Open-access Uma perspectiva histórico-sociológica da reforma educacional na América Latina: Argentina, Brasil, Chile e México nos anos 1990

RESENHA

Uma perspectiva histórico-sociológica da reforma educacional na América Latina: Argentina, Brasil, Chile e México nos anos 1990

Silvia Cristina Yannoulas

Doutora em sociologia pela Universidad de Bueno Aires (Argentina). Professora adjunta da Universidade de Brasília (UnB). E-mail: silviayannoulas@unb.br

KRAWCZYK, Nora Rut; VIEIRA, Vera Lúcia. Uma perspectiva histórico-sociológica da reforma educacional na América Latina: Argentina, Brasil, Chile e México nos anos 1990. Brasília: Liberlivro, 2012, 164 p.

A obra das professoras Krawczyk (Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP) e Vieira (Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP) constitui a nova edição de versão publicada originalmente em 2008 (Editora Xamã, esgotada). Sua originalidade reside na proposta de análise comparada e no olhar interdisciplinar (história, política e sociologia) sobre as reformas educacionais implementadas na América Latina na década compreendida entre 1995 e 2005. A atualidade do debate e a relevância da proposta metodológica justificam a nova edição.

A pesquisa foi realizada in loco em mais de quarenta centros de produção acadêmica, bibliotecas e livrarias de cada um dos quatro países estudados: Argentina, Brasil, Chile e México, envolvendo um grande número de pesquisadores e funcionários dispostos a contribuir em com o processo de desvendar as novidades e os conservadorismos implícitos nas políticas educacionais da virada do milênio. Inclui a realização de entrevistas com informantes-chave, viabilizando a localização de acervos mais completos, de periódicos especializados na área, de teses e dissertações pertinentes, de relatórios de pesquisa e de avaliação sobre as reformas educacionais em cada país estudado. O grande número e a relevância das referências bibliográficas e documentais constituem importante fonte de consulta para posteriores pesquisas. Nos anexos do livro, as autoras incluem tabelas e gráficos sobre a estrutura geopolítica, a evolução da população e sua relação com as taxas de analfabetismo, a estrutura dos sistemas educacionais na virada do milênio e as matrículas por nível de ensino.

A obra reúne duas características fundamentais para compreender os processos de reconfiguração da relação entre Estado e sociedade no que diz respeito à política educacional:

a) Desenvolve a perspectiva comparada para construir uma visão latino-americana; e, paralelamente,

b) Aprofunda na leitura nacional das tendências internacionais.

A pesquisa tinha por objetivo compreender as reformas educacionais alinhavadas nas recomendações dos organismos internacionais, nas circunstâncias históricas dos diferentes concretos, dando visibilidade às especificidades ou particularidades nacionais, mas ao mesmo tempo permitindo a construção de um referencial de análise latino-americano: procura das características comuns que constituem a unidade regional (o específico latino-americano) na diversidade de casos nacionais. O cenário internacional do capitalismo recente (monopolista, mundializado e destruidor da proposta de Estado benfeitor no nível nacional) foi ao encontro de processos latino-americanos de democratização. Segundo as autoras, esses processos articularam-se numa direção política e econômica que agudizou as relações de dependência.

Para Barroso (2011, p. 686), as reformas educacionais caracterizam o discurso político sobre a educação e sobre a escola no período compreendido entre 1960 e 1990, momento em que se inicia seu refluxo no que o autor denomina "passagem do mito da reforma para a reforma de um mito". A perda de relevância da reforma como estratégia de política educacional aconteceu, em parte, pela profunda alteração dos processos de governança pela via do Estado avaliador e do quase mercado, que caracterizam as formas pós-burocráticas de coordenação (substituindo o antigo controle hierárquico pelo autocontrole, a obrigação de meios pela obrigação dos resultados, a regulamentação pela avaliação). A reforma global, imposta do centro para a periferia, é substituída por mudanças de geometria variável, orientadas para a mudança pela mudança, numa busca de adaptação contínua (mudança tornou-se natural, permanente, contínua, imperativa). Em ambos os casos, há um grande investimento nas práticas de avaliação como pesquisa, pois a política educacional passa a ser desenvolvida com base nas "evidências" (aspas do autor).

No livro são abordadas as características comuns dos países estudados no que se refere ao processo de regulação política e à estratégia de mudança, aos câmbios estruturais na organização e na gestão dos sistemas educacionais (organicidade do sistema educacional) e ao papel da avaliação na reconfiguração da relação sociedade, Estado e educação. Essa transformação está vinculada ao novo modelo de integração social vigente, que desmonta o projeto solidário próprio do Estado de bem-estar e do desenvolvimento keynesiano e rearticula os três elementos pela perspectiva da mundialização e da competição no novo estágio de acumulação capitalista (que acentua as desigualdades). No caso da América Latina, esse processo do final do século XX deve ser especificado: os Estados de bem-estar não tinham atingido o mesmo grau de expansão e consolidação quando comparados com os europeus, e grande parte dos países estava passando por um processo de democratização após longos períodos de ditadura militar.

Sistematizando as semelhanças nas reformas educacionais latino-americanas, com base no livro de Krawczyk e Vieira (2012), Duarte (2010) propõe a existência de três gerações de reformas:

• Um primeiro movimento ou geração de reformas, que focou sua atenção na ampliação de acesso/cobertura (no caso do Brasil, universalização do ensino fundamental - diferente dos outros países analisados, que focaram na expansão do nível médio) e, paralelamente, na descentralização (transferência de responsabilidades e recursos);

• Um segundo movimento ou geração de reformas, enfatizando modos de controle e responsabilização das escolas e suas professoras1 por meio de resultados educacionais (criação dos sistemas centralizados de avaliação; visibilização dos resultados e desempenhos educacionais; estabelecimento de parâmetros curriculares de aplicação obrigatória em território nacional, padronizando as práticas docentes); Um terceiro movimento ou geração de reformas, que buscou redefinir as relações entre responsabilidades públicas e direito à educação, reforçando as questões relativas à participação democrática e ao controle social das políticas educacionais (com duas consequências importantes: criação de instâncias colegiadas e fortalecimento da figura do diretor ou diretora como gestora e não como professora).

Conforme Krawczyk e Vieira (2012), é possível observar a presença da matriz pós-burocrática de coordenação das políticas educacionais, nas quais o controle hierárquico é substituído pelo autocontrole, a obrigação de meios pela obrigação de resultados e a regulamentação pela avaliação. A reforma global é substituída por micromudanças induzidas do centro para a periferia do sistema educacional, possuindo três elementos destacados: a descentralização da gestão do sistema educacional, a incorporação da gestão privada na gestão pública e a autonomia institucional como capacidade de administrar os problemas e captar recursos, combinada com a (co)responsabilização dos indivíduos e mobilização da comunidade para o provimento e a qualidade da educação escolar.

Se as recomendações dos organismos internacionais para os países da América Latina eram (e são) relativamente homogêneas, levando à reconfiguração da relação entre Estado e sociedade por meio da descentralização da gestão educacional e à incorporação da lógica empresarial nas políticas educacionais, cada país, no entanto, processou essas recomendações de maneira específica, dependendo do grau de desenvolvimento econômico e tecnológico, de concentração de renda, de universalização dos diferentes níveis educacionais anteriormente atingidos. Por exemplo, as tentativas de redemocratização e recuperação do modelo desenvolvimentista anterior às ditaduras na Argentina e no Brasil foram limitadas pela privatização da esfera pública e pela interferência de organismos internacionais. No caso chileno, houve uma coalizão multipartidária que deu continuidade à subsidiariedade do Estado em matéria educacional, já presente no período anterior à ditadura militar. Finalmente, no México, a questão da descentralização e do federalismo foi a pedra de toque.

O livro constitui um subsídio fundamental para todos aqueles interessados na formulação, gestão e avaliação de políticas públicas educacionais, bem como aos pesquisadores comprometidos com a temática e às comunidades escolares participantes na definição dos rumos de suas instituições. Ajuda ainda a refletir sobre alguns pontos importantes na análise da educação como política pública, principalmente sobre a necessidade de serem consideradas a temporalidade e a especificidade cultural/nacional das reformas educacionais, pois uma análise apenas focada nas semelhanças pode desestimular o desenvolvimento de pensamento crítico e complexo aplicado ao estudo da educação no capitalismo atual, bem como esconder sementes revolucionárias.

REFERÊNCIAS

Barroso, João. Reformas escolares. In: Van Zanten, Agnes (Coord.). Dicionário de educação. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 685-688.

Duarte, Adriana. Tendências das reformas educacionais na América Latina para a educação básica nas décadas de 1980 e 1990. In: Faria Filho, Luciano Mendes de; Nascimento, Cecília Vieira do; Santos, Marileide Lopes dos. Reformas educacionais no Brasil: democratização e qualidade da escola pública. Belo Horizonte: Maza Edições, 2010. p. 161-185.

Krawczyk, Nora Rut; Vieira, Vera Lúcia. Uma perspectiva histórico-sociológica da reforma educacional na América Latina: Argentina, Brasil, Chile e México nos anos 1990. Brasília: Liberlivro, 2012.

Yannoulas, Silvia Cristina. Educar: uma profesión de mujeres? Buenos Aires: Kapelusz, 1996.

______. Trabalhadoras: análise da feminização das profissões e ocupações. Brasília: Abaré, 2013.

Recebido em abril de 2013

Aprovado em dezembro de 2013

Referências bibliográficas

  • Krawczyk, Nora Rut; Vieira, Vera Lúcia. Uma perspectiva histórico-sociológica da reforma educacional na América Latina: Argentina, Brasil, Chile e México nos anos 1990. Brasília: Liberlivro, 2012.
  • Yannoulas, Silvia Cristina. Educar: uma profesión de mujeres? Buenos Aires: Kapelusz, 1996.
  • ______. Trabalhadoras: análise da feminização das profissões e ocupações. Brasília: Abaré, 2013.
  • 1
    Pelo predomínio de mulheres na categoria profissional e pela importância da docência como atividade econômica feminina, optei por utilizar o gênero gramatical feminino para fazer referência ao conjunto da categoria profissional (ver Yannoulas 1996, 2013).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jul 2014
    • Data do Fascículo
      Jun 2014
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