Resumos
Lacaziose é infecção crônica causada pelo fungo Lacazia loboi, originalmente descrita por Jorge Lobo (1931) em paciente oriundo da Amazônia brasileira. Manifesta-se, sobretudo, por lesões cutâneas queloidiformes. Relata-se o caso de paciente com placa eritêmato-violácea, cuja hipótese diagnóstica inicial foi de hanseníase dimorfa tuberculóide, doença também endêmica na região amazônica. Ressalta-se a importância da inclusão de formas paucibacilares de hanseníase no diagnóstico diferencial da lacaziose.
Dermatopatias infecciosas; Hanseníase dimorfa; Hanseníase dimorfa; Medicina tropical; Micoses
Lacaziosis is a chronic skin infectious disease caused by the fungus Lacazia loboi, which usually results in indolent cutaneous keloid-like lesions. It was first described by Jorge Lobo, in 1931, in a patient from the Amazon region. We report a case of lacaziosis, manifested by an erythematous infiltrated plaque, causing misdiagnosis with paucibacillary leprosy, since both diseases are endemic in Amazon basin.
Leprosy, borderline; Leprosy, borderline; Mycoses; Skin diseases, infectious; Tropical medicine
COMUNICAÇÃO
Lacaziose simulando hanseníase dimorfa tuberculóide*
Lacaziosis mimicking borderline tuberculoid leprosy*
Liana Hortência Miranda TubillaI; Antônio Pedro Mendes SchettiniII; Josie da Costa EirasIII; Claudia Zanardo Alves da GraçaIV; Maria Zeli Moreira FrotaV
IMédica Especialista em Clínica Médica da Fundação Alfredo da Matta - Manaus (AM), Brasil
IIMédico Dermatologista da Fundação Alfredo da Matta - Manaus(AM), Brasil, Mestre em Patologia Tropical pela Universidade Federal do Amazonas - Manaus(AM), Brasil
IIIMédica Residente em Dermatologia pela Fundação Alfredo da Matta-Manaus(AM), Brasil
IVMédica Dermatologista da Secretaria Municipal de Saúde de Manaus (AM), Brasil
VProfessora Assistente de Micologia Clínica da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade Federal do Amazonas - Manaus(AM), Brasil. Mestre em Microbiologia pela Universidade de São Paulo (USP) - São Paulo(SP), Brasil
Endereço para correspondência/Mailing Address Endereço para correspondência/Mailing Address: Liana Hortência Miranda Tubilla Fundação Alfredo da Matta Rua Codajás, 24 Cachoeirinha 69065 130 - Manaus AM. Tel/Fax: 92 - 3663-4747 Ramal 235 - 3663-3155 E-mail: gep@fuam.am.gv.br
RESUMO
Lacaziose é infecção crônica causada pelo fungo Lacazia loboi, originalmente descrita por Jorge Lobo (1931) em paciente oriundo da Amazônia brasileira. Manifesta-se, sobretudo, por lesões cutâneas queloidiformes. Relata-se o caso de paciente com placa eritêmato-violácea, cuja hipótese diagnóstica inicial foi de hanseníase dimorfa tuberculóide, doença também endêmica na região amazônica. Ressalta-se a importância da inclusão de formas paucibacilares de hanseníase no diagnóstico diferencial da lacaziose.
Palavras-chave: Dermatopatias infecciosas; Hanseníase dimorfa; Hanseníase dimorfa/diagnóstico; Medicina tropical; Micoses
ABSTRACT
Lacaziosis is a chronic skin infectious disease caused by the fungus Lacazia loboi, which usually results in indolent cutaneous keloid-like lesions. It was first described by Jorge Lobo, in 1931, in a patient from the Amazon region. We report a case of lacaziosis, manifested by an erythematous infiltrated plaque, causing misdiagnosis with paucibacillary leprosy, since both diseases are endemic in Amazon basin.
Keywords: Leprosy, borderline; Leprosy, borderline/diagnosis; Mycoses; Skin diseases, infectious; Tropical medicine
A lacaziose, também denominada doença de Jorge Lobo e blastomicose queloidiana, é doença fúngica crônica, limitada à pele e ao subcutâneo. Descrita pela primeira vez em 1931, por Jorge Lobo, seu agente causador recebeu várias denominações, como Glenosporella loboi (Fonseca e Leão, 1940), Loboa loboi (Ciferri, 1956) e Paracoccidioides loboi (Lacaz, 1986), entre outras. Atualmente, Lacazia loboi (Taborda, 1999) é a terminologia mais empregada.1-4
As lesões clínicas em geral são múltiplas, polimorfas, sendo mais comum e característica a lesão nodular de superfície lisa, brilhante, consistência sólida e aspecto queloidiforme, localizada com maior freqüência nos pavilhões auriculares, membros superiores e inferiores. Outras formas clínicas têm sido descritas, como infiltrativa, gomosa, ulcerosa, verruciforme, tumoral, esclerodermiforme, maculosa, bem como placas, que podem ser formadas por coalescência de nódulos. Alguns pacientes referem sintomas subjetivos, como dor à palpação, prurido, ardor, hipoestesia e, até, anestesia. A progressão da doença é lenta, e novas lesões surgem por contigüidade ou por propagação via linfática, havendo evidências de possível disseminação hematogênica.4-8
Devido ao grande polimorfismo lesional, é necessário estabelecer o diagnóstico diferencial com várias dermatoses. Para confirmação diagnóstica, é essencial a demonstração do agente infeccioso, abundante nas lesões, por meio de exame direto ou histopatológico.4
Não há tratamento eficaz, e têm sido empregados procedimentos cirúrgicos, como exérese simples, eletrocoagulação e criocirurgia, mas as recidivas são comuns. Drogas como sulfas, cetoconazol, itraconazol, anfotericina B e clofazimina são usadas isoladamente ou combinadas.9
Relata-se caso de paciente do sexo masculino, pardo, de 43 anos, madeireiro, procedente do interior do Estado do Amazonas, Brasil. Referia o aparecimento de "mancha vermelha" há cerca de dois anos, no flanco esquerdo, de crescimento lento, com ardor e eventual prurido. Havia feito uso de corticosteróides tópicos, sem melhora.
Ao exame dermatológico, observou-se placa infiltrada, eritêmato-vinhosa, de superfície plana e homogênea, configuração oval, bordas regulares bem definidas, localizada no flanco e região lombar esquerdos, medindo 6,5cm x 4,5cm em seus maiores diâmetros (Figura 1).
A pesquisa das sensibilidades térmica e dolorosa da lesão não demonstrou alterações. Exames laboratoriais rotineiros estavam dentro da normalidade. Foi realizada baciloscopia de linfa cutânea e biópsia de pele para exame histopatológico, sendo os cortes histológicos corados inicialmente pela hematoxilina-eosina.
Após avaliação clínica inicial, suspeitou-se de hanseníase e linfoma. No entanto, a histopatologia demonstrou, na derme, infiltrado inflamatório constituído de macrófagos, células epitelióides, células gigantes do tipo Langhans e corpo estranho, contendo várias estruturas fúngicas, que foram mais bem evidenciadas pelo método de Grocott (Figura 2). O exame baciloscópico não demonstrou presença de bacilos álcool-ácidorresistentes, e o exame micológico direto, realizado posteriormente, revelou células fúngicas leveduriformes de paredes espessas e catenuladas, sugestivas de Lacazia loboi. Levando-se em consideração localização, dimensão da lesão e desejo do paciente, foi realizada a exérese cirúrgica da lesão.
A maioria dos casos humanos de lacaziose é diagnosticada na Amazônia brasileira e países limítrofes da América do Sul. No entanto, também existe ocorrência na América Central e relatos de casos isolados na América do Norte e Europa.7
Habitualmente, em locais onde a doença é endêmica, a hanseníase virchowiana costuma ser o principal diagnóstico diferencial, pois as lesões queloidiformes da infecção fúngica se assemelham aos hansenomas das formas multibacilares.10
No paciente aqui apresentado, a morfologia da doença fúngica incitou o diferencial com a hanseníase dimorfa tuberculóide. É importante ressaltar que há relatos de lesões de lacaziose com hipoestesia ou anestesia, e que em alguns casos de hanseníase, por fatores diversos, nem sempre a alteração de sensibilidade é demonstrada.9 Nessas situações, fica patente a fragilidade do diagnóstico baseado apenas nos achados clínicos, havendo necessidade de exames complementares para a correta diagnose.
É necessário que profissionais da assistência básica de saúde sejam capacitados para suspeitar de doenças que simulam o quadro da hanseníase e disponham de sistema de referenciamento a unidades equipadas com instrumentos capazes de estabelecer diagnóstico com acurácia.
Finalmente, acredita-se ser fundamental que doenças infecciosas crônicas, mais prevalentes em populações em precárias condições socioeconômicas, continuem sendo campo de interesse e atuação dos dermatologistas. □
Recebido em 16.11.2006.
Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 13.08.2008.
Referências bibliográficas
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- 3. Lobo J. Um caso de blastomicose produzido por uma espécie nova encontrada em Recife. Rev Med Pernamb. 1931;1:763-75.
- 4. Talhari S, Cavalcante H. Doença de Jorge Lobo. In: Zaitz C, Campbell I. Compêndio de Micologia Médica. São Paulo: MEDSI; 1998. p.159-63.
- 5. Silva D, Brito A. Formas clínicas não usuais da micose de Lobo. An Bras Dermatol. 1994;69:133-6.
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- 9. Fischer M, Talhari AC, Reinel D, Talhari S. Lobomykose: Erfolgreiche Therapie mit Clofazimin und Itrakonazol bei einem 46-jährigen Patienten nach 32-jähriger Krankheitsdauer. Hautarzt. 2002;53:677-82.
- 10. Opromolla DVA, Taborda PRO, Taborda VBA, Viana S, Furtado JF. Lobomicose: relato de 40 casos novos. An Bras Dermatol. 1999;74:135-41.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
01 Ago 2008 -
Data do Fascículo
Jun 2008
Histórico
-
Recebido
16 Nov 2006 -
Aceito
13 Ago 2008