Resumos
O bloqueio do TNF tem tido sucesso no tratamento de algumas doenças reumáticas, como a espondiloartrite. Relatam-se muitas complicações infecciosas com a terapia anti-TNF, principalmente infecções bacterianas, micobacterianas, virais e fúngicas. A Entamoeba histolytica é um protozoário extracelular que causa principalmente colite e abscesso hepático, sendo que a perfuração intestinal é uma complicação rara, com alta mortalidade. O TNF é considerado o principal mediador da imunidade celular contra a amebíase. Inicialmente, é quimiotático para a E. histolytica, potencializando sua adesão ao enterócito por meio da lectina galactose-inibível, e depois ativando os macrófagos para matarem a ameba pela liberação de NO; assim, o bloqueio do TNF poderia ser prejudicial, aumentando a virulência amebiana. Descreve-se o caso de uma mulher de 46 anos com espondiloartrite que apresentou uma perfuração do colo por colite amebiana invasiva durante uso de anti-TNF.
Inibidores Anti-TNF; Perfuração do colo; Colite amebiana
Optic neuritis (ON) was rarely reported in juvenile idiopathic arthritis (JIA) patients, particularly in those under anti-tumor necrosis factor alpha blockage. However, to our knowledge, the prevalence of ON in JIA population has not been studied. Therefore, 5793 patients were followed up at our University Hospital and 630 (11%) had JIA. One patient (0.15%) had ON and was reported herein. A 6-year-old male was diagnosed with extended oligoarticular JIA, and received naproxen and methotrexate subsequently replaced by leflunomide. At 11 years old, he was diagnosed with aseptic meningitis, followed by a partial motor seizure with secondary generalization. Brain magnetic resonance imaging (MRI) and electroencephalogram showed diffuse disorganization of the brain electric activity and leflunomide was suspended. Seven days later, the patient presented acute ocular pain, loss of acuity for color, blurred vision, photophobia, redness and short progressive visual loss in the right eye. A fundoscopic exam detected unilateral papilledema without retinal exudates. Orbital MRI suggested right ON. The anti-aquaporin 4 (anti-AQP4) antibody was negative. Pulse therapy with methylprednisolone was administered for five days, and subsequently with prednisone, he had clinical and laboratory improvement. In conclusion, a low prevalence of ON was observed in our JIA population. The absence of anti-AQP4 antibody and the normal brain MRI do not exclude the possibility of demyelinating disease associated with chronic arthritis. Therefore, rigorous follow up is required.
Optic neuritis; Juvenile idiopathic arthritis; Anti-aquaporin 4 antibody
Introdução
A neurite óptica (ON) caracteriza-se por perda visual aguda e inflamação do nervo óptico. As manifestações clínicas mais recorrentes desta doença são a perda repentina da visão, a perturbação da visão de cores, e a dor periorbitária e retro-orbitária, principalmente durante a movimentação dos olhos. 1 Esta anomalia visual pode estar associada a infecções, vacinas, fármacos e doenças autoimunes, especialmente a esclerose múltipla (EM) e a neuromielite óptica (NMO).2,3
A neurite óptica (NO) raramente é relatada em pacientes com artrite idiopática juvenil (AIJ), especialmente naqueles com bloqueio de fator de necrose tumoral-alfa (TNF-α).3–6 No entanto, até onde se sabe, a prevalência de NO em pacientes com AIJ ainda não foi estudada.
No período de janeiro de 1983 a julho de 2013, foram acompanhados 5.793 pacientes na Unidade de Reumatologia Pediátrica do Instituto da Criança da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Destes, 630 (11%) preenchiam os critérios de classificação da International League of Associations for Rheumatism (ILAR) para AIJ.7 Apenas um (0,15%), descrito neste estudo, apresentou perda visual aguda em decorrência da NO durante o curso da doença.
Relato de caso
O paciente de 6 anos de idade, do sexo masculino, foi diagnosticado com AIJ oligoarticular estendida em razão de uma artrite crônica do joelho esquerdo, com evolução para punhos e tornozelos. Exames laboratoriais iniciais revelaram hemoglobina 12,9g/dL, hematócrito 38,1%, leucócitos 17.000mm3 (neutrófilos 73%, linfócitos 23%, eosinófilos 0% e monócitos 4%), plaquetas 401.000 mm3, velocidade de hemossedimentação (VHS) de 30 mm/1h, proteína c-reativa (PCR) 98,4mg/dL (faixa normal 5,0), fator reumatoide e anticorpo antinuclear negativos. Foram introduzidos naproxeno (20 mg/kg/dia) e metotrexato (0,5mg/kg/semana), posteriormente substituídos por leflunomida (20 mg/dia) em razão da intolerância gástrica. Aos 11 anos de idade, o paciente não apresentava artrite nem limitações e vinha sendo tratado com leflunomida (20 mg/dia). Neste momento, o paciente apresentou cefaleia e vômito, sem febre. Depois de quatro dias, manifestou convulsão motora parcial afetando o braço direito, com generalização secundária. Exames laboratoriais evidenciaram líquido cerebrospinal (LCS) levemente turvo, 127 células/mm2 (linfócitos 32%, monócitos 19%, plasmócitos 1%, neutrófilos 43%, eosinófilos 2%, basófilos 1% e macrófagos 2%), hemácias 0/mm2, proteína 61mg/dL, glicose 58mg/dL e adenosina deaminase 0,7 IU/L (faixa normal < 4). O VHS foi de 30 mm/1h e a PCR foi de 10,1mg/dL. A detecção de adenovírus, citomegalovírus, herpes simples tipo I/II, Toxoplasma gondii, Mycobacterium tuberculosis e Treponema pallidum por reação em cadeia da polimerase no LCS foi negativa, assim como a cultura de aeróbios, anaeróbios, fungos e micobactérias no LCS. A ressonância magnética do encéfalo foi normal, enquanto o encefalograma evidenciou desorganização difusa da atividade elétrica do encéfalo. Por conseguinte, foi diagnosticada meningoencefalite asséptica, sendo a leflunomida suspensa. Após 7 dias, o paciente apresentou dor ocular aguda, baixa acuidade visual para cores, visão turva, fotofobia, hiperemia no olho direito com progressão para amaurose unilateral. No exame de fundo de olho, foi detectado edema de papila e mácula seca à direita, sem exsudatos maculadores. A ressonância magnética de órbita evidenciou espessamento e hipersinal em T2 associado a realce dos segmentos intra-orbitário, intracanicular e cisternal do nervo óptico direito, os quais sugeriam NO à direita. Exames imunológicos evidenciaram anticorpos antinucleares FAN 1:160 (padrão pontilhado fino), anti-DNA de dupla hélice, anti-Sm, anti-RNP, IgG e anticardiolipina IgM negativos, autoanticorpos anti-Ro e anti-La. Pelo método da imunofluorescência indireta, o anticorpo antiaquaporina 4 (anti-AQP4) foi negativo. O paciente foi submetido a pulsoterapia com metilprednisolona (1,0g/dia) por cinco dias, seguida de prednisona (60mg/dia). Após tratamento com prednisona por 30 dias, os exames clínicos, laboratoriais e de fundo de olho foram normais. Atualmente, as doses de corticosteroides estão sendo gradualmente reduzidas.
Discussão
A NO com perda reversível da visão em pacientes com AIJ foi descrita apenas uma vez nestes 30 anos consecutivos de atendimento deste serviço de reumatologia pediátrica.
Esta doença oftálmica ocorre predominantemente em pacientes jovens, 8 sem predominância de gênero. 9–11 O diagnóstico é baseado no quadro clínico secundário ao dano do nervo óptico,9–11 que resulta em perda repentina da visão, deficiência da visão de cores e dor periorbitária à movimentação do olho. Foi observado edema de papila no exame de fundo de olho em um terço dos pacientes,1 resultante da papilite, perineurite ou neurorretinite. No paciente estudado, a presença de um disco inchado sem exsudato em estrela macular sugere papilite associada a neurite retrobulbar. Curiosamente, a neurite retrobulbar e a papilite normalmente estão relacionadas com a EM, enquanto a perineurite e a neurorretinite estão mais comumente associadas a etiologias infecciosas ou inflamatórias.
A ressonância magnética de órbita não é necessária para confirmar o diagnóstico. Por outro lado, ela é requerida para excluir outras doenças que possam mimetizar uma NO, como as lesões orbitais compressivas ou inflamatórias.12,13 É importante ressaltar que quase 50% dos pacientes com NO isolada desenvolvem EM em um período de 15 anos. Consequentemente, a ressonância magnética do encéfalo se faz necessária para detectar os primeiros sintomas de lesões cerebrais desmielinizantes e para acompanhar de perto a evolução da doença.12,14
Ademais, nosso paciente apresentou anticorpo anti-AQP4 negativo. Este marcador autoimune relacionado com o sistema nervoso central tem especificidade alta para o espectro de diagnóstico de NMO.15 No entanto, foi detectada sensibilidade de 53% pelo método de imunofluorescência indireta.16 Dez por cento dos pacientes soronegativos que apresentam NO recorrente desenvolverão NMO dentro de cinco anos. 14 Portanto, é de suma importância que o paciente estudado seja submetido a um acompanhamento rigoroso.
Em pacientes com AIJ, a neurite óptica é raramente relatada, estando geralmente associada a inibidores do TNF-α,4 com tratamento com duração média de 8 meses.3,6 Além disso, esta anomalia ocular também foi descrita em pacientes adultos com artrite inflamatória. 17 A etiologia da NO do paciente estudado não é clara, estando possivelmente relacionada com a autoimunidade. Até onde se sabe, não há relato de casos de NO em que tenha sido utilizado tratamento com leflunomida.
A metilprednisolona intravenosa é uma opção para o tratamento da NO, conforme indicado neste estudo.19 Uma revisão recente, que incluiu ensaios clínicos randomizados com pacientes adultos, evidenciou recuperação semelhante da acuidade visual normal em pacientes tratados com corticosteróides intravenosos ou orais.18
Em suma, foi observada baixa prevalência de NO em pacientes com AIJ. A ausência do anticorpo antiaquaporina 4 e a ressonância magnética normal do encéfalo não excluem a possibilidade de doença desmielinizante associada a esta artrite crônica. Logo, é importante que seja feito um acompanhamento rigoroso.
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FinanciamentoEste estudo foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP - bolsas 2008/58238-4 para CAS e 2011/12471-2 para CAS), pelo Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ – bolsa 302724/2011-7 para CAS), pela Federico Foundation para CAS e pelo Núcleo de Apoio à Pesquisa «Saúde da Criança e do Adolescente» da USP (NAP-CriAd).
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Nov-Dec 2014
Histórico
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Recebido
17 Ago 2013 -
Aceito
28 Jan 2014