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Artigo revisão: métodos experimentais para o estudo da autodifusão do oxigênio em óxidos metálicos

Review article: experimental methods for the study of oxygen selfdiffusion in metallic oxides

Resumos

São revistos os principais métodos experimentais de estudo da difusão do oxigênio em óxidos metálicos. Casos práticos são descritos e ilustrados com resultados obtidos pelo autor em trabalhos anteriores.

Óxidos metálicos; difusão do oxigênio; troca isotópica; SIMS; análise por reação nuclear


The most important experimental methods for the study of oxygen diffusion in metallic oxides are reviewed. Practical cases are described and illustrated with results obtained by the author in previous works.

Metallic oxides; oxygen diffusion; isotopic exchange; SIMS; nuclear reaction analysis


Artigo revisão: Métodos experimentais para o estudo da autodifusão do oxigênio em óxidos metálicos

(Review article: Experimental methods for the study of oxygen selfdiffusion in metallic oxides)

A. C. S. Sabioni

Laboratório de Difusão em Materiais, Departamento de Física/ICEB

Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, MG, 35400-000

e-mail: sabioni@ouropreto.feop.com.br

Resumo

São revistos os principais métodos experimentais de estudo da difusão do oxigênio em óxidos metálicos. Casos práticos são descritos e ilustrados com resultados obtidos pelo autor em trabalhos anteriores.

Palavras-chave: Óxidos metálicos, difusão do oxigênio, troca isotópica, SIMS, análise por reação nuclear.

Abstract

The most important experimental methods for the study of oxygen diffusion in metallic oxides are reviewed. Practical cases are described and illustrated with results obtained by the author in previous works.

Keywords: Metallic oxides, oxygen diffusion, isotopic exchange, SIMS, nuclear reaction analysis.

INTRODUÇÃO

Numerosos trabalhos têm sido publicados [1-15] sobre estudos de difusão do oxigênio em diferentes classes de óxidos metálicos, tais como óxidos cerâmicos (supercondutores, semicondutores, condutores iônicos, vidros, combustíveis nucleares), geomateriais (silicatos) e produtos de corrosão (Cr2O3, Al2O3, ...) formados pela oxidação de ligas industriais à alta temperatura.

Esse interesse pela difusão do oxigênio nesses diferentes tipos de óxidos se deve ao fato do conhecimento da difusão ser indispensável para a compreensão e controle de numerosos processos, tais como sinterização, fluência, condutividade iônica, transformações de fases, corrosão de metais por oxidação à alta temperatura, dentre outros. Além disso, estudos de difusão apresentam grande interesse científico pois permitem a caracterização dos defeitos pontuais da estrutura dos óxidos.

Como o oxigênio é um constituinte dos óxidos, sua difusão nesses materiais é denominada de autodifusão. Se a difusão do oxigênio ocorre através de uma estrutura tridimensional, ela é denominada de difusão em volume. Se a difusão ocorre em meios limitados, bidimensionais ou unidimensionais, ela poderá receber diversas denominações, tais como difusão em contornos de grãos, difusão superficial, difusão em subcontornos de grãos e difusão em discordâncias.

A medida de coeficientes de difusão pode ser feita através de métodos diretos e indiretos [16]. Nos métodos diretos, a medida de coeficientes de difusão é feita a partir de uma curva concentração versus distância, denominada de perfil de difusão. Nos métodos indiretos, a determinação é feita a partir do estudo de algum fenômeno controlado pela difusão.

Dada a importância da difusão do oxigênio em óxidos metálicos, revemos, neste artigo, os principais métodos experimentais utilizados para a medida de coeficientes de difusão do oxigênio nesses materiais. Essa revisão abordará a medida direta de coeficientes de autodifusão do oxigênio em volume, ou seja, a que ocorre em um meio tridimensional.

MÉTODOS EXPERIMENTAIS

Para determinar os coeficientes de difusão do oxigênio em um óxido, podemos considerar, como geral, as seguintes etapas experimentais [16]: (a) seleção de amostras, (b) preparação de superfície, (c) pré-tratamento térmico de difusão, (d) seleção do traçador, (e) aplicação do traçador, (f) tratamento térmico de difusão, (g) análise dos perfis de difusão e (h) determinação de coeficientes de difusão.

Seleção de Amostras

A medida de coeficientes de difusão em volume, em óxidos metálicos cristalinos, é feita, preferencialmente, em amostras monocristalinas. A direção cristalográfica ao longo da qual é feita a medida deve ser especificada, pois a difusividade pode variar com a direção cristalográfica.

Eventualmente, amostras policristalinas podem ser utilizadas também para a medida de coeficientes de difusão em volume. Entretanto, nesse caso, o cálculo de coeficientes de difusão em volume requer cuidadosa interpretação dos perfis de difusão conforme é mostrado a seguir.

As amostras utilizadas em experiências de difusão devem ser isentas de defeitos microestruturais (porosidade, fissuras e outros), que possam facilitar a penetração do elemento que se difunde originando perfis de difusão aparentes.

A análise química das impurezas presentes também é indispensável, pois as impurezas podem determinar o tipo e a concentração do defeito pontual responsável pela difusão.

Preparação de Superfície

Medidas de coeficientes de difusão do oxigênio são feitas em uma dimensão, a partir de uma superfície polida, que constitui um plano de referência. O polimento da superfície é feito com pasta de diamante e a sua rugosidade deve ser desprezível quando comparada com a profundidade de penetração do elemento cuja difusão é estudada.

Pré-tratamento térmico de difusão

Denomina-se de pré-tratamento térmico a qualquer tratamento térmico que antecede ao da difusão. Ele é realizado após a preparação da superfície da amostra e é utilizado com diversos objetivos, tais como: (a) restaurar a estrutura da superfície de um cristal, eventualmente danificada com o polimento mecânico; (b) fixar o tamanho de grão de amostras policristalinas, evitando, assim, o seu crescimento durante o tratamento térmico de difusão; (c) equilibrar termodinamicamente o óxido com a temperatura e a atmosfera do tratamento térmico de difusão; (d) eliminar danos provocados por irradiação em amostras implantadas, etc.

O pré-tratamento térmico pode ser indesejável para o caso de materiais vítreos, pois pode ocorrer a cristalização do material [10].

Seleção do Traçador

A determinação direta de coeficientes de autodifusão requer a utilização de um traçador, que pode ser um isótopo radioativo ou um isótopo estável do elemento cuja difusão se deseja estudar. No caso do oxigênio, não há isótopo radioativo com meia-vida suficientemente longa para ser utilizado em experiências de difusão. Por esse motivo, utiliza-se, como traçador do oxigênio, o isótopo estável 18O, cuja abundância natural é de 0,204%. Pode-se utilizar também, como traçador do oxigênio, o isótopo estável 17O, cuja abundância natural é de apenas 0,038%, porém muito mais caro do que o isótopo 18O.

Aplicação do Traçador

Em estudos de autodifusão, geralmente o traçador é aplicado na forma de um filme fino sobre a superfície polida da amostra. No caso da difusão do oxigênio, esse procedimento é possível [5], porém pouco usual. Outra possibilidade de aplicação do traçador do oxigênio é através da implantação iônica [17]. Como esses métodos são de uso limitado em estudos da difusão do oxigênio, eles não serão considerados neste artigo. O procedimento mais comum consiste na utilização do método da troca isotópica, cuja descrição é feita no próximo item.

Tratamento Térmico de Difusão

O principal método de estudo da difusão do oxigênio em óxidos é o da troca isotópica, que consiste em colocar a amostra de um óxido em uma atmosfera gasosa contendo o isótopo 18O à alta temperatura. Nessas condições, o isótopo 18O da atmosfera é incorporado a um sítio do oxigênio na superfície da amostra e, simultaneamente, um isótopo 16O pode deixar a superfície da amostra passando para a atmosfera. Dizemos que há uma troca isotópica entre o sólido e a atmosfera. O isótopo 18O incorporado à superfície difunde-se, aleatoriamente, em direção ao interior da amostra, originando um perfil de difusão. Portanto, no método da troca isotópica, a aplicação do traçador e o tratamento térmico de difusão constituem uma única operação.

Esquematicamente, a troca isotópica sólido-gás, para um óxido do tipo MaOb, pode ser representada pela reação simbólica:

18O2(gás) + Ma16Ob (sólido) = 16O2(gás) + Ma 18Ob(sólido)

A atmosfera utilizada no método da troca isotópica pode ser estática ou dinâmica. Dado o alto custo do gás 18O2, usualmente, procura-se recuperá-lo após o experimento através de uma bomba criogênica.

Os tratamentos térmicos de difusão do oxigênio podem ser realizados dentro de uma ampla gama de pressões parciais de oxigênio.

Para tratamento de difusão sob uma pressão de oxigênio igual a 1,0x105 Pa, a atmosfera do forno é constituída de oxigênio enriquecido com o isótopo 18O (99%).

Pressões de oxigênio menores, 2x104 a 101Pa, podem ser obtidas com a diluição do oxigênio 18O em argônio [10]. Para pressões parciais de oxigênio muito menores [6], em atmosferas redutoras, utiliza-se, freqüentemente, uma mistura reativa de H2/H218O2 (água enriquecida com o isótopo 18O) ou uma mistura de C18O/C18O2 (monóxido de carbono e dióxido de carbono enriquecidos em 18O). As proporções de H2 e H2O, na atmosfera de H2/H2O, e as proporções de CO e CO2, na atmosfera de CO/CO2, permitem o cálculo das pressões parciais de oxigênio nos tratamentos de difusão.

Análise dos Perfis de Difusão

Após os tratamentos térmicos, os perfis de difusão do oxigênio devem ser determinados. As duas principais técnicas utilizadas para a medida de perfis de difusão do 18O são a espectrometria de massa de íons secundários (secondary ion mass spectrometry-SIMS) e a reação nuclear (nuclear reaction analysis- NRA).

- Espectrometria de Massa de Íons Secundários

A espectrometria de massa de íons secundários permite a análise isotópica de todos os elementos que constituem a tabela periódica [18].

Essa técnica consiste no bombardeamento da superfície da amostra com um feixe de íons primários, de alguns keV, que penetram no sólido e entram em colisão com os átomos localizados nas primeiras camadas atômicas da amostra. Esses átomos, por sua vez, entram em movimento e iniciam colisões em cascata com os átomos vizinhos, provocando a ejeção de espécies atômicas e moleculares através do processo denominado sputtering. Uma pequena fração das partículas ejetadas são íons (positivos e negativos) que constituem a emissão iônica secundária.

A espectrometria de massa de íons secundários analisa os íons secundários, fornecendo informações sobre a composição da superfície ou do volume da amostra.

Na análise do oxigênio, a emissão iônica secundária de interesse é a constituída pelos íons negativos 16O-, 17O- e 18O-. A intensidade do feixe desses íons secundários é proporcional à concentração dos isótopos 16O, 17O e 18O, respectivamente. Portanto, a concentração do 18O no óxido pode ser calculada através da expressão:

(A)

onde os Is representam as contagens dos sinais dos íons 16O-, 17O- e 18O- .

A Fig. 1 mostra um espectro típico fornecido por SIMS para a análise dos isótopos do oxigênio (16O e 18O) em uma amostra monocristalina de óxido de zinco [14]. A análise mostrada na Fig. 1 foi feita com um feixe primário de Ga+ com energia de 10 keV. A área varrida pelo feixe foi de aproximadamente 120 mm x 120 mm e os sinais dos isótopos do oxigênio foram coletados de uma área central de 36 mm de diâmetro.


Na Fig. 2, é mostrado o perfil da cratera formada sobre a superfície da amostra, após a análise SIMS da Fig. 1. Há diversas técnicas que permitem a medida da profundidade de crateras, como perfilômetros e interferômetros.


O perfil em profundidade do isótopo 18O é dado pela expressão (A). Nessa expressão, o valor I (17O-) pode ser desprezado, dado que a abundância natural desse isótopo é muito pequena (0,038%). A expressão (A) fornece a concentração em função do tempo de erosão. Para obter a concentração em função da profundidade de penetração, é preciso utilizar a velocidade com que a superfície é erodida. Essa velocidade, considerada constante, é determinada dividindo-se a profundidade da cratera pelo tempo de análise.

Para os casos em que há grande penetração do traçador, isto é, acima de 10 mm, não é conveniente a determinação de perfis de difusão através da utilização de crateras, pois, por serem profundas, o feixe primário pode erodir suas paredes laterais gerando informações incorretas. Para grandes profundidades de penetração do traçador, corta-se a amostra ao longo de uma direção que faz um pequeno ângulo a de aproximadamente 1 a 2o com o plano de referência (x = 0), conforme indicado na Fig. 3a. O plano inclinado é polido e, a seguir, a análise SIMS é feita passo a passo ou continuamente ao longo dele, deixando um traço provocado pela erosão como o indicado na Fig. 3a. As distâncias di de cada ponto analisado ao longo do plano inclinado são conhecidas. O perfil de concentração em profundidade, ou seja, o perfil de difusão na direção ox, é estabelecido em função dessas distâncias e do ângulo de corte a, através da relação: xi = disena. A Fig. 3b mostra um perfil de corte fornecido por um perfilômetro.


- Análise por Reação Nuclear Ressonante

A análise dos perfis de difusão do isótopo 18O por reação nuclear faz uso da reação 18O(p,a)15N. Essa reação consiste no bombardeio da superfície do sólido com prótons (p) energéticos. Esses prótons penetram no óxido e interagem com núcleos de 18O havendo a formação de um núcleo de 15N e a emissão de partículas alfa (a).

Para determinadas energias dos prótons, podem ocorrer aumentos bruscos na seção de choque da reação nuclear 18O(p,a)15N com o aparecimento de picos estreitos de ressonância [19].

Consideremos, como exemplo, a energia de 629 keV para a qual a reação 18O(p,a)15N apresenta uma ressonância estreita [19]. Se a energia do feixe de prótons incidentes for inferior a 629 keV, não haverá ressonância em nenhum ponto da amostra. Se a energia dos prótons incidentes é igual a 629 keV, ocorrerá uma reação ressonante na superfície da amostra. Se a energia do feixe é superior a 629 keV, os prótons irão perder progressivamente energia à medida que penetram no material e, quando essa energia atingir o valor de 629 keV, ocorrerá a reação ressonante.

A análise do isótopo 18O por reação nuclear ressonante consiste em deslocar essa ressonância sob a superfície da amostra, medindo, simultaneamente, a intensidade das partículas a produzidas na reação ressonante. Para cada energia do feixe incidente, acima de 629 keV, é conhecida a profundidade em que ocorre a ressonância. A intensidade do feixe das partículas a detectadas - abatida a contribuição devida aos prótons não ressonantes - é proporcional ao número de núcleos de 18O que participam da reação ressonante a uma determinada profundidade.

A Fig. 4 mostra a similaridade de perfis de difusão do 18O medidos por SIMS e por reação nuclear ressonante em uma mesma amostra de Fe1-xO [20].


Determinação de Coeficientes de Difusão

A medida de coeficientes de autodifusão do oxigênio é feita ao longo de uma direção. Nesse caso, a concentração do traçador, em função do tempo e da posição, pode ser prevista pela equação da difusão, ou segunda lei de Fick, escrita na forma [21]:

onde C(x, t) é a concentração do traçador a uma distância x da superfície, t é o tempo de tratamento térmico de difusão e D é o coeficiente de difusão ou difusividade do traçador.

A solução da equação da difusão, C(x, t), contém D e corresponde ao perfil de difusão teórico. A expressão analítica de C(x, t) depende da distribuição inicial do traçador e da distribuição do traçador nos contornos da amostra durante o tratamento térmico de difusão.

A determinação de D é feita através do ajustamento da expressão analítica de C(x,t) ao perfil de difusão experimental, sendo D um dos parâmetros ajustáveis.

Um aspecto importante no estudo da difusão em óxidos é que o coeficiente de difusão (D), além da temperatura T, pode depender também da pressão parcial de oxigênio (PO2). Assim, para óxidos, a forma geral da relação de Arrhenius é dada por: D = Do(PO2) exp (-Q/RT), onde Do é o fator pré-exponencial, que inclui fatores entrópicos e outras propriedades do sólido, Q é a energia de ativação, que é igual à soma das entalpias de formação e de migração do defeito responsável pela difusão, T é a temperatura absoluta, R é a constante dos gases e n é uma constante adimensional que pode ser positiva, negativa ou nula. O valor de n depende do tipo do defeito pontual responsável pela difusão (lacuna, intersticial, ...) e da carga efetiva desse defeito.

Portanto, o estudo de difusão, em função da temperatura e da pressão de oxigênio, permite a determinação de n, e constitui-se numa importante ferramenta para a caracterização de defeitos pontuais em óxidos. Uma descrição microscópica da difusão e a sua utilização para a caracterização de defeitos pontuais em óxidos deverão ser assunto de outro artigo.

ESTUDOS DE CASOS PRÁTICOS

Medida de coeficientes de difusão em volume pelo método da troca isotópica

Quando se utiliza o método da troca isotópica sólido-gás, diversos casos podem ser encontrados, dos quais os mais importantes são:

- Difusão em um meio semi-infinito com a concentração superficial constante

Esse tipo de difusão ocorre quando a cinética de incorporação do traçador 18O à superfície da amostra é rápida, de modo que pode-se considerar como válida a seguinte condição de contorno: C(0, t) = Cg, para t ³ 0. Essa condição mostra que a concentração do 18O na superfície da amostra, C(0, t), é igual à concentração de 18O na atmosfera, (Cg), em qualquer instante t > 0.

Para esse tipo de experiência, deve ser observada também a condição inicial: C(x, 0) = Co. Essa condição mostra que, antes do início da difusão, já há, na amostra, uma concentração Co, do traçador 18O, que corresponde à sua abundância natural (0,204%). A solução da Equação (B), nesse caso, é dada por [21]:

Na Equação (C), Cs representa C(0, t), ou seja, é a concentração superficial, C(x, t) é a concentração à profundidade x, Co é a abundância natural do 18O no material, t é o tempo de difusão, D é o coeficiente de difusão em volume e erf é a função erro.

Na Fig. 5, são mostrados dois perfis de difusão do 18O medidos em dois diferentes monocristais de ZnO [14, 22]. Um dos perfis foi medido ao longo do eixo c e o outro ao longo do eixo a. Esses perfis de difusão, obtidos nas mesmas condições experimentais, são diferentes devido à anisotropia da difusividade do oxigênio no ZnO. A difusão ao longo do eixo a é maior do que ao longo do eixo c. Nessas experiências, a concentração superficial do 18O na superfície das amostras foi aproximadamente igual à do 18O na atmosfera (95%). Para esse caso, o cálculo do coeficiente de difusão foi feito ajustando-se a expressão (C) aos perfis de difusão experimentais, por regressão não-linear, conforme mostrado na Fig. 5.


- Difusão em um meio semi-infinito com concentração superficial variável

Nas experiências de troca isotópica, pode acontecer de a incorporação do traçador 18O à superfície da amostra ser lenta. Ou seja, ao final da experiência de difusão, observa-se que a concentração do traçador 18O na superfície é menor do que a sua concentração na atmosfera. Para esse caso, é considerada a seguinte condição de contorno [24]:

onde, Cg é a concentração de 18O na atmosfera, C(0, t) é a concentração na superfície da mostra e a é o coeficiente da reação de troca isotópica gás-sólido. A solução da Equação (B) para esse caso é dada por [24]:

onde Co é a concentração natural do 18O na amostra, erfc é a função erro complementar, D é o coeficiente de difusão, t é o tempo de tratamento de difusão, x é a profundidade de penetração do traçador e H = a/D. Na Equação (E), D e H são parâmetros ajustáveis.

A Fig. 6 mostra um perfil de difusão do 18O em uma cerâmica de composição (Gd0,9964Ca0,0036)2Sn2O7, após difusão a 503oC, durante 6,68 x 102 s, em oxigênio [8]. Nessa experiência, a concentração de 18O na atmosfera era de 98,5%, enquanto que a concentração desse isótopo na superfície da amostra, após a difusão, atingiu um valor inferior a 10 %. Para esse tipo de experiência, a solução adequada da Equação B é dada pela expressão (E), cujo ajustamento ao perfil de difusão experimental da Fig. 6 resulta: D = 6,7x10-15cm2/s e H = 4,0x104 cm-1.


O coeficiente da reação de troca sólido-gás (a), da Equação (D), varia com a temperatura segundo uma lei de Arrhenius [5, 8, 25]. O conhecimento do coeficiente a apresenta interesse para as cerâmicas utilizadas em processos que envolvem interação sólido-gás, tais como eletrólitos sólidos, sensores de gases e outros.

- Difusão em um meio semi-infinito com concentração superficial variável e evaporação da amostra

Há materiais que, quando tratados termicamente à alta temperatura, apresentam significativa evaporação. Isso significa que o plano de referência inicial (superfície polida) desloca-se num movimento de recuo. Supondo que a velocidade de recuo da superfície é v, isso significa que a superfície original da amostra desloca-se de vt, ao final de um tratamento térmico de duração t.

Se, em experiências de difusão, há evaporação da amostra, ela deve ser considerada, caso contrário os valores obtidos para D serão incorretos. A consideração da evaporação da amostra em experiências de difusão implica uma nova forma para a segunda lei de Fick dada por [21]:

A solução da Equação (F) para difusão por troca isotópica, com concentração superficial variável, é dada por [26]:

A Equação (G) tem três parâmetros ajustáveis: D, H e v, e constitui-se numa generalização dos casos anteriores.

A Fig. 7 ilustra o ajustamento da Equação (G) a um perfil de difusão do 18O no Cr2O3 monocristalino, para o qual tem-se D = 4,4x10-18cm2/s, H = 2,05x105cm-1 e v = 2,2x10-12cm/s [5]. A expressão (G) foi utilizada pois, nessa experiência, a amostra de Cr2O3 apresentou evaporação e a concentração superficial do 18O (~15%), após o tratamento térmico, foi menor do que a sua concentração na atmosfera (40%).


Tal como os parâmetros a e D, v também varia com a temperatura segundo uma lei de Arrhenius [25].

INFLUÊNCIA DE CONTORNOS DE GRÃOS SOBRE PERFIS DE DIFUSÃO EM CERÂMICAS POLICRISTALINAS

Conforme mencionado anteriormente, a determinação de coeficientes de difusão em volume, em cerâmicas cristalinas, é feita, preferencialmente, em amostras monocristalinas. Eventualmente, pode-se utilizar amostras policristalinas. Nesse caso, o perfil de difusão é, em geral, diferente dos perfis observados em monocristais.

A Fig. 8 mostra um perfil de difusão do oxigênio em um policristal de ZnO [25]. Esse perfil é diferente dos perfis obtidos em amostras monocristalinas de ZnO (Fig. 5) por mostrar duas regiões distintas. Próximo à superfície, a concentração de 18O apresenta uma rápida queda e a seguir mostra uma lenta variação com a profundidade. A parte inicial do perfil corresponde à difusão em volume, e a parte posterior do perfil, similar a uma longa cauda, corresponde à difusão em contornos de grãos.


Obviamente, as soluções da Equação (B), para a difusão em volume, não prevêem um perfil como o da Fig. 8. Essas soluções podem ser ajustadas apenas à porção inicial do perfil, tal como mostrado na Fig. 8, onde se ajustou a expressão (G) para a difusão em volume. A determinação de coeficientes de difusão em contornos de grãos, a partir da análise da cauda da curva da Fig. 8, requer tratamento matemático [21] diferente dos descritos anteriormente e não será tratada neste artigo.

Nem sempre a porção inicial de um perfil de difusão medido em um policristal corresponde unicamente à difusão em volume. Muitas vezes essa porção inicial tem uma significativa contribuição da difusão em contornos de grãos. Isso é mostrado na Fig. 9, onde estão representados dois perfis de difusão do 18O no Cr2O3 [6]. Um dos perfis foi medido em um monocristal e o outro em uma amostra policristalina de Cr2O3. Esses perfis foram obtidos pelo método da troca isotópica, nas mesmas condições experimentais. É fácil verificar que a parte inicial do perfil, no policristal, é mais profunda do que o perfil obtido no monocristal. Nas condições mostradas na Fig. 9, o coeficiente de difusão em volume deduzido da parte inicial do perfil obtido na mostra policristalina será um coeficiente de difusão aparente, maior do que o deduzido do perfil de difusão no monocristal.


Para os materiais ZnO [25] e Cr2O3 [6], conforme mostram as Figs. 8 e 9, a difusão do oxigênio ocorre preferencialmente em contornos de grãos, sendo superior à difusão em volume de 5 ordens de grandeza.

Entretanto, nem sempre o contorno de grão é uma via preferencial para a difusão do oxigênio em óxidos. Na Fig. 10, são comparados os perfis de difusão do 18O em amostras monocristalina e policristalina da cerâmica nuclear UO2. Esses perfis, obtidos nas mesmas condições experimentais, são similares e mostram que os contornos de grãos não constituem uma via preferencial para a difusão do oxigênio no UO2 [15].


É importante ressaltar que, embora os contornos de grãos do UO2 não sejam uma via preferencial para a difusão do oxigênio, isso não é verdade para a autodifusão do urânio nesse mesmo material. Trabalho recente [28] mostra que o urânio difunde-se no UO2 preferencialmente em contornos de grãos, sendo a difusão intergranular 5 ordens de grandeza maior do que a difusão em volume, nas mesmas condições experimentais.

Em síntese, a avaliação do efeito dos contornos de grãos sobre a difusão do oxigênio em materiais policristalinos requer uma interpretação cuidadosa dos perfis de difusão.

O efeito dos contornos de grãos pode também ser evidenciado através de imagens iônicas da distribuição do 18O fornecidas por espectrometria de massa de íons secundários, ou pelo uso da reação nuclear 18O(p,n)18F com a formação do isótopo radioativo 18F, cuja distribuição pode ser visualizada por métodos auto-radiográficos.

EXEMPLOS DE APLICAÇÕES

Para concluir essa revisão, serão mostrados dois exemplos de aplicações de estudos de difusão em óxidos cerâmicos.

Difusão do oxigênio em um condutor iônico de composição (Gd0,9964Ca0,0036)2Sn2O7

Cerâmicas de composição (Gd1-yCay)2Sn2O7 têm sido pesquisadas para aplicações como eletrólitos sólidos [28]. Medidas de condutividades elétricas dessas cerâmicas, para diferentes composições (y = 0; 0,0036; 0,0057 e 0,03), já foram realizadas por espectroscopia de impedância [29].

Para confirmar o caráter de condutor iônico (de íons oxigênio) dessas cerâmicas, através de medidas diretas da difusão do oxigênio, escolheu-se uma cerâmica de composição (Gd0,9964Ca0,0036)2Sn2O7 [8].

A verificação do caráter iônico dessa cerâmica foi feita do seguinte modo: a partir dos dados de condutividade elétrica, calcularam-se coeficientes de difusão através da relação de Einstein-Nernst dada pôr

onde q é a carga do íon móvel, n é o número desse íon por unidade de volume, k é a constante de Boltzmann, T é a temperatura absoluta e s é a condutividade elétrica.

A seguir, mediram-se os coeficientes de difusão do oxigênio, diretamente, pelo método da troca isotópica.

Se o material for um condutor iônico, isso significa que os coeficientes de difusão calculados pela relação (H) devem ser similares aos obtidos diretamente através de experiências de difusão. Na Fig. 11, pode ser visto que os coeficientes de difusão do oxigênio, calculados (Dcalc) e medidos (D), apresentam boa concordância, o que confirma o comportamento de condutor iônico do material estudado.


Difusão do oxigênio em vidro de cordierita

Estudos de mecanismos de cristalização e fluxo viscoso de vidros de cordierita (2MgO.2Al2O3.5SiO2) têm sido objeto de diversos estudos recentes [29, 30]. Para verificar se a autodifusão do oxigênio desempenha algum papel importante nesses fenômenos, determinaram-se coeficientes de autodifusão do oxigênio em vidros de cordierita [10], abaixo e acima da temperatura de transição vítrea (Tg). Abaixo de Tg, as experiências foram realizadas em atmosfera redutora (H2/H218O/N2), e acima de Tg, em atmosferas redutora (H2/H218O/N2) e oxidante (18O2+Ar).

Na Fig. 12, está ilustrado o diagrama de Arrhenius para a autodifusão do oxigênio em vidro de cordierita. Conforme mostra essa figura, a difusividade do oxigênio em cordierita apresenta forte variação através da temperatura de transição vítrea. Outra informação importante fornecida pela Fig. 12 é que a difusão do oxigênio na cordierita varia com atmosfera utilizada.


Na Fig. 13, é feita a comparação da entalpia de difusão do oxigênio (DHD), medida acima da temperatura de transição vítrea, em atmosfera de 18O2+Ar, com as entalpias para a cristalização (DHu) e fluxo viscoso (DHh), na cordierita. De acordo com os dados representados na Fig. 13, a entalpia de difusão do oxigênio é muito diferente das entalpias de cristalização e de fluxo viscoso.


Portanto, pode-se concluir que, nas condições estudadas, a ruptura de ligações e a reorientação molecular necessárias para a cristalização e os mecanismos de transporte atômico para o fluxo viscoso não estão correlacionados de maneira óbvia com a difusão do oxigênio em vidro de cordierita.

AGRADECIMENTOS

O autor agradece à FAPEMIG e ao CNPq por auxílios na área de difusão.

REFERÊNCIAS

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(Rec. 28/06/99, Rev. 05/10/99, Ac. 08/10/99)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Maio 2000
  • Data do Fascículo
    Dez 1999

Histórico

  • Aceito
    08 Out 1999
  • Revisado
    05 Out 1999
  • Recebido
    28 Jun 1999
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