Resumos
Trata da circulação da ciência psiquiátrica alemã no Brasil no início do século XX. Especificamente, discorre sobre a apropriação de teorias e práticas de Emil Kraepelin, tanto por Juliano Moreira, diretor do Hospício Nacional de Alienados e da Assistência a Alienados do Distrito Federal (Rio de Janeiro), quanto pelo grupo de médicos que ele aglutinou em torno de si, entre 1903 e 1933. Discute os modos pelos quais Kraepelin foi acionado, levando em consideração o repertório médico-mental existente no período, o contexto político e científico e as controvérsias internas ao campo psiquiátrico nacional. Finalmente, busca analisar tais escolhas a partir das relações que se estabeleceram entre a psiquiatria do Brasil e da Alemanha no período.
história; psiquiatria; Emil Kraepelin (1856-1926); Brasil; Alemanha
The article addresses the penetration of German psychiatric science in early twentieth-century Brazil. More specifically, it explores how the theory and practices of Emil Kraepelin were absorbed by both Juliano Moreira, director of the National Hospital for the Insane (Hospício Nacional de Alienados) and of the agency for Assistance to the Insane (Assistência a Alienados) in the Federal District (Rio de Janeiro), and also by the circle of physicians with close ties to Moreira from 1903 to 1933. It discusses the ways in which Kraepelin's work was adopted, taking into account the day's medical-mental repertoire, the political and scientific context, and the controversies within the Brazilian psychiatric field. Lastly, the study analyzes these choices based on the prevailing relations between Brazilian and German psychiatry back then.
history; psychiatry; Emil Kraepelin (1856-1926); Brazil; Germany
DOSSIÊ BRASIL-ALEMANHA: RELAÇÕES MÉDICO-CIENTÍFICAS
Emil Kraepelin na ciência psiquiátrica do Rio de Janeiro, 1903-1933
Emil Kraepelin and psychiatric science in Rio de Janeiro, 1903-1933
Cristiana FacchinettiI; Pedro Felipe Neves de MuñozII
IPesquisadora do Departamento de Pesquisa e professora do Programa de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde (PPGHCS) da Casa de Oswaldo Cruz (COC)/ Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Av. Brasil, 4365, sala 404, 21040-900 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil. cfac@coc.fiocruz.br
IIDoutorando do PPGHCS da COC/Fiocruz. Av. Brasil, 4365, sala 404, 21040-900 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil. pedrodemunoz@hotmail.com
RESUMO
Trata da circulação da ciência psiquiátrica alemã no Brasil no início do século XX. Especificamente, discorre sobre a apropriação de teorias e práticas de Emil Kraepelin, tanto por Juliano Moreira, diretor do Hospício Nacional de Alienados e da Assistência a Alienados do Distrito Federal (Rio de Janeiro), quanto pelo grupo de médicos que ele aglutinou em torno de si, entre 1903 e 1933. Discute os modos pelos quais Kraepelin foi acionado, levando em consideração o repertório médico-mental existente no período, o contexto político e científico e as controvérsias internas ao campo psiquiátrico nacional. Finalmente, busca analisar tais escolhas a partir das relações que se estabeleceram entre a psiquiatria do Brasil e da Alemanha no período.
Palavras-chave: história; psiquiatria; Emil Kraepelin (1856-1926); Brasil; Alemanha.
ABSTRACT
The article addresses the penetration of German psychiatric science in early twentieth-century Brazil. More specifically, it explores how the theory and practices of Emil Kraepelin were absorbed by both Juliano Moreira, director of the National Hospital for the Insane (Hospício Nacional de Alienados) and of the agency for Assistance to the Insane (Assistência a Alienados) in the Federal District (Rio de Janeiro), and also by the circle of physicians with close ties to Moreira from 1903 to 1933. It discusses the ways in which Kraepelin's work was adopted, taking into account the day's medical-mental repertoire, the political and scientific context, and the controversies within the Brazilian psychiatric field. Lastly, the study analyzes these choices based on the prevailing relations between Brazilian and German psychiatry back then.
Keywords: history; psychiatry; Emil Kraepelin (1856-1926); Brazil; Germany.
O presente trabalho faz parte de investigações em andamento sobre as relações médico-científicas e intelectuais entre Brasil e Alemanha, no âmbito da medicina mental das primeiras décadas do século XX.1 Neste artigo centralizamos a discussão na apropriação das teorias e metodologias científicas do psiquiatra alemão Emil Kraepelin (1856-1926) e no desenvolvimento das relações Brasil-Alemanha fomentadas pelo doutor Juliano Moreira (1873-1933), diretor do Hospício Nacional de Alienados entre 1903 e 1930, e diretor da Assistência a Alienados (Brasil, 1912, p.64). Diversos estudos já indicaram o papel central de Moreira na recepção de Kraepelin em nosso país desde o período em que era professor na Universidade da Bahia (1896-1902) (Passos, 1975; Venancio, 2005).2 Existem, contudo, lacunas e silêncios deixados pela historiografia que nos suscitaram as questões aqui abordadas.
Segundo Anne-Emanuelle Birn (2006, p.676), mesmo os estudos mais recentes e importantes na área da história da medicina permanecem "circunscritos aos limites das culturas nacionais (ou do nacionalismo cultural), das tradições, das políticas e do contexto social", pouco explorando o papel das "influências e dos desenvolvimentos internacionais nas histórias nacionais da saúde pública".
Já Roelcke, Weindling e Westwood (2010, p.2-3), ao tratar do processo de internacionalização da psiquiatria, sugerem que as transferências internacionais de saberes não configuram operações neutras. Assim, conceitos e práticas seriam adquiridos em um país por razões particulares, sendo sua seleção determinada por propostas específicas, com o objetivo de impulsionar estratégias individuais e de grupos, de expandir novas esferas de competências ou de facilitar a aplicação de novas práticas e tecnologias.
No caso do Brasil, foi principalmente após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) que a apropriação de Kraepelin se ampliou em meio à psiquiatria local, o que também parece ter sido o caso da Inglaterra e dos Estados Unidos (Roelcke, Weindling, Westwood, 2010, p.4). Apoiados nesses autores, que chamam atenção para a diversidade das apropriações frente aos diferentes contextos, é que buscaremos tornar mais complexa a circulação da psiquiatria alemã e de Kraepelin no Brasil.
Para tanto, situamos nossa abordagem da história da psiquiatria no campo de história intelectual, na interface da história das ciências.3 Fundamentamos também nossa leitura na nova história política, estabelecendo diálogo com Sirinelli (2003), para quem os intelectuais são atores políticos. Com o apoio deste último autor, guiaremos nossa análise a partir de três conceitos: itinerário, sociabilidade e geração.4
O artigo inicia pela apresentação dos paradigmas que norteavam a medicina mental internacional no final do século XIX e das mudanças que a aproximaram das teorias alemãs; discute a seguir essa influência junto ao alienismo local. Discorre então acerca do predomínio do alienismo francês no Brasil, bem como sobre seu posicionamento teórico no que diz respeito à poligenia e à degeneração. Nesse item, apresenta também as visões deterministas hegemônicas acerca da nação brasileira no fim do século XIX, apoiadas que eram no debate sobre o racialismo, a miscigenação e o clima como fatores impeditivos ao desenvolvimento da civilização.
Em seguida, o foco recai sobre a influência das novas ideias alemãs na nascente psiquiatria, bem como o papel do projeto de modernização da cidade do Rio de Janeiro, no governo Rodrigues Alves e suas repercussões no campo médico geral. Em seguida, trata da entrada de Juliano Moreira na direção do Hospício Nacional e as descontinuidades e continuidades por ele empreendidas junto ao asilo e à Assistência a Alienados.
Por fim, discute a circulação de Kraepelin no Brasil no processo de internacionalização da medicina, nas primeiras décadas do século XX e seu impacto para o conhecimento e as práticas psiquiátricas locais.
Civilização impossível? Miscigenação, degeneração e os debates sobre a nação no século XIX
Segundo Ortiz (1985, p.16), foi ao longo do século XIX que "meio e raça se constituíram em categorias do conhecimento" fundamentais para a interpretação "da realidade brasileira". Segundo a visão dos intelectuais do período, as marcas do clima tropical repercutiam no campo físico e mental da população local, conformando um povo irracional e impulsivo, resistente à disciplina e aos efeitos da civilização e da inteligência (Schwarcz, 2009). Assim, o presente e o futuro da República estavam indelevelmente marcados pela miscigenação e, por conseguinte, pensavam, pela degeneração (Oda, 2009).
Como, porém, a degenerescência era constituída? Retomemos as principais ideias e concepções que circulavam no Brasil no período. Até meados do século XIX, o termo degeneração era de uso corrente entre os naturalistas, como Buffon e Linné, sem conotação patológica alguma (Carrara, 1998, p.82). Apenas a partir da publicação do Traité des dégénérescences physiques, intelectuelles et morales de l´espèce humaine et des causes qui produisent ces variétés maladives (Tratado das degenerescências na espécie humana, 1857), de Bénédict Augustin Morel (2008)5, é que as degenerescências passaram a ser definidas como degradação originária da natureza humana. Seriam um desvio doentio, uma degradação da raça humana primitiva perfeita, criada por Deus, tal como indicado pelo "Gênesis" bíblico, que seria transmis-sível hereditariamente.6 Assim, Morel partia do dogma do criacionismo, do pecado original e também do transformismo, para conceber sua teoria acerca da evolução (Coffin, 2003).
Para o autor, a degenerescência de espécie humana seria um desvio que por mais "simples que fosse em sua origem", trazia "elementos de transmissibilidade de tal natureza" que incapacitaria os indivíduos e seus descendentes "de cumprir sua função na humanidade" (Morel, 2008, p.500). A transmissão de taras, vícios e traços físicos e morais provocaria uma completa mudança na natureza da linhagem das gerações futuras, podendo produzir até mesmo a esterilidade (Coffin, 2003, p.26).7 O equilíbrio da espécie humana, sua regeneração divina, só se cumpria, portanto, pela extinção da raça degenerada. Tampouco a medicina seria capaz de intervir no desvio já instalado, de modo que o trabalho médico-científico se deveria voltar para impedi-lo.8
Tal concepção levou o autor a propor uma prática médica centrada na profilaxia, de modo a proteger a sociedade contra seus inevitáveis 'detritos'. Para tanto, articulou um conjunto de práticas de controle social visando à promoção da saúde da população e ao esclarecimento das instituições políticas e administrativas, que não deveriam ficar restritas apenas ao campo da especialidade psiquiátrica, mas, igualmente, abarcar o campo da saúde e da higiene públicas.
Valentin Magnan9 foi outro alienista francês cuja teoria da degeneração teve grandes adeptos no Brasil. Segundo Serpa Jr. (2010), Magnan definia a degenerescência como um estado patológico de diminuição da resistência psicofísica do indivíduo e de sua impotência (parcial ou completa) nas condições biológicas de luta hereditária pela vida. Essa diminuição, que se traduziria por estigmas permanentes, era por ele considerada progressiva, e culminaria na aniquilação da espécie (Magnan, Legrain, citados em Serpa Jr., 2010).
No caso de Magnan, vale ainda destacar outra característica definidora da condição do degenerado. Trata-se do 'desequilíbrio' (Serpa Jr., 2010). Partindo da concepção poligenista da origem das raças10 (e, nesse sentido, opondo-se à perspectiva monogenista moreliana), Magnan acreditava que a mistura racial criaria um desequilíbrio que resultaria em desarmonia e degradação, haja vista a diferença evolutiva de cada uma.11 Assim como outros poligenistas, Magnan defendia a ideia de que os mestiços simbolizavam a diferença fundamental entre as raças e personificavam a degeneração. Os degenerados seriam seres anormais, com distorção mecânico-cerebral, o que resultaria na destruição irredutível do equilíbrio de todas as suas funções cerebrais (Magnan, Legrain, citados em Serpa Jr., 2010).
Diferente de Morel, Magnan construiu uma concepção fisiológica da loucura, não dando lugar à metafísica e ao criacionismo. A loucura compreenderia formas patológicas, sob concepção neurofisiológica das degenerescências. Assim, a degenerescência seria uma doença evolutiva (Coffin, 2003, p.136), em que os desviantes estariam condenados, assim como seus descendentes, até a extinção da linhagem (Pereira, 2008).
Morel e Magnan foram autores que circularam em grande escala no meio psiquiátrico local.12 O debate acerca de raça, miscigenação e clima, no final do século XIX, incrementou ainda mais a atmosfera de condenação e pessimismo advinda de autores como Artur Gobineau, Louis Agassiz e Gustave Aimard, entre tantos outros que denunciavam a inviabilidade da nação brasileira, pela qualidade de seu povo (Ramos, Maio, 2010, p.31-32). Condenada por essas teorias então hegemônicas, a elite intelectual local começou a empenhar-se em busca de novos apoios teóricos como solução para viabilizar a nação e a regeneração.
Uma das primeiras respostas foi produzida por Sílvio Romero.13 Em consonância com as teorias raciais europeias, Romero duvidava da existência de raças puras, seja no Brasil ou na Europa. Em sua opinião, a miscigenação seria fato definitivo e mesmo "os brancos puros e negros puros que existem no país, e ainda não estão mesclados pelo sangue, já estão mestiçados pelas ideias e costumes, e o estudo dos hábitos populares e da língua fornece a prova dessa verdade" (Romero, citado em Ramos, Maio, 2010, p.36-37).
Foi nessa ressignificação que Sílvio Romero encontrou a chave argumentativa para defender a viabilidade da nação brasileira; de acordo com o autor, ela agiria a serviço da regeneração. Isso porque, tomando por base a superioridade da raça branca, Romero considerava a miscigenação um "processo físico e cultural orientado para a produção do mestiço superior" (Romero, citado em Ramos, Maio, 2010, p.38). Aí se baseava sua teoria do branqueamento, ao supor que "a raça branca é dominante, na mistura ela prevaleceria, produzindo um povo brasileiro progressivamente mais branco".
Tomando como ponto de partida a superioridade branca, diversos autores passaram, como Romero, a apostar que a miscigenação e seu desequilíbrio eram transitórios e que o progressivo branqueamento do Brasil seria uma saída favorável para permitir o processo de modernização e normalização da sociedade. Para alavancar o processo, um programa intenso de imigração foi pensado (Venancio, Facchinetti, 2005).
O risco, porém, de que, após seriamente degenerado, o indivíduo não fosse mais passível de recuperação, como Magnan sugeria, mantinha grande parte da elite local cética quanto à viabilidade de uma moderna República brasileira, apesar de a teoria do branqueamento ter agregado grandes adeptos no meio político, científico e intelectual, desde o final do século XIX até a Primeira República (Schwarcz, 1993).
Ainda na virada para o século XX, Nina Rodrigues proferiu duras críticas à teoria do branqueamento e a Sílvio Romero, demonstrando grande pessimismo em relação à miscigenação. Ele acreditava que as exigências sociais fariam eclodir o lado bárbaro e selvagem da população miscigenada, mal reprimido por regras inconciliáveis com seu nível mental (Oda, 2000). Apoiado na teoria da degeneração poligenista de Magnan14 (Schwarcz, 2009), afirmava que o país só poderia ser regenerado pelo impedimento à miscigenação, o que lhe parecia inviável. Para ele, éramos uma nação de degenerados, primitivos e desequilibrados o que só pioraria devido à modernização e às novas demandas civilizatórias.
Em suma, Nina Rodrigues se contrapôs à teoria do branqueamento e também a uma série de outras concepções universalistas e vinculadas ao espiritualismo e ao livre-arbítrio, ao associar a degeneração a uma desigualdade antropológica (física) e sociológica (Schwarcz, 2009).
A virada: novas ideias, novas interpretações acerca da nação no Brasil republicano
O início do século XX encontrou a República brasileira em ritmo acelerado de urbanização e pressionada pelas teses europeias sobre os males da civilização frente à população local, considerada incapacitada biológica e psiquicamente (Dalgalarrondo, 1996). Para alguns, a regeneração do Brasil continuava a estar na modificação do padrão racial e na aculturação da população ao modelo ocidental. As descobertas de Pasteur, entretanto, deram nova direção ao 'problema nacional', dessa vez por meio da implementação de políticas sociais, com ênfase na saúde pública e na educação (Lima, Hochman, 1996). Nessa nova versão do problema nacional, a resposta estaria no apoio do Estado e no trabalho de laboratório e da ciência experimental.
Assim, os conhecimentos médico-higienistas sobre a saúde dos brasileiros e condições sanitárias deixavam de responsabilizar a população degenerada, para cobrar das elites políticas ações de saúde e educação. Redimir o país seria saneá-lo, higienizá-lo.15 Partindo dessa concepção, a intelligentsia nacional passou a investir em campanhas de saneamento, especialmente no interior, nos sertões e no meio rural (Lima, Hochman, 1996, p.24). Nesse novo discurso, tomou forma o argumento de que todos poderiam contrair doenças, posto que não respeitavam raça ou condição social. A própria ideia de raça foi modificada em seu conteúdo, passando a significar, como afirma Nancy Stepan (2004, p.368-369), a "nossa raça" ou a "raça brasileira".
A mudança na forma de ver o país teve um rebatimento no próprio perfil dos intelectuais brasileiros, que passavam do 'erudito' e 'bacharelesco' para identificar-se com o papel do especialista (Sá, 2006). Nesse contexto, uma nova identidade profissional, "de médicos especializados em saúde pública, empregados do governo, com cursos de especialização e orga-nização profissional distinta dos demais médicos" se constituiu (Lima, Hochman, 1996). Por sua vez, esse decurso teve impactos na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (FMRJ).
Como mostram Ferreira, Fonseca e Edler (2008, p.67), ainda no século XIX a Faculdade de Medicina havia passado por algumas reformas que modificaram sua estrutura e seu funcionamento, com alterações no modelo de ensino e no perfil pedagógico. As reformas foram responsáveis pelo aumento da liberdade de ensino e pelo ensino prático nas disciplinas médicas, combinando o ideal universalista da medicina experimental com programa voltado para o estudo de nosologias e terapêuticas nacionais, sob a base da noção de progresso e de lei científica.16 Esse foi igualmente o momento de constituição de novas especialidades médicas e da ampliação de áreas temáticas de investigação disciplinar (p.72-74), sob a inspiração do modelo germânico (Edler, 1996, p.284-285).17 No caso da psiquiatria, esse movimento foi central para a "criação da Cadeira de Clínica Psiquiátrica e Moléstias Mentais", associada à prática em uma instituição asilar, no Hospício de Pedro II (Magalhães, 1932).
Com a chegada da República, a FMRJ sofreu novas reformas. Segundo Fernando Magalhães (1932, p.123-198)18, elas buscavam restaurar e reforçar a autonomia didática, bem como ampliar o número de cadeiras existentes. Apesar de o modelo de ensino escolhido reservar apenas o sexto ano do curso para o estudo das especialidades - a exemplo da cadeira de clínica psiquiátrica - , a perda de espaço do ensino francês para o modelo alemão foi considerável (p.161-166).
Foi nesse ambiente que Oswaldo Cruz ganhou notoriedade e que se instituiu o movimento pelo saneamento do Brasil. Foi também o momento em que a psiquiatria conseguiu consolidar-se como especialidade médica em diálogo com a medicina social e a ciência experimental, incorporando, através do sistema de assistência pública, um espaço que extrapolou cada vez mais os muros do hospício, em diálogo com o movimento de saneamento e higiene da população (Engel, 2001).
Reforma Passos e o movimento sanitarista de Oswaldo Cruz
No início do século XX, a capital da República sofria uma série de problemas de infraestrutura, bem como aqueles relacionados aos hábitos da população e à ocupação desordenada do espaço físico na região central (Benchimol, 1990).19 Como observa Nicolau Sevcenko (citado em Neves, 2010, p.295-296), viver na capital da República brasileira naqueles tempos era também viver em meio aos constantes sobressaltos da vida política do país e do cotidiano da cidade, que a imprensa da época não cessava de atribuir à 'desordem' a ser combatida por todos os meios. As epidemias eram constantes, e a cidade, considerada pestilenta, com um porto atrasado. Por causa disso, em 1903, o presidente da República, Rodrigues Alves20, incumbiu o engenheiro Francisco Pereira Passos21, prefeito do Rio de Janeiro, da tarefa de 'regeneração' da cidade, conhecida popularmente como bota-abaixo, devido ao grande número de demolições que exigiu (Chalhoub, 2004).
A Reforma Passos, que almejava civilizar o Rio de Janeiro - Capital Federal e importante porta de entrada do país, seguiu os padrões higiênicos da medicina social para esquadrinhar a cidade. Os médicos consideravam os cortiços e os costumes de sua população empecilho para a ordem e o progresso da cidade. Visando reprimi-los, organizou-se um período de forte ação da polícia contra atividades consideradas promíscuas, como a vagabundagem e o ócio (Benchimol, 1990).
Pereira Passos havia sido testemunha ocular da Reforma Haussmann22, além de ter frequentado diversos cursos na Sorbonne e no Collège de France entre 1857 e 1860 (Benchimol, 1990). Seguindo aquele modelo, a reforma por ele implementada teve como primeiro objetivo a construção da inicialmente denominada avenida Central - hoje, Rio Branco. Essa avenida constituiu um largo canal para a livre circulação do ar e das pessoas, o que gerou o desafogamento da cidade velha. Além disso, serviu como estímulo para a formação de outras vias semelhantes, que transformaram completamente o aspecto e as condições higiênicas do Centro - ponto nodal do projeto.23
O porto da cidade foi outro alvo de intervenção pública, completamente expandido e reformado, recebendo nova iluminação - o que permitiu melhoramento na entrada e na circulação de mercadorias. A avenida do Cais foi concebida também como um instrumento de 'polícia' sanitária e militar, tendo em vista que era considera, pelas autoridades públicas, uma das mais perigosas do Rio.
O plano de remodelação destinado a transformar a capital em uma cidade moderna e higiênica (Benchimol, 1990, p.236) contou também com projeto de saneamento e higienização capitaneado pelo novo presidente da Direção Geral de Saúde Pública (DGSP), Oswaldo Cruz.24 O médico, que havia estudado no Instituto Pasteur da França, tinha grande identificação com os campos da higiene e da microbiologia, sob influência dos trabalhos de Louis Pasteur (1822-1895) e do médico alemão Robert Koch (1843-1910). Além disso, de volta ao Brasil, Cruz havia ingressado no grupo germanista de estudo da bacteriologia alemã, em finais do século XIX (Azevedo, 2010, p.50-51).
O referencial da medicina experimental e laboratorial permitiu a Oswaldo Cruz compreender que diversas doenças, outrora tidas como miasmáticas ou advindas da degeneração racial, eram transmitidas por gérmens e agentes microscópicos (Worboys, 2000). Foi a partir desse referencial que Oswaldo Cruz passou a combater as doenças e as epidemias que assolavam o Distrito Federal (Azevedo, 2010).
Em todo o mundo, contudo, os novos bacteriologistas encontraram resistências para pôr em prática seus conhecimentos e sua práxis, em meio a seus pares ou à população (Cunningham, 1992); no Brasil, Oswaldo Cruz não encontrou cenário muito diferente. Apesar do sucesso de suas primeiras campanhas contra da peste bubônica, recebeu críticas a seu trabalho de combate à febre amarela. Com a lei de vacinação obrigatória contra a varíola, Cruz vivenciou a eclosão de um grande movimento popular contrário a sua intervenção (Chalhoub, 2004). O sucesso das campanhas que liderara entre 1902 e 1917 acabou por conferir, posteriormente, grande status às ciências sanitárias e ao referencial microbiológico no país (Stepan, 2004, p.337-338).
Do alienismo à psiquiatria: novas soluções para mesmos obstáculos
Vimos que o debate brasileiro acerca da degeneração apresentou contornos particulares na construção da nação, envolvendo questões político-econômicas, bem como científicas, sociais e de raça. A intelligentsia brasileira, ao buscar transformar a identidade nacional e a posição subalterna do país no cenário internacional, opôs-se a algumas ideias e teorias produzidas pelas elites dos países centrais, das quais, entretanto, não podiam discordar totalmente, pois delas emanava, em larga medida, seu prestígio na sociedade brasileira (Carrara, 2004, p.431).
Assim, na virada para o século XX, os maiores nomes do campo da medicina mental brasileira25 se referendavam, para seus diagnósticos, nas escolas francesa e italiana, de grande autoridade em todo o mundo. Em consequência, aqui como na Europa, os médicos mentais usavam largamente o conceito de degeneração (Carrara, 1998). A concepção do que era degeneração, bem como os referenciais estrangeiros com os quais os médicos brasileiros passaram a dialogar ao longo do século XX foram-se, contudo, transformando, à medida do progressivo fortalecimento do instrumental da ciência e da psiquiatria alemã, em consonância com o movimento que ocorreu na medicina geral.
Para entender esse processo, devemos lembrar que, no início do século XX, a psiquiatria passava também por reformas, de especialização e de busca de reconhecimento. Nesse percurso foi fundamental a aprovação, em 1903, do decreto que reorganizava a Assistência a Alienados (Brasil, 22 dez. 1903). Essa reforma alterou, de forma significativa, a prática dos psiquiatras e a rotina hospitalar do hospício. Entre as mudanças mais importantes, destacamos o artigo XIII, que exigia a presença de alienistas formados em medicina na direção de qualquer estabelecimento psiquiátrico, asilo ou casa de saúde que fosse destinado ao tratamento dos alienados.
Também em 1903, Juliano Moreira foi nomeado diretor do Hospício Nacional de Alienados, por intermédio de Afrânio Peixoto (1876-1947)26 e de José Joaquim Seabra (1855-1942) - ministro da Justiça e Negócios Interiores durante o governo Rodrigues Alves. Moreira tomou posse em março de 1903 e, meses depois, pôde reorganizar a Assistência a Alienados com o apoio da aprovação do decreto n.1.132, e de seu regulamento, de 1o de fevereiro de 1904, através do decreto n.5.125 (Brasil, 1904), fruto da dedicação de médicos como o doutor João Carlos Teixeira Brandão (como deputado federal no período), no que se refere ao processo de elaboração e aprovação no congresso (Paula, 2011, p.115).
Como grande propagador da "benéfica influência exercida pelas 20 clínicas alemãs sobre o estudo das doenças mentais" (Moreira, 1910, p.376) e epicentro da articulação entre diversos psiquiatras no Brasil e médicos de língua alemã é que Juliano estabeleceu as reformas na assistência, criou colônias de alienados, fez reformas estruturais no Hospício Nacional e expandiu a psiquiatria alemã em solo brasileiro. Em consequência, ao longo de sua administração (1903-1930), a estrutura física da instituição foi modernizada por meio de instalações e equipamentos médico-laboratoriais que seguiam os padrões propostos por Kraepelin em sua Clínica de Munique. Assim, criou novas seções e pavilhões especializados, além da instalação de um laboratório anatomopatológico, dirigido pelo doutor Mário Pinheiro (Engel, 2001, p.287), e do Dispensário Afrânio Peixoto. O Ambulatório Gaffrée-Guinle, que funcionava em conjunto com o Dispensário Afrânio Peixoto, também passou a contar com um "laboratório (experimental), especializado [em] pesquisas do gérmen da lues e suas determinações mórbidas" (O Hospital..., 18 jul. 1925, p.5).27
A instalação de laboratórios respondia aos anseios de articular o trabalho dos psiquiatras ao experimentalismo e organicismo da medicina alemã. Assim, como Dunningham (2008, p.73) ressalta, a partir de 1906, "as punções lombares passaram a ser praticadas com regularidade, e os exames citológicos do líquor apoiaram e elucidaram diagnósticos". A divulgação dos trabalhos do médico alemão August von Wassermann serviu de estímulo para "os estudos da sorologia da lues, contando com a excelente contribuição do Artur Moses, no Instituto de Manguinhos" (p.73). Segundo Heitor Carrilho (1920, p.29), as quatro reações de Nonne (assim chamadas em referência ao neurologista hamburguês Max Nonne), muito usadas nos laboratórios das instituições psiquiátricas brasileiras, passaram a englobar não somente a reação de Wassermann no sangue e no líquido cefalorraquidiano, mas também a "pleocitose" e a "hiperalbumina" no líquor, contribuindo, assim, para o aprimoramento do diagnóstico das afecções de origem luética.
Inspirado na psiquiatria alemã, Moreira estabeleceu o movimento de reformas no âmbito das terapêuticas, com a retirada das grades e o abandono dos coletes-de-força (Leme Lopes, 1964, p.12). Foi ainda responsável pela aceitação das admissões voluntárias (Peixoto, 1933, p.84-90) e pela introdução da clinoterapia e da balneoterapia no tratamento dos doentes mentais (Passos, 1975), seguindo os passos das terapêuticas promulgadas pela Clínica de Munique. Finalmente, o corpo clínico do Hospício foi estendido, passando a contar com doutores de grande renome na época, como "Miguel Pereira, Antonio Austregésilo, Fernandes Figueira, Álvaro Ramos, Leitão da Cunha, Chardinal e Humberto Gotuzzo", entre outros (Peixoto, 1933, p.83).
O professor Juliano e a escola de psiquiatras brasileiros que o acompanharam, no início de sua tarefa, trouxeram a Escola de Kraepelin e dos alienistas alemães modernos para a Praia da Saudade: as ideias do célebre professor de München deslocaram a corrente francesa e um pouco as teorias da escola italiana, que imperavam entre nós, depois que déramos os primeiros passos em psiquiatria (Penafiel, 1913, p.128).
A geração de Juliano marcou também o florescimento da produção acadêmica na área da psiquiatria por meio de participação em congressos, publicações em periódicos nacionais e estrangeiros, criação de periódicos especializados e sociedades diversas. Juliano, por exemplo, foi membro da Sociedade Eugênica de São Paulo, de 1918, da Liga Brasileira de Higiene Mental, fundada em 1923 (Costa, 2007)28, da Seção Rio da Sociedade Brasileira de Psicanálise (1928), entre outras sociedades nacionais e do exterior (Venancio, 2003).
Foi, porém, a Sociedade Brasileira de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal, fundada por ele e por Afrânio Peixoto, em 1907 (Venancio, 2005, p.62), que teve maior espaço em sua vida profissional, tendo sido ele seu diretor até a data de sua morte. Essa instituição surgiu dois anos após a criação, também por Peixoto e Moreira, do periódico Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins29 (1905) para a divulgação das produções psiquiátricas nacionais. Através das duas instituições, Moreira agregou uma série de importantes médicos, divulgou seu projeto e estabeleceu redes de cooperação na América Latina, nos EUA e na Europa, incluindo a Alemanha. Vale lembrar, nessa medida, que faziam parte das estratégias para aproximação internacional da época a troca de periódicos científicos e o convite a pesquisadores para ingressar como membro honorário da sociedade (como o eram Kraepelin, Weygandt e Nonne).
Os contatos estabelecidos por Moreira com médicos estrangeiros, principalmente alemães, remontam a um projeto antigo do médico baiano, que surgiu no período em que realizou cursos e frequentou diversos laboratórios na Europa30, ocasião em que tomou contato com as ideias de Emil Kraepelin (Passos, 1975, p.21-22).
Como relata o psiquiatra alemão Wilhelm Weygandt (24 jun. 1933, s.p.) - discípulo e colaborador de Kraepelin em Heidelberg - , Juliano Moreira manteve-se, a partir de então, em "contato íntimo" com a psiquiatria alemã, tendo "contribuído para a divulgação de nossos métodos clínicos da psiquiatria".
Em seu trabalho de divulgação da psiquiatria kraepeliana, Moreira contou mais uma vez com o apoio de Peixoto, que com ele se dedicou ao estudo da classificação de Kraepelin. Em 1905, publicaram, juntos, o artigo "Classificação de moléstias mentais do professor Emil Kraepelin", no qual destacavam a trajetória do psiquiatra alemão e comentam os 15 grupos de sua classificação. Nesse trabalho, Peixoto e Moreira destacam a importância da evolução do caso clínico das psicoses, conforme orientação de Kraepelin (Moreira, Peixoto, 1905a, p.205). Segundo Venancio e Carvalhal (2001, p.152), Moreira e Peixoto objetivavam resumir a classificação de Kraepelin, de 1904, interpretando-a em função de novas descobertas.
Em 1908, Antonio Austregésilo31 propôs que a Sociedade de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal estabelecesse classificação própria, que fosse adotada uniformemente por todas as instituições da Assistência aos Alienados. Uma comissão foi formada por Juliano Moreira, Afrânio Peixoto, Antonio Austregésilo, Carlos Eiras e Henrique Roxo. Como resultado do trabalho dessa comissão, estabeleceu-se, em 1910, classificação composta por 14 grupos de doenças mentais, sendo perceptível a influência da classificação de Emil Kraepelin.32
Seguindo Kraepelin, a comissão de 1908 retomou os pressupostos da universalidade da doença mental, que funcionava como uma pá de cal nas ideias poligenistas, já que considerava haver apenas uma espécie (humana) e não raças, o que modificava a concepção acerca dos desvios. Venancio e Carvalhal (2001, p.153) também chamam atenção para o fato de que "não só era possível, como era também imprescindível" a utilização de categorias difundidas na Europa, para que a psiquiatria nacional pudesse entrar no círculo internacional. E para demonstrar externamente os 'avanços' da psiquiatria brasileira e difundir as novidades internamente, nada melhor do que a participação dos profissionais em congressos nacionais e internacionais, o que muitas vezes foi feito, aliás, com apresentação de trabalhos (por exemplo, Moreira, 1913).
Em seu itinerário político, contudo, Juliano Moreira teve que enfrentar resistências provindas do grupo de Teixeira Brandão e Henrique Roxo. Para o primeiro, o professor Kraepelin não era responsável pela descoberta da demência precoce e nem a descreveu em primeiro lugar; "o que ele fez foi englobar sob a mesma designação casos patológicos heterogêneos", de forma "imprópria e inadequada". Quanto à "forma maníaco-depressiva", o antigo diretor do Hospício Nacional afirmava que tal categoria não era também uma criação de Kraepelin, "porque já era adotada pelos primeiros médicos do Hospício D. Pedro II, hoje Hospital Nacional de Alienados" (Brandão, 1918, p.103).
Henrique Roxo, diretor do Pavilhão de Observações (1904-1907 e 1911-193833), também relatou suas discordâncias no que tange à confusão mental e à psicose maníaco-depressiva (Roxo, 1925, p.85-90). Embora tenha assistido a aulas de Kraepelin em Munique e estudado sua teoria, o psiquiatra não abandonou totalmente os preceitos da psiquiatria francesa, especificamente as teorias de Magnan, que havia influenciado as interpretações de Teixeira Brandão, de quem Roxo foi discípulo. Para ele, "a doutrina de Kraepelin é muito analítica e, em alguns pontos, estava em desacordo com as ideias de Teixeira Brandão, o que fazia com que 'este não a visse com bons olhos'" (Roxo, 1925, p.74).
Apesar dos embates, na década de 1930 a classificação kraepeliana da Sociedade havia sido assumida pela Assistência a Psicopatas não apenas do Distrito Federal, mas se estendera para outros estados (Neves, 2008). Resta-nos pensar de que modo Juliano e o grupo em seu entorno se apropriou de Emil Kraepelin a ponto de angariar tanto prestígio interno e internacional. Alguns autores que têm analisado Kraepelin destacaram o papel da degeneração em seu trabalho, bem como sua continuidade frente aos conceitos de degeneração dos alienistas franceses. Ey (1956, citado em Birman, 2010, p.351), por exemplo, em seminário teórico voltado para o centenário de Kraepelin, destacou sua ênfase na constituição biopsicológica do indivíduo. Birman (2010, p.351) ressalta também a problemática da periculosidade social colocada pelas perturbações mentais no discurso psiquiátrico de Kraepelin, que se articularia intimamente com um fundo constitucional e endógeno, isto é, degenerativo, o que retomaria a perspectiva de Morel, Magnan e Legrain, no século XIX.
Sandra Caponi (2010, p.480), igualmente, afirma, a partir da análise epistemológica de um pequeno texto de Kraepelin sobre a degenerescência, de 1908, que para esse autor haveria uma delicada trama de fatos sociais e transformações biológicas a partir da qual se produziriam as enfermidades, se debilitariam os corpos e degenerariam as famílias e as raças. Tal perspectiva faz a autora considerar Kraepelin integrado à agenda de médicos e alienistas desde os inícios do século XIX. Caponi enfatiza ainda que, Kraepelin, assim como Morel, referia-se tanto à degeneração de indivíduos e linhagens familiares como à degeneração de povos e raças.
Tais leituras são possíveis em Kraepelin, mas não parece ser esse o caminho que Juliano Moreira encontrou em sua obra como solução para o país mestiço. Ele leu Kraepelin mais próximo daquilo que Eric Engstrom (2007) destacou nos trabalhos do médico alemão. Segundo esse autor, a concepção de Kraepelin estava embasada no neolamarckismo e em um programa de pesquisa epidemiológico (Engstrom, 2007, p.392-395). Ao valorizar em Kraepelin a preocupação com as condições de vida e sua relação com a degeneração, destacando aspectos como a pobreza, educação e saneamento básico (p.393), bem como a afirmação do critério da universalidade da doença mental (sugerindo então uma classificação única para todos os países), Engstrom afirma que o autor pôde encontrar espaço para se posicionar contra a concepção raciológica da degeneração (Engstrom, Weber, 2007, p.267).
Ao contrário de Nina Rodrigues (citado em Moreira, 1908, p.431-432), que defendia a tese de que a mestiçagem era um fator degenerativo, Juliano Moreira (Moreira, Peixoto, 1905b, p.9-10) afirmou que a degeneração deveria ser atrelada à educação e à saúde, sendo, assim, um problema social. Em consequência dessa perspectiva, Moreira limitou às unidades orgânicas individuais a carga de hereditariedade maléfica que, para ele, seriam expressões de um pathos mental universal que, se aqui se expressava de modo mais recorrente, poderia ser sanado via educação (Venancio, Facchinetti, 2005).
Assim, segundo o autor, os problemas relacionados à herança estariam ligados à "má qualidade das gentes que desde os tempos da primitiva colonização", com suas "más condições de educação", foram sendo incorporadas ao povo brasileiro. Sendo assim, o problema não estaria na raça, e os "defeitos da nossa população" não deveriam ser "atribuídos à mestiçagem". Por essa razão, o trabalho de higienização não devia tomar como base "ridículos preconceitos de cores ou castas", mas os costumes, a educação e a saúde da população (Moreira, 1922, citado em Oda, Dalagalarrondo, 2000, p.178).
A psiquiatria participava, portanto, de um debate mais amplo sobre os novos impasses, interpretações e direcionamentos do/para o país. Com as ações da higiene, educação e saneamento para os brasileiros, seria possível recuperar os casos individuais mórbidos, prevenir doenças entre seus habitantes e criar as condições necessárias para o surgimento daquilo que se propunha como população saudável e moderna para a nação. "É evidente que não podemos nutrir esperanças de uma vitória decisiva a curto prazo, mas aqui, como já ocorre a outras moléstias humanas, em breve surgirá a época da higiene profilática" (Moreira, citado em Venancio, Facchinetti, 2005, p.362).
Moreira afirmava que a higiene mental só produziria profilaxia efetiva contra os fatores de degradação quando trabalhada "sem ridículos preconceitos de cor e de castas". Sua proposta estava voltada para a criação de campanhas contra as doenças venéreas e o abuso do álcool; para o combate à uncinariose e outras verminoses; para criação de medidas que evitassem a procriação "entre gentes taradas"; para aplicação dos preceitos eugênicos34; educação eugênica nas escolas, entre outros (Moreira, 1922, p.225).
Como ressalta Engel (2001, p.175), se por um lado seu enfoque rompia com associação entre raças inferiores, degeneração e alienação mental, por outro, ampliou a relação entre desvios/insuficiências e culturas inferiores.35 Trata-se, então, de um deslocamento da hierarquização racial para uma hierarquização social e cultural.
E é justamente pelo viés epidemiológico que é possível associar a atuação de Moreira ao mesmo tempo a Kraepelin e ao projeto de saneamento do Distrito Federal - e, mesmo do Brasil, já que estava na agenda de Moreira a expansão do modelo de assistência para outros estados (Moreira, 1905), com maior intercâmbio de ideias entre os psiquiatras brasileiros das diversas regiões do país, através, por exemplo, de congressos nacionais (Moreira, 1o sem. 1918).
Apesar de todo o prestígio conquistado, Moreira foi obrigado, em 1930, a deixar as instituições que por tanto tempo dirigiu; por isso, "ressentiu-se de sobremodo" (Colares Moreira, 1933, p.7). Em 1933, Moreira veio a falecer, em virtude do agravamento da tuberculose que o acompanhou durante metade de sua vida.
Por fim, é bom que se diga que a luta de Juliano por um novo viés para a psiquiatria ganhou grande impulso, tendo angariado espaço no país por meio das ações de higiene mental e da ampliação da Assistência, assim como pela difusão dos hospitais colônias e colônias agrárias, organizadas a partir de propostas terapêuticas como a praxiterapia, assistência familiar e heterofamiliar, a partir da década de 1920 (Venancio, 2011). Isso, porém, não significou emudecer por completo as questões da raça, que voltariam a ganhar mais força com sua saída, tendo ainda redobrado seu fôlego nos anos 1930, sob a chancela dos movimentos totalitários que precederam a Segunda Guerra Mundial.
Juliano Moreira, 'diplomata da ciência brasileira': as relações médico-psiquiátricas entre Brasil e Alemanha, 1903-1933
Nas primeiras décadas do século XX, houve forte dinamização do processo de interna-cionalização das ciências e da medicina, principalmente no entreguerras. No âmbito da psiquiatria, não foi diferente (Roelcke, Weindling, Westwood, 2010). Nos casos do Brasil e da Alemanha, Juliano Moreira e Kraepelin tiveram grande importância para esse processo de internacionalização, bem como para a circulação de saberes: modelos assistenciais, pesquisa experimental, anatomia patológica, debate acerca da degeneração e da herança etc. Podemos dizer que Kraepelin e Moreira foram 'diplomatas da ciência' e defensores do avanço da psiquiatria em seus países. Além de contatos pessoais, esses dois médicos trocaram diversas correspondências, desde o início do período em que Juliano Moreira foi diretor do Hospício Nacional de Alienados (Dalgalarrondo, 1996).
As primeiras correspondências entre Kraepelin e Moreira revelam interesses muito específicos de parte a parte. Do lado alemão, Kraepelin demonstrou grande interesse em conhecer o Brasil para obter dados acerca de patologias em índios brasileiros, o que fazia parte de sua agenda de pesquisas em psiquiatria comparada - viagem que não chegou a se realizar (Dalgalarrondo, 1996, p.117-124). Do lado brasileiro, Moreira buscou consolidar sua auctoritas para, assim, implementar as mudanças que julgava cruciais ao desenvolvimento da psiquiatria brasileira, nacional e internacionalmente.
Como já apontamos, Moreira ganhou bolsa de estudos para realizar diversos cursos na Alemanha, no final do século XIX, quando tomou contato com as ideias de Kraepelin (Passos, 1975). Em 1900, quando ocupava o posto de professor da Faculdade de Medicina da Bahia, Moreira retornou à Alemanha para ampla visitação às instituições psiquiátricas alemãs. Suas impressões foram publicadas, em 1901 e 1902, no periódico daquela faculdade, a Gazeta Médica da Bahia (Moreira, 1908). A Gazeta Médica (out. 1901) dedicou também um de seus números a homenagear Rudolf Virchow, médico sanitarista de grande importância para os psiquiatras alemães e, também, para Juliano Moreira.
Em conferência realizada em 1907, na Academia Nacional de Medicina, intitulada "Ligeira vista sobre a evolução da assistência a alienados na Alemanha, a Clínica Psiquiátrica de Munique", Juliano Moreira relatou suas mais recentes impressões sobre os lugares que visitou naquele país, após suas duas viagens científicas em terras germânicas, em 1906 e 1907. Através dessas viagens, Moreira teve a oportunidade de conhecer a nova Clínica de Munique, criada por Kraepelin, em 1904 (Moreira, 1908, p.179; cf. Hippius et al., 2008). Na oportunidade, Moreira destacou não só a importância dos investimentos em modernas instalações e equipamentos médico-laboratoriais na instituição, mas também exaltou os cursos ali oferecidos (regular de inverno e verão; e de aperfeiçoamento). Tais cursos eram ministrados por Kraepelin e seus renomados colaboradores. Sobre os cursos de Munique, Moreira descreveu com entusiasmo aquele ambiente acadêmico: "tinha, portanto, um caráter verdadeiramente cosmopolita. Aliás, no curso normal de verão do ano de 1906, vi eu no anfiteatro da clínica de Munique ouvintes das mais variadas nacionalidades, muitos dos quais já portadores de um nome feito como alienistas" (Moreira, 1908, p.184).
O projeto de Moreira de difusão da Assistência a Alienados na Alemanha e do modelo da Clínica de Munique de Kraepelin despertou o interesse de outros médicos brasileiros, que resolveram ir à Alemanha conhecer de perto o instrumental kraepeliano. Em 1912, o doutor Ulysses Vianna (livre-docente da FMRJ e médico do Hospício Nacional), que já havia realizado cursos na clínica dos eminentes professores Watzenbacher e Robert Gaupp, decidiu viajar à Alemanha, com o objetivo de se "aperfeiçoar nos assuntos de sua especialidade", fixando-se em Munique para realizar cursos com Kraepelin (O Paiz, 9 mar. 1912). No ano seguinte, foi a vez de o doutor Henrique Roxo (1925) realizar cursos, em Munique, também com Kraepelin.
No entreguerras intensificaram-se as relações entre a América Latina (o Brasil incluído) e a Alemanha (Sá et al., 2009). A aproximação de médicos teutos e brasileiros fazia parte de um processo de internacionalização das ciências e da medicina brasileira e alemã (Birn, 2006; Roelcke, Weindling, Westwood, 2010), com suas agendas e interesses particulares, em momento no qual ciência e cultura passaram a ser entendidas como meio de aproximação e estabelecimento da paz entre os povos, ainda que em cenário de tensão e grande crescimento dos nacionalismos. Esse aumento na circulação de médicos e saberes pode ser verificado através das viagens científicas, dos periódicos e congressos médicos.
Da parte dos alemães, o primeiro médico a vir ao Brasil foi o neurologista da Universidade de Hamburgo e do Hospital Hamburg-Eppendorf, Max Nonne (1861-1959), que, em 1922, viajou pela América Latina, visitando Argentina, Chile, Uruguai e, por fim, São Paulo e Rio de Janeiro, no Brasil. Recebido por Juliano Moreira, Henrique Roxo, Austregésilo, Vianna, Esposel e Moses, o neurologista destacou suas ótimas impressões sobre as instituições visitadas - certamente, tal argumento também foi político e estratégico - , destacando que "seus colegas de ultramar estão perfeitamente atentos aos progressos da neurologia e psiquiatria alemã", ainda que reconhecesse então que o contrário não se aplicaria (Nonne, 1923, p.98).
Também em 1922, Wilhelm Weygandt (1870-1939), psiquiatra da Universidade de Hamburgo e do Hospital Friedrichberg, foi recebido pelos médicos da Sociedade Brasileira de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal (Archivos, 1923, p.50). Sobre sua passagem pelo Rio de Janeiro, Weygandt (24 jun. 1933, s.p.) declarou que teve "o prazer de verificar, por declaração em sua saudação oficial," o quanto Juliano Moreira tinha contribuído para a "divulgação de nossos métodos clínicos da psiquiatria, na América do Sul", servindo-se de "uma obra de Kraepelin, traduzida para o espanhol".
Do lado brasileiro, novas viagens científicas para a Alemanha também ocorreram. Em 1927, Roxo retornou à Alemanha, em viagem científica que também envolveu França, Itália e Áustria (Archivos, 1927, p.170-171). No ano seguinte, Austregésilo Filho retornava da Alemanha, após ter realizado cursos de anatomia patológica do sistema nervoso com o professor Alphons Maria Jakob (1884-1931), no Hospital Friedrichberg, onde tomou contato com o neurocirurgião doutor Guttmann (Archivos, 1929, p.224-225). Também em 1928, através da iniciativa de Henrique da Rocha Lima36 e de Juliano Moreira, Alphons Jakob foi convidado a vir ao Brasil para ministrar um curso de anatomia do sistema nervoso (Silva, 2011, p.535-540; Moreira, 1931, p.236-238).
Ainda em 1928, foi a vez de Renato Kehl37 (1899-1974) permanecer cinco meses na Alemanha, quando tomou contato com uma eugenia negativa e racista, a partir da qual passou a defender medidas mais radicais para o projeto eugênico brasileiro, a exemplo da esterilização dos degenerados (Souza, 2006).
Já em 1931, o médico neurologista Walther Spielmeyer (1879-1935), então diretor do Instituto Alemão de Pesquisa Psiquiátricas de Munique (1926-1931), veio ao Brasil. No Rio de Janeiro, realizou diversas conferências no curso que aqui ministrou, em maio daquele ano, sobre a anatomia patológica do sistema nervoso (Spielmeyer, 1932).
Além das viagens científicas, as relações médicas internacionais e, no caso do objeto deste trabalho, entre Brasil e Alemanha também se intensificaram através da troca de periódicos médicos especializados, de sociedades e instituições psiquiátricas brasileiras e alemãs, bem como através dos congressos internacionais. No caso dos periódicos, houve circulação de saberes através da tradução e resenha de artigos médicos. Em 1922, Kraepelin (p.211) relatou que recebia periódicos médicos do Brasil. Na sessão "Bibliografia", dos Arquivos Brasileiros de Neuriatria e Psiquiatria, consta descrição feita por Juliano Moreira (1924, p.95-99) dos tomos sétimo e oitavo dos Anais do Instituto Alemão de Pesquisas Psiquiátricas de Munique38, enviados à Sociedade Brasileira de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal. Por meio desses tomos, Moreira pôde atualizar seus colegas brasileiros a respeito dos principais trabalhos produzidos por Kraepelin e seus colaboradores.
Juliano Moreira buscou utilizar seu prestígio internacional para aproximar a medicina brasileira e a dos países da Europa central, levando para o exterior os principais temas e resultados de trabalhos aqui produzidos. Nesse sentido, representou o Brasil em congressos médicos internacionais e realizou visitas internacionais. Por onde passou foi bem recebido, condecorado ou homenageado, como ocorreu no Congresso Médico de Lisboa de 190639 e no de Assistência a Alienados de Milão de 1907. Ainda em 1907, representou o Brasil no Congresso de Psiquiatria de Amsterdam, quando foi eleito presidente do Comitê de Propaganda daquele congresso para o nosso país (Passos, 1975, p.18-19). Em 1911, ainda que ausente, foi eleito presidente honorário do Congresso Internacional de Antropologia Criminal, reunido em Colônia. Em 1913, atuou como representante brasileiro no Congresso de Medicina de Londres (Moreira, 1913) e no de Psiquiatria e Neurologia de Gand. Nesses dois congressos, Moreira apresentou os resultados de suas investigações na região amazônica, sob o prisma da psiquiatria brasileira comparada (Passos, 1975, p.18-19), seguindo as bases da etnopsiquiatria (psiquiatria comparada) desenvolvida por Kraepelin (Dalgalarrondo, 1996). A partir de 1913, passou a representar o Brasil no Comitê Internacional da Liga Internacional contra a Epilepsia. Em 1928, tornou-se membro honorário das Sociedades Japonesas de Neurologia e Psiquiatria, momento em que visitou as principais cidades do extremo Oriente. No mesmo ano, antes de regressar ao Brasil, foi à Alemanha, sendo eleito membro honorário da Sociedade de Neurologia e Psiquiatria de Berlim e da congênere de Hamburgo, assim como da Sociedade Médica de Munique e da Cruz Vermelha Alemã. A Universidade de Hamburgo conferiu-lhe, na mesma ocasião, a Medalha de Ouro, honraria maior prestada a um professor estrangeiro (Piccinini, 2002). Por fim, Passos (1975, p.28) lembra ainda que ele presidiu, em 1929, no Rio de Janeiro, a Conferência Internacional de Psiquiatria.
Certamente Moreira foi um dos médicos brasileiros a conquistar maior prestígio internacional. Fez parte do Instituto Internacional para o Estudo da Etiologia e Profilaxia das Doenças Mentais. Participou da Assembleia Geral da Royal-Medical Psychological Association de Londres, em que foi eleito um dos 15 membros correspondentes no mundo. Em Amsterdam, tornou-se membro do Comitê Internacional de redação da Folha Neurológica, órgão para estudos de biologia do sistema nervoso. A revista Psychiatrisch-neurologische Wochenschrift (1910) publicou uma galeria dos proeminentes psiquiatras em todo o mundo, e das Américas apenas Moreira foi mencionado (citado em El-Bainy, 2007, p.19). Em 1923, foi convidado pelo professor Carl Mense para colaborar na terceira edição do seu Tratado de doenças nervosas e mentais dos países tropicais (Passos, 1975).
Como vimos, Juliano Moreira obteve grande reconhecimento e circulação nos meios científicos e psiquiátricos internacionais (Peixoto, 1933). Na Alemanha seu reconhecimento foi grande para um médico sul-americano no período. Foi considerado "um dos nomes de maior prestígio da ciência brasileira", segundo o jornal Deutsche Rio-Zeitung (16 jul. 1925, p.1). Dois dias depois, o editorial desse jornal alemão no Rio de Janeiro não poupou palavras para elogiar Moreira, além de indicar sua proximidade e admiração pela ciência alemã:
O senhor professor Juliano Moreira é, sem dúvida, a principal autoridade no campo da psiquiatria no Brasil e possui também grande reconhecimento entre seus colegas europeus. A prova disso é que ele recebeu recentemente o convite para proferir algumas conferências na Universidade de Hamburgo. O senhor professor Juliano Moreira não é apenas um alienista de excelência, que tudo faz para elevar a sua profissão. Ele é também um homem de caráter nobre, pronto para ajudar sempre que necessário. E que ele é, além disso, um admirador da Alemanha e que aprecia muito a ciência alemã, já sabemos. (Deutsche Rio-Zeitung, 18 jul. 1925, p.2).
O convite da Universidade de Hamburgo, contudo, teve que ser adiado para 1929, quando finalmente Moreira pôde proferir sua palestra. É através dessa palestra que podemos estabelecer algumas considerações sobre a densidade da relação entre a medicina mental dos dois países. Em sua conferência "Algo sobre as doenças nervosas e mentais no Brasil", Moreira (1929) falou sobre seus estudos em psiquiatria comparada, criticou as veiculações entre a doença mental, a raça e o clima, bem como lamentou que a relação entre Brasil e Alemanha não estivesse mais estreita. Segundo Moreira, citando Ludwig Fulda, "Quem poderá contestar que a Europa é muito melhor conhecida pela América do que a América pela Europa?" (Moreira, 1929, p.451).
E essa assimetria nas relações entre Brasil e Alemanha seguiu nessa tonalidade nos anos posteriores à morte de Moreira, em 1933, três anos após deixar a direção do Hospício Nacional. A relação entre os dois países ainda permanecerá estreita até o rompimento político entre Vargas e Hitler.
Considerações finais
Assim como apontou Reis (2009, p.12), buscamos demonstrar que a intelectualidade brasileira dos finais do século XIX, apesar de retomar as teorias europeias, o fazia de maneira bastante específica e vinculada aos problemas locais, sendo a questão da degeneração e da miscigenação o centro norteador de boa parte do debate. Com a chegada do século XX, Juliano Moreira se apresentou como um dos importantes médicos a lutar pelo rompimento com os paradigmas que norteavam os projetos de modernização da nação. Munido de concepções interpretadas do instrumental kraepeliano, Moreira deslocou o diagnóstico raciológico sobre o atraso da nação, ao dar novos sentidos à teoria da degeneração, pensada agora através de um viés epidemiológico e em consonância com o projeto de saneamento desenvolvido por Oswaldo Cruz, durante a Reforma Passos. Além disso, Moreira se serviu do referencial biológico e experimental da ciência alemã para reformar os conhecimentos e as instituições psiquiátricas brasileiras. Por fim, podemos dizer que o itinerário científico e intelectual de Moreira não se restringiu à recepção de Kraepelin no Brasil. Moreira foi um importante protagonista no processo de internacionalização da psiquiatria nacional e da aproximação entre a medicina brasileira e a alemã.
NOTAS
Recebido para publicação em abril de 2012.
Aprovado para publicação em agosto de 2012.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
02 Abr 2013 -
Data do Fascículo
Mar 2013
Histórico
-
Recebido
Abr 2012 -
Aceito
Ago 2012