Resumos
Trata-se de criança de oito anos, portadora de atrofia na hemiface direita, desde os seis anos. A ressonância magnética do encéfalo evidenciou espessamento cortical e formação de cistos. A hemiatrofia facial progressiva, ou síndrome de Parry-Romberg, mais freqüente nas duas primeiras décadas de vida, caracteriza-se por atrofia unilateral da face, acometendo área inervada por um ou mais ramos do trigêmeo. A relação dessa síndrome com a esclerodermia localizada é discutida.
Esclerodermia localizada; Hemiatrofia facial; Sistema nervoso central
The authors report a case of an 8-year-old child with facial hemiatrophy since the age of 6. A resonance imaging showed areas of white matter hyperintensity and cysts. Progressive facial hemiatrophy (Parry-Romberg syndrome) usually develops during the first or second decade of life. It is characterized by unilateral facial atrophy affecting dermatomes of one or multiple branches of the trigeminal nerve. The relationship between progressive facial hemiatrophy and scleroderma is discussed.
Central nervous system; Facial hemiatrophy; Scleroderma, localized
SÍNDROME EM QUESTÃO
Você conhece esta síndrome?* * Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais Minas Gerais (MG), Brasil.
Do you know this syndrome?
Luciana Baptista PereiraI; Rodrigo Santiago GómezII; Cláudia Márcia Resende SilvaIII; Wandilza Fátima dos SantosIV
IProfessora Assistente Dermatologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais Minas Gerais (MG), Brasil
IINeurologista Clínico do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais Minas Gerais (MG), Brasil
IIIMédica do Ambulatório de Dermatologia Pediátrica do Serviço de Dermatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais Minas Gerais (MG), Brasil
IVMédica do Ambulatório de Dermatologia Pediátrica do Serviço de Dermatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais Minas Gerais (MG), Brasil
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Luciana Baptista Pereira Rua Domingos Vieira, 300 /sala 505 Santa Efigênia Belo Horizonte 30150 240 Minas Gerais Telefones: (31)32412279 / 32411185 Fax: (31)32416691 Email: lucianabpereira@terra.com.br
RESUMO
Tratase de criança de oito anos, portadora de atrofia na hemiface direita, desde os seis anos. A ressonância magnética do encéfalo evidenciou espessamento cortical e formação de cistos. A hemiatrofia facial progressiva, ou síndrome de ParryRomberg, mais freqüente nas duas primeiras décadas de vida, caracterizase por atrofia unilateral da face, acometendo área inervada por um ou mais ramos do trigêmeo. A relação dessa síndrome com a esclerodermia localizada é discutida.
Palavraschave: Esclerodermia localizada; Hemiatrofia facial; Sistema nervoso central
ABSTRACT
The authors report a case of an 8yearold child with facial hemiatrophy since the age of 6. A resonance imaging showed areas of white matter hyperintensity and cysts. Progressive facial hemiatrophy (ParryRomberg syndrome) usually develops during the first or second decade of life. It is characterized by unilateral facial atrophy affecting dermatomes of one or multiple branches of the trigeminal nerve. The relationship between progressive facial hemiatrophy and scleroderma is discussed.
Keywords: Central nervous system; Facial hemiatrophy; Scleroderma, localized
RELATO DO CASO
Criança do sexo feminino, de oito anos, com história de mancha violácea na hemiface direita surgida aos seis anos e que perdurou por dois meses. Na época foi diagnosticada pansinusite (seios etimoidais, frontais e maxilares). Evoluiu com atrofia na hemiface direita (região frontal e malar), de forma lenta e progressiva (Figuras 1 e 2).
Exame neurológico e oftalmológico sem alterações. Realizou também avaliação ortodôntica, não tendo sido detectado nenhum comprometimento esqueléticodentário.
Biópsia cutânea da região malar direita evidenciou atrofia e retificação da epiderme, hialinização do colágeno levando a perda da diferenciação entre a derme papilar e reticular, anexos cutâneos hipotrofiados e circundados por tecido colágeno espessado (Figuras 3 e 4).
O estudo eletroneuromiográfico dos nervos periféricos da face foi normal, a tomografia computadorizada da face demonstrou depressão da região malar direita por hipotrofia do tecido subcutâneo e sinusopatia esfenoidal à direita. Na ressonância magnética do encéfalo notaramse regiões de espessamento cortical à direita, destacandose a face medial do lobo temporal, a ínsula e o vértex frontal; áreas dispersas de hipersinal comprometendo a substância branca dos lobos temporal, frontal e transição frontoparietal à direita, bem como a coroa radiada e o núcleo lentiforme à esquerda. Em algumas dessas regiões pequenos cistos de permeio foram encontrados (Figura 5).
Em relação aos exames laboratoriais, apresentou FAN, pesquisa de anticorpo antihistona, anticentrômero, antiScl 70, antimúsculo liso, antiDNA nativo, antiRNP negativos. Hemograma, provas de função hepática, glicemia de jejum, proteína C reativa, urina rotina sem alterações. Duas dosagens de fator reumatóide caracterizadas como fracamente positivas.
QUE SÍNDROME É ESTA?
Síndrome de ParryRomberg
A hemiatrofia facial progressiva foi descrita primeiramente por Parry em 1825 e Romberg em 1846, sendo, por isso, também denominada síndrome de Parry Romberg. Tratase de doença rara, de causa desconhecida, que freqüentemente se inicia durante a primeira ou segunda décadas de vida, podendo ocasionalmente instalarse na vida adulta.1 Caracterizase por atrofia unilateral da face (geralmente acometendo um ou mais ramos do trigêmeo), com atrofia da pele, tecidos moles, músculos e tecidos ósseos subjacentes. 2 A atrofia é lenta, progressiva e autolimitada. Pode ser precedida por induração cutânea e alteração da cor (hipo ou hipercromia), de forma semelhante à esclerodermia linear.2 Alopecia cicatricial pode ocorrer quando o couro cabeludo é acometido.2 A hemiatrofia da face pode ser completa com acometimento intraoral, incluindo a língua.2 Alterações na oclusão dentária podem ocorrer, sendo importante a avaliação ortodôntica.3,4 Trauma pode preceder o início da doença, como hematomas, picadas de inseto e infecções. Há dificuldades no estabelecimento da relação causal pela possibilidade de os eventos serem coincidentes. 2
Avaliação neurológica deve sempre ser realizada. Cefaléia, convulsões, depressão ou outras alterações do humor, retardo na linguagem e desenvolvimento motor, acometimento dos nervos periféricos com parestesias, paralisias ou nevralgias podem estar presentes.2,3,5 Alterações na ressonância magnética podem ser detectadas, sendo a atrofia cerebral e o aumento da intensidade da substância branca os achados mais comuns. As alterações são mais freqüentes no mesmo lado da atrofia cutânea, podendo ser encontradas mesmo em pacientes sem manifestações neurológicas.6
Manifestações oftalmológicas como enoftalmia, secundária à atrofia da gordura retroocular, pupila fixa ipsilateral, dificuldades no fechamento das pálpebras, entre outras, foram descritas.2
Em alguns casos, a investigação laboratorial revela presença de autoanticorpos, sugerindo tratarse de doença autoimune.2,7 Anticorpos para Borrelia burdorferi têm sido ocasionalmente relatados.2,8
A relação entre hemiatrofia facial progressiva e esclerodermia linear tem sido discutida desde o século 19. A apresentação clínica da hemiatrofia facial progressiva é muito semelhante à da esclerodermia linear em coup de sabre. Nos trabalhos mais recentes a tendência é acreditar que a hemitrofia facial progressiva seria uma das formas da esclerodermia localizada.2, 4,9,10
Na síndrome de ParryRomberg a atrofia pode ser precedida por induração ou alteração de cor, como eritema, hiper ou hipocromia, como ocorre na esclerodermia.2,9 Há descrição de casos com coexistência de lesões de hemiatrofia na face e de esclerodermia linear em outras localizações do corpo.10 Os achados histológicos na síndrome de ParryRomberg são semelhantes aos encontrados na esclerodermia. 9,10
Alterações na ressonância magnética descritas na síndrome de ParryRomberg podem ser modificadas pelo uso de imunossupressores, reforçando a idéia de se tratar de doença inflamatória, como a esclerodermia.11 Além disso, há relato de pacientes com diagnóstico de esclerodermia linear, localizada fora da face, que apresentaram quadro neurológico associado e, quando submetidos à ressonância magnética, apresentaram alterações semelhantes às descritas na síndrome de Parry Romberg.10,12
O tratamento da síndrome de ParryRomberg com imunossupressores ou outras medicações também utilizadas na esclerodermia, como cloroquina e calcipotriol, é discutido por vários autores.4,9,11 Em relação às deformidades, tratamentos cirúrgicos reconstrutivos devem ser avaliados após inatividade clínica da doença.13
Conflito de interesse declarado: nenhum.
Recebido em 28.07.2006.
Aprovado pelo Conselho Editorial e aceito para publicação em 28.07.2006.
- 1. Mendonça J, Viana SL, Freitas F, Lima G. Lateonset progressive facial hemiatrophy (ParryRomberg syndrome). J Postgrad Med. 2005;51:1356.
- 2. Sommer A, Gambichler T, BacharachBuhles M, Rothenburg T, Altmeyer P, Kreuter A. Clinical and serological characteristics of progressive facial hemiatrophy: a case series of 12 patients. J Am Acad Dermatol. 2006;54:22733.
- 3. Waters MF, Shields BR. Favorable longitudinal outcome in a patient with ParryRomberg syndrome. Acta Neurol Scand. 2005;112:1923.
- 4. Dervis E, Dervis E. Progressive hemifacial atrophy with linear scleroderma. Pediatr Dermatol. 2005;22:4369.
- 5. Aktekin B, Oguz Y, Aydin H, Senol U. Cortical silent period in a patient with focal epilepsy and ParryRomberg syndrome. Epilepsy Behav. 2005; 6:2703.
- 6. Moko SB, Mistry Y, Blandin de Chalain TM. Parry Romberg syndrome: intracranial MRI appearances. J Craniomaxillofac Surg. 2003;31:3214.
- 7. Gonul M, Dogan B, Isci Y, Varol G. ParryRomberg syndrome in association with antidsDNA antibodies: a case report. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2005;19:7402.
- 8. Sahin MT, Baris S, Karaman A. ParryRomberg syndrome: a possible association with borreliosis. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2004;18:2047.
- 9. Tollefson MM, Witman PM. En coup de sabre morphea and ParryRomberg syndrome: a retrospective review of 54 patients. J Am Acad Dermatol. 2007;56:25763.
- 10. Jablonska S, Blaszczyk M. Longlasting followup favours a close relationship between progressive facial hemiatrophy and scleroderma en coup de sabre. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2005;19:4034.
- 11. Korkmaz C, Adapinar B, Uysal S. Beneficial effect of immunosuppressive drugs on ParryRomberg syndrome: a case report and review of the literature. South Med J. 2005;98:9402.
- 12. Grosso S, Fioravanti A, Biasi G, Conversano E, Marcolongo R, Morgese G, et al. Linear scleroderma associated with progressive brain atrophy. Brain Dev. 2003;25:5761.
- 13. Vaienti L, Soresina M, Menozzi A. Parascapular free flap and fat grafts: combined surgical methods in morphological restoration of hemifacial progressive atrophy. Plast Reconstr Surg. 2005;116:699711.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
12 Jul 2007 -
Data do Fascículo
Fev 2007
Histórico
-
Recebido
28 Jul 2006 -
Aceito
28 Jul 2006