor passou a ser definido caso a caso. . Adicionalmente, o art. 33, I, do Decreto n. 4 340, de 22 de agosto de 2002, que regulamenta a Lei do Snuc, determinou que os recursos da compensação ambiental sejam aplicados prioritariamente na regularização fundiária e na demarcação de terras de UCs.
A Lei do Snuc prevê ainda outras fontes de recursos, como os provenientes de pagamentos pela exploração comercial da exploração da imagem de UC (art. 33), bem como os oriundos de contribuição financeira prestada por órgão ou empresa, público ou privado, responsável pelo abastecimento de água, pela geração e distribuição de energia elétrica ou que faça uso de recursos hídricos da UC e que seja beneficiário da proteção por ela proporcionada (arts. 47 e 48). Cabe aos órgãos ambientais, portanto, lançar mão desses instrumentos e aplicar os recursos por eles gerados na regularização fundiária dos PNs e demais UCs de domínio e posse públicos.
A Lei do Snuc (art. 34) possibilita ainda aos órgãos responsáveis pela administração das UCs o recebimento de "recursos ou doações de qualquer natureza, nacionais ou internacionais, com ou sem encargos, provenientes de organizações privadas ou públicas ou de pessoas físicas que desejarem colaborar com a sua conservação". Esse dispositivo abre um leque de alternativas, como as negociações para que terras de interesse para UCs sejam compradas por entidades civis comprometidas com a questão ambiental e depois doadas ao ICMBio. Tendo em vista a crescente sensibilidade ambiental da população em geral, o que inclui a atenção dada à proteção da biodiversidade e aos impactos do aquecimento global, aumenta o interesse de empresas e organizações de vincular a sua imagem à conservação da natureza. Assim, ONGs ambientalistas podem e devem se aproximar delas em busca dos recursos destinados a viabilizar a aquisição de terras disputadas em UCs e no seu entorno. É imprescindível, no entanto, que as terras em questão tenham sido cuidadosamente selecionadas a partir dos estudos de titularidade e de cadeia de dominialidade, feitos sob responsabilidade do órgão gestor, a fim de que esses recursos não sejam gastos em propriedades que mais tarde gerarão novas pendências ou processos.
Finalmente, há casos que podem ser resolvidos diretamente com os proprietários rurais, por meio da compensação da reserva legal, prevista na Lei n. 4 771/1965, do Código Florestal. A reserva legal é "a área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas" (art. 1°, § 2°). O proprietário que não tem reserva legal é obrigado a recuperá-la, por meio de recomposição, condução da regeneração natural ou compensação em outra área. Entretanto, ele pode ser desonerado dessa obrigação, se doar área localizada no interior de UC de domínio público pendente de regularização fundiária, desde que a UC situe-se em área equivalente em importância ecológica e extensão, pertença ao mesmo ecossistema e esteja localizada na mesma microbacia (art. 44, § 6º). Portanto, cumpre aos órgãos gestores de UCs promover o levantamento das propriedades rurais externas à UC, mas situadas nas microbacias por ela abrangidas, cadastrar os imóveis desguarnecidos de reserva legal e propor aos proprietários a regularização de suas pendências ambientais por meio da compra e doação de terras no interior das UCs11 11 Não é inédito que particulares doem aos órgãos gestores partes de suas propriedades incluídas em PNs ou outras unidades. Um caso documentado ocorreu quando da criação do PN Serra dos Órgãos (RJ), em 1939 -informação colhida por Leonardo Rocha em arquivos administrativos do parque (cf. ROCHA, 2002). .
VII. CONCLUSÕES
A questão fundiária dos PNs brasileiros é grave. Ela precisa ser enfrentada de forma sistemática, por mais irresolúvel que a questão apresente-se em muitas partes do território brasileiro. Os problemas que envolvem a matéria tendem a se avolumar e a gerar grandes prejuízos para as UCs. A manutenção de propriedades privadas no interior dos PNs sem dúvida compromete os seus objetivos de manejo. Além disso, a situação prejudica a atividade produtiva das populações residentes em PNs ou nas suas vizinhanças, em função da instabilidade gerada.
Criar um PN implica, por definição, restringir seriamente o rol de atividades produtivas possíveis de serem desenvolvidas em uma área. Um PN exclui toda e qualquer atividade produtiva no seu interior e limita atividades produtivas no seu entorno. A possível exceção é o ecoturismo ou o turismo de natureza, quando praticado em regime de concessão e em conformidade com o plano de manejo da unidade. Portanto, a falta de regularização fundiária fragiliza também os produtores, proprietários e residentes locais. Nos muitos casos em que eles não foram indenizados, ficaram praticamente impossibilitados de explorar economicamente a terra e os demais recursos. Por outro lado, a não-resolução do problema fundiário muitas vezes termina por trazer sérios problemas para a conservação da área, pois proprietários não-indenizados tendem a descontar o valor dos recursos naturais que motivaram a criação do PN e passam a explorá-los de forma desregrada.
O poder público precisa, portanto, implementar, com seriedade e prioridade, uma espécie de abrangente "Programa de Regularização Fundiária de UCs", de longo prazo, com metodologia definida, etapas plurianuais, metas quantitativas claras e esquemas de consolidação, monitoramento e ajuste. Os procedimentos aqui indicados - e outros a serem definidos e avaliados - devem ser adotados seletivamente, de acordo com cada caso a resolver. A eficácia de cada um deve ser objeto de atenção cuidadosa, a fim de evitar desperdício e duplicação de esforços e recursos.
Sabemos que as soluções propostas não geram efeitos de curto prazo, devido à complexidade dos procedimentos envolvidos, da exigência de pessoal especializado, do volume de informações exigidas e da quantidade de variáveis presentes na discussão e na tomada de decisão. Elas só serão viabilizadas e alcançadas a partir de trabalho contínuo e persistente, que não foi realizado nos longos anos de existência da política de UCs. É fundamental, portanto, que o poder público assuma posição ativa na questão, conferindo-lhe alto grau de prioridade.
De toda forma, a conservação da biodiversidade vai muito além da criação de UCs de qualquer modalidade. Diferentes setores do poder público e da sociedade civil devem investir também em ações de fiscalização, formação de corredores ecológicos entre UCs de proteção integral e de uso sustentável, educação ambiental e implantação de instrumentos econômicos de gestão ambiental, que induzam proprietários particulares de terras a adotar práticas compatíveis com a conservação da natureza.
Recebido em 2 de setembro de 2008.
Aprovado em 7 de janeiro de 2009.
ILeonardo G. M. da Rocha (leonardo.rocha@icmbio.gov.br) é Mestre em Ciência Ambiental pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e Analista Ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
IIJosé Augusto Drummond (jaldrummond@uol.com.br) é Doutor em Land Resources pela University of Wisconsin (Madison, Estados Unidos) e Professor na Universidade de Brasília (UnB).
IIIRoseli Senna Ganem (roseli.ganem@camara.gov.br) é Doutora em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB) e Consultora Legislativa da Câmara dos Deputados, na área de meio ambiente.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
26 Out 2010 -
Data do Fascículo
Jun 2010
Histórico
-
Recebido
02 Set 2008 -
Aceito
07 Jan 2009