Open-access O Derradeiro golpe à esquerda armada brasileira: A derrubada de Salvador Allende e o fim do sonho revolucionário na trajetória de Vera Sílvia Magalhães

The Final Blow on the Brazilian Armed Left: The Overthrow of Salvador Allende and the End of the Revolutionary Dream in the Path of Vera Sílvia Magalhães

Resumo

Animado pelas comemorações dos 50 anos do governo da coalizão de esquerda Unidade Popular (UP) no Chile, liderado por Salvador Allende, este artigo busca contribuir, através do vislumbre da importância das análises biográficas para compreensão do engajamento militante, às reflexões a respeito da trajetória dos militantes da esquerda brasileira exilados no Chile durante o governo Allende. Por intermédio da trajetória de Vera Sílvia Magalhães, militante da esquerda armada vinculada ao Movimento Revolucionário 8 de Outubro (DI-GB/MR-8), exilada desde 1970, objetiva-se reconstruir a atmosfera de circulação de exilados em Nuestra America. Demonstra-se, por uma perspectiva, como o Chile passou a ser, após a vitória da Unidade Popular, um polo de atração aos militantes latino-americanos e, por outra, como o golpe civil-militar chileno, que culminou no suicídio de Salvador Allende, não foi apenas o fim da "via chilena ao socialismo". No limite, ele representa o golpe final desfechado ao projeto da revolução brasileira e latino-americana pela via da luta armada, reconfigurando a visão sobre o exílio, até então compreendido dentro de uma lógica de provisoriedade e curta duração, colocando na ordem do dia a questão do desengajamento.

Palavras-chave: Unidade Popular; exílio; biografia

Abstract

Driven by the celebrations of the 50th anniversary of the left-wing coalition government Popular Unity (UP) in Chile, led by Salvador Allende, this paper seeks to contribute to the reflections on the history of militants of the Brazilian left who were exiled in Chile during the Allende government. It does so through considering the importance of biographical analysis to the understanding of militant engagement. Analyzing the path of Vera Sílvia Magalhães, militant of the armed left linked to the Revolutionary Movement 8 of October (DI-GB / MR-8), exiled since 1970, our goal is to reconstruct the atmosphere involving the circulation of exiles in Nuestra America, demonstrating how Chile became, after the victory of the Popular Unit, a pole of attraction to Latin American militants. We also aim to demonstrate how the Chilean civil-military coup, which culminated in the suicide of Salvador Allende, was not only the end of the "Chilean way to socialism". In conclusion, it was the final blow to the project of the Brazilian and Latin-American revolution through the armed struggle, reconfiguring perspectives on exile, until then understood within a logic of provisionality and short duration, and putting the issue of disengagement on the agenda.

Keywords: Popular Unity; exile; biography

A minha vontade de ir pro Chile tinha um lado formal. Um lado de esmero. Mas ia também recuperar alguma coisa da vida que eu queria... Sabia que havia uma revolução em processo. Havia uma atração. Era um polo revolucionário se colocando. Mas eram meus companheiros todos que estavam lá. A maioria absoluta! (...) Eu recompus meu universo afetivo. (Vera Sílvia Magalhães, Entrevista, 15 ago. 1998)

Nós éramos cidadãos de onde? Esse título ‘revolucionário’ nos dava uma liberdade. Eu não me lembro de ter tido nenhum tipo de conflito. Não existia um conflito: ser cidadão ou não ser cidadão. Ter pátria ou não ter pátria. A revolução era tão abrangente. Era o mundo inteiro. Era quase uma entidade. Lutávamos pelo Brasil, claro. O nosso objetivo era o Brasil, mas apoiávamos a revolução no Chile. Apoiamos até quando deu. Até o golpe, a questão do exílio me parece uma coisa muito transitória, nem era um exílio, embora fosse de fato. Estudava muito. Tinha uma visão de me construir como quadro revolucionário, nunca pensei em me inserir em nenhum desses países. Até o golpe do Chile éramos inteiramente dedicados à causa da revolução. (Vera Sílvia Magalhães, Entrevista, 25 jan. 1994)

CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E ETHOS REVOLUCIONÁRIO

Este artigo, que busca analisar a trajetória de Vera Sílvia Magalhães - militante da esquerda armada brasileira vinculada ao Movimento Revolucionário 8 de Outubro (DI-GB/MR-8) - durante sua passagem pelo Chile no ano de 1973, é tributário, em larga medida, de duas correntes bibliográficas. Apesar de distintas, ambas, em seus respectivos domínios historiográfico e sociológico, construíram uma vereda analítica que intenta sublinhar, no geral, a importância das análises microscópicas do cosmo social, conforme metáfora do historiador Eric Hobsbawn (1998) e, no particular, a importância do enfoque individual para compreensão do engajamento e desengajamento militante.

Pelo viés historiográfico, a "reabilitação" do gênero biográfico, após o "eclipse da narrativa",1 como possibilidade fecunda de produção de conhecimento histórico, acompanhou - ou foi acompanhada - de um reposicionamento significativo do papel do indivíduo na historiografia, conforme aponta Sabina Loriga (1998). A partir das décadas de 70 e 80, inserido em um contexto de questionamento dos paradigmas marxista e estruturalista, houve um (re)encontro, nas palavras de Mary Del Priore (2009), entre o indivíduo e a História, tornando-o relevante como sujeito histórico. Nesse sentido, a biografia, apesar de reconhecida como "modo particular de fazer história" (LE GOFF, 1999, p. 20), retoma, gradativamente, um lugar privilegiado na historiografia, pois "que objeto, mais e melhor que um personagem, cristaliza em torno de si o conjunto de seu meio e o conjunto dos domínios que o historiador traça no campo do saber histórico?" (LE GOFF, 1999, p. 21).

Metamorfoseada, a retomada da importância da biografia para as análises históricas leva em consideração, ao contrário de outrora quando fortemente baseada na perspectiva de edificar personagens e/ou valores,2 a "inerradicável interdependência" entre os indivíduos (ELIAS, 1994), atendendo à necessidade de acentuar as relações entre indivíduo e sociedade. Além do mais, as biografias têm, cada vez mais, colocado em cena as discussões sobre determinações sociais/escolhas individuais, possibilitando um alargamento dos conhecimentos sobre os mais diversos processos históricos. Sendo assim, busca-se, conforme as palavras de Walter Benjamin, "demonstrar como a existência inteira de um indivíduo cabe numa de suas obras, num de seus fatos [e] como, nessa existência insere-se uma época inteira" (BENJAMIN citado por DOSSE, 2015, p. 11). Em outras palavras e à guisa de síntese:

o indivíduo é, ao mesmo tempo, ator crítico e produto de sua época, seu percurso iluminando a história por dois ângulos distintos. Um explícito, pela iniciativa voluntária do observador que propõe uma análise da sociedade na qual o personagem está inscrito. O outro, implícito, avaliado no percurso do personagem que ilustra, por sua vez, as tensões, conflitos e contradições de um tempo, todos essenciais para a compreensão do período (PRIORE, 2009, p. 11).

Pelo viés sociológico, deve-se indicar a contribuição e os avanços em relação à importância das análises biográficas em uma corrente bibliográfica - ainda insípida no Brasil (SILVA; RUSKOWSKI, 2016) - fortemente enraizada na sociologia norte-americana e francesa: a sociologia do engajamento militante ou sociologia do militantisme. Adquirindo contornos mais nítidos a partir da década de 1970, a sociologia do militantisme tem como objetivo fundamental compreender o fenômeno do engajamento ou, em outras palavras, a "participação duradoura em uma ação coletiva que vise à defesa ou à promoção de uma causa" (SAWICKI; SIMÉANT, 2009, p. 2). Contudo, a forma de apreender essa participação tomou diversas direções.

De forma generalizada, salvo algumas exceções, até meados da década de 1980, as análises sobre o engajamento militante centravam-se, tanto na França como nos Estados Unidos, em uma perspectiva holística, privilegiando o nível mesológico, ou seja, focada nas organizações políticas e/ou macrossociológico, relacionadas às estruturas sociais. Dito de outro modo, esse modus operandi buscava compreender o surgimento e a manutenção da atividade militante a partir de coordenadas sociais amplas, privilegiando enfoques através de grupos, classes sociais e/ou conjunturas sócio-políticas de grande escala. Os indivíduos, quando presentes, eram utilizados, na ampla maioria dos casos, para fundamentar análises estatísticas (SAWICKI; SIMÉANT, 2009; LECLERCQ; PAGIS, 2011).

Contudo, à mesma maneira do viés historiográfico supracitado, houve uma mudança significativa a partir do questionamento dos paradigmas marxista e estruturalista erigindo, assim, o que os soció logos caracterizaram como advento do paradigma interacionista. Conforme Sawicki e Siméant:

O esgotamento dos paradigmas marxista e estruturalista, transferindo a atenção dos sociólogos para a ação e as interações, e também para a história e, portanto, para a dialética ação/instituição influenciou profundamente a sociologia do engajamento militante e favoreceu sua renovação ao longo da década de 1980. De início, colocada a questão tabu das retribuições do militantismo; em seguida, ultrapassando uma concepção redutora da socialização militante, seja como produto unicamente vinculado à socialização primária, seja como resultante principal do trabalho de doutrinação e de controle ideológico realizado no seio das organizações. (...) Assim, pode-se caracterizar, esquematicamente, esta mudança como surgimento de um paradigma individualista, não como individualismo metodológico, mas integrando a análise das interações entre indivíduos e entre indivíduos e contextos de ação, fato que autoriza, então, denominarmos de paradigma interacionista (2009, p. 6).

Nessa perspectiva, portanto, os enfoques individuais passaram, gradativamente, a ocupar um lugar mais central nas análises sobre a atividade militante. Somos tributários, diante da fecundidade de problemáticas levantadas a partir do paradigma interacionista, dos trabalhos que, sobretudo, realçam as consequências biográficas da atividade militante. Para esse "subcampo" da sociologia do militantisme interessa compreender "as maneiras pelas quais o engajamento gera ou modifica disposições para agir, pensar, perceber - e perceber a si mesmo" (LECLERQ; PAGIS, 2011, p. 5). Invertendo a lógica analítica clássica sobre a atividade militante, o enfoque não se restringe ao processo social que produziu o indivíduo enquanto militante, apesar dessa ser também uma questão fundamental, mas qual a incidência da atividade militante na vida individual ou, em outras palavras, "saber como o engajamento é suscetível de influenciar continuamente, redefinindo ou modificando o conjunto de representações e práticas individuais" (LECLERQ; PAGIS, 2011, p. 6).

Dentre diversas consequências biográficas resultantes do engajamento, este artigo busca viabilizar uma maior compreensão sobre um tema ainda pouco mobilizado na bibliografia sobre o tema e, especialmente, sobre as organizações brasileiras que propuseram a luta armada contra a ditadura civil-militar brasileira: a questão do desengajamento por intermédio da subjetividade militante.3 O desengajamento é compreendido, aqui, especialmente, pela análise do que Olivier Filleule aponta como "custo de saída". Esse custo, seguindo a trilha aberta pelo sociólogo francês, material e/ou psíquico, remonta a diversos fatores, como:

a extensão dos sacrifícios feitos para ingressar no grupo (ritos de iniciação, testes, hierarquização e coesão dos coletivos) e ao grau de socialização no seio do grupo, que resulta, notavelmente, no fortalecimento do laço emocional que varia em função do grau de renúncia às relações exteriores ao grupo (relações familiares e amicais). Em síntese, os fatores regentes da defecção, às vezes tornada impossível pela dependência material ou pela ameaça de ser perseguido como traidor (FILLIEULE; BENNANI-CHRAIBI citado por FILLIEULE et al., 2009, p. 182).

A perspectiva de analisar o desengajamento - e suas conse quências - a partir dessas coordenadas é importante, pois mobilizamos a hipótese de que a geração4soixante-huitard5 brasileira construiu e partilhou um ethos revolucionário específico. Ethos forjado a partir da convergência entre dois projetos revolucionários.

Um deles, coletivo, ancorava-se na perspectiva de derrubada da ditadura e realização da revolução brasileira, baseado, especialmente, na luta armada. A este, integra-se um projeto revolucionário individual, apoiado na necessidade de construção do "homem-novo "6, com o qual se ligava, intimamente, a perspectiva "libertária" de ruptura com os valores morais dominantes, impulsionada pela conjuntura da segunda metade da década de 60 que, por si, encontrava respaldo em leituras teó ricas que realçavam a importância do indivíduo como elemento transformador, em especial o existencialismo sartriano, as teses da psicanálise e a crítica de Wilhelm Reich à moral sexual reproduzida no sistema capitalista em A Revolução sexual (1981). Às críticas ao capitalismo, acoplavam-se críticas ao autoritarismo, à burocracia dos partidos políticos e às relações entre os sexos, com as mulheres reivindicando equidade nas relações com os homens, libertando-se sexualmente e forçando a participação em espaços sociais antes exclusivos aos homens.

Nessa perspectiva, no projeto revolucionário coletivo se inseria o imperativo de mudar o curso do mundo modificando o curso da própria vida, como bem resume a frase de Raoul Vaneigem, célebre teórico do movimento situacionista francês da década de 1960: "Aqueles que falam de revolução e luta de classes sem se referir, explicitamente, à vida cotidiana, sem compreender o que há de subversivo no amor e de positivo na recusa às coerções, estes portam em sua boca um cadáver" (1967, p. 32). Em síntese, o afã do "tudo e imediatamente" (CONH-BENDIT, 1988, p. 12) para encontrar, como dizia o slogan de maio de 1968 em Paris, "sous les pavés, la plage".7

Esse ethos baseava-se em espírito de sacrifício, igualitarismo, denúncia consequente das desigualdades e sentimento de justiça. Maneiras de agir específicas, que foram construídas e construíram, dialeticamente, uma identidade coletiva. Essa, por sua vez, intensificada pela lógica da clandestinidade, reforçava o laço entre os companheiros e, consequentemente, os laços com o ethos, ambos materializados no projeto revolucionário da luta armada. Em síntese, como aponta Nathalie Ethuin: "O ‘eu’ do militante constrói-se no ‘nós’ do partido" (ETHUIN, 2003, p. 168).

Contudo, devemos ressaltar que essa identidade coletiva, apesar de construída no seio da organização política, não dilui as subjetividades e não é construída, unicamente, a partir de perspectivas "cognitivas" ou, em outras palavras, através de conjunturas socioeconômicas e análises teórico-estratégicas partilhadas. Como dissemos, por ser fortemente baseada na perspectiva individual que realocava a vida individual, acentuando a importância e a urgência das rupturas individuais, a identidade coletiva, fundada e fundante do ethos revolucionário da geração soixante- huitard brasileira, é mediada, sobretudo, a partir de "um senso de solidariedade entre os membros (...), sugerindo vínculos de confiança, lealdade e afeto" (GOODWIN et al., 2001, p. 8).

Tendo isso como pano de fundo, é notório que o ethos não se firmou e permaneceu da mesma maneira para todos os sujeitos históricos que partilharam da opção pela luta armada. Contudo, este artigo intenta demonstrar como a trajetória de vida de Vera Sílvia Magalhães pode ser compreendida como "caso extremo"8 de sua geração, justamente pela maneira como esse ethos forjou sua identidade individual que, agregando os aspectos individuais e coletivos, teve como grande característica de amálgama a dimensão do afeto. Através de sua rápida passagem pelo Chile, durante o ano de 1973, é possível discutir aspectos importantes - e pouco mobilizados - para o conjunto da geração soixante- huitard brasileira. Para além da construção e manutenção de um ethos revolucionário dentro das organizações da esquerda armada brasileira, sublinha-se a relação - e as dificuldades - estabelecida entre a permanência do ethos e a tomada de consciência de uma derrota completa, estratégica e, sobretudo, de paradigmas, simbolizada no golpe contra Salvador Allende e no subsequente exílio desprovido de perspectivas que despontava.

A ÉPOCA DA NUESTRA AMERICA ,

A LUTA ARMADA NO BRASIL E O EXÍLIO

Claudia Gilman, ao analisar as modificações no campo intelectual latino- americano e as movimentações de seus atores ao longo dos anos 60 e 70, estabelece que na América Latina constituiu-se uma época, los setenta, cujos marcos temporais são a Revolução Cubana, de 1959, e o golpe que derrubou Salvador Allende em setembro de 1973. Mais do que puramente marcada pelos acontecimentos que, em si, nada explicam, a autora aponta que podemos caracterizar uma época como "campo de possibilidade de existência de um sistema de crenças, de circulação de discursos e intervenções" (GILMAN, 2003, p. 19).

Inspirando-se, entre outros textos, na contribuição de Gilman, Aldo Marchesi, através da utilização do conceito de cultura política como "valores, expectativas e regras implícitas que expressaram e moldaram as intenções e ações coletivas" (2019, p. 20), busca historicizar as ações, ideias, laços, sentimentos e interpretações do processo político compartilhadas. Nesse sentido, aprofunda o argumento de Gilman ao apontar que, apesar de restrito a setores específicos das sociedades latino-americanas, especialmente jovens e intelectualizados, construiu-se, nessa época, uma "cultura política transnacional de cunho revolucionário" (2019, p. 17). Assim, pode-se notar que se partilhava da perspectiva de que uma transformação radical, em diversos âmbitos, era iminente na América Latina. Não apenas iminente, mas estava ao alcance das mãos e seria mediada, fundamentalmente, pela ação política. Ação política como ação revolucionária. "Revolução" como palavra-chave para compreensão do período, em seus mais distintos significados. Em seu sentido político, tornava-se, na ampla maioria dos casos, sinônimo de luta armada. Transformar a Cordilheira dos Andes na Sierra Maestra da América Latina, como dizia Fidel Castro, dava o tom do imaginário da época que, a partir da chegada dos guerrilheiros cubanos a Havana, no início de 1959, reconfigurava a ideia de Nuestra America, produzindo uma concepção específica de latino-americanismo. Ideia fortemente ancorada em condições sócio históricas comuns - que suplantavam as idiossincrasias nacionais - buscando a unidade em direção à emancipação do continente e, especialmente, rumo ao socialismo.

Dentro desse contexto, e fortemente influenciadas pela Revolução Cubana, é que surgem as diversas organizações de esquerda que propuseram a via de luta armada como forma de derrubar a ditadura e realizar a revolução brasileira. Contudo, seu surgimento não atende, unicamente, ao contexto continental. Aliado a esse contexto, deve-se sublinhar alguns aspectos relacionados à conjuntura nacional. Por um lado, o golpe civil-militar foi recebido, pelas esquerdas, como evidência do fracasso da proposta política do Partido Comunista Brasileiro (PCB), principal força hegemônica do período entre as esquerdas de tendência marxista. Considerado, interna e externamente, como "bode expiatório" pela conjuntura resultante, diversas cisões, pela cúpula e pelas bases, além das demais organizações que já se opunham à prática política do PCB, buscavam superar o fracasso e refundar a esquerda brasileira, tornando-a efetivamente revolucionária. Além disso, o aumento gradativo das manifestações estudantis até o ápice em 1968, com a Passeata dos Cem Mil no Rio de Janeiro, aliado às greves operárias de Osasco e Contagem engrossavam as fileiras de oposição à ditadura que, por sua vez, respondeu com uma escalada repressiva que culminou na promulgação do Ato Institucional número 5, em dezembro de 1968. Dentro desse contexto, surge uma organização política, das entranhas do PCB, a Dissidência Comunista da Guanabara (DI-GB), com seus militantes provindos em sua imensa maioria do movimento estudantil, dentre os quais Vera Sílvia Magalhães.9

Vera Sílvia passa a fazer parte da DI-GB ainda no curso pré-vestibular, em 1966, antes de ingressar na faculdade de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A maior participação de mulheres nas organizações de luta armada, em comparação com as organizações de esquerda tradicionais, despontava como dupla transgressão, uma como luta clandestina à ditadura e outra "desafiando o código de gênero da sua época" (ELIZABETH citado por GARCIA, 1997, p. 326). Nesta perspectiva, Vera Sílvia, quando rememora as razões do engajamento político, mobiliza esses aspectos, colocando em evidência a perspectiva do ethos supracitado:

Eu tinha, na minha cabeça, que precisava fazer uma revolução pessoal. (...) A revolução era de costumes também, não era só uma revolução social. Em determinados momentos, em termos de opção individual, enquanto agentes, enquanto sujeitos dessa história, o grande motor foi uma ruptura dos costumes.10

No biênio 1967-1968, tornar-se-ia um dos principais quadros da organização no campus da Praia Vermelha, alcançando o cargo de direção política no ano de 1968. Ainda sem uma perspectiva clara sobre a opção pela luta armada, a Dissidência adquiriu grande protagonismo como principal liderança das manifestações estudantis que ocorreriam até a primeira metade de 1968. Contudo, as dúvidas que ainda restavam sobre a luta armada transformam-se em certezas a partir da ofensiva repressiva da ditadura contra as manifestações estudantis e pela promulgação do Ato Institucional número 5.

No ano seguinte, em abril, após a III Conferência da Organização, ficaram definidas as premissas tático-estratégicas que norteariam a prática política dali em diante, dentro da perspectiva de luta armada. O tempo era de ação. Alterava-se a divisão interna e criava-se a Frente de Trabalho Armado (FTA), responsável pela realização das ações armadas. Vera Sílvia, apesar de deixar o cargo de direção política, passa a ser a única mulher a compor a FTA. As ações armadas, realizadas pelo MR-8 desde a primeira metade de 1969, realizavam-se sem grandes percalços e, em sua maioria, eram ações de expropriação de carros transportadores de valores e agências bancárias, para arrecadar dinheiro. Contudo, em setembro, já rebatizados como Movimento Revolucionário 8 de Outubro, realizaram a ação que, apesar do sucesso tático, tornar-se-ia um erro estratégico e atrairia a fúria repressiva do Estado: a captura do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick. Vera Sílvia foi a responsável por coletar as informações necessárias para que a ação ocorresse. Apesar do objetivo alcançado, com a soltura dos 15 presos políticos exigidos e a leitura e divulgação do manifesto político nos principais meios de comunicação, após a libertação do embaixador, a situação da esquerda armada, em franca marginalização social, agrava-se face a violência dos órgãos de repressão.

O assassinato de Carlos Marighella, pioneiro na cisão com o PCB e principal dirigente político no processo de opção pela luta armada, em novembro de 1969, era uma grande evidência de que o sequestro do embaixador norte-americano inaugurou um novo período para a esquerda autointitulada revolucionária. Um período em que prisões, tortura e, no limite, a morte fariam cada vez mais parte do cotidiano da miríade de organizações que propunham o enfrentamento armado à ditadura e que, acuadas, enveredavam completamente pela clandestinidade, aprofundando o isolamento social a que estavam submetidas. Em igual medida que se aprofundava a marginalização social e, consequentemente, decrescia a possibilidade de realização da revolução por intermédio da luta armada, aprofundava-se, também, o compromisso ético-moral com a manutenção do projeto revolucionário, constituinte da identidade coletiva.

Paradoxalmente, no início dos anos 1970, com as organizações já fortemente debilitadas e em total clandestinidade, a permanência dos militantes nas organizações e das organizações, por consequência, na luta armada, transformava-se em imperativo. Ao espírito de sacrifício já presente no contexto, muito impulsionado pela revolução cubana que exacerbava, através de suas propostas teóricas e de seus revolucionários,11 esse aspecto na moral marxista, acrescentavam-se as dimensões afetivas, contribuições da perspectiva individual ao projeto revolucionário coletivo. Dimensões afetivas que se demonstravam, sobretudo, nos laços de solidariedade e lealdade com os companheiros, especialmente os que já haviam sido presos e/ou mortos. Assim, o afeto como elemento de amálgama da identidade coletiva e do ethos que, por consequência, dificultava - quando não impedia - qualquer defecção ou crítica à luta armada. O recalque do medo diante da "determinação revolucionária", como diziam os documentos da época. O "desbunde", mais do que nunca, como traição, abandono, ato maldito.

A trajetória de Vera Sílvia, neste contexto, oferece contornos nítidos para compreensão desse período. Após o sequestro do embaixador, todos os militantes tiveram seus retratos amplamente divulgados nos meios de comunicação e passaram a ser caçados pelos órgãos de repressão. Vera Sílvia, conforme jargões da época, permanecia "entocada" nos apartamentos da organização, chamados de "aparelhos". Em depoimento concedido, relembra o período imediatamente posterior ao sequestro, na clandestinidade, e a dificuldade em dividir as hesitações com outros companheiros, especialmente relacionadas ao medo da prisão e da morte:

Ficava dentro de casa o dia inteiro, lendo, armada e com muito medo. Achando que podia ser presa e morrer a qualquer momento. Me lembro que não discutia essas questões com qualquer quadro da organização, pois poderia ser muito malvisto, mas discutia com algumas pessoas mais abertas, entre os quais, José Roberto, que era a pessoa com quem eu vivia.12

O medo, compartilhado pelos dois, não impedia a permanência na luta armada. José Roberto Spiegner seria assassinado em fevereiro de 1970, após perseguição da polícia. Sua morte torna-se um momento fundamental para a permanência de Vera Sílvia na luta armada. Em depoimento, relembra como a perspectiva individual, representava nos laços afetivos, era fundamental na constituição da identidade coletiva e, por consequência, individual, fator que impulsionava sua permanência. Além disso, demonstra como a questão da morte passa a ser encarada de modo diverso. Se antes ancorada na perspectiva de contingência necessária do processo revolucionário, assumia, naquele momento, perspectivas de compromisso e sacrifício com e pelos companheiros e, especialmente, com e por José Roberto:

Eu não poderia sair do barco. Me sentia muito ligada a todos, inclusive, afetivamente. Eram os meus amigos. A organização era a minha vida. Era a minha vida e a minha morte. Essa era a contradição com a qual eu tinha de viver. Fora dali o que eu era? Não tinha identidade. A minha identidade era aquela. Eu era uma guerrilheira, seja em declínio ou cercada. Com aqueles amigos, com aqueles guerrilheiros que tinham se proposto a transformar a sociedade. (...) Eu me sentia muito responsável pela morte dele [José Roberto]. A partir dali meu compromisso transcendeu a qualquer coisa, era com ele.13

Apesar de manter-se firme dentro da organização, Vera Sílvia seria presa 17 dias depois, no dia seis de março. Após diversas sessões de tortura, que quase levaram-na à morte, seria libertada junto a outros 39 presos políticos em troca da libertação do embaixador da Alemanha Ocidental, Ehrenfried Von Holleben, capturado em ação coordenada pela Ação Libertadora Nacional (ALN) e Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Banida do território nacional, em consonância com o Ato Institucional nº 13, teve a Argélia como destino primeiro. De Argel, onde chegou em meados de junho de 1970, iria para Cuba realizar treinamento guerrilheiro. Ficaria no "primeiro território livre da América Latina", como se dizia na época, até meados de 1971, quando retornaria à Argélia, já de posse de um passaporte falso, esperando as recomendações da organização para definir seus próximos passos.

De volta à Argélia, em Birkhaden, saberia das sérias dificuldades pelas quais passava a organização e do assassinato de Carlos Lamarca, recém-ingresso no MR-8, em setembro de 1971. Em ato desmedido, que evidenciava a superestimação das forças da organização pelos quadros dirigentes, foi deslocada para coordenar a atuação da organização na Europa. Moraria, clandestinamente, atendendo aos objetivos de realizar a denúncia da ditadura e organizar os parcos militantes no exterior, na França e, posteriormente, na Alemanha. Em Berlim, com um trabalho formal e diante da quase inatividade do MR-8 no exterior, distancia-se da organização, ainda sem se desvincular formalmente. Nesse momento se dá conta de que, diante das dificuldades no Brasil, estava em curso uma mudança na perspectiva política que propunha uma reavaliação da luta armada, quando os parcos militantes que ainda permaneciam no Brasil resolvem se exilar no Chile para discutir os rumos a seguir e reorganizar os militantes. Nesse contexto, decide, junto a Fernando Gabeira, seu marido à época, rumar a Santiago. Em depoimento, rememora os diversos fatores que a levavam, novamente, à América Latina, desde a atração pelo governo da Unidade Popular no Chile, a necessidade de se desligar formalmente da organização e, como não poderia deixar de ser, a dimensão do afeto como característica principal, simbolizada no reencontro com os companheiros de militância:

A minha finalidade de ir ao Chile era me desligar pessoalmente. Não achava justo me desligar por carta. Tinha tanta ligação com a organização. (...) [Então] tinha um lado formal. Um lado de esmero. Mas eu ia também recuperar alguma coisa da vida que eu queria... eu sabia que havia uma revolução em processo. Havia uma atração. Era um polo revolucionário se colocando. Mas eram meus companheiros todos que estavam lá. A maioria absoluta! (...) Eu recompus meu universo afetivo.14

Como diria Gabeira, anos depois: "O centro do mundo, do nosso mundo, estava se deslocando para Santiago" (GABEIRA, 1980, p. 107). No Chile chegariam, em fevereiro de 1973.

A NOVA CAPITAL DO EXÍLIO

A atração exercida pelo Chile nos militantes de esquerda latino-americanos tinha uma razão particular de ser. Em 1970, pela primeira vez, uma coalizão de esquerda, a Unidade Popular, integrada pelo Partido Socialista (PS), Partido Comunista (PC), Partido Radical, Movimento de Ação Popular Unificado (MAPU), Partido Social Democrata e Ação Popular Independente, venceu as eleições para a presidência da república. Liderada pelo Partido Socialista, a UP chegava ao poder comandada por Salvador Allende. Ao contrário do que preconizavam as diversas organizações que surgiam na América Latina influenciadas pela revolução cubana, a Unidade Popular, apesar das divergências internas, propunha o que ficou conhecido como "via chilena ao socialismo" ou, nas palavras de Allende, uma "revolución con sabor a empanadas y vino tinto"15 para descrever a tentativa de desenvolvimento do socialismo pela via institucional, democrática, sem luta armada e/ou tomada do poder pela violência e baseada, sobretudo, na participação popular (BORGES, 2011). Denise Rollemberg, em seu trabalho sobre o exílio, descreve como a experiência chilena exercia significativa força gravitacional:

Notícias da experiência chilena corriam o mundo, empolgavam as esquerdas ansiosas por ver de perto o socialismo com intensa participação popular e viver essa efervescência, perspectivas estimulantes para os latino-americanos pouco habituados à tradição democrática, partindo de países já imersos em ditaduras. Santiago foi o refúgio de muitos brasileiros. A nova capital do exílio (ROLLEMBERG, 1999, p. 85).

Estimativas compiladas pela Anistia Internacional, em relatório produzido após o golpe de Estado que derrubou Allende, confirmam o argumento de Rollemberg. De 13.000 a 15.000 exilados latino-americanos, dentre eles 1.200 brasileiros, estiveram no Chile durante o governo da Unidade Popular (AMNESTY INTERNATIONAL, 1974).

Em fevereiro de 1973, após escala em Frankfurt, Vera Sílvia e Fernando Gabeira chegam a Santiago. Gabeira, em O Crepúsculo do macho, relembra a ambiance que encontraram no retorno à Nuestra America:

O aeroporto de Puduhael é bem pobre e escuro diante do aeroporto de Frankfurt. Nossos passaportes falsos foram recebidos maravilhosamente. (...) O hotel [onde ficaram provisoriamente] estava localizado na Alameda e quando amanheceu havia uma feira-livre, com gente vendendo frutas aos gritos. O que era inverno há 24 horas, tornara-se verão, graças à travessia do Atlântico. Descemos rapidamente as escadas; vestindo nossas roupas leves, compramos uma melancia inteira e saímos por Santiago em busca de referências. A cidade estava cheia de conhecidos (GABEIRA, 1980, p. 119-120).

Os principais conhecidos, companheiros de militância, não demoraram a aparecer e indicaram que o MR-8 havia rachado. Os dirigentes recém-saídos do Brasil, representando o MR-8 Direção-Geral (MR-8/DG), preconizavam o abandono da luta armada e uma mudança radical na estratégia a ser adotada. Do outro lado, militantes há mais tempo no exílio fundavam o MR-8 Construção Partidária (MR-8/CP), buscando manter a luta armada no horizonte. Gabeira, nesse momento, já havia se desligado da organização e ambos os lados buscavam atrair Vera para as organizações que, naquele momento, não contavam com duas dezenas de militantes. Contudo, as perspectivas políticas não a emocionaram e, reencontrando os dirigentes, comunicou, formalmente, seu desligamento. A partir dali, iniciava-se o processo tortuoso e titubeante do desengajamento.

Apesar da não-militância organizada, continuaria ligada afetivamente aos companheiros. Ali, como se recorda, teve uma vida mais alegre ao reencontrá-los. A felicidade, mesmo que provisória e moderada, recuperava lugar na vida de Vera Sílvia, após um período em que permanecera distante. Frequentava, junto aos demais brasileiros, as penhas, onde se cantavam músicas tipicamente chilenas. Especificamente, como grande parte dos brasileiros exilados no Chile, frequenta a penha de Violeta Parra. Contudo, a vida boêmia não a empolgava. A empolgação, como não podia deixar de ser, nos primeiros meses em Santiago, era o processo revolucionário em curso no Chile: "Eu achava que, pela primeira vez, a revolução estava despontando como uma realidade histórica. Discutíamos sem parar".16 As discussões, como se pode presumir, deviam orbitar em torno dos caminhos a seguir pela Unidade Popular e pelos trabalhadores diante dos diversos obstáculos que atingiam níveis críticos em 1973.

Conforme aponta Elisa Borges, desde o final do ano de 1971, o governo da Unidade Popular passava por sérias dificuldades. No cenário econômico, as políticas do governo não conseguiam responder aos desafios da

expansão da demanda por consumo das classes populares (devido ao êxito relativo da política de redistribuição social) conjugado à escassez de produtos e alimentos, déficit fiscal significativo (gerado pelo aumento de gastos do governo), pressão inflacionária, sabotagem econômica impulsionada pelos EUA e por setores da burguesia chilena que bloquearam a maioria dos mercados compradores de cobre chileno (BORGES, 2011, p.75).

Essas dificuldades acirram-se com o "paro patronal",17 deflagrado em outubro de 1972. A partir dele, instala-se uma crise sem precedentes no processo produtivo chileno gerando, também, sérias dificuldades de abastecimentos por todo o país.

Diante dessas dificuldades, acentuam-se as fissões e divergências no seio da Unidade Popular a respeito da "via chilena ao socialismo". Por um lado, setores ligados à perspectiva pacífica de Allende, especialmente parte do Partido Socialista e do Partido Comunista, defendiam o que ficou conhecido pela expressão "consolidar para avanzar"18 apostando, especialmente, na conciliação e no jogo institucional para manter o governo da UP. Por outro lado, setores do Partido Socialista e do MAPU, além de organizações mais radicais de esquerda, que não faziam parte da Unidade Popular, como o Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR), propunham "avanzar sin transar",19 reivindicando o aprofundamento do processo em curso no Chile sem costuras políticas, colocando na ordem do dia a necessidade de mudanças rápidas, baseadas no apoio popular e na violência revolucionária, caso necessário.

Dentro desse contexto, Vera Sílvia buscaria contribuir ao processo revolucionário chileno a seu modo. A identidade construída em torno do sonho da revolução brasileira e seu fracasso, ao menos no curto prazo, representado pelo desligamento da organização, impediam um engajamento profundo no processo revolucionário chileno. Contudo, ao mesmo tempo, Vera Sílvia respirava os ares que constituíam a ideia de Nuestra America. Imbuía-se, portanto, do internacionalismo revolucionário latino-americano. Nesse sentido, entre uma identidade e, sobretudo, uma opção política que perdia, gradativamente, sua razão de ser e o espírito internacionalista que se aproximava da solidariedade que compunha o ethos revolucionário, Vera Sílvia adotaria uma postura titubeante dentro do contexto chileno, como ela mesmo recorda em depoimento ao apontar que os laços com o processo chileno não foram sólidos:

Éramos internacionalistas, ao menos teoricamente. E no Chile eu pude exercer esse internacionalismo, mas de uma forma muito secundária. Não me doei. Não me engajei. Não me identifiquei politicamente com os chilenos. Não tinha as mesmas condições de identificação que tive com o processo brasileiro que, apesar de menos importante, foi, para mim, muito mais importante. (...) Eu me engajei aqui [no Brasil] aos dezesseis anos. Minha vida de militante foi praticamente toda a minha juventude e o início da maturidade, não é? Então eu não tive essa relação com o Chile.20

Contudo, como ela mesmo dizia - ressaltando as perspectivas do latino-americanismo constituinte da cultura política transnacional -, a "revolução era tão abrangente, quase uma entidade".21 Nesse sentido, buscava contribuir de alguma forma. Por um lado, retomou os estudos na capital chilena e, naquele momento, talvez não houvesse melhor lugar na América Latina para empreender estudos relacionados à realidade latino-americana e, especialmente, ao pensamento de esquerda. Santiago, àquela altura, segundo Marchesi, "havia se transformado em um dos centros mais importantes de produção de ciências sociais do Cone Sul", sendo um local fundamental no processo de "mobilidade e intercâmbio de acadêmicos, técnicos e intelectuais de diferentes lugares da América Latina" (MARCHESI, 2019, p. 113). Frequentando a Faculdade Latino- americana de Ciências Sociais (FLACSO), aprofundou os estudos sobre O Capital de Karl Marx, que havia começado em Cuba, além da realização de outros dois cursos, Economia do Desenvolvimento e Reforma Agrária: México e Chile. Ela defendia a necessidade de aprimorar-se teoricamente como forma de se "construir como quadro revolucionário".22 Além disso, trabalhava com pesquisas sociais sobre a América Latina no geral mas, especificamente, sobre o Chile e o Brasil no Instituto de Estudos Sociais e Econômicos, liderado por Herbert de Souza, o Betinho, e Jean Marc von der Weid, líder estudantil brasileiro ligado à Ação Popular (AP), trocado pela libertação do embaixador suíço, em janeiro de 1971.

Em paralelo a essas atividades, desenvolvia, junto a Gabeira, contatos políticos com o MAPU e o MIR,23 o que indicava a tomada de posição diante do impasse da Unidade Popular. "Avanzar sin transar" era a consigna. Consigna que Vera defenderia com ainda maior firmeza após o levante militar que intentou derrubar Allende em 29 de junho, o Tanquetazo. Para Vera Sílvia, após a tentativa golpista, dissuadida pela rápida ação do General Prats, colocava-se na ordem do dia a necessidade de romper com a perspectiva pacifista e preparar, militarmente, os operários e as massas para o embate que se aproximava. Sua perspectiva convergia com as posições defendidas por setores da Unidade Popular, especialmente ligados ao PS, e o MIR. Após o Tanquetazo, ambas as organizações passaram a discutir a necessidade de preparar militarmente os trabalhadores, em específico os trabalhadores dos chamados Cordones Industriales.24 Vera Sílvia, talvez por ter participado do treinamento guerrilheiro em Cuba, o que lhe conferia grande prestígio à época, realizou alguns treinamentos com os operários, mas notava que, efetivamente, a perspectiva de enfrentamento não os mobilizava:

Eu tive muita dificuldade em discutir política com os operários. Era fácil ensinar como se faz uma bomba, um TNT caseiro. É uma fórmula e eles entendiam muito rápido. Agora, discutir política era muito mais difícil. Por exemplo: se a luta no Chile iria ser pacífica ou armada. Eles estavam se preparando militarmente, mas não me parecia que se preocupassem com isso. Eles me diziam: "Não tem problema, o exército se divide. O Prats fica conosco e seguramos o Allende".25

Esse depoimento de Vera converge com a análise realizada por Elisa Borges. Ao analisar a pouca resistência armada dos trabalhadores, aponta não apenas as dificuldades práticas que se impuseram, como a Lei de Controle de Armas26 sancionada por Allende em 1972, que contribuiu para o desarmamento e a desmoralização dos trabalhadores e das organizações. Assinala também o fato de que os Cordones Industriales, por suas pautas políticas e tradição sindical, "não tinham característica de uma organização militar ou que visassem a preparação armada de sua base de trabalhadores. O discurso radicalizado e que ressaltava, principalmente em meados do ano de 1973, a organização de um sistema de defesa não se materializou em uma preparação armada" (BORGES, 2011, p. 210).

A não preparação armada dos trabalhadores desanimou Vera que, conforme indica Gabeira, estava pessimista e "achava que um golpe seria desfechado e com enormes chances de vitória" (GABEIRA, 1980, p. 131). Mas, apesar da não preparação, os trabalhadores chilenos, fiéis ao governo de Allende, endossavam e pressionavam a radicalização do governo Allende através de diversas manifestações de rua. Vera Sílvia, que havia proposto um projeto de transformação radical para o Brasil que não sensibilizou e tampouco mobilizou os trabalhadores brasileiros, participava das manifestações do Chile com admiração nostálgica. Uma nostalgia, conforme termo de Zuenir Ventura (2008, p. 129), do "não-vivido": "As manifestações eram emocionantes. Havia momentos em que tinha vontade de chorar, quando não chorava mesmo, pois nunca tinha visto. Era muito bonito. Esteticamente, plasticamente ... vendo os operários e camponeses".27

As manifestações dos trabalhadores, em parte radicalizadas - algumas, inclusive, pediam a ruptura institucional por parte de Allende -, demonstravam, apesar das pressões, o apoio ao governo da Unidade Popular. No dia 04 de setembro, data comemorativa de três anos da chegada ao poder, os trabalhadores fizeram uma marcha que reuniu um milhão de pessoas e terminou em frente ao Palácio La Moneda, sede presidencial, sob o lema de ordem: "Unidad y Combate".28 O combate viria dias depois. No dia 11 de setembro de 1973, no início da manhã, um motim da Marinha deu início ao golpe de Estado. Allende, ainda sem o conhecimento de que se tratava de uma ofensiva golpista, dirigiu-se aos trabalhadores chilenos pela rádio para avisá-los e recomendar que fossem, normalmente, ao trabalho, talvez certo de que os legalistas das Forças Armadas, a exemplo do Tanquetazo, pudessem sufocar o motim. Ao longo da manhã, realizaria quatro contatos com o povo chileno pela rádio. Elisa Borges descreve-os com alguns detalhes e relata, especialmente, como foram recebidos:

O segundo e o terceiro contatos do presidente com trabalhadores do país ocorreu às 8:10 e às 8:45, respectivamente. Somente no terceiro contato foi confirmado que se tratava de um golpe de Estado. As orientações aos trabalhadores continuavam as mesmas, permanecerem nos seus locais de trabalho aguardando novas orientações. Às 9:02h, já com os aviões Hawker Hunter sobrevoando o La Moneda, o discurso do presidente se direcionou ao povo chileno, e não mais aos trabalhadores, pedindo que não se deixassem massacrar, mas que, ao mesmo tempo, deveriam defender suas conquistas. O último contato, já num tom de despedida, ocorre às 9:15h, e Allende se direciona primeiramente aos trabalhadores para agradecer a lealdade e a confiança. Ao final, pede ao povo chileno que se defenda, mas diz que não deveriam se sacrificar, e tampouco se humilhar. Para muitos, esse foi um discurso desmobilizador; para outros, foi o que impediu um grande massacre (BORGES, 2011, p. 208-209).

O Palácio La Moneda seria bombardeado e, em seguida, Allende se suicidaria. Apesar de alguma resistência de trabalhadores e militantes, o golpe consolidou-se e ascendia ao poder uma junta militar, comandada por Augusto Pinochet.

Para Vera Sílvia, além da não identificação com o processo chileno como já indicamos, o discurso de Allende teve um forte papel desmobilizador. Quando rememora o momento em que escutou o discurso de Allende pela rádio, podemos notar os traços já reconhecíveis do desengajamento, presentes na perspectiva de preservação de sua vida, algo não identificado antes: "Quando liguei o rádio pela manhã e ouvi o discurso de Allende, vi que a proposta reformista tinha ganho. Não dei um tiro. Foi o meu limite. Não ia entrar loucamente dando tiro para morrer. Não iria ser presa, torturada de novo".29

O EXÍLIO NO EXÍLIO

A violência do golpe foi intensa desde os primeiros movimentos. Partidos colocados na ilegalidade e milhares de pessoas presas, quando não assassinadas. Impunha-se, para Vera Sílvia, como necessidade primeira, definir os passos a seguir, especialmente pela "atmosfera xenofóbica" que, conforme relatório da Anistia Internacional, tomava conta do Chile (AMNESTY INTERNATIONAL, 1974, p. 11). Deve-se salientar que essa atmosfera foi construída, gradativamente, durante o governo Allende. Como vimos, após a chegada ao poder da Unidade Popular, o Chile tornou-se a principal referência para os militantes latino- americanos que buscavam escapar da repressão dos governos militares que se impunham, autoritariamente, em seus respectivos países. Nesse contexto, a tradição de asilo político, antes tratada como questão humanitária, passa a ser severamente questionada por setores da sociedade que se opunham ao governo da Unidade Popular. Conforme aponta Marchesi: "A imprensa opositora denunciava a chegada de novos refugiados como parte de uma conspiração internacional promovida pelos setores de esquerda mais radicais, que teriam vínculos com Cuba e buscavam interferir na vida política do país" (MARCHESI, 2019, p. 124).

Cultivada pela mídia e por setores sociais de oposição ao governo Allende, a xenofobia foi impulsionada e utilizada, sobretudo, por parte do novo governo que, como uma das principais justificativas para o golpe de Estado, relatava a presença de estrangeiros que entraram ilegalmente no Chile durante os três anos de governo da Unidade Popular para auxiliar Allende, de forma armada, na realização de um golpe de Estado. Segundo o Ministro do Interior da ditadura de Pinochet, General Oscar Bonilla, as Forças Armadas intervieram "a fim de salvaguardar o destino do país, seriamente ameaçado pelos elementos extremistas, dentre eles mais de 10.000 estrangeiros" (AMNESTY INTERNATIONAL, 1974, p. 11). Além das declarações oficiais, eram difundidas pela rádio mensagens direcionadas ao povo chileno, incentivando a denúncia da presença de estrangeiros em seus prédio ou proximidades. Algumas delas estão reproduzidas no relatório da Anistia Internacional e demonstram o teor hostil:

Os atos cometidos pelas forças armadas e pela polícia são, unicamente, para o bem do Chile e dos chilenos, pois foram encorajados pelos civis. Nenhuma compaixão será guardada aos extremistas estrangeiros que vieram assassinar os chilenos. (...) Cidadão, continue a velar por encontra-los e denuncie-os às autoridades militares mais próximas. (AMNESTY INTERNATIONAL, 1974, p. 55)

A essa altura, Vera Sílvia e Gabeira moravam em um apartamento na avenida Holanda, em Santiago, alugado por intermédio da ajuda que Vera recebia dos pais. Os dois transitavam com passaportes falsos. Vera com passaporte brasileiro e Fernando Gabeira com passaporte equatoriano. Um casal de vizinhos, alemães, desconfiava da fachada estudantil que mantinham. Diante da possibilidade de serem denunciados, discutiam o que fazer. Recorrer à embaixada do Brasil estava, definitivamente, fora de cogitação. Os dois haviam sido banidos e, àquela altura, a ordem era não mais prender os que retornassem, mas assassinar. Cogitavam a perspectiva de atravessar a fronteira com a Argentina e lá pedirem asilo. Contudo, grande parte dos demais militantes brasileiros estavam buscando refúgio em embaixadas localizadas em Santiago. Muitos conseguiam as informações das embaixadas por intermédio de Jean Marc von der Weid. O ex-líder estudantil, como tinha passaporte suíço, auxiliou, ao longo de vários dias após o golpe, os militantes brasileiros a encontrarem e se refugiarem nas diversas embaixadas que, à revelia, recebiam os que buscavam asilo. Passavam-se os dias e a situação torna-se, gradativamente, mais crítica para Vera Sílvia que, enfim, foi convencida por Jean Marc a pedir asilo em alguma embaixada. Além de convencê-la, indicava a embaixada da Argentina como melhor caminho. Contudo, não seria tarefa fácil. Àquela altura, carabineros chilenos mantinham guarda nas embaixadas para impedir, mesmo que a tiros, a entrada dos que buscavam asilo.

Vera Sílvia, Fernando Gabeira e Sérgio Pinho, amigo de Vera e militante que havia se exilado no Chile, foram transportados por Jean Marc até um local próximo a embaixada. Lá verificaram que o endereço era vigiado por quatro carabineros, dois na entrada principal e dois na entrada secundária. Aguardaram um momento de distração dos que vigiavam a entrada secundária e então, os três, correndo, ultrapassaram os portões da embaixada e entraram. Estavam, ao menos pelo momento, seguros (GABEIRA, 1980).30

Segundo o Centro de Informações do Exterior, ligado ao Ministério de Relações Exteriores brasileiro, o primeiro relatório em que consta o nome de Vera Sílvia como um dos 108 brasileiros que buscaram refúgio na embaixada da Argentina remonta ao dia 20 ou 21 de setembro.31 Entre o golpe e a embaixada, praticamente dez dias. A relativa "demora" em buscar a embaixada, para além de justificativas práticas, também remonta a questões de fundo, mais complexas, que envolviam não apenas seu destino individual, mas, sobretudo, o destino da geração de que fazia parte e, consequentemente, do ethos revolucionário. Conforme rememora Gabeira:

Depois de sentir-se a salvo, Vera perdeu o interesse pela situação e parecia que ia dar um desses longos balanços em sua vida, períodos em que roda incessantemente uma mecha de cabelo, responde com monossílabos e jamais toma a iniciativa de uma conversa. (GABEIRA, 1980, p. 155)

A constatação de segurança possibilita lançar luz a outras problemáticas. Por exemplo, quando Vera Sílvia rememora o cotidiano de precariedade e superlotação da embaixada em depoimento concedido, ressalta a diversidade de organizações ali representadas por militantes, enfatizando a presença de militantes uruguaios vinculados aos Tupamaros e, também, argentinos ligados ao ERP. Ali, segundo ela, "conheceu a esquerda latino-americana".32 Nessa perspectiva, podemos inferir que o golpe, concretizado na busca por refúgio nas embaixadas, demonstrava, naquele momento, com toda a sua força, o fim do projeto de transformação revolucionário. O golpe deixara as embaixadas em Santiago como uma "Internacional de feridas" (POLARI, 1978, p. 51). Uma Internacional de feridos. A idealizada revolução brasileira e latino-americana era varrida do horizonte por golpes que instauravam ditaduras e que, por consequência, varriam também os sonhadores, agora amontoados nas embaixadas da capital do que era, até então, o último bastião de esperança da América do Sul.

Jorge Semprun, ex-dirigente do Partido Comunista Espanhol, reflete, em sua autobiografia, sobre as facetas da clandestinidade, indicando que a atividade clandestina não pode ser vista, apenas, "como aventura, ou seja, como prazer ou gozo de situar-se fora de toda a norma, mas também como caminho para a conquista da verdadeira identidade" (SEMPRUN, 1979, p. 91). Na embaixada, Vera Sílvia assumiu, pela primeira desde a chegada na Argélia em junho de 1970, seu nome verdadeiro. A opção por apresentar-se com seu nome era a única possibilidade de receber asilo. Contudo, por outro lado, era também um retorno à institucionalidade. Era o abandono, pela força das circunstâncias, dos nomes de guerra clandestinos. A necessidade de abandonar, como aponta Semprun, a identidade construída. Era o fim da luta clandestina junto aos companheiros na busca por construir um país e, no limite, um continente livre da exploração do homem pelo homem.

O golpe no Chile foi uma marca para toda a esquerda. A partir daí, todo mundo mudou de vida, de uma forma ou de outra. (...) Depois do Chile foi uma espécie de diáspora. (...) Foi na embaixada do Chile que me identifiquei como Vera Sílvia. Aí, tive a visão de que ia ficar mais tempo no exterior.33

Esse contexto, como podemos inferir, não deveria ser fácil e, com certeza, geraria dificuldades. Sobretudo novas questões. Como Gabeira rememorou, Vera estava no caminho de fazer um balanço da sua vida a partir dali. A derrota da Unidade Popular surgia como a consolidação do desengajamento já em curso após a ruptura com o MR-8. Após o Chile, o exílio. Esse, também, forçado e, agora, por período indeterminado. A possibilidade de exílio na Europa. Palavra que, como aponta Gabeira, adquiriu, naqueles tempos, um peso negativo por forçar a admissão de "uma realidade que nos doía muito: estávamos sendo tocados do Continente por uma onda de direita" (GABEIRA, 1980, p. 156). Enfrentar o exílio. Enfrentar o vazio. Vazio por ter "perdido o miolo da minha vida, que era o projeto revolucionário".34 Vazio que colocava na ordem do dia a necessidade de refazer a identidade, até então fortemente baseada no ethos revolucionário. Procurar novos caminhos, novos projetos; reinterpretar os sonhos, atualizando-os ou deixando-os no passado. O fim do sonho revolucionário seria, também, o fim da trajetória militante? Todas questões que passam a ser colocadas a partir do golpe contra Salvador Allende, mas que emergiriam, mais bem formuladas, apenas no exílio parisiense, anos mais tarde, como ela mesmo rememora, o que justifica a longa citação:

Agora eu fui desistindo [da militância] doucement. É curioso que eu só atino que deixei de ser militante em 1975 na França. Eu achava que o meu destino, que o meu perfil era o de uma militante revolucionária, e eu não sabia nem qual revolução eu ia fazer, mas outra coisa eu não faria! Eu não seria professora universitária, não voltaria para a universidade. Achava tudo isso andar pra trás. Quando eu me vi de novo nos bancos da Universidade de Paris...

Mas eu não achava que iria pra frente em carreira nenhuma, como aliás eu não fui mesmo. (...) Agora, sobre a questão político ideológica: tínhamos negado o sistema. Como é que íamos entrar no sistema? Que contradição era essa... Não tínhamos que entrar, mas havia uma questão: tínhamos que sobreviver. E até aquele momento essa questão não se colocava. (...) Eu queria continuar na liberdade da clandestinidade e de não sistema, quer dizer, não entrar em nenhum sistema. E eu acho que tem um lado "esquizô". Sou uma estrangeira nesse sentido do caminho mesmo. Continuo estrangeira. Pra minha idade, com tudo o que passei, continuo estrangeira em qualquer lugar do mundo. Sou meio estranha! Isso não é um autoelogio! Eu sou uma pessoa não identificável. Eu vejo o que se passa na sociedade, eu vejo o que se passa com meus amigos, mas eu reajo de uma forma estranha, eu não reajo como deveria, como seria uma pessoa normal. Não que eu seja anormal, não! Mas foi uma opção. Está difícil manter essa opção. Agora, eu só me dei conta muito tarde, que estava completamente defasada. Foi apenas nos anos 80.35

CONCLUSÕES

Buscamos, através da trajetória de Vera Sílvia Magalhães no Chile, discutir algumas questões pouco mobilizadas a respeito do engajamento militante na esquerda armada brasileira. Por um lado, buscamos demonstrar como é possível verificar a criação de uma maneira de agir específica desses militantes, um ethos, que constrói e é construído por uma identidade coletiva baseada na atividade militante. Atividade militante com contornos específicos que nos remetem à conjuntura dos anos 60 no Brasil e, especialmente, no continente latino-americano, que mobilizavam a atuação desses militantes para além das perspectivas tradicionais das organizações de esquerda. A ruptura individual como imperativo categórico da revolução social. O afeto como amálgama do ethos.

Contudo, buscávamos, também, demonstrar como a conjuntura chilena é - ao menos para os militantes da esquerda armada brasileira -, uma das principais manifestações da "cultura política transnacional de tom revolucionário" e, também, a concretização do fim de uma "época" aberta pela revolução cubana. Fim do sonho revolucionário na América Latina. Ao menos do sonho da revolução pela via armada. E, a partir de então, a dificuldade do processo de desengajamento. Através da subjetividade militante, intentamos demonstrar as questões que impulsionaram um processo difícil de (re)construção de identidades e projetos em um exílio que se percebia, pela primeira vez, duradouro e desprovido de perspectivas.

  • 1
    Expressão utilizada por Paul Ricœur para designar uma mudança no objeto e na forma de estudo da história. Para maiores detalhes, ver RICOEUR (1994). Especificamente sobre o gênero biográfico, Vavy Pacheco Borges alerta-nos para problematizar o chamado "retorno" da biografia, ressaltando que essa perspectiva se refere, principalmente, à historiografia francesa. Realçando que a biografia sempre esteve presente na prática historiográfica, prefere-se sublinhar a mudança de perspectivas metodológicas no exercício da escrita biográfica que, por consequência, impulsionaram novos trabalhos biográficos. Para maiores detalhes, ver PACHECO BORGES (2004).
  • 2
    François Dosse denomina esse período de protagonismo das biografias no fazer histórico como Idade Heroica. Para maiores detalhes, ver DOSSE (2001).
  • 3
    Na sociologia francesa, a questão do desengajamento despontou, sistematizada, nos estudos sobre o engajamento militante, a partir do livro dedicado ao tema organizado por Olivier Fillieule, como resultado de uma jornada de estudos do Centre d’Études et de Recherche sur les mutations du Militantisme. Para maiores detalhes, ver FILLIEULE (2005). Mais recentemente, a reflexão sobre as consequências biográficas do engajamento militante estão em processo de renovação na bibliografia francesa, especialmente relacionadas aos militantes de 1968. Em decorrência dos 50 anos do movimento de maio de 1968, Changer le monde, changer sa vie (2018) busca analisar a trajetória dos que fizeram parte do movimento a partir de um "olhar descentralizado", deslocando a análise de Paris para outras regiões da França e, também, lançando luz aos militantes ordinários.
  • 4
    Utilizamos aqui o conceito geração inspirado no historiador francês Jean-François Sirinelli. Para o autor, o conceito não se restringe a um estrato demográfico marcado, exclusivamente, por uma medida demográfica. Uma geração se constitui quando um determinado conjunto de indivíduos "adquire uma existência autônoma e uma identidade - ambas geralmente determinadas por um acontecimento inaugurador". Nesta perspectiva, ultrapassando seu caráter temporal, estático e biológico, as gerações se formam a partir de eventos culturais, marcos fundadores, que imprimem identidade a um grupo, funcionando, portanto, como "escala móvel do tempo" (SIRINELLI, 2006, p. 133-135).
  • 5
    Conforme Denise Rollemberg, apoiada em Sirinelli, a geração de 1968 brasileira é formada por "militantes mais jovens, extremamente críticos às posições e práticas do PCB, muitos originários do movimento estudantil, de onde saíram para se integrarem à luta armada em organizações que supervalorizavam a ação revolucionária - de massas ou de vanguarda. Os eventos e as lutas do pós-1964 - o movimento estudantil, as passeatas, as greves, a luta armada, os sequestros de diplomatas - são as referências" (1999, p. 50).
  • 6
    O conceito de homem-novo - no sentido de ser humano, independente do gênero - está respaldado nos textos de juventude de Marx, em especial, nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, de 1844, que chegavam ao Brasil a partir da obra de Erich Fromm, O Conceito marxista de homem, de 1961. A supra-sunção do capitalismo traria consigo a superação dialética do indivíduo estranhado, inserido na sociedade capitalista, resumido à condição de mercadoria. No sistema capitalista: "O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria. Com a valorização do mundo das coisas aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. O trabalho não produz somente mercadorias; ele produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria" (MARX, 2004, p. 80). No comunismo, pelo contrário: "O comunismo na condição de supra-sunção positiva da propriedade privada, enquanto estranhamento-de-si humano, e por isso enquanto apropriação efetiva da essência humana pelo e para o homem. Por isso, trata-se do retorno pleno, tornado consciente e interior a toda riqueza do desenvolvimento até aqui realizado, retorno do homem para si enquanto homem social, isto é, humano" (MARX, 2004, p. 105). Nos anos de 1960, Che Guevara recoloca essa questão a partir do desenvolvimento do processo revolucionário em Cuba. Em discurso realizado em março de 1965, denominado El Socialismo e el hombre em Cuba, fica clara sua concepção sobre o processo de construção do homem-novo, como parte indispensável do próprio processo revolucionário (GUEVARA, 2004, p. 423).
  • 7
    Trad. livre do autor: "sob os paralelepípedos, a praia".
  • 8
    Nas palavras de Giovanni Levi: "as biografias são usadas especificamente para esclarecer o contexto. Nesse caso (nos casos extremos), o contexto não é percebido em sua integridade e exaustividade estáticas, mas por meio de suas margens. Descrevendo os casos extremos, lança-se luz precisamente sobre as margens do campo social dentro do qual são possíveis esses casos" (LEVI, 2006, p. 176-177).
  • 9
    Para não fugirmos aos objetivos do presente artigo, tratamos de forma sucinta, como se pode notar, o processo de construção e consolidação da via de luta armada no Brasil. Para maiores detalhes, ver AARÃO REIS (1990); GORENDER (2014); RIDENTI (2010).
  • 10
    MAGALHÃES, Vera Sílvia. Entrevistador Marcelo Ridenti. Arquivo Edgar Leuenroth. Militância Política e Luta Armada, 1986.
  • 11
    Para nos restringirmos, somente, a dois exemplos, basta notar, por um lado, que Régis Debray, em sua obra Revolucão na revolução?, uma das principais sistematizações do modelo revolucionário provindo da revolução cubana, postula: "Vencer é aceitar, desde o princípio, que a vida não é o bem supremo do revolucionário" (DEBRAY, 1985, p. 37). Transcendendo os livros, a figura de Ernesto Che Guevara que, mesmo diante da possibilidade da morte, que o acometeria na Bolívia pouco tempo depois, dizia: "Onde quer que a morte nos surpreenda, que seja benvinda, enquanto nosso grito de guerra chegar a um ouvido receptivo, outra mão se estenda para empunhar nossas armas e outros homens estejam prontos a entoar os cânticos de luto com o barulho das metralhadoras e novos gritos de guerra e vitória" (GUEVARA, 2004, p. 435).
  • 12
    MAGALHÃES, Vera Sílvia. Entrevistador Marcelo Ridenti. Arquivo Edgar Leuenroth. Militância Política e Luta Armada, 1986.
  • 13
    MAGALHÃES, Vera Sílvia. Entrevistador Marcelo Ridenti. Arquivo Edgar Leuenroth. Militância Política e Luta Armada, 1986.
  • 14
    MAGALHÃES, Vera Sílvia. Entrevistadores Arnaldo Chain, Carlos Zílio, Daniel Aarão Reis Filho, Glória Ferreira, Leilah Landim e Paulo Sérgio Duarte. Arquivo pessoal de Gloria Ferreira, 1998.
  • 15
    Trad. livre do autor: "revolução ao sabor de empanadas e vinho tinto".
  • 16
    MAGALHÃES, Vera Sílvia. Entrevistadores Arnaldo Chain, Carlos Zílio, Daniel Aarão Reis Filho, Glória Ferreira, Leilah Landim e Paulo Sérgio Duarte. Arquivo pessoal de Gloria Ferreira, 1998.
  • 17
    Iniciado como uma greve de caminhoneiros, acabou por tornar-se, também, uma espécie de locaute de grande parte do empresariado chileno.
  • 18
    Trad. livre do autor: "consolidar para avançar".
  • 19
    Trad. livre do autor: "avançar sem transar".
  • 20
    MAGALHÃES, Vera Sílvia. Entrevistadores Arnaldo Chain, Carlos Zílio, Daniel Aarão Reis Filho, Glória Ferreira, Leilah Landim e Paulo Sérgio Duarte. Arquivo pessoal de Gloria Ferreira, 1998.
  • 21
    MAGALHÃES, Vera Sílvia. Entrevistadora Denise Rollemberg. Laboratório de História Oral e Imagem (LABHOI-UFF), Política no Brasil: Exílio, 1994.
  • 22
    MAGALHÃES, Vera Sílvia. Entrevistadora Denise Rollemberg. Laboratório de História Oral e Imagem (LABHOI-UFF), Política no Brasil: Exílio, 1994.
  • 23
    Cabe ressaltar que o MIR foi a organização mais próxima da maior parte dos exilados latino- americanos no Chile. Defensor da luta armada antes da chegada ao poder da Unidade Popular, o triunfo eleitoral de Allende "provocou múltiplos debates dentro do MIR, que expressavam as tensões entre visões mais militaristas, que apontavam para a consolidação de uma guerrilha, e outras que apontam para o desenvolvimento de um trabalho de massas" (MARCHESI, 2019, p. 123). Contudo, apesar dos debates tático-estratégicos, a "solidariedade revolucionária" mantinha-se como uma posição inalterada, não apenas como evidência da cultura política transnacional, mas também como característica fundamental de uma estratégia revolucionária continental, que culminou na criação da Junta de Coordinación Revolucionaria (JCR), congregando o MIR, a organização argentina Ejército Revolucionario del Pueblo (ERP) e o uruguaio Movimiento de Liberación Nacional Tupamaros (MLNT). Para maiores detalhes sobre a relação entre as organizações, ver MARCHESI (2019). Para maiores detalhes sobre a atuação específica dos Tupamaros durante o governo da Unidade Popular, ver ALONSO (2011).
  • 24
    Os Cordones Industriales foram a principal tentativa de criar o poder popular no Chile. Realizava, na prática, uma mudança na dinâmica sindical ao buscar reunir as reivindicações dos trabalhadores nas fábricas às demandas dos locais de moradia, promovendo uma maior integração política entre os bairros populares e as indústrias. Para maiores detalhes, ver BORGES, 2011.
  • 25
    MAGALHÃES, Vera Sílvia. Entrevistadores Arnaldo Chain, Carlos Zílio, Daniel Aarão Reis Filho, Glória Ferreira, Leilah Landim e Paulo Sérgio Duarte. Arquivo pessoal de Gloria Ferreira, 1998.
  • 26
    Na prática, a lei possibilitou incursões do exército nas fábricas, sindicatos e sedes de organizações políticas para apreensão de armas.
  • 27
    MAGALHÃES, Vera Sílvia. Entrevistadores Arnaldo Chain, Carlos Zílio, Daniel Aarão Reis Filho, Glória Ferreira, Leilah Landim e Paulo Sérgio Duarte. Arquivo pessoal de Gloria Ferreira, 1998.
  • 28
    Trad. livre do autor: "Unidade e Combate".
  • 29
    MAGALHÃES, Vera Sílvia. Entrevistadores Arnaldo Chain, Carlos Zílio, Daniel Aarão Reis Filho, Glória Ferreira, Leilah Landim e Paulo Sérgio Duarte. Arquivo pessoal de Gloria Ferreira, 1998.
  • 30
    MAGALHÃES, Vera Sílvia. Entrevistadores Arnaldo Chain, Carlos Zílio, Daniel Aarão Reis Filho, Glória Ferreira, Leilah Landim e Paulo Sérgio Duarte. Arquivo pessoal de Gloria Ferreira, 1998.
  • 31
    MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. CIEX NÚMERO 406/73, 1973, p. 98. In: Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores, Arquivo Nacional. Disponível em: < https://www.sian.an.gov.br >. Acesso em: 20 jan. 2020.
  • 32
    MAGALHÃES, Vera Sílvia. Entrevistadores Arnaldo Chain, Carlos Zílio, Daniel Aarão Reis Filho, Glória Ferreira, Leilah Landim e Paulo Sérgio Duarte. Arquivo pessoal de Gloria Ferreira, 1998.
  • 33
    MAGALHÃES, Vera Sílvia. Entrevistadora Denise Rollemberg. Laboratório de História Oral e Imagem (LABHOI-UFF), Política no Brasil: Exílio, 1994.
  • 34
    MAGALHÃES, Vera Sílvia. Entrevistadora Denise Rollemberg. Laboratório de História Oral e Imagem (LABHOI-UFF), Política no Brasil: Exílio, 1994.
  • 35
    MAGALHÃES, Vera Sílvia. Entrevistadores Arnaldo Chain, Carlos Zílio, Daniel Aarão Reis Filho, Glória Ferreira, Leilah Landim e Paulo Sérgio Duarte. Arquivo pessoal de Gloria Ferreira, 1998.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    06 Abr 2020
  • Revisado
    25 Maio 2020
  • Aceito
    29 Jun 2020
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