A avaliação dos periódicos e os desequilíbrios regionais
O impacto da divulgação da recente avaliação dos periódicos brasileiros realizada por uma equipe composta por membros do Comitê de Área da Psicologia da CAPES (Lino de Macedo, Paulo R. M. Menandro, Anna Carolina LoBianco, Celso Pereira de Sá, Cláudio Simon Hutz e José Lino O. Bueno) e três editores indicados pelos programas de pós-graduação a partir de consulta da ANPEPP (Maria do Carmo Guedes, Sílvia Helena Koller e Oswaldo H. Yamamoto), trouxe à tona um conjunto de questões que, embora sempre presente nas preocupações dos pesquisadores, nunca havia sido posta em discussão pública.
O resultado, tornado público em eventos e veículos da área (e. g., a XXIX Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia e o site da ANPEPP http://www.anpepp.org.br), colocou Estudos de Psicologia entre os quatro classificados como de âmbito nacional e qualidade "A", dentre 47 periódicos avaliados.
Trata-se, sem dúvida, de uma honra e motivo de imenso orgulho para nós figurar, ao lado de revistas reconhecidamente consagradas pela comunidade acadêmica como sendo as melhores do país (Psicologia: Reflexão e Crítica, Psicologia: Teoria e Pesquisa e Psicologia USP) nesse seleto grupo. Trata-se do reconhecimento do esforço de um pequeno grupo de pesquisadores que acreditavam ser possível produzir um veículo de qualidade fora dos grandes centros.
Se, por um lado, temos recebido congratulações de diversos colegas, reconhecendo o mérito dessa posição que alcançamos, temos visto e ouvido algumas manifestações que colocam em questão a justiça dessa classificação. Estas últimas orbitam em torno da presença de editores na equipe de avaliação com duas linhas de argumentação: a introdução (consciente ou não) de vieses e a conduta deliberadamente desonesta no processo.
A segunda dessas alternativas é indigna de ser considerada: a única resposta possível é o recurso às nossas (dos editores) biografias. Se elas não forem suficientemente convincentes, nada mais há a fazer ou dizer.
Contudo, é possível discutir a primeira das linhas de questionamento e é esse o meu propósito nas linhas que se seguem.
Para tanto, é necessário recuperar um pouco do processo gerado desde a constituição da equipe. A partir da relação de periódicos nos quais os pesquisadores brasileiros da área, vinculados aos programas de pós-graduação publicaram, efetivamente, no último biênio, separamos aqueles especificamente de Psicologia daqueles de áreas conexas. Nosso propósito e a nossa delegação - foi avaliar apenas as primeiras. A seguir, foi definida uma metodologia de avaliação, calcada na literatura. Sobretudo, as indicações de Krzyzanowski & Ferreira (1998) nos foram extremamente valiosas. Elaboramos um instrumento e o testamos em alguns periódicos, selecionados ao acaso. Uma vez tal modelo considerado adequado, realizamos uma avaliação preliminar dos periódicos, com duplas de avaliadores trabalhando de forma independente. Esses resultados foram consolidados e apresentados na reunião do Conselho Deliberativo da ANPEPP, em maio de 1999.
Aprovados na reunião metodologia, instrumento e a avaliação preliminar -, enviamos as avaliações para os editores para permitir recurso.
Não cabe relatar com detalhes a seqüência: o que importa é que procuramos, ao longo do processo, trabalhar com competência (pela referência e consulta à literatura e aos especialistas) e transparência (avaliação por membros da equipe que não tinham relação com os periódicos designados, apresentação passo-a-passo dos procedimentos à comunidade acadêmica).
O resultado desse processo é o que foi apresentado ao público mais amplo e que tem gerado os questionamentos aos quais fiz referência.
Como qualquer trabalho, o processo contém falhas, pode e deve ser reavaliado. Dentre os cuidados nessa direção, expusemos recentemente os resultados e o processo ao crivo de especialistas, no II Workshop de Editores Científicos, promovido pela Associação Brasileira de Editores Científicos e realizado em Petrópolis, em novembro de 1999 (Koller et al., 1999). Temos recebido, paralelamente, reconhecimento da qualidade do trabalho por parte de especialistas no campo da Biblioteconomia e Ciências da Informação.
O que nos parece surpreendente é a suposição de que a Comissão da Área da Psicologia da CAPES, responsável pela avaliação dos programas de pós-graduação, realizando um trabalho de reconhecida qualidade, teria sido alvo de manipulação por parte dos editores, intencionalmente ou não, para favorecer as "suas" revistas.
A este questionamento está subjacente a estranha idéia de que os periódicos brasileiros sejam concorrentes. Haveria, desta forma, um interesse mesquinho desses editores em trazer destaque para os periódicos que editam, nem que para isso rebaixe, deliberadamente, o conceito dos demais? Não seria mais plausível o raciocínio diamentralmente oposto, isto é, que se as 47 publicações alcançassem um padrão de excelência, atingindo reconhecimento internacional, qualificariam o trabalho de todos?
Em meio às reações, que vão da surpresa à indignação, temos ouvido comentários sobretudo envolvendo a inclusão da nossa revista nesse seleto grupo dos quatro melhor avaliados.
Quando iniciamos nossa empreitada, tínhamos claro o seguinte suposto: não bastaria fazer mais uma revista, uma simples e boa revista. Teríamos, pelo fato de editarmos um periódico em uma instituição sem o prestígio das grandes IES brasileiras, de estarmos situados na periferia dos centros economicamente mais desenvolvidos e, por conseguinte, decisórios, de fazer uma revista que beirasse a perfeição.
Evidentemente, estamos longe de conseguir tal proeza, mas temos a consciência de estar produzindo um material de muito boa qualidade, sob todos os pontos de vista. Nosso desafio maior era vencer o preconceito inicial e demonstrar que valia a pena continuar a folhear uma revista editada no nordeste; que nossa revista constituía-se, de fato, em uma alternativa para os pesquisadores divulgarem os resultados de seu esforço.
Publicamos, ao longo destes quatro anos, textos provenientes de instituições de 11 Unidades da Federação e de 8 diferentes nações. Continuam sendo submetidas contribuições de pesquisadores de destaque nacional e de diversos países. Contamos com um corpo de consultores de altíssimo nível, garantindo a qualidade do material publicado.
Surpreende-nos que, a despeito de termos como autores pesquisadores de primeira linha, de contarmos com processo de tramitação e arbitragem conforme desenho consagrado internacionalmente como os mais adequados, de um zelo nos aspectos formais e gráficos, que a revista que editamos continue a ser motivo de juízos preconcebidos.
Um rápido olhar no rol dos periódicos avaliados nos possibilita algumas ilações: Estudos de Psicologia é a única revista editada no nordeste e uma das poucas vinculada a IES fora dos grandes centros universitários brasileiros.
Estaríamos, novamente, assistindo a uma reedição de uma modalidade de pensamento colonialista, tantas vezes denunciado nas avaliações sobre os desequilíbrios regionais na ciência, no Brasil e no mundo, fruto da iniquidade social e econômica? Um periódico de qualidade não pode, por mérito, e não por manipulação deliberada dos avaliadores, constituir-se em um veículo de primeira linha, se não for editado em um grande centro?
É importante esclarecer a comunidade científica: para efeito da avaliação dos programas de pós-graduação, para a qual será decisiva o posicionamento alcançado pelos periódicos na hierarquia do programa Qualis, está prevista uma reavaliação de todos os veículos no segundo semestre do ano 2.000.
Até lá, esperamos ter, no âmbito da equipe de avaliação, corrigido os eventuais defeitos do processo e, no dos editores, aperfeiçoado os nossos periódicos. E, acima de tudo, que tenhamos o reconhecimento das mentes mais lúcidas a respeito da importância e da qualidade deste processo de avaliação, que poderá e deverá promover um impulso decisivo para o campo editorial da Psicologia brasileira.
Este fascículo, que encerra nosso quarto ano de funcionamento, traz as contribuições de Maria da Graça B. B. Dias, Herbert D. Saltzstein e Mari Millery em um estudo sobre o raciocínio moral; de Ângela M. B. Biaggio, Gertrudes A. de O. Vargas e Janine K. Monteiro sobre promoção de atitudes pró-ambientais; de Ana Cecília de S. Bastos, Ana C. M. Urpia, Lídia Pinho e Naomar M. de Almeida Filho sobre ambiente familiar e adoslescência; de Adriana F. P. Ribas e Maria L. Seidl de Moura sobre interação mãe-bebê; e de Paola B. Alves, Sílvia H. Koller, Aline S. Silva, Caroline T. Reppold, Clarisse L. Santos, Gabriela S. Bichinho, Luciano T. Prade, Milena R. Silva e Jonathan Tudge sobre metodologia observacional para crianças em situação de rua. Além destes, Ana M. M. B. Bock discute, na seção Eventos, perspectivas para a Psicologia brasileira.
A nossa entrevista, nesta edição, é póstuma. Ao mesmo tempo em que reproduzimos a entrevista, prestamos uma homenagem à memória do professor Eliezer Schneider, falecido no segundo semestre de 1998, que tantos serviços prestou ao desenvolvimento do conhecimento psicológico no Brasil. Como parte dessa homenagem, Ana M. Jacó-Vilela traça um esboço biográfico do prof. Schneider.
Na seção de Comunicações Breves, apresentamos uma interessante reflexão de Charles T. Snowdon, presidente da Animal Behavior Society, sobre estudos com comportamento animal.
Finalmente, Maria de Fátima S. Santos resenha o livro recentemente lançado de Angela Arruda, sobre representação social e alteridade.
Esperamos que, com esta edição, continuemos a prestar os serviços inerentes a uma publicação científica do campo, qual seja, a de dar visibilidade ao conhecimento produzido na Psicologia.
Oswaldo H. Yamamoto
Editor
Referências
Koller, S. H., Yamamoto, O. H., Guedes, M. C., LoBianco, A. C., Sá, C. P., Hutz, C. S., Bueno, J. L. O., Macedo, L., & Menandro, P. R. M. (1999, novembro). Avaliação de periódicos científicos em Psicologia. Trabalho apresentado no II Workshop de Editores Científicos da Associação Brasileira de Editores Científicos, Petrópolis, RJ.
Krzyzanowksi, R. F., & Ferreira, M. C. G. (1998). Avaliação de periódicos científicos e técnicos brasileiros. Ciência da Informação, 27, 165-175.
Agradecimentos
Agradecemos aos seguintes conselheiros e consultores ad hoc que colaboraram com Estudos de Psicologia de setembro de 1998 a agosto de 1999.
· Abigail A. Mahoney
· Anna Edith B. da Costa
· Arakcy M. Rodrigues
· Cecília Guarnieri Batista
· Clara M. Melo Santos
· Clary Sapiro
· Cleonice Alves Bosa
· Cleonice P. dos Santos Camino
· Dagmar Zibas
· Francisco José Batista Albuquerque
· Isaura Rocha Figueiredo Guimarães
· Jairo E. Borges-Andrade
· Jorge Castellá Sarriera
· Lídio de Souza
· Marco Antonio de Castro Figueiredo
· Maria Aparecida Trevisan Zamberlan
· Maria Dativa S. Gonçalves
· Maria Lúcia F. Moro
· Maria Suzana de Stefano Menin
· Miriam Raja Gabaglia Preuss
· Norberto Abreu e Silva Neto
· Rainer Johannes Antonius Rozestraten
· Sandra Maria Mata Azerêdo
· Sérgio Ozella
· Sílvia Helena Koller
· Zélia Maria Mendes Biasoli
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
25 Abr 2001 -
Data do Fascículo
Dez 1999