Open-access Caracterização óptica e estrutural de ortoferritas de lantânio dopadas com cromo e alumínio

Optical and structural characterization of lanthanum orthoferrites doped with chromium and aluminum

Resumo

Esse trabalho teve como objetivo sintetizar óxidos com a estrutura tipo perovskita de composição LaFeO3, LaFe0,8Al0,2O3 e LaFe0,8Cr0,2O3 pelo método sol-gel proteico, visando sua aplicação como pigmento cerâmico. Os pós resultantes do processo de síntese foram calcinados a 600 e 800 °C e em seguida caracterizados por difração de raios X com refinamento Rietveld, microscopia eletrônica de varredura (MEV), microscopia eletrônica de transmissão (MET), espectroscopia na região do UV-visível e colorimetria CIE-L*a*b*. De acordo com os difratogramas de raios X, todos os pós calcinados foram monofásicos com estrutura tipo perovskita ortorrômbica. As imagens de MEV e MET revelaram que os pós foram porosos e nanométricos. As ferritas de lantânio sem dopagem apresentaram cores em tons pastel, sendo mais claros nos pós dopados com alumínio. Já a ferrita dopada com cromo apresentou coloração marrom claro. As colorações foram mais intensas com o aumento da temperatura de calcinação.

Palavras-chave: pigmento; gelatina; perovskita; ferrita

Abstract

This work aimed to synthesize oxides with the perovskite structure of LaFeO3, LaFe0.8Al0.2O3 and LaFe0.8Cr0.2O3 by proteic sol-gel, in order to use as a ceramic pigment. The resulting powders from the synthesis process were calcined at 600 and 800 °C and then characterized by X-ray diffraction (XRD) with Rietveld refinement, scanning electron microscopy (SEM), transmission electron microscopy (TEM), UV-visible diffuse reflectance spectroscopy, and CIE-L*a*b* colorimetry. According to the XRD patterns, all calcined powders were single-phase with orthorhombic perovskite structure. The SEM and TEM images revealed that the powders were porous and nanometric. The pure lanthanum ferrites presented pastel colors, being lighter in aluminum-doped powders. The chromium-doped ferrite presented a light brown color. The colors were more intense with increasing calcination temperature.

Keywords: pigment; gelatin; perovskite; ferrite

INTRODUÇÃO

A perovskita de formulação ABO3 apresenta estrutura em que os cátions de maior raio iônico, como os metais alcalinos ou lantanídeos, ocupam os sítios A com número de coordenação 12 e os cátion menores, geralmente metais de transição d com número de coordenação 6, ocupam o sítio B1. Os óxidos com estrutura tipo perovskita têm sido objetos de interesse da comunidade de pesquisa devido às suas propriedades físicas e químicas. Mais especificamente, as ortoferritas de lantânio possuem um campo de aplicabilidade vasto, tais como óxidos de células a combustível2), (3, catalisadores4, separadores de gás5, magnetorresistência gigante negativa6 e sensores de gás7), (8, e propriedades magnéticas interessantes, como antiferromagnetismo. Atualmente, esse material devido à sua alta superfície de contato e aliado à forte propriedade óptica do ferro está se tornando objeto de estudo da indústria cerâmica por possuir potencial de pigmento cerâmico. Somando-se a isso, as ortoferritas quando dopadas podem modificar ou potencializar suas propriedades em função das substituições parciais do íon central Fe3+ por outros elementos químicos com propriedades diversas. Além das dopagens, as propriedades podem ser afetadas em função da rota de síntese utilizada para obtenção da mesma.

A ortoferrita de lantânio, segundo a literatura, tem sido obtida por vários métodos, como mecânico-químico9), (10, reação no estado sólido11, tratamento hidrotérmico12, sol-gel13), (14, coprecipitação15), (16, método complexo polimerizável17, método de sais fundidos18 e síntese de combustão19. Recentemente, um método vem chamando atenção dos pesquisadores por sintetizar pós nanométricos em relativamente baixas temperaturas, de maneira rápida e simplificada, cujo princípio consiste em utilizar a gelatina como direcionador orgânico, em substituição ao ácido cítrico e etilenoglicol do método Pechini20), (21. Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivo sintetizar óxidos com estrutura tipo perovskita de composição LaFeO3 (LF), LaFe0,8Al0,2O3 (LFA) e LaFe0,8Cr0,2O3 (LFC) pelo método sol-gel proteico, visando sua aplicação como pigmento cerâmico, estudando a sua microestrutura, as propriedades ópticas e a rota de síntese.

MATERIAIS E MÉTODOS

Os reagentes utilizados para síntese dos pós foram: nitrato de alumínio nona-hidratado Al(NO3)3.9H2O (Isofar, 99,7%), nitrato de lantânio hexa-hidratado La(NO3)3.6H2O (Sigma-Aldrich, 99,9%), nitrato de ferro (III) nona-hidratado Fe(NO3)3.9H2O (Sigma-Aldrich, 98,9%) e nitrato de cromo nona-hidratado Cr(NO3)3.9H2O (Vetec, 99,9%). A gelatina foi cedida pela empresa Gelita.

Os pós foram preparados pelo método sol-gel proteico20), (21. Esse método consistiu em adicionar água, gelatina e nitratos metálicos em um béquer, sob agitação a 70 °C. O resultado desta reação foi um gel polimérico (resina) que foi calcinado a 400 °C para eliminação da matéria orgânica inserida no processo de síntese. Em seguida, os pós precursores foram calcinados por 4 h a 600 e 800 °C para obtenção da fase perovskita.

Os pós sintetizados nas duas temperaturas foram caracterizados por meio das técnicas de difração de raios X (DRX) usando um difratômetro (Shimadzu, XRD-6000), seguido de refinamento Rieveld, microscopia eletrônica de varredura (MEV) usando um microscópio (Jeol, SEM LV), microscopia eletrônica de transmissão (MET, Jeol, JEM 3010 URP), colorimetria (Gretag Macbeth, Color-Eye 2180) e espectrometria na região do UV-visível com um espectrofotômetro (Shimadzu, UV-Visible) com reflectância acessória (UV-2550) com comprimento de onda na região de 200-900 nm.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os difratogramas de raios X das amostras LaFeO3 (LF), LaFe0,8Al0,2O3 (LFA) e LaFe0,8Cr0,2O3 (LFC) tratadas a 600 e 800 °C por 4 h estão ilustrados na Fig. 1. A identificação das fases deu-se por meio do refinamento Rietveld22 e o ajuste do padrão foi feito com a ajuda do software MAUD23. O refinamento Rietveld revelou que os pós sintetizados apresentaram estrutura tipo perovskita, com simetria ortorrômbica, grupo espacial Pnma, conforme constatada pelo arquivo ICSD 84941. A proximidade entre os difratogramas das amostras LF, LFA e LFC revelou que a substituição parcial do íon Fe3+ pelos íons Cr3+ e Al3+ foi bem-sucedida, incorporando completamente no sítio B da estrutura perovskita. Os pós sintetizados pelo método sol-gel proteico foram monofásicos em ambas as temperaturas de calcinação, mostrando-se vantajoso na obtenção de ferritas de lantânio e, portanto, alternativo aos métodos convencionais de síntese. A reflexão característica do pico principal da estrutura perovskita aparece no intervalo entre 30°<2θ<35° nos difratogramas de todas as amostras, com estreitamento da reflexão conforme aumento da temperatura, o que é um indicativo do aumento da cristalinidade. Resultados similares foram encontrados em outro trabalho24. Na literatura, vários autores sintetizaram LF por vários métodos: em um dos trabalhos, foi sintetizada a perovskita pelo método sol-gel, mas somente a 1200 °C foi obtida a fase sem vestígios de fase secundária25; enquanto em outro26, foi obtida LF monofásica pelo método Pechini, porém somente em 900 °C. Tais resultados enfatizam o caráter vantajoso do método sol-gel proteico em relação às outras rotas tradicionais para obtenção de perovskitas monofásicas. O interesse por pós monofásicos se dá pela necessidade dos pigmentos em apresentar homogeneidade de suas propriedades, agregando maior valor tecnológico e econômico ao esmalte produzido.

Figura 1
Difratogramas de raios X das perovskitas LF, LFA e LFC calcinadas a: (a) 600 °C; e (b) 800 °C.
Figure 1
X-ray diffraction patterns of LF, LFA and LFC perovskites calcined at: (a) 600 °C; and (b) 800 °C.

Os parâmetros microestruturais são mostrados na Tabela I. Observou-se que o tamanho médio do cristalito aumentou conforme a temperatura de calcinação foi elevada, variando entre 58 a 80 nm para o LF, 43 a 55 nm para LFA e 30 a 54 nm para LFC. O aumento do tamanho do cristalito deve-se ao aumento da temperatura, uma vez que a mesma atua como força motriz de coalescência e crescimento das partículas20. O valor de otimização do refinamento (SIG) foi aceitável, denotando precisão do refinamento Rietveld, dado que é considerado um bom refinamento quando o valor do SIG é inferior a 220), (21.

Tabela I
Parâmetros microestruturais das perovskitas LF, LFA e LFC.
Table I
Microstructural parameters of LF, LFA and LFC perovskites.

Imagens de MEV e MET da ferrita de lantânio calcinada a 800 °C podem ser vistas nas Figs. 2a e 2b, respectivamente. A morfologia porosa, observada na imagem de MEV, deve-se à evolução dos gases decorrente do processo de decomposição da gelatina. Aglomerados de partículas (<200 nm) podem ser claramente vistos nessa imagem, os quais consistem em um grande número de partículas esféricas mantidas juntas por forças interfaciais. Na imagem de MET observa-se que as partículas têm a forma arredondada com dimensões inferiores a 200 nm.

Figura 2
Micrografias de MEV (a) e de MET (b) da LF calcinada a 800 °C.
Figure 2
SEM (a) and TEM (b) micrographs of LF calcined at 800 °C.

Os espectros de reflectância difusa das perovskitas LF, LFA e LFC calcinadas a 600 e 800 °C são apresentados na Fig. 3. Os espectros das amostras LF e LFA são bastante semelhantes, uma vez que o íon cromóforo é o Fe3+ e a banda na região em torno de 700 nm é atribuída à transição 6A1g-4T2g desse íon em sítio octaédrico27), (28), (29. Já no óxido LFC, com a incorporação do Cr3+ na estrutura, ocorreu uma sobreposição das bandas dos íons cromóforos Cr3+ e Fe3+, de modo que ambos contribuíram para a cor final, resultando em marrom claro. A banda em torno de 570 nm foi atribuída à transição 4A2g(4F)g4T2g(4F) do íon Cr3+ em sítio octaédrico30. As coordenadas colorimétricas no sistema CIE-L*a*b* são mostradas na Tabela II. As coordenadas corroboram com o que pode ser visto no espectro de reflectância (Fig. 3). À medida que a temperatura de calcinação aumentou, a luminosidade L foi reduzida e, consequentemente, a cor foi um pouco mais escura nos pós calcinados em temperaturas mais altas. Este comportamento ocorreu em função de sua microestrutura, uma vez que com o aumento da temperatura de calcinação houve o crescimento do tamanho do cristalito (Tabela I), então a área superficial de contato entre a partícula de pó com o iluminante do colorímetro foi reduzida e, portanto, a superfície de reflexão foi diminuída, resultando em um deslocamento do L para o preto21. Observou-se que no pó LFA, a introdução do Al3+ reduziu a quantidade de cromóforo Fe3+, aumentando a luminosidade L e reduzindo os valores de a e b, tornando a cor menos intensa. A substituição do íon Fe3+ por Cr3+ na amostra LFC diminuiu o valor da coordenada L e aumentou a coordenada a* em relação a LF, tornando o pigmento ligeiramente mais escuro e aumentando a contribuição do componente vermelho para cor.

Figura 3
Espectros de reflectância das perovskitas LF, LFA e LFC calcinadas a: (a) 600 °C; e (b) 800 °C.
Figure 3
Reflectance spectra of LF, LFA and LFC perovskites calcined at: (a) 600 °C; and (b) 800 °C.

Tabela II
Parâmetros colorimétricos das perovskitas LF, LFA e LFC calcinadas a 600 e 800 °C.
Table II
Colorimetric parameters of LF, LFA and LFC perovskites calcined at 600 and 800 °C.

CONCLUSÕES

Este trabalho apontou que o método sol-gel proteico foi eficiente em sintetizar pós de LaFeO3 (LF), LaFe0,8Al0,2O3 (LFC) e LaFe0,8Cr0,2O3 (LFA) nanométricos e monofásicos e eficaz em função do método ser simples, rápido e econômico em comparação aos outros métodos. Em razão disto, apresenta-se capaz de ser replicado na indústria. Quanto à substituição parcial de Fe3+ por Al3+ e Cr3+, não foi identificada nenhuma alteração significativa na estrutura cristalina da perovskita, conforme corroborado pelos difratogramas de raios X. Quanto à cor, as amostras LF e LFA apresentaram tonalidade pastel, sendo mais clara com a substituição parcial do Fe3+ por Al3+. Já o pó LFC apresentou coloração marrom claro devido à superposição das bandas dos íons cromóforos Fe3+ e Cr3+ contribuindo ambos para a cor final do pigmento.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao CNPq pelo suporte financeiro e aos laboratórios da UFPB e LNLS pelas análises.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2018

Histórico

  • Recebido
    11 Dez 2017
  • Revisado
    31 Jan 2018
  • Aceito
    14 Fev 2018
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