Open-access Síndrome de Nicolau de desenvolvimento tardio: relato de caso

Resumos

A Síndrome de Nicolau, também conhecida como Embolia Cutis Medicamentosa e Dermatite Livedóide, é uma rara complicação caracterizada por necrose tecidual que ocorre após a injeção de medicamentos. Descrevemos um caso de Síndrome de Nicolau de curso tardio, posterior à infiltração intra-articular com corticóide.

Corticosteróides; Dermatite; Infiltração; Necrose


Nicolau syndrome also known as Embolia cutis medicamentosa and Livedoid dermatitis is a rare complication characterized by tissue necrosis that occurs after injection of medicines. We describe a case of late development of Nicolau syndrome following intra-articular infiltration with corticosteroid.

Adrenal Cortex Hormones; Dermatitis; Necrosis; Seepage


CASO CLÍNICO

Síndrome de Nicolau de desenvolvimento tardio - relato de caso*

Alyne Mendonça Marques SilvaI; Angelo TonII; Thaisa Faustini LoureiroIII; Brunella Lemos AgrizziIV

IAcadêmica de Medicina - Faculdade Brasileira (UNIVIX) - Vitória (ES), Brasil

IIMédico Veterinário - Centro Universitário Vila Velha (UVV) - Vila Velha (ES), Brasil

IIIAcadêmica de Medicina - Faculdade Brasileira (UNIVIX) - Vitória (ES), Brasil

IVAcadêmica de Medicina - Faculdade Brasileira (UNIVIX) - Vitória (ES), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Alyne Mendonça Marques Silva Rua Dr Juvino Leal Andrade - 03, Tabuazeiro 29.043-364 Vitória - ES, Brasil Tel: 27 8134 7065 Email: lyne_msv@hotmail.com

RESUMO

A Síndrome de Nicolau, também conhecida como Embolia Cutis Medicamentosa e Dermatite Livedóide, é uma rara complicação caracterizada por necrose tecidual que ocorre após a injeção de medicamentos. Descrevemos um caso de Síndrome de Nicolau de curso tardio, posterior à infiltração intra-articular com corticóide.

Palavras-chave: Corticosteróides; Dermatite; Infiltração; Necrose

INTRODUÇÃO

A infiltração de glicocorticóides é um dos procedimentos mais realizados na reumatologia. Apesar da corticoterapia originar uma gama de efeitos adversos locais e sistêmicos, frequentemente ela é tida como um procedimento seguro.1,2

As injeções de glicocorticóides locais são amplamente utilizadas no tratamento de pacientes com doenças musculo-esqueléticas. As complicações infecciosas são a principal fonte de preocupações, mas continuam sendo incomuns.3

Dois casos de Síndrome de Nicolau após injeção intra-articular de glicocorticóides foram descritos.3 Segundo Cherasse et al (2003), o desenvolvimento da Síndrome em tais situações é raro. No entanto, estudos acerca da posição da agulha durante injeções supostamente intra-articulares demonstraram que a agulha encontra-se, comumente, completamente ou parcialmente fora do espaço articular.3

Segue, abaixo, relato de caso de paciente submetida a duas infiltrações intra-articulares de glicocorticóides que evoluiu com quadro tardio da Síndrome de Nicolau.

RELATO DO CASO

Paciente, 47 anos, sexo feminino, hipertensa, sofreu entorse de tornozelo esquerdo, grau 3, em Novembro de 2008, que evoluiu com intenso edema doloroso na face lateral do tornozelo, impotência funcional à marcha, limitação de mobilidade e extenso eritema local.

Imediatamente, procurou atendimento ortopédico, sendo diagnosticada, à Ressonância Magnética, ruptura parcial do ligamento talo-fibular e tenossinovite dos fibulares com diminuta ruptura parcial do fibular curto e acentuada distensão líquida de sua bainha sinovial. Foram prescritos medicamentos analgésicos e antiinflamatórios, sem imobilização da articulação.

Uma vez tendo permanecido o edema e a dor após 5 meses, a paciente submeteu-se a 2 procedimentos de infiltração da bainha dos fibulares com retinaculotomia dos extensores por via percutânea, com intervalo de 7 dias. Evoluiu com melhora do edema e manutenção da dor.

Após 1 semana, a paciente iniciou quadro de dor em queimação, de forte intensidade no local da infiltração, sem fatores atenuantes ou agravantes, associada ao surgimento de área necrose circunscrita em região maleolar lateral esquerda medindo, aproximadamente, 2 cm de diâmetro (Figura 1A). Procurou atendimento em serviço de urgência, sendo medicada com analgésicos e monitorada hemodinamicamente.




Cerca de 72 horas depois, evoluiu com extensão da necrose, que adquiriu margens irregulares, exantema eritematoso no membro acometido com presença de halo de eritema ao redor da lesão e piora da dor. Foi, então, admitida no Hospital de Vila Velha, onde realizou Ecodoppler de membros inferiores, sem alterações. Foi diagnosticada Síndrome de Nicolau, tendo sido medicada com ciprofloxacina, enoxaparina e pentoxifilina.

Em seguida, realizou-se desbridamento cirúrgico do tecido desvitalizado, com exposição do tendão (Figura 1B). A ferida evoluiu favoravelmente, com desenvolvimento de cicatriz atrófica 3 meses após a cirurgia (Figura 1C).

DISCUSSÃO

A Síndrome de Nicolau, ou Embolia Cutis Medicamentosa, foi descrita primeiramente por Juliusberg, Freudenthal e Nicolau entre 1924 e 1928.3,4,5,6 As primeiras descrições remetem à pacientes sob tratamento de sífilis que eram submetidos a injeções de sais de bismuto.4,5

É bem descrita na literatura dermatológica como uma rara reação adversa caracterizada por dermatite livedóide3,4,5,7 , que ocorre após a injeção intramuscular de substâncias insolúveis.4,7,8,9

No entanto, o aparecimento da síndrome está relacionado com a via de administração e a forma farmacêutica droga e não com suas propriedades farmacodinâmicas e, portanto, não há um grupo específico responsável pelo potencial de complicação. A revisão sistemática mostrou fatores predisponentes, como a micro-suspensão no veículo aquosa, em contrapartida com o oleoso, sugerindo uma prevalente gênese da embolia na síndrome.10

A Síndrome de Nicolau já foi descrita com a administração de várias outras drogas como penicilina benzatina, penicilina, antiinflamatórios não esteroidais, anestésicos locais, antihistamínicos, penicilinas e corticoisteróides.5

Segundo Saputo & Bruni (1998), a síndrome é mais freqüente na população pediátrica, principalmente em crianças com menos de 3 anos de idade, nas quais os fenômenos de penetração por embolia na artéria podem ser mais prováveis, devido ao menor tamanho dos segmentos vasculares envolvidos.10 Porém, de acordo com 20, a maioria das publicações de relatos de casos referem-se a adultos.5

Apesar de a nádega ser o local mais acometido, ela também foi descrita no ombro, coxa, joelho e tornozelo.5

O mecanismo da inflamação e destruição celular é incerto, mas sabe-se que ocorre uma obstrução microembólica do suprimento arterial da derme.4,10,11 Dados atuais, no entanto, sugerem que a embolia não seja o único fator envolvido. A lesão final seria decorrente de uma associação de três fatores: angioespasmo, trombose e embolia.11 A embolia e a trombose seriam causados pela injeção do medicamento dentro da luz vascular, enquanto o angiospasmo poderia ser causado por uma série de fatores, como compressão do vaso (pelo líquido injetado ou por um hematoma), por lesão direta do vaso pela agulha ou por reflexos do tipo artério-arterial ou veno-arterial.7,11

Existem, ainda, autores que acreditam em uma origem imuno-alérgica para explicar a necrose.10,11 Segundo eles, a droga em questão agiria como um hapteno, desencadeando reação do tipo vasculite, com deposição de imunocomplexos, ativação de complemento e quimiotaxia de neutrófilos. O resultado dessas alterações seria uma trombose, que se manifestaria clinicamente como uma necrose.11

As manifestações clínicas podem ser locais ou sistêmicas. Inicialmente, o paciente manifesta dor severa após a injeção caracterizada por caráter agudo e grave.3,5,7,8,10 Ocorre, então, o desenvolvimento de exantema eritematoso ao nível do local de injeção, com a formação de um halo de palidez ao redor da área,10 e de padrão livedóide3,5,12 que evolui lentamente para necrose da pele, subcutâneo e, por vezes, muscular.10,13 Em alguns, pacientes, pode progredir para bolhas no sítio de administração, podendo, ainda, haver infecção secundária.3,5,7

A área necrótica, em poucos casos, estende-se à articulação, causando uma isquemia transitória ou permanente, que às vezes exige amputação.10

Em um terço dos pacientes, ocorrem complicações neurológicas, geralmente transitórias, (de algumas horas a várias semanas), representadas pela hipoestesia e paraplegia.10,13

A lesão tecidual é reversível e a terapia rápida com substâncias vasoativas como a heparina subcutânea é benéfica.14 O vasoespasmo pode ser aliviado pela ação inibitóiria da fosfodiesterase fornecida pela pentoxifilina.10 Corroborando os dados, segundo Uri & Arad (2009), vários estudos mencionaram melhora clínica do paciente com administração de tratamento anticoagulamente (i.e. heparina), esteróides intravenosos (i.e. betametasona, dexametasona ou metilprednisolona intravenosos) e terapia vasoativa (i.e. pentoxifilina).14

Segundo Murthy, Siddalingappa & Suresh (2007), o tratamento conservador com desbridamento e controle da dor constituem a principal terapia. 14

Considerando o fato de que não há um padrão estabelecido para o tratamento da Síndrome de Nicolau, é importante o emprego de uma técnica correta de injeção para minimizar os fatores de risco. A aspiração prévia é importante para assegurar a injeção extra-articular. No entanto, não há um guideline especifico.15

Recebido em 18.09.2009.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 07.03.2010.

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: Nenhum

Referências bibliográficas

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  • Endereço para correspondência:
    Alyne Mendonça Marques Silva
    Rua Dr Juvino Leal Andrade - 03, Tabuazeiro
    29.043-364 Vitória - ES, Brasil
    Tel: 27 8134 7065
    Email:
  • *
    Trabalho realizado na Faculdade Brasileira (UNIVIX) - Vitória (ES), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Fev 2011

    Histórico

    • Aceito
      07 Mar 2010
    • Recebido
      18 Set 2009
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