Resumos
Objetivos:
A fadiga é um sintoma altamente subjetivo e extremamente comum em pacientes com artrite reumatoide, embora seja difícil de caracterizar e definir. O objetivo desse estudo foi avaliar a fadiga em uma coorte de pacientes brasileiros e analisar a relação entre fadiga e variáveis específicas da doença.
Métodos:
Foram prospectivamente investigados 371 pacientes brasileiros diagnosticados com artrite reumatoide, de acordo com os critérios de classificação do Colégio Americano de Reumatologia de 1987. Dados demográficos, clínicos e laboratoriais foram obtidos dos registros clínicos. Foram registrados o número de articulações dolorosas, índice de massa corporal, duração da doença, qualidade de vida, capacidade funcional, ansiedade e depressão. A fadiga foi avaliada com o uso da subescala específica da escala Fatigue Assessment of Chronic Illness Therapy (FACIT-FATIGUE).
Resultados:
O escore mediano para fadiga foi 42 (10), negativamente correlacionado com a capacidade funcional (-0,507; p < 0,001), ansiedade e depressão (-0,542 e -0,545; p < 0,001, respectivamente) e predominantemente com o domínio físico do questionário Short Form-36 para qualidade de vida (SF-36P: 0,584; p < 0,001). Não houve correlação entre os escores e a velocidade de sedimentação das hemácias (-0,118; p <0,05), proteína C reativa (-0,089; p < 0,05), atividade da doença (-0,250;p < 0,001) ou número de articulações dolorosas (-0,135; p < 0,01). Para todas as medidas foi aplicado um intervalo de confiança de 95%.
Conclusões:
Nesta série de pacientes brasileiros com artrite reumatoide, sugerimos um novo significado para as queixas de fadiga como um parâmetro independente não relacionado com o número de articulações dolorosas ou escores de atividade inflamatória. Parece haver maior relação entre transtornos psicológicos e funcionais com a fadiga. Seriam importantes novos estudos e uso rotineiro de medidas padronizadas para a monitorização das queixas de fadiga.
Artrite reumatoide; Fadiga; Atividade da doença; Qualidade de vida; Dor
Objectives:
Fatigue is a highly subjective and extremely common symptom in patients with rheumatoid arthritis although it is difficult to characterize and define. The aim of this study was to assess fatigue in a cohort of Brazilian patients, and to analyze the relationship between fatigue and disease-specific variables.
Methods:
371 Brazilian patients diagnosed with rheumatoid arthritis according to the 1987 American College of Rheumatology classification criteria were prospectively investigated. Demographic, clinical and laboratorial data were obtained from hospitals records. The number of painful joints, bone mass index, disease duration, quality of life, functional capacity, anxiety and depression were recorded. Fatigue was evaluated using the subscale of Fatigue Assessment of Chronic Illness Therapy (FACIT-FATIGUE scale).
Results:
The median fatigue score was 42.0 (10.0), negatively correlated with functional capacity (-0.507; P < 0.001), anxiety and depression (-0.542 and -0.545; P < 0.001 respectively), and predominantly with physical domain of Short Form 36-item quality of life questionnaire (SF-36P: 0.584; P < 0.001). The scores were not associated with the erythrocyte sedimentation rate (-0.118; P < 0.05), C-reactive protein (-0.089; P < 0.05), disease activity (-0.250; P < 0.001) or the number of painful joints (-0.135; P < 0.01). Confidence interval of 95% was applied for all measures.
Conclusions:
In this series of Brazilian patients with rheumatoid arthritis, we suggest a new significance for fatigue complains as an independent parameter not related with number of painful joints, disease or inflammatory activity scores. Psychological and functional impairments appear to be more related to fatigue. Additional studies and inclusion of standard measures for monitoring fatigue complains are required.
Rheumatoid Arthritis; Fatigue; Disease Activity; Quality of Life; Pain
Introdução
A artrite reumatoide (AR) é uma doença inflamatória sistêmica que pode causar morbidez
significativa, deformidade articular e comprometimento da qualidade de vida (QV). Essa
doença afeta aproximadamente 0,5%-1% da população geral, com consideráveis variações
observadas entre diferentes populações.11. Alamanos Y, Voulgari PV, Drosos AA. Incidence and prevalence of
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Arthritis Register. Br J Rheumatol. 1994;33:735-9. Embora as articulações
sejam os principais locais de atividade da doença, a fadiga é um sintoma incapacitante
notavelmente comum, vivenciado quase que universalmente pelos pacientes com AR (88-98%),
que consideram os efeitos e a importância da fadiga de maneira similar à dor.44. Hewlett S, Cockshott Z, Byron M, Kitchen K, Tipler S, Pope D et al.
Patient's perception of fatigue in rheumatoid arthritis: overwhelming,
uncontrollable, ignored. Arthrtis Rheum. 2005;53:697-702.
5. Wolfe F, Hawley DJ, Wilson K. The prevalence and meaning of fatigue
in rheumatic disease. Journal of Rheumatology. 1996;23:1407-17.
6. Carr A, Hewlett S, Hughes R et al. Rheumatology outcomes: the
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Musculoskeletal Care. 2005;3:131-42.-99. Belza BL, Henke CJ, Yenli EH, Epstein WV, Gilliss CL. Correlates of
fatigue in older adults with rheumatoid arthritis. Nurs Res.
1993;42:93-9.
Não existe uma definição universalmente aceita para fadiga. Esta pode ser definida tanto como um comprometimento progressivo da capacidade muscular, bem como uma redução na capacidade de trabalho, com diminuição da eficiência das atividades da vida diária, geralmente acompanhada por sensação de cansaço, insônia ou irritabilidade.1010. Golgenberg DL. Fatigue in rheumatoid diseases. Bull Rheum Dis. 1995;44:4-8. Belza et al. descreveram a fadiga como "a percepção de uma sensação subjetiva de cansaço ou exaustão generalizada".1111. Belza BL. The impact of fatigue on exercise performance. Arthritis Care Res. 1994;7:176-80. Na população geral, 20% dos homens e 30% das mulheres se queixam de períodos frequentes de cansaço.1212. Zigmund AS, Snaith RP. The hospital anxiety and depression scale. Acta Psychiatr. 1983;67:361-70.
Com frequência, a fadiga acompanha várias enfermidades, e vem sendo cada vez mais identificada e estudada em diversas doenças crônicas, como doenças hepáticas, infecções e doenças hematológicas.1212. Zigmund AS, Snaith RP. The hospital anxiety and depression scale. Acta Psychiatr. 1983;67:361-70.
Hewlett et al. observaram que a fadiga da AR é um sintoma diferente do cansaço normal, por ser extrema, interminável e não resolvida, sendo ainda descrita como uma queixa importante e avassaladora.44. Hewlett S, Cockshott Z, Byron M, Kitchen K, Tipler S, Pope D et al. Patient's perception of fatigue in rheumatoid arthritis: overwhelming, uncontrollable, ignored. Arthrtis Rheum. 2005;53:697-702. Estudos sobre os fatores preditivos de fadiga em pacientes com AR relataram não só aspectos físicos, mas também psicológicos e sociais relacionados à fadiga.44. Hewlett S, Cockshott Z, Byron M, Kitchen K, Tipler S, Pope D et al. Patient's perception of fatigue in rheumatoid arthritis: overwhelming, uncontrollable, ignored. Arthrtis Rheum. 2005;53:697-702.,1313. Nikolaus S, Bode C, Taal E, van de Laar MA. Four different patterns of fatigue in rheumatoid arthritis patients: results of a Q-sort study. Rheumatology. 2010;49:2191-9.,1414. Nierengarten MB. ACR/ARHP Annual Meeting 2012: Fatigue for people with rheumatoid arthritis rooted in physiological and psychological factors. The Rheumatologist. Mar. 2013. Dor, incapacitação física, inatividade e sono de pior qualidade, além de fatores psicológicos como sintomas depressivos, ansiedade e estresse social (como sintomas persistentes ou problemas associados) são preditivos de fadiga em pacientes com AR.1313. Nikolaus S, Bode C, Taal E, van de Laar MA. Four different patterns of fatigue in rheumatoid arthritis patients: results of a Q-sort study. Rheumatology. 2010;49:2191-9.,1414. Nierengarten MB. ACR/ARHP Annual Meeting 2012: Fatigue for people with rheumatoid arthritis rooted in physiological and psychological factors. The Rheumatologist. Mar. 2013.
O curso crônico da AR, com atividade inflamatória contínua associada a prolongados períodos de inatividade física conduz à atrofia muscular e à instabilidade das estruturas periarticulares, com diminuição da força e resistência, contribuindo para o surgimento da fadiga. Ekdahl et al. demonstraram que 80% dos pacientes com AR exibiam alterações na força muscular e na coordenação dos membros inferiores com redução da capacidade aeróbica. Esses resultados foram confirmados por Semble et al.1515. Ekdahl C, Andersson SI, Moritz V, Suensson B. Dynamic versus static training in patients with rheumatoid arthritis. Scand J Rheumatol. 1990;19:17-26.,1616. Semble EL, Loeser RF, Wise CM. Therapeutic exercise for rheumatoid arthritis and osteoarthritis. Sem Arthritis Rheum. 1990;20:32-40. Em 1996, Rall et al. avaliaram o efeito de um programa de treinamento físico para melhorar a força muscular em pacientes com AR, tendo observado redução significativa da fadiga (38%).1717. Rall LC, Kehayinas JJ, Dawson-Hughes B, Roubenoff R. The effect of progressive resistence training in rheumatoid arthritis. Increased strent without changes in energy balance or body composition. Arthritis Rheum. 1996;39:415-426.
Tendo em vista a natureza multifatorial e multidimensional da fadiga, torna-se difícil avaliar essa condição. Pouco se sabe de suas correlações, medidas adequadas ou tratamento clínico e intervenções pertinentes.44. Hewlett S, Cockshott Z, Byron M, Kitchen K, Tipler S, Pope D et al. Patient's perception of fatigue in rheumatoid arthritis: overwhelming, uncontrollable, ignored. Arthrtis Rheum. 2005;53:697-702.,1818. Belza B. Comparison in self-reportad fatigue in rheumatoid arthritis and controls. J Rheumatol. 1995;22:639-43. A fadiga persistente é um dos obstáculos mais significativos nas atividades diárias nesses pacientes.1919. Davis MC, Okun MA, Kruszewski D, Zautra AJ, Tennen H. Sex differences in the relations of positive and negative daily events and fatigue in adults with rheumatoid arthritis. J Pain. 2010;11:1338-47.
O objetivo desse estudo foi analisar a fadiga em 371 pacientes brasileiros com AR e a associação entre ela e as variáveis específicas da doença, como atividade inflamatória, dor, QV, aptidão física e queixas psicológicas, como ansiedade e depressão.
Métodos
Entre 2010-2011, 371 pacientes com AR foram recrutados no Departamento de Reumatologia do Hospital da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro (HSCMRJ) e do Hospital Universitário Pedro Ernesto(HUPE) para esse estudo prospectivo transversal. Os pacientes tinham entre 18 e 65 anos e o diagnóstico de AR de acordo com os critérios do Colégio Americano de Reumatologia (American College of Rheumatology, ACR) de 1987.2020. Arnett FC, Edworthy SM, Bloch DA, McShane DJ, Fries JF, Cooper NS et al. The American Rheumatism Association 1987 revised criteria for the classification of rheumatoid arthritis. Arthritis Rheum. 1988;31:315-24. Todos os pacientes convidados e incluídos no estudo assinaram um termo livre e esclarecido de consentimento. A pesquisa foi realizada com a aprovação e em conformidade com as diretrizes da Comissão de Ética dos dois hospitais participantes.
Foram excluídos pacientes incapazes de compreender e responder aos questionários ou que apresentassem qualquer comorbidade que pudesse interferir com a avaliação da fadiga como, por exemplo, anemia (hemoglobina > 9,0 mg/dl), doenças endócrinas (diabetes tipos I e II, doenças da tireoide), insuficiência renal (creatinina < 2,0 mg/dl), doenças hepáticas, inclusive cirrose, transtornos pulmonares (doença pulmonar obstrutiva crônica) ou cardiovasculares.
Foram coletados dados demográficos e clínicos, como: tempo de doença, número de articulações periféricas dolorosas e índice de massa corporal (IMC). A atividade da doença foi clinicamente avaliada pela aplicação do instrumento Disease Activity Score com contagem de 28 articulações (DAS 28) e, biologicamente, pelos níveis de velocidade de sedimentação das hemácias (VSH) e proteína C reativa (PCR).
A capacidade funcional foi avaliada pelo questionário Health Assessment Questionnaire-Disability Index (HAQ DI), cujos escores variam de 0 a 3 (contagens mais elevadas indicam níveis mais baixos de funcionamento).2121. Bruce B, Fries JF. The Stanford health assessment questionnaire: dimensions and practical applications. Health Qual Life Outcomes. 2003;1:20.,2222. Ferraz MB. Tradução para o português e validação do questionário para avaliar a capacidade funcional "Stanford health assessment questionnaire" [tese]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo, 1990. Avaliamos a qualidade de vida relacionada à saúde (QV-S) utilizando escores dos domínios físico e mental do questionário geral Short-Form 36-Items Health Survey (SF-36P e SF-36M).2323. Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos WS, Meinão I, Quaresma MR. Tradução para a língua portuguesa e validação do questionário genérico de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF36). Rev Bras Reumatol. 1999;39:143-50.
Também utilizamos o instrumento Hospital Anxiety and Depression Scale (HAD a/d) na avaliação dos sintomas de depressão e ansiedade. Trata-se de um questionário com 14 perguntas interligadas: metade delas tem relação com ansiedade, e a outra metade refere-se à depressão. A cada pergunta é pontuado um valor de 0 a 3 para cada domínio separadamente, construindo-se duas subescalas. Pacientes com resultados superiores a 8 são considerados como em risco de ansiedade e/ou depressão.1212. Zigmund AS, Snaith RP. The hospital anxiety and depression scale. Acta Psychiatr. 1983;67:361-70. Todos os questionários utilizados no presente estudo foram validados e culturalmente adaptados para o idioma português.1212. Zigmund AS, Snaith RP. The hospital anxiety and depression scale. Acta Psychiatr. 1983;67:361-70.,2121. Bruce B, Fries JF. The Stanford health assessment questionnaire: dimensions and practical applications. Health Qual Life Outcomes. 2003;1:20.,2222. Ferraz MB. Tradução para o português e validação do questionário para avaliar a capacidade funcional "Stanford health assessment questionnaire" [tese]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo, 1990.,2323. Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos WS, Meinão I, Quaresma MR. Tradução para a língua portuguesa e validação do questionário genérico de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF36). Rev Bras Reumatol. 1999;39:143-50.
A fadiga foi avaliada com a aplicação da subescala do questionário Functional Assessment of Chronic Illness Therapy (FACIT), inicialmente validado para avaliar a QV em pacientes com câncer ou outras enfermidades crônicas. A escala foi utilizada em pacientes com AR, considerando-se apenas as queixas de fadiga (FACIT-Fadiga). A pontuação total varia de 0 a 52; contagens mais elevadas representam menos fadiga.2424. Cella D, Yount S, Sorensen M, Chartash E, Sengupta N, Grober J. Validation of the functional assessment of chronic illness therapy fatigue scale relative to other instrumentation in patients with rheumatoid arthritis. J Rheumatol. 2005;32:811-9. Foi utilizada a versão para o idioma Português com autorização do site http://www.facit.org.
Análise estatística
Para o cálculo do tamanho mínimo da amostra de pacientes utilizamos medidas de precisão e estimativa de 90% com intervalo de confiança de 0,20 e α = 0,05, calculamos em 258 pacientes como tamanho mínimo da amostra.
Considerando que os dois departamentos de reumatologia tratam aproximadamente 800 pacientes com AR por ano, 3040% dos quais atendem aos critérios de inclusão/exclusão, o tamanho da amostra deveria ser entre 240 e 320 pacientes.
Levando-se em conta ainda que as queixas de fadiga podem estar presentes em 25-60% dos pacientes com AR,44. Hewlett S, Cockshott Z, Byron M, Kitchen K, Tipler S, Pope D et al. Patient's perception of fatigue in rheumatoid arthritis: overwhelming, uncontrollable, ignored. Arthrtis Rheum. 2005;53:697-702.,55. Wolfe F, Hawley DJ, Wilson K. The prevalence and meaning of fatigue in rheumatic disease. Journal of Rheumatology. 1996;23:1407-17.,1010. Golgenberg DL. Fatigue in rheumatoid diseases. Bull Rheum Dis. 1995;44:4-8.,1818. Belza B. Comparison in self-reportad fatigue in rheumatoid arthritis and controls. J Rheumatol. 1995;22:639-43.,2020. Arnett FC, Edworthy SM, Bloch DA, McShane DJ, Fries JF, Cooper NS et al. The American Rheumatism Association 1987 revised criteria for the classification of rheumatoid arthritis. Arthritis Rheum. 1988;31:315-24.,2525. Huyser BA, Parker JC, Thoreson R, Smarr KL, Johnson JC, Hoffman R. Predictors of subjective fatigue among individuals with rheumatoid arthritis. Arthritis Rheum. 1998;41:2230-7.,2626. Katz PP, Yelin EH. Prevalence and correlates of depressive symptoms among persons with rheumatoid arthritis. J Rheumatol. 1993;20:790-6.,2727. Munsterman T, Takken T, Wittink H. Low aerobic capacity and physical activity not associated with fatigue in patients with rheumatoid arthritis: a cross-sectional study. J Rheumatol Med. 2013;45:164-9. chegamos a um tamanho de amostra de 200 a 480 pacientes das populações atendidas pelos hospitais envolvidos no estudo.
Decidimos estabelecer um tamanho final da amostra entre 320 e 480 pacientes. Depois de dois anos de recrutamento, foram incluídos nesse estudo 371 pacientes.
Todos os dados foram testados para normalidade pela aplicação do teste de Shapiro-Wilk Test. Tendo em vista que todas as variáveis demonstraram distribuição não normal, elas foram apresentadas na forma de mediana (variação interquartis). O coeficiente de correlação de Spearman (rs) foi calculado, para que fossem determinadas correlações entre a fadiga e as medidas clínicas ou psicológicas. Todos os testes foram bilaterais; valores de p ≤ 0,05 foram considerados estatisticamente significativos. A análise estatística foi realizada com o software Statistica, versão 8.0 (Statsoft, Inc., Tulsa, EUA).
Resultados
No total, foram avaliados 371 pacientes. O grupo em estudo era formado por 335 mulheres (90,3%) e 36 homens (9,7%). Os dados demográficos e clínicos, resumidos na tabela 1 , indicam que a maioria de nossos pacientes pertencia à raça branca (66,8%); em seguida, vinham pacientes mestiços (20,5%) e negros (12,7%). Foram levantadas as seguintes variáveis: mediana da idade = 51 (13) anos, IMC = 25 (3,6), média do escore de fadiga (FACIT-Fadiga) = 42 (10), média do número de articulações dolorosas = 6 (6) e mediana do tempo de doença = 6 (6).
Também foram obtidas as seguintes medianas: atividade da doença avaliada pelo DAS 28 = 4,7 (2), VSH = 33 (27) mm e nível de PCR = 0,8 (1,7).
Ao serem aplicados os valores de virada de DAS 28 para determinação da atividade inflamatória da doença, 7% dos pacientes estavam em remissão (DAS 28 < 2,6), 7,8% exibiam baixo nível de atividade da doença (DAS 28 ≥ 2,6 ≤ 3,2), 9,7% tinham nível moderado (DAS 28 ≥ 3,2 ≤ 5,1) e 75,5% tinham nível elevado de atividade da doença (DAS 28 > 5,1).
Os valores de qualidade de vida obtidos nesse estudo foram: mediana do escore de SF-36 = 87,5 (12,2), média das subescalas para os domínios físico e mental = 39,1 (10,5) e 47,6 (11,0), respectivamente. Média da capacidade funcional avaliada pelo HAQ DI = 1,0 (0,7). O questionário de ansiedade e depressão (HAD a/d) mostrou médias = 7,0 (3,4) para ansiedade e = 5,4 (3,6) para depressão.
Nessa amostra de pacientes com AR, a distribuição da atividade da doença (DAS 28) e do tempo da enfermidade (anos) está ilustrada na figura 1 .
Distribuição da duração da doença com a atividade da mesma por DAS 28 e número de pacientes.
As correlações entre fadiga (FACIT-Fadiga), qualidade de vida (SF-36), capacidade funcional (HAQ DI), articulações dolorosas, ansiedade e depressão (HAD a/d), DAS 28, VSH e PCR estão listadas na tabela 2 . As correlações da fadiga com QdV, ansiedade e depressão ou capacidade funcional estão ilustradas nos gráficos das figuras 2 e 3 .
A tabela 3 apresenta as correlações da fadiga com a atividade da doença medida por VSH, PCR e DAS 28, e da QV pelos domínios físico e mental de SF-36 (SF-36P e SF-36M), capacidade funcional pelo HAQ DI, número de articulações dolorosas e ansiedade e/ou depressão medidas pelo HAD a/d em pacientes com doença de atividade moderada a alta (DAS 28 ≥ 3,2).
Análise de pacientes com níveis elevados e moderados de atividade da doença pelo coeficiente de correlações de Spearman (n = 316)
Discussão
Este estudo foi o primeiro em nosso país a analisar uma amostra de 371 pacientes brasileiros com AR, com avaliação da fadiga pelo questionário FACIT-Fadiga, uma subescala para avaliação desse sintoma contendo 13 itens, e que já demonstrou boa consistência em pacientes com AR.
Nos últimos anos, a fadiga tornou-se um desfecho importante em pacientes com AR,44. Hewlett S, Cockshott Z, Byron M, Kitchen K, Tipler S, Pope D et al. Patient's perception of fatigue in rheumatoid arthritis: overwhelming, uncontrollable, ignored. Arthrtis Rheum. 2005;53:697-702.,88. Hewlett S, Carr M, Ryan S, Kirwan J, Richards P, Carr A et al. Outcomes generated by patients with rheumatoid arthritis: how important are they? Musculoskeletal Care. 2005;3:131-42.,1313. Nikolaus S, Bode C, Taal E, van de Laar MA. Four different patterns of fatigue in rheumatoid arthritis patients: results of a Q-sort study. Rheumatology. 2010;49:2191-9.,1414. Nierengarten MB. ACR/ARHP Annual Meeting 2012: Fatigue for people with rheumatoid arthritis rooted in physiological and psychological factors. The Rheumatologist. Mar. 2013. embora esse sintoma seja em grande parte ignorado em termos de cuidados clínicos e nos enfoques educacionais e de pesquisa. As características multifatoriais e multidimensionais da fadiga impõem uma análise mais ampla, onde devem ser levados em consideração os aspectos clínicos, culturais e sociais, além de incluir a perspectiva do paciente. No Rio de Janeiro, uma cidade cosmopolita à beira-mar com uma população etnicamente variada e com um clima e temperatura cujos dias são, em sua maioria, ensolarados, a percepção da fadiga e sua correlação com os indicadores de atividade da doença, QV, capacidade funcional, dor, ansiedade e depressão pode ficar modificada
Cella D. et al., em um estudo randomizado e duplo-cego com uso de anticorpo monoclonal anti-TNF alfa e placebo em 636 pacientes, validaram o questionário FACIT-Fadiga comparando-o com outras escalas, como a Multidimensional Assessment of Fatigue (MAF) (Avaliação Multidimensional da Fadiga). Nesse estudo, o desempenho psicométrico da escala FACIT-Fadiga para avaliação da fadiga foi comparável às demais escalas.2424. Cella D, Yount S, Sorensen M, Chartash E, Sengupta N, Grober J. Validation of the functional assessment of chronic illness therapy fatigue scale relative to other instrumentation in patients with rheumatoid arthritis. J Rheumatol. 2005;32:811-9.
Quanto ao gênero e etnia, os achados demográficos são similares aos de outros artigos na
literatura, sugerindo predominância de mulheres e brancos, o que reflete a incidência
típica de pacientes com AR. Esses resultados diferem das características étnicas da
população brasileira, na qual 47,7% são brancos, de acordo com dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).2828. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico
2010. Disponível em: www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/. Acesso
em: 8 de abril de 2014.
www.ibge.gov.br/home/estatistica/populac...
A duração da doença era inferior a dez anos e a maioria dos pacientes com menos de cinco anos, desde o início dos sintomas e da confirmação do diagnóstico. A média da atividade da doença pelo DAS 28 = 4,6 e ilustrada na tabela 1 confirma a maior parte de nossa coorte com atividade da doença em grau moderado ou alto.
Em nossos achados, a fadiga não teve correlação com a atividade da doença. Conforme mostra a tabela 2 , o instrumento FACIT-Fadiga não demonstrou correlação com PCR, VSH e DAS 28, que como indicadores de atividade inflamatória da doença. FACIT-Fadiga demonstrou correlação moderada com capacidade funcional (HAQ DI), conforme mostram a figura 2b e a tabela 2 ; ansiedade e depressão (HAD a/d), na figura 3 ; e predominantemente com o domínio físico da qualidade de vida (SF-36P), conforme a figura 2a .
A análise similar com os subgrupos para atividade da doença em níveis moderado e elevado (DAS 28 > 3,2) da nossa amostra confirmou a ausência de correlação entre fadiga e atividade da doença, o que está ilustrado na tabela 3 . Esse achado concorda com Huyser et al. Esses autores sugeriram que, em pacientes com AR, a fadiga não está relacionada à atividade da doença, tendo demonstrado que muitas das variáveis que estavam significativamente correlacionadas com a fadiga tinham base psicossocial.2525. Huyser BA, Parker JC, Thoreson R, Smarr KL, Johnson JC, Hoffman R. Predictors of subjective fatigue among individuals with rheumatoid arthritis. Arthritis Rheum. 1998;41:2230-7. Fatores como a ansiedade e sintomas depressivos importantes tiveram associação significativa com aumento da fadiga, percebido em nosso estudo (figura 3 ). Os melhores preditores de fadiga foram níveis mais intensos de dor, sintomas depressivos mais importantes e gênero feminino, independentemente da atividade da doença.2525. Huyser BA, Parker JC, Thoreson R, Smarr KL, Johnson JC, Hoffman R. Predictors of subjective fatigue among individuals with rheumatoid arthritis. Arthritis Rheum. 1998;41:2230-7. Nosso estudo demonstrou que o número de articulações dolorosas, medidas pelo primeiro item do DAS 28, não guarda correlação com fadiga, independentemente do nível da dor ou da avaliação global do paciente.
Bergman et al. demonstraram que a fadiga não está correlacionada à inflamação, não tendo correlação com o número de articulações inchadas ou sensíveis. Esses autores mostraram uma moderada associação entre a fadiga e o DAS 28, o que poderia explicar 79% dessas queixas.2929. Bergman MJ, Shahouri SS, Shaver TS, Anderson JD, Weidensaul DN, Busch RE, et al. Is fatigue an inflammatory variable in rheumatoid arthritis? Analyses of fatigue in rheumatoid arthritis, osteoarthritis, and fibromyalgia. J Rheumatol. 2009;36:2788-94.
Yacoub et al. avaliaram a fadiga em 248 pacientes com AR, chegando a uma prevalência desse sintoma em aproximadamente 90% e, contrastando com nossos resultados, uma associação significativa com a atividade da doença.3030. Yacoub YI, Amine B, Laatiris A, Wafki F, Znat F, Hajjaj-Hassouni N. Fatigue and severity of rheumatoid arthritis in Moroccan patients. Rheumatol Int. 2012;32:1901-7. Thyberg et al. também sugeriram que a atividade da doença se situa entre os fatores intimamente relacionados à fadiga.3131. Thyberg I, Dahlström Ö, Thyberg M. Factors related to fatigue in women and men with early rheumatoid arthritis: the Swedish TIRA study. J Rehabil Med. 2009;4:905-12.
O presente estudo, utilizando a escala HAD a/d, determinou uma correlação entre fadiga e
aspectos emocionais, como depressão e ansiedade, ilustrados na figura 3 e na tabela 2 -
correlação essa também descrita por Huyser et al. Em pacientes com AR a
depressão é queixa frequente, em associação com fadiga. Sua prevalência fica entre
13-20%, duas a três vezes superior ao que se observa em pessoas saudáveis.2525. Huyser BA, Parker JC, Thoreson R, Smarr KL, Johnson JC, Hoffman R.
Predictors of subjective fatigue among individuals with rheumatoid arthritis.
Arthritis Rheum. 1998;41:2230-7.,3232. Dickens C, McGowan L, Clark-Carter D, Creed F. Depression in
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Psychosom Med. 2002;64:52-60.,3333. Dickens C, Creed F. The burden of depression in patients with
rheumatoid arthritis. Rheumatology. 2001;40:1327-30. A presença de dor,
inchaço e deformidade nas articulações e também de incapacidade funcional e restrições
ao trabalho ou lazer em pacientes com AR poderia explicar o número elevado de casos de
depressão. A incapacitação funcional provoca queda da autoconfiança e da QV, resultando
em um estado de espírito depressivo. Vários autores tentaram correlacionar depressão,
ansiedade e fadiga.2525. Huyser BA, Parker JC, Thoreson R, Smarr KL, Johnson JC, Hoffman R.
Predictors of subjective fatigue among individuals with rheumatoid arthritis.
Arthritis Rheum. 1998;41:2230-7.,3434. Zautra AJ, Yocum DC, Villaneuva I, Smith B, Davis MC, Attrep J,
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arthritis (RA). Clin Rheumatol. 2008;27:1549-55.-3636. Tack BB. Self-reported fatigue in rheumatoid arthritis: a pilot
study. Arthritis Care Res. 1990;3:154-7. Tack et al. constataram que, em pacientes com AR, um
nível mais intenso de fadiga estava fortemente associado com sintomas depressivos, dor e
pior estado de espírito.3636. Tack BB. Self-reported fatigue in rheumatoid arthritis: a pilot
study. Arthritis Care Res. 1990;3:154-7. Estudo recentemente
publicado por Munsterman et al. confirma os resultados precedentes -
que sintomas depressivos estão associados com fadiga.2727. Munsterman T, Takken T, Wittink H. Low aerobic capacity and physical
activity not associated with fatigue in patients with rheumatoid arthritis: a
cross-sectional study. J Rheumatol Med. 2013;45:164-9.
Observamos uma correlação moderada de fadiga com QV (SF-36) e capacidade funcional (HAQ DI), conforme mostra a figura 2 .Yacoub et al. relatam que a fadiga estava significativamente associada com incapacitação funcional.3030. Yacoub YI, Amine B, Laatiris A, Wafki F, Znat F, Hajjaj-Hassouni N. Fatigue and severity of rheumatoid arthritis in Moroccan patients. Rheumatol Int. 2012;32:1901-7. Pollard et al. chegaram a resultados semelhantes, tendo observado relação significativa entre fadiga e incapacidade funcional, sugerindo que a fadiga intensa exercia impacto negativo na QV dos pacientes.3737. Pollard LC, Choy EH, Gonzalez J, Khoshaba B, Scott DL. Fatigue in rheumatoid arthritis reflects pain, not disease activity. Rheumatology. 2006;45:885-9. Thyberg et al. sugerem que a fadiga está relacionada a aspectos físicos incapacitantes, como dor, limitação da atividade e aspectos mentais, que podem se constituir em uma reação psicológica à incapacidade física.3131. Thyberg I, Dahlström Ö, Thyberg M. Factors related to fatigue in women and men with early rheumatoid arthritis: the Swedish TIRA study. J Rehabil Med. 2009;4:905-12. Cada um desses estudos, entretanto, avaliou a fadiga por diferentes questionários, escalas e métodos, chegando a resultados de difícil comparação direta.
Com vistas à aplicação do FACIT-Fadiga como instrumento específico de avaliação da fadiga em pacientes com AR, esses dados demonstraram consistência e correlação significativa com outros protocolos (SF-36, HAD a/d, HAQ DI) ilustrados nas figuras 2 e 3 , com valores significativos observados na tabela 2 . Esses achados sugerem que a queixa de fadiga dos pacientes é dado independente na análise da evolução da doença.
Sugerimos um novo significado para as queixas de fadiga em pacientes com AR, como um parâmetro significativo não relacionado à atividade inflamatória. Ao que parece, a fadiga está relacionada à incapacidade física e aos sintomas emocionais associados ao efeito negativo na qualidade de vida do paciente. Os relatos na literatura são conflitantes, provavelmente por causa da etiologia multifatorial da fadiga e por sua correlação com aspectos físicos, psicológicos, sociais, pessoais e individuais dos pacientes, bem como pela inexistência de um método de avaliação padronizado. Esses resultados enfatizam a necessidade de se melhor compreender a fadiga em pacientes com AR por meio de novos estudos e pela inclusão de medidas padronizadas para a monitoração dos sintomas e tratamento clínico da fadiga. Conforme recente recomendação da OMERACT, devem ser levadas em conta, em estudos e na prática clínica, intervenções psicológicas, psicossociais e também a perspectiva do paciente, com o objetivo de melhorar os resultados do tratamento da fadiga.3838. Kirwan JR, Hewlett SE, Heiberg T, Hughes RA, Carr M, Hehir M et al. Incorporating the patient perspective into outcome assessment in rheumatoid arthritis-progress at OMERACT 7. J Rheumatol. 2005;32:2250-6.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
May-Jun 2014
Histórico
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Recebido
15 Nov 2013 -
Aceito
29 Nov 2013