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Lúpus eritematoso sistêmico e pancreatite aguda: relato de dois casos

Systemic lupus erythematosus and acute pancreatitis: report of two cases

Resumos

A pancreatite aguda é uma manifestação incomum do lúpus eritematoso sistêmico (LES) e a freqüência desta associação não é conhecida. Contudo, a pancreatite aguda é um diagnóstico diferencial importante na avaliação da dor abdominal em pacientes com LES. Os pacientes, normalmente, apresentam dor de intensidade variável, algumas vezes simulando abdome agudo. Vários fatores têm sido implicados na patogênese desta condição, tais como fenômenos autoimunes, vasculite, anticorpos antifosfolípides e drogas. O papel dos corticosteróides como um fator etiológico é ainda controverso. Além disso, em alguns relatos a manutenção do corticosteróide foi fundamental na recuperação dos pacientes. Relatamos duas pacientes com lúpus eritematoso sistêmico que apresentaram pancreatite aguda. Em nenhum dos casos havia evidências de quaisquer fatores predisponentes conhecidos para a pancreatite aguda, portanto esta condição foi considerada uma manifestação de atividade lúpica. Uma das pacientes faleceu por síndrome da resposta inflamatória sistêmica secundária à pancreatite. No outro caso, utilizouse corticóide em doses de estresse durante o tratamento, com boa evolução.

lúpus eritematoso sistêmico; pancreatite aguda; corticosteróides


Acute pancreatitis is an uncommon manifestation of systemic lupus erythematosus (SLE) and the frequency of this association is unknown. Nevertheless, acute pancreatitis is an important differential diagnosis in the evaluation of abdominal pain in individuals with SLE. Patients usually present with pain of variable intensity, sometimes simulating acute abdomen. Several factors have been implicated in the pathogenesis of this condition, such as autoimmune events, vasculitis, antiphospholipid antibodies and drugs. The role of corticosteroids as an etiological factor is still controversial. Moreover, in some reports the maintenance of corticosteroids was crucial in the patients' recovery. We report two patients with SLE, who presented with acute pancreatitis. In neither of the cases evidence of any known predisposing factors was present and, therefore, the condition was considered a manifestation of lupus activity. One of the patients died as a consequence of systemic inflammatory response secondary to pancreatitis. In the other case, stress doses of corticoids were used in the treatment, resulting in a good outcome.

systemic lupus erythematosus; acute pancreatitis; corticosteroids


RELATO DE CASO CASE REPORT

Lúpus eritematoso sistêmico e pancreatite aguda: relato de dois casos(* * Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG). Recebido em 7/3/2002. Aprovado, após revisão, em 29/11/2002. )

Systemic lupus erythematosus and acute pancreatitis: report of two cases

Ana Beatriz Cordeiro de AzevedoI; Fabiano Almeida BritoI; Flávia Patrícia Sena Teixeira SantosII; Gilda Aparecida FerreiraIII; Marco Antônio Parreiras de CarvalhoIV

IResidente do Serviço de Reumatologia do HC/UFMG

IIPreceptora do Serviço de Reumatologia do HC/UFMG, Coordenadora do Setor de Reumatologia Pediátrica do HC/UFMG

IIIPreceptora do Serviço de Reumatologia do HC/UFMG

IVProfessor adjunto, doutor da Faculdade de Medicina da UFMG, Chefe do Serviço de R eumatologia do HC/UFMG

RESUMO

A pancreatite aguda é uma manifestação incomum do lúpus eritematoso sistêmico (LES) e a freqüência desta associação não é conhecida. Contudo, a pancreatite aguda é um diagnóstico diferencial importante na avaliação da dor abdominal em pacientes com LES. Os pacientes, normalmente, apresentam dor de intensidade variável, algumas vezes simulando abdome agudo. Vários fatores têm sido implicados na patogênese desta condição, tais como fenômenos autoimunes, vasculite, anticorpos antifosfolípides e drogas. O papel dos corticosteróides como um fator etiológico é ainda controverso. Além disso, em alguns relatos a manutenção do corticosteróide foi fundamental na recuperação dos pacientes. Relatamos duas pacientes com lúpus eritematoso sistêmico que apresentaram pancreatite aguda. Em nenhum dos casos havia evidências de quaisquer fatores predisponentes conhecidos para a pancreatite aguda, portanto esta condição foi considerada uma manifestação de atividade lúpica. Uma das pacientes faleceu por síndrome da resposta inflamatória sistêmica secundária à pancreatite. No outro caso, utilizouse corticóide em doses de estresse durante o tratamento, com boa evolução.

Palavras-chave: lúpus eritematoso sistêmico, pancreatite aguda, corticosteróides.

ABSTRACT

Acute pancreatitis is an uncommon manifestation of systemic lupus erythematosus (SLE) and the frequency of this association is unknown. Nevertheless, acute pancreatitis is an important differential diagnosis in the evaluation of abdominal pain in individuals with SLE. Patients usually present with pain of variable intensity, sometimes simulating acute abdomen. Several factors have been implicated in the pathogenesis of this condition, such as autoimmune events, vasculitis, antiphospholipid antibodies and drugs. The role of corticosteroids as an etiological factor is still controversial. Moreover, in some reports the maintenance of corticosteroids was crucial in the patients' recovery. We report two patients with SLE, who presented with acute pancreatitis. In neither of the cases evidence of any known predisposing factors was present and, therefore, the condition was considered a manifestation of lupus activity. One of the patients died as a consequence of systemic inflammatory response secondary to pancreatitis. In the other case, stress doses of corticoids were used in the treatment, resulting in a good outcome.

Keywords: systemic lupus erythematosus, acute pancreatitis, corticosteroids.

INTRODUÇÃO

O comprometimento do trato gastrintestinal nos pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (LES) pode ocorrer de diferentes maneiras: fazer parte das manifestações clínicas desta doença, ser secundário à terapêutica em uso ou representar outra patologia. Segundo Dubois, cerca de 25% a 40% dos pacientes lúpicos irão apresentar algum tipo de queixa relacionada com o trato gastrintestinal ao longo da evolução de sua doença(1).

A queixa de dor abdominal é relatada em 8% a 37% dos doentes lúpicos, observando-se menores freqüências em estudos nos quais foram excluídos os sintomas atribuídos à medicação em uso(1-3). Os casos de dor abdominal são, geralmente, secundários à peritonite, úlceras, perfurações intestinais ou distúrbios da motilidade do trato gastrintestinal(1,2).

A pancreatite aguda tem sido descrita em poucos pacientes com LES, sendo desconhecida a freqüência da associação destas duas patologias(2-6). A patogenia da pancreatite associada com esta doença do tecido conjuntivo é incerta, existindo controvérsias se seria uma manifestação de atividade do LES ou secundária ao uso de corticosteróides(1,2,4,7-12).

Na avaliação de queixas abdominais nos pacientes com LES, a pancreatite aguda é um diagnóstico de suma importância pela variedade na sua apresentação e gravidade. Apesar das controvérsias com relação ao papel dos corticóides na etiologia da pancreatite aguda, uma vez excluídas as causas conhecidas desta, deve-se considerar a possibilidade de que possa ser um sinal de atividade lúpica. Nesta circunstância, seria prudente ponderar sobre a manutenção da corticoterapia e elevação da dose para níveis adequados para o estresse diante de outros sinais de doença ativa.

Relatam-se a seguir dois casos de LES complicados por pancreatite aguda à época do seu diagnóstico.

RELATO DE CASO

Caso 1

M.A.S., 17 anos, sexo feminino, assintomática até 10/1999, quando apresentou lesões cutâneas hipercrômicas e descamativas em face, pavilhões auriculares, membros superiores e inferiores. Procurou o Serviço de Dermatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG), onde foi realizada biópsia de pele, compatível com o diagnóstico de eritema polimorfo. Um mês após, a paciente apresentava úlceras nasais, emagrecimento e prostração, sendo encaminhada para internação, quando foi solicitada interconsulta ao Serviço de Reumatologia do HC/UFMG. Após avaliação clínica e propedêutica laboratorial concluiu-se o diagnóstico de lúpus eritematoso sistêmico, baseado nos critérios estabelecidos pelo Colégio Americano de Reumatologia (ACR), diante dos seguintes achados: FAN, 1:1280, homogêneo, anemia hemolítica, proteinúria >0,5mg/24h e úlceras nasais. Durante a internação, ocorreu elevação progressiva de uréia e creatinina e oligoanúria, compatíveis com nefrite lúpica ativa, instituindo-se prednisona 1 mg/kg/dia em 13/10/ 1999. No segundo dia de corticoterapia, a paciente apresentou queixa de dor epigástrica em queimação, de forte intensidade, evoluindo com sinais de abdome agudo nas 48 horas seguintes. Realizada ultra-sonografia de abdome que evidenciou presença de líquido livre na cavidade abdominal, pelve, região peri-renal e andar superior do ab-dome. A paciente foi submetida a laparotomia exploradora, a qual revelou ascite citrina em grande quantidade e edema pancreático e peripancreático, sem sinais de necrose. No pós-operatório imediato, a doente apresentou síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS) evoluindo para óbito. Os exames laboratoriais, não disponíveis até o momento da cirurgia, mostraram aumento das transaminases (TGO: 316U/L - VR: 15-46U/L, TGP: 112U/L - VR: 11-66U/L) e amilase de 1700U/L(VR: 50-110U/L), além de anemia normocítica normocrômica, leucocitose com linfopenia e hipocalcemia.

Caso 2

J.F.S., 15 anos, sexo feminino, procurou o Serviço de Urgência do HC/UFMG em 30/11/1999, com queixas de cefaléia, náuseas, vômitos, dor torácica e edema facial de duas semanas de evolução. Os exames à admissão revelaram anemia normocítica normocrômica, plaquetopenia e leucopenia com linfopenia, alterações confirmadas em avaliações laboratoriais subseqüentes. Durante as duas primeiras semanas de internação, a paciente evoluiu com úlceras orais, linfadenopatia periférica e deterioração progressiva da função renal. Após a avaliação clínica pelo Serviço de Reumatologia do HC/UFMG e propedêutica adequada, concluiu-se o diagnóstico de LES, conforme o ACR, pela presença de: FAN 1:1280, homogêneo, proteinúria de 0,93gr em 24 horas, leucopenia com linfopenia, plaquetopenia e úlceras orais. Em 21/12/1999 foi iniciada pulsoterapia com metilprednisolona e ciclofosfamida em razão da insuficiência renal rapidamente progressiva secundária à nefrite lúpica ativa. Em 25/12/1999 a paciente apresentou

queixa de dor epigástrica em queimação e vômitos. A propedêutica realizada para esclarecimento desta revelou TGO: 11U/L, TGP: 26U/L, amilase: 4100U/L, sorologias para os vírus B e C da hepatite, mononucleose, toxoplasmose e citomegalovírus negativas. A tomografia computadorizada do abdome mostrou aumento das dimensões do pâncreas, sem sinais de necrose ou cálculos, compatível com pancreatite edematosa intersticial leve. Em 26/12/1999 foi iniciado tratamento clínico para pancreatite aguda (dieta suspensa e analgesia). A paciente evoluiu com queda progressiva dos níveis de amilase e desaparecimento da dor abdominal, sendo mantida a corticoterapia em doses adequadas para o estresse (hidrocortisona 100mg TID) até a resolução deste quadro. Atualmente, a paciente encontrase em controle ambulatorial regular, com boa resposta ao tratamento com prednisona e ciclofosfamida, função renal preservada e sedimento urinário normal, sem recidivas do quadro abdominal.

DISCUSSÃO

A pancreatite aguda é uma enfermidade cuja morbimortalidade é elevada, sendo desencadeada na maioria das vezes (80% dos casos) pelo uso do álcool e por litíase biliar(13,14). Outras causas menos freqüentes são a hipertrigliceridemia (1,3% a 3,8% dos casos), relacionada com doenças hereditárias do metabolismo, o trauma (principalmente em crianças), após a realização de pancreatografia endoscópica retrógrada, certos tumores, o hiperparatireoidismo, infecções e alguns medicamentos(13-15) .

O primeiro relato da associação de pancreatite com LES foi feito por Refeinstein em 1939(16). Desde então, foram descritos aproximadamente 80 casos novos, sendo que em 15 destes não havia evidências de uso de drogas ou comorbidades que pudessem ser implicadas como causas da pancreatite aguda e 8 destes ocorreram quando do diagnóstico de LES(2-12,16-23).

Di Vittorio et al.(3) e Reynolds et al.(2) mostraram em dois estudos retrospectivos que a incidência de pancreatite em pacientes lúpicos internados foi de 8,25% (20 em 241 pacientes) e de 4,55% (7 em 168 pacientes), respectivamente.

A maioria dos relatos de associação de LES com pancreatite aguda constitui-se de indivíduos com sinais de atividade desta doença do tecido conjuntivo envolvendo vários órgãos, o que pode dificultar o diagnóstico da pancreatite(2,4-9,11,17-20).

É necessário haver atenção maior à queixa de dor abdominal no paciente lúpico, em razão da grande dificuldade em diferenciar os quadros autolimitados daqueles que configuram abdome agudo. Freqüentemente, os sinais de irritação peritoneal estão mascarados em pacientes imunocomprometidos. Além disso, a serosite e a pancreatite podem simular um abdome agudo(1).

A queixa de dor abdominal em faixa, localizada no andar superior do abdome, com irradiação para o dorso é muito sugestiva de pancreatite aguda, no entanto, a localização mais comum da dor abdominal nesta doença é o epigástrio. O doente pode apresentar ainda náuseas e vômitos, íleo, hipotensão arterial, icterícia, síndrome da angústia respiratória do adulto, insuficiência renal aguda e complicações infecciosas. As elevações de amilase e lipase, embora sejam inespecíficas, quando atingem valores três vezes acima do normal são bastante sugestivas da doença(13,14). Do ponto de vista radiológico, a tomografia computadorizada (TC) de abdome constitui o "padrão ouro" para o diagnóstico de pancreatite aguda(14,24,25). Os principais achados da pancreatite aguda à TC são o aumento focal ou difuso desta glândula, o espessamento da cápsula de Geroda, o apagamento das gorduras peri-pancreática e perirenal, a redução do coeficiente de atenuação do parênquima pancreático após a injeção de contraste, o espessamento focal da parede gástrica e de planos fasciais, a presença de coleções líquidas, principalmente no espaço para-renal anterior e pequeno saco, e sinais de hemorragia(24,25).

Os mecanismos patogênicos da pancreatite aguda associada com o LES ainda não foram completamente esclarecidos, estando implicados vasculite com isquemia, fenômenos autoimunes e alguns medicamentos(2,4,7-12,18,26).

Foi proposto que o depósito de imunocomplexos na parede dos vasos pancreáticos levaria ao desenvolvimento de vasculite, lesões isquêmicas e, conseqüentemente, pancreatite aguda(2,18). Os sinais de vasculite necrotizante foram bem documentados em necropsias de pacientes com lúpus e pancreatite, no entanto, outros estudos evidenciaram trombos na circulação pancreática na ausência de vasculite(17,18,20). Estes últimos achados sugerem a participação da síndrome dos anticorpos antifosfolipídicos na etiologia da pancreatite aguda em pacientes com LES(17,20). A redução do fluxo sangüíneo, decorrente da formação de trombos arteriais na circulação do pâncreas, seria o fator responsável pelo desenvolvimento da pancreatite(17,20).

Há grande controvérsia na relação causal entre os medicamentos utilizados no tratamento do LES e a pancreatite aguda, especialmente com relação aos corticosteróides (1,2,4,7,8,10-12,26-28). As drogas citadas como desencadeantes da pancreatite aguda podem ser divididas em três grupos: associação definida, provável e possível(26-28).

A associação é caracterizada como definida quando, diante da ausência de causas conhecidas de pancreatite aguda, existam evidências em relatos de casos, estudos experimentais ou pesquisas cuidadosas que suportem a associação. Nestas circunstâncias, a pancreatite aguda ocorre na vigência do uso da medicação suspeita, desaparece com a interrupção do seu uso e, freqüentemente, recidiva quando a mesma é reintroduzida. Este grupo de medicamentos inclui as sulfonamidas, as tetraciclinas, o metronidazol, a didanosina, a pentamidina, o estrogênio, o sulindac, o ácido valpróico, a furosemida, a sulfassalazina, a l-asparaginase e a azatioprina(26-28).

A relação causal entre os corticóides e a pancreatite aguda, amplamente discutida, tem sido até o momento classificada como provável, sendo proposto um mecanismo tóxico direto sobre o pâncreas(10,15,26-28). A validade do nexo causal entre este grupo de fármacos e a pancreatite é difícil de determinar, em razão da ausência de testes apropriados, alta freqüência de doenças subjacentes graves e do uso concomitante de outras drogas(10,26-28). Estudos de revisão não demonstraram correlação alguma entre dose, duração e início da terapêutica com corticóides e a pancreatite(26). Os resultados das pesquisas experimentais com modelos animais são controversos dentro de uma mesma espécie(27).

Os casos inicialmente relatados de pancreatite induzida por corticosteróides envolviam, em sua maioria, pacientes com doença do tecido conjuntivo, especialmente o LES. Quando se compara a freqüência de casos de pancreatite em usuários de corticóide com diagnóstico de LES com aqueles com outras doenças, este último grupo apresenta uma freqüência menor, sugerindo o papel da doença de base(2). Aliam-se a estas evidências os relatos de casos de LES diagnosticados recentemente que apresentaram pancreatite aguda, sem fatores desencadeantes conhecidos para esta última(2,4-6,9,11,12,18-22). Vale ressalvar que na maioria das publicações relatando pancreatite aguda como manifestação de atividade lúpica, os pacientes se recuperaram bem com o uso de corticosteróide em dose de manutenção ou em doses elevadas para o estresse(2,4-6,9-12,19,22). Existe ainda um relato de caso de paciente com LES ativo que evoluiu para óbito três dias após a dose de corticóide ter sido reduzida, em conseqüência do desenvolvimento de pancreatite aguda(23).

A hipertrigliceridemia também deve ser avaliada como causa de pancreatite aguda em pacientes com LES. A incidência de pancreatite associada com hipertrigliceridemia é maior em pacientes com distúrbios hereditários do metabolismo das lipoproteínas que cursam com hipertrigliceridemia grave, diabéticos mal controlados, alcoólatras e naqueles em uso de drogas que causam hipertrigliceridemia secundária(29,30). Este último grupo de pacientes geralmente apresenta formas leves de hipertrigliceridemia hereditária, e constitui-se principalmente de mulheres pós menopausadas em uso de terapia de reposição hormonal(31). A concentração média de triglicérides à apresentação do quadro é de cerca de 4587mg/dl, a grande maioria apresentando soro lipêmico(30).

O uso de corticosteróide em altas doses pode provocar hipertrigliceridemia em pacientes com LES(32,33), sendo este um dos possíveis mecanismos através dos quais essa medicação induza a pancreatite. Finalmente, pacientes com LES em atividade e sem tratamento podem apresentar uma dislipidemia que se caracteriza por níveis elevados de triglicérides e colesterol VLDL, e níveis diminuídos de colesterol HDL e apolipoproteína A1, havendo uma correlação positiva entre a atividade da doença e os níveis de triglicérides(34).

A dosagem de triglicérides não foi realizada nas pacientes dos casos relatados, portanto não se pode descartar hipertrigliceridemia como uma possível causa da pancreatite nestas pacientes, pois ambas estavam com a doença em atividade e desenvolveram o quadro de pancreatite após a introdução do corticosteróide, apesar de nenhuma se encaixar no perfil epidemiológico descrito acima.

Concluímos que, na avaliação da dor abdominal no paciente lúpico, a pancreatite aguda é um diagnóstico diferencial importante. Nesta circunstância, é fundamental que sejam realizadas propedêuticas laboratorial e de imagem adequadas a fim de evitar uma laparotomia desnecessária, pois a pancreatite aguda pode manifestar-se através de dor abdominal de intensidade variável ou simular um abdome agudo cirúrgico. Diante dos casos relatados e da revisão de literatura, conclui-se que a pancreatite aguda, uma vez excluídas as causas desencadeantes já conhecidas, deva ser considerada uma manifestação de atividade lúpica. Apesar de não estar bem esclarecido o papel dos corticosteróides na patogênese desta doença, observou-se que a sua utilização em doses de manutenção ou de estresse foi fundamental para a recuperação dos pacientes anteriormente descritos e de um dos casos relatados. Estudos mais acurados são necessários para definir o papel dos esteróides na gênese e/ ou tratamento da pancreatite aguda no LES.

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  • Endereço para correspondência:
    Ana Beatriz Cordeiro de Azevedo.
    R. Dom José Pereira Lara, 229, Coração Eucarístico
    CEP 30.535-520, Belo Horizonte, MG, Brasil
    e-mail:
  • *
    Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG). Recebido em 7/3/2002. Aprovado, após revisão, em 29/11/2002.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jun 2014
    • Data do Fascículo
      Jun 2003

    Histórico

    • Aceito
      29 Nov 2002
    • Recebido
      07 Mar 2002
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