Fatores influenciadores da segregação de resíduos orgânicos na fonte geradora para a viabilização de sistemas de compostagem

Influencing factors of organic waste segregation in the generating source for feasibility of composting systems

RESUMO

Os resíduos orgânicos representam fração considerável dos resíduos sólidos urbanos gerados mundialmente. A compostagem é uma das formas de tratamento desse resíduo, tendo como vantagens requerer baixos investimentos e ser simples nas operações. Entretanto, para sua gestão eficiente é crucial a segregação na fonte, com ampla participação da população. Nesse sentido, compreender os motivos que levam ou não ao comportamento de separação, bem como o papel da gestão pública na condução do processo, é de suma importância na continuidade e na melhoria dos sistemas de tratamento desses resíduos. Assim, o objetivo deste trabalho foi identificar os fatores que influenciam no comportamento da segregação de resíduos orgânicos na fonte geradora, para fins de tratamento em sistemas de compostagem. A revisão sistemática foi realizada pelo método de pesquisa em arquivo. Verificou-se que os fatores influenciadores de segregação da matéria orgânica são: infraestrutura física e conveniência, educação, dados sociodemográficos, fatores econômicos, norma e influência social, feedback, hábito, comportamento pró-ambiental, confiança no sistema e fatores associados à Teoria do Comportamento Planejado. Conclui-se que não há consenso quanto à intensidade e ao aspecto (positivo ou negativo) de influência dos fatores, pois eles dependem das particularidades locais. Uma vez que existe relação de interdependência, um conjunto de fatores deve ser considerado para garantir adequado planejamento. Em sistemas de compostagem, a avaliação de eficiência da separação pode ser realizada de forma indireta, centrada na percepção do indivíduo e no autorrelato do comportamento; ou direta, com medições gravimétricas e de composição. Recomenda-se adotar ambas as formas, de modo complementar.

Palavras-chave:
compostagem; separação na fonte; matéria orgânica; fatores de influência

ABSTRACT

Organic waste is a considerable fraction of urban solid waste generated worldwide. Composting is one type of treatment of this waste that has the advantage of requiring low investments and simplicity in operations. However, to guarantee efficiency in composting, the segregation in generation sites and the wide participation of the population are crucial. In this sense, understanding the separation behavior of the population and the performance of the governments is especially important to the continuity and improvement of these systems. In this context, the aim of this paper was to identify the factors that influence the behavior segregation of organic waste in the generating sites, for the purposes of treatment in composting systems. The systematic review was performed using the Archive Search Method. It was found that the factors influencing organic matter segregation are: physical infrastructure and convenience, education, sociodemographic data, economic factors, social norms and influence, feedback, habit, pro-environmental behavior, confidence in the system, and factors associated with the Theory of Planned Behavior. It was concluded that there is no consensus on the intensity and aspect (positive or negative) of the impact of the factors, as they depend on local particularities. Once there is an interdependent relationship, a set of factors must be considered to ensure adequate planning. In composting systems, the evaluation of separation efficiency can be carried out indirectly, centered on the individual’s perception and self-report of behavior; or directly, with gravimetric and composition measurement. to the adoption of both forms, in a complementary way, is recommended.

Keywords:
composting; source separation; organic waste; influencing factors

INTRODUÇÃO

A complexidade da gestão adequada de resíduos sólidos urbanos (RSU) impõe um desafio mundial, pois envolve fatores ambientais, sociais, técnicos e econômicos (KAZA et al., 2018; DEUS et al., 2019). Segundo Kaza et al. (2018), 2,01 bilhões de toneladas de RSU foram geradas globalmente em 2016 e, até 2050, esse valor será ampliado para 3,40 bilhões por ano. Os resíduos orgânicos corresponderam a 32–56% dos RSU, e as maiores frações remetem preponderantemente aos países de economia emergente (KAZA et al., 2018; FEHR et al., 2015; FEHR, 2014). A Figura 1 apresenta a geração de RSU e de resíduo orgânico em alguns países.

Figura 1
Renda per capita e geração per capita anual de resíduos sólidos urbanos e fração orgânica em países desenvolvidos e em desenvolvimento.

De acordo com Tchobanoglous et al. (2002), o sistema de gestão de RSU envolve os elementos funcionais de controle de geração, segregação na fonte, armazenamento, coleta, transbordo e transporte, tratamento e disposição final. A segregação na fonte é uma etapa crítica na determinação da qualidade e da quantidade de resíduos que seguem para os processos seguintes, como: transporte, reciclagem, compostagem, incineração e aterro (MA et al., 2018). Das formas de tratamento dos resíduos orgânicos, a compostagem é considerada a mais indicada para casos que requerem baixos investimentos, simplicidade nas operações e desvalorização do biogás, características muito comuns nos países de economia emergente (LALANDER et al., 2018).

Alguns países desenvolvidos têm encorajado a prática de compostagem em seus territórios (TAKAHASHI et al., 2019), como Itália (EUROPEAN COMPOST NETWORK, 2020), Estados Unidos (KAZA et al., 2018), Finlândia, Bélgica e Áustria (EEA, 2020). Outros vão além, como a Suécia, que substituiu gradualmente o sistema de compostagem já consolidado pela digestão anaeróbia, a fim de obter o aproveitamento energético com o uso do biogás (BERNSTAD et al., 2013). Por outro lado, países em desenvolvimento ainda não têm a compostagem como via preferencial na destinação de seus resíduos orgânicos (SCHEINBERG et al., 2010). Ainda assim, alguns países têm tido resultados positivos em casos de implementação da prática em nível municipal, diante das dificuldades locais, como Uganda (NSIMBE et al., 2018), Índia (KAZA et al., 2018) e China (GUO et al., 2018).

Considerando a necessidade da ampla participação das famílias e instalações comerciais na segregação dos resíduos orgânicos para o adequado funcionamento dos sistemas, países europeus como Espanha, Suécia, Alemanha, Áustria e Holanda estabeleceram regulamentações de resíduos alimentares para atingir um sistema eficiente de segregação na fonte (JAMAL et al., 2019). Além disso, a Waste Framework Directive obriga todos os membros da União Europeia a coletar os resíduos orgânicos separadamente ou garantir a reciclagem na fonte até 2023 (EU, 2018).

Nesse contexto, compreender os motivos que levam, ou não, ao comportamento de separação, bem como o papel da gestão pública na condução do processo, é de suma importância na continuidade e na melhoria dos sistemas de tratamento desses resíduos (BERNSTAD, 2014; JAMAL et al., 2019). Destaca-se que a maioria dos estudos sobre comportamento de separação na fonte se concentra em programas gerais de reciclagem para os resíduos secos (LI et al., 2017; WU et al., 2019). Existem, mesmo, revisões sistemáticas que compilam pesquisas relacionadas à temática (ROUSTA et al., 2017; VAROTTO et al., 2017; KNICKMEYER, 2020). Contudo, não se pode preliminarmente inferir que esses fatores sejam os mesmos em relação à segregação dos resíduos orgânicos.

Para resíduos alimentares, poucos estudos abordam especificamente o comportamento de segregação e suas particularidades (LI et al., 2017; WU et al., 2019). Segundo Li et al. (2017), apenas nos últimos anos foram publicados os primeiros estudos de esquemas de separação de resíduos alimentares com elementos-chave para o sucesso, e não há até o momento, pelo conhecimento dos autores, estudos de revisão sobre os fatores de influência na separação na fonte com foco em compostagem. Considerando tal cenário e, sobretudo, os desafios para a governança pública relacionados à implementação de eficazes sistemas de compostagem para os resíduos orgânicos, esta pesquisa foi realizada com o objetivo de identificar os fatores que influenciam no comportamento da segregação de resíduos orgânicos na fonte geradora, para fins de tratamento em sistemas de compostagem.

METODOLOGIA

A pesquisa foi realizada por meio de revisão sistemática, tendo como base o método de pesquisa em arquivo — MPA (SEARCY et al., 2003), que consiste em estrutura orientada para a revisão sistemática, com foco na literatura acadêmica. Assim sendo, o esquema metodológico foi estruturado conforme as etapas a seguir:

1. Definição da base de dados: foram utilizadas três bases de dados — Web of Science (com todos os filtros ativados para índice de citações), Scopus e Google Acadêmico.

2. Delimitação do escopo: foram selecionados trabalhos publicados entre 2013 e agosto de 2020 para todas as bases de dados. E, para o Google Acadêmico, foram analisados os 50 primeiros resultados apresentados por ordem e relevância (excluídas patentes ou citação).

3. Definição da unidade de análise: foram aceitos quaisquer documentos, da literatura acadêmica à literatura cinzenta, que, segundo Gomes et al. (2000), se referem a publicações governamentais, institucionais, comerciais e acadêmicas sem o viés comercial.

4. Amostragem inicial por palavra-chave: algumas combinações prévias foram testadas antes da escolha definitiva das palavras-chave. Observou-se que, com termos amplos como source separation e behaviour, embora se apresentassem cerca de 1.400 trabalhos, poucos deles eram relevantes ao objetivo deste estudo. Por isso, foi incluído o termo “compostagem” a fim de aumentar a assertividade. Ficaram estabelecidos, então, os seguintes termos em inglês: source separation, behaviour e composting.

5. Análise inicial da amostragem: leitura do título e do resumo para descartar duplicidade e trabalhos não relacionados ao objetivo proposto.

6. Análise secundária da amostragem: releitura dos resumos e conclusão visando identificar conteúdos relacionados à separação de resíduos com foco em orgânico, reciclável ou RSU. Foram excluídos trabalhos com foco em reciclável ou RSU sem abordagem em resíduos orgânicos.

7. Análise terciária e amostragem final: leitura integral dos trabalhos selecionados visando identificar categorias com base em tópicos predefinidos, como fatores influenciadores, tipo de sistema de gestão do resíduo orgânico e origem do estudo. Foram excluídos trabalhos sem qualquer uma das categorias citadas. A seleção dos artigos em cada etapa está representada de acordo com a Figura 2.

Figura 2
Esquema metodológico para a seleção de trabalhos.

Os trabalhos selecionados foram organizados conforme: a localização do país de realização do(s) estudo(s); o tipo de zona (urbana e rural); e o nível da escala de operação (municipal, comunitária ou familiar). A escala de operação em nível municipal foi a mais ampla, atendendo a todos os bairros aderidos ao programa governamental de forma conjunta; a escala comunitária, com participação de residentes de determinada comunidade em todo o processo, foi considerada de nível intermediário; e a escala familiar, a de nível mais restrito, ocorria dentro das residências.

Também foram exploradas as principais abordagens metodológicas adotadas pelos estudos para compreender a identificação dos fatores e a forma de avaliação da eficiência de separação na fonte. Os fatores foram, então, sistematizados com base na análise de conteúdo, um conjunto de técnicas empregadas na análise de dados qualitativos (CAMPOS, 2004), categorizados de acordo com ideias afins e quantificados com base na frequência com que foram considerados nos resultados e discussões dos trabalhos. Quanto à forma de avaliação da eficiência de separação na fonte, foi verificada a existência ou não de preferência de abordagem metodológica entre os trabalhos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dos 68 trabalhos iniciais, 15 foram utilizados nesta revisão, sendo 14 artigos e um relatório. Os estudos reportam casos ocorridos em 13 países, dos quais nove se concentram no continente asiático, cinco na Europa e um na América. O continente europeu, apesar de não ter sido expressivo em número de casos, é um dos continentes mais consolidados em sistemas de compostagem (EEA, 2020). Dos países de realização dos trabalhos, 45% são considerados em desenvolvimento com base na classificação do Banco Mundial¹ (KAZA et al., 2018). A participação expressiva desses países nos últimos anos demonstra que, apesar de eles ainda não terem a compostagem como prática usual (TAKAHASHI et al., 2019), esforços estão sendo realizados para a ampliação desse procedimento. A Figura 3 apresenta o número dos estudos por localidade.

Figura 3
Representação do número de trabalhos de acordo com o país de realização do estudo.

Ressalta-se que os trabalhos de Bernstad et al. (2013) e Bernstad (2014) ocorreram no mesmo local, o que justifica o maior número de trabalhos para a Suécia. Ademais, o trabalho de Al Seadi et al. (2013) detalha três estudos de caso em países distintos: Coreia do Sul, Suécia e Reino Unido, motivo por que o número de casos por país é maior do que o número de trabalhos desta revisão.

Dos estudos, 85% ocorreram em áreas urbanas. Em relação à escala operacional, 65% são de escala municipal, 20% familiar e 15% comunitária. Para a escala municipal, a cobertura do atendimento geralmente é feita nas comunidades aderidas ao programa governamental de promoção da separação na fonte de forma conjunta, que pode ser via coleta porta a porta ou em local público aberto (por exemplo, praça), como combinado entre a comunidade e o responsável pela coleta. A unidade de compostagem pode ser um único ponto (centralizada) ou locais distribuídos ao redor do território municipal (descentralizada).

A escala comunitária envolve um conjunto de moradores que se organizam para operacionalizar o sistema de compostagem sob coordenação e orientação da autoridade local. Envolve desde a forma de coleta até os responsáveis pelo transporte e manejo do sistema. Já a escala familiar, ou unitária, envolve a organização da família na segregação e manejo da compostagem na própria propriedade. Conta também com o apoio do governo local, que pode prover os recursos iniciais, como composteiras, ou promover treinamentos para o manejo adequado. A Tabela 1 apresenta a relação das referências dos estudos, bem como a localidade e os tipos de zoneamento e de escala de cada trabalho.

Tabela 1
Estudos por países, classificados quanto a unidade territorial e escala de operação.

Referências	Países	Zona	Escala de operação
Jamal et al., 2019	Irlanda	U	M
Li et al., 2017	China	U	M
Ghani et al., 2013	Malásia	U	**
Sekito et al., 2013	Indonésia	U	C
Takahashi et al., 2019	Vietnã	R	F
Wu et al., 2019	EUA	U	M
Ma et al., 2018	China	U	M
Kawai et al., 2017	Vietnã	U	M
Karkanias et al., 2016	Grécia	U	F
Bernstad, 2014	Suécia	U	M
Al Seadi et al., 2013	Reino Unido, Suécia, Coreia do Sul	U	M
Bernstad et al.,2013	Suécia	U	M
Lunag Júnior et al., 2020	Filipinas	U	F
Slavík et al., 2019	República Tcheca	U	M
Manomaivibool et al., 2018	Tailândia	R	C

• Legenda – Em Zona: (R) para rural e (U) para Urbano. Em Escala: (M) municipal, (C) comunitário e (F) Familiar.
• ^**
  Estudo não implementado, sem nível de escala estabelecido.
Fonte: Elaborado pelo autor.

O conhecimento dos fatores e de sua influência no comportamento da população alvo é de extrema importância no processo de estabelecimento e otimização do sistema (KNICKMEYER, 2020), pois possibilita identificar barreiras na separação para então se planejarem ações adequadas, usando estratégias assertivas para a superação do problema (MCKENZIE-MOHR et al., 2011).

De acordo com os trabalhos desta revisão, os fatores identificados foram agrupados em dez categorias de acordo com a afinidade, conforme mostrado na Figura 4, que também apresenta o percentual de trabalhos que mencionam cada determinante. Os conceitos e níveis de influência que os envolvem são explicitados mais adiante. Cada estudo utiliza de dois a oito fatores, e cerca de 50% dos trabalhos abordam de quatro a cinco fatores. Os mais frequentes foram: infraestrutura e conveniência, educação, dados sociodemográficos e fatores econômicos.

Figura 4
Fatores associados à segregação de resíduos orgânicos.

O fator infraestrutura e conveniência reflete as condições de acessibilidade ao sistema, como frequência de coleta, condições de armazenamento, facilidades e oportunidades para que os geradores tenham o mínimo de dificuldade em separar os resíduos orgânicos (GHANI et al., 2013; KAWAI et al., 2017). Envolve também a disponibilidade de recursos, equipamentos e materiais de apoio (TAKAHASHI et al., 2019; MANOMAIVIBOOL et al., 2018), a percepção do ambiente limpo após a implementação do esquema de separação (LI et al., 2017) e a disponibilidade de espaço nas residências para esquema de compostagem doméstica (MANOMAIVIBOOL et al.,2018; TAKAHASHI et al., 2019). Segundo Ghani et al. (2013), a população é favorável a participar de esquema de separação desde que as condições de infraestrutura e acessibilidade sejam adequadamente satisfeitas. E prover a acessibilidade do sistema é papel, sobretudo, da autoridade local (JAMAL et al., 2019).

Por outro lado, a conveniência está relacionada ao nível de esforço despendido como tempo e distância até o ponto de coleta (WU et al., 2019; LUNAG JÚNIOR et al., 2020). E, quanto menor o esforço, maiores tendem a ser as chances de envolvimento (ROUSTA et al., 2017; KNICKMEYER, 2020).

O fator educação pode ser aplicado de diversas formas, tais como: oficinas de treinamento, campanhas de sensibilização, transmissão de informações via folders, mídias ou visitas porta a porta. É considerado um fator-chave (SEKITO et al., 2013; KARKANIAS et al., 2016), ou tão importante quanto infraestrutura e conveniência (ROUSTA et al., 2017). Uma vez que a população tem a informação direcionada e o conhecimento das particularidades do sistema, aumentam as chances de participação (ROUSTA et al., 2017; TAKAHASHI et al., 2019; SLAVÍK et al., 2019) e de confiança na autoridade local (WU et al., 2019). Contudo, isso não influencia o nível da prática (relacionado à frequência ou intensidade na participação) (TAKAHASHI et al., 2019), que leva em conta outros fatores, como o comportamento pró-ambiental.

Métodos em que os residentes são informados individualmente, como visitas porta a porta, são mais eficazes do que a abordagem generalizada via folder ou mídia (JAMAL et al., 2019; VAROTTO et al., 2017; BERNSTAD et al.,2013). A frequência das campanhas também é um ponto a ser considerado; quando realizadas de forma pontual, seu efeito não é tão duradouro (BERNSTAD et al.,2013). Para isso, são necessárias abordagens contínuas (AL SEADI et al., 2013).

Por outro lado, no estudo de Bernstad (2014), os resultados mostraram que a informação escrita não influenciou no aumento de separação na fonte, como fez nas melhorias de infraestrutura e conveniência, sendo considerada uma exceção em relação aos estudos de influência da educação. Apesar de não haver consenso quanto ao nível de influência da educação na separação na fonte, a ausência desse fator é considerada influência negativa na adesão da população ao esquema de separação em alguns estudos de caso (KAWAI et al., 2017; SLAVÍK et al., 2019; LUNAG JÚNIOR et al., 2020), seja pela falta de conhecimento para a separação correta, seja pela falta de motivação para a participação.

O fator dados sociodemográficos refere-se a um conjunto de variáveis que mostra o perfil da população estudada, podendo ou não estar associado a outros fatores. Cada estudo utilizou de duas a oito variáveis, sendo identificadas 12 ao todo. Os mais abordados foram: idade, escolaridade, tipo de residência, renda, gênero e tamanho da família. As variáveis e a quantidade de trabalhos que abordam cada uma podem ser conferidas na Tabela 2.

Tabela 2
Variáveis sociodemográficas associados à segregação de resíduos orgânicos.

Variáveis Sociodemográficas	Citação por trabalho
Idade	8
Escolaridade	7
Tipo de casa (própria e/ou tamanho)	5
Renda	5
Tamanho da família	5
Gênero	5
Raça	4
Idade dos filhos	2
Emprego	1
Estado civil	1
Religião	1
Tempo na comunidade	1

Fonte: Elaborado pelo autor.

Estudos mostram que pessoas com níveis de renda e escolaridade maiores têm mais predisposição a cooperar (SEKITO et al., 2013; KARKANIAS et al., 2016). Por outro lado, para Ma et al. (2018), a escolaridade mais alta apresentava correlação negativa com a intenção na separação. Para Wu et al. (2019), idosos, quando aposentados, são mais propensos a colaborar, bem como famílias com maior número de indivíduos. Já as variáveis renda, escolaridade e tamanho da propriedade não influenciaram na participação neste caso. Em contrapartida, Takahashi et al. (2019) não observaram correlações entre comportamento de separação e variáveis sociodemográficas.

De modo geral, apenas cinco das 12 variáveis identificadas tiveram algum tipo de associação com a segregação na fonte ou compostagem, quais sejam, idade, escolaridade, tamanho da família, renda e tipo de casa. A falta de consenso dos trabalhos quanto à influência (positiva ou negativa) ou não influência das variáveis sociodemográficas no comportamento de separação tem o mesmo viés que a revisão de Rousta et al. (2017) para resíduos recicláveis. Os autores afirmam que, de acordo com os estudos de sua revisão, há certa influência dos dados sociodemográficos, porém não são apresentados resultados consistentes.

Como fatores econômicos, foram apontados incentivos econômicos à base de trocas (LI et al., 2017), desconto na taxa obrigatória de resíduos de acordo com o aumento da separação adequada (AL SEADI et al., 2013), fornecimento gratuito de recipiente para a separação dos resíduos orgânicos pela administração municipal (AL SEADI et al., 2013; KARKANIAS, et al., 2016) ou estímulo ao mercado de composto (SEKITO et al., 2013). Há também os efeitos punitivos, tais como multas por separação incorreta (JAMAL et al., 2019; WU et al., 2019) e pagamento de taxas maiores para os não separadores (Al SEADI et al., 2013; WU et al., 2019).

O fator norma social é o controle exercido culturalmente, sem imposição legal (KNICKMEYER, 2020), no qual o comportamento é socialmente aprovado (BERNSTAD, 2014) ou sujeito à pressão do vizinho (JAMAL et al., 2019). Seu nível de influência expressa mais diretamente o contexto local. É considerado um fator importante quando a visibilidade dos outros é alta. Por outro lado, quando os níveis de anonimato são altos, a pressão é baixa (BARR et al., 2003), aumentando as chances de separação incorreta (SLAVÍK et al., 2019). Além disso, quando as normas sociais são baixas, um programa de separação na fonte tem mais dificuldade de se manter em longo prazo. Por outro lado, se a norma social é alta, as chances de o comportamento de separação permanecer são maiores (SLAVÍK et al., 2019). A influência social não envolve o controle direto, mas desperta a vontade de participar por meio de estímulos ao se observar a prática de outras pessoas (LI et al., 2017).

O feedback refere-se ao monitoramento contínuo para identificar quaisquer problemas no sistema (KAWAI et al., 2017; MANOMAIVIBOOL et al., 2018). É realizado por equipe responsável, que reporta ao usuário eventuais separações equivocadas e dá orientações sobre o manejo correto (AL SEADI et al., 2013). Envolve também proporcionar um retorno dos resultados da performance da separação e das conquistas obtidas com a implementação da prática (AL SEADI et al., 2013), como a quantidade de composto produzido e os fins aos quais ele foi destinado.

O comportamento pró-ambiental considera o nível de consciência ambiental e o interesse pessoal de indivíduos ao se envolverem em questões ambientais. De acordo com Takahashi et al. (2019), hábitos pró-ambientais, como reutilização de sacolas plásticas, redução do desperdício de alimentos, apesar de não influenciarem na decisão de participação na compostagem, podem influenciar positivamente no nível de participação e aumentar a frequência de separação.

O hábito é considerado fator-chave por alguns estudos (LI et al., 2017; AL SEADI et al., 2013), ou seja, um dos fatores mais influentes na separação, até mesmo mais que normas sociais e incentivo econômico (LI et al., 2017). Uma vez que o hábito é estabelecido, incentivos econômicos deixam de ser o fator principal para a participação da comunidade no esquema de separação (LI et al., 2017). Segundo Karkanias et al. (2016), os que já são separadores há mais tempo têm maiores chances de fazer a separação com maior frequência se comparados aos que iniciaram a prática recentemente. De acordo com a experiência da Suíça, um dos países pioneiros na separação de resíduos na fonte, em poucos meses a população foi capaz de adotar hábitos consistentes (AL SEADI et al., 2013), nas condições de um esquema já consolidado.

A construção de confiança no sistema pela população (AL SEADI et al., 2013) e a credibilidade do governo (KNICKMEYER, 2020) podem ser fatores decisivos para o sucesso. O apoio da autoridade local, com a promoção de oficinas de treinamento, campanhas de conscientização, disponibilização de recursos e acompanhamento (MANOMAIVIBOOL et al., 2018) é fundamental nesse sentido. Por outro lado, quando o governo não é percebido pelos entrevistados como consistente ou persistente na implementação de suas políticas, a confiança da população no sistema é enfraquecida, o que afeta negativamente a disposição dos residentes em participar do programa (LI et al., 2017).

A Teoria do Comportamento Planejado (TCP) aborda um referencial teórico para explorar a influência de fatores no comportamento, investigado por meio de estrutura de análise sociopsicológica (AJZEN, 1991). Desenvolvida com base na Teoria de Ação Racional (TAR), a teoria presume que três fatores (atitude, norma subjetiva e controle comportamental percebido) influenciam na intenção do indivíduo em realizar ou não determinado comportamento (GHANI et al., 2013; MA et al., 2018). A atitude representa a crença do indivíduo na avaliação de desempenho de seu comportamento; a norma subjetiva avalia a percepção do indivíduo sobre a pressão social para realizar ou não o comportamento; e o controle comportamental percebido avalia a percepção do indivíduo sobre sua capacidade em desempenhar o comportamento.

De acordo com Ghani et al. (2013) e Ma et al. (2018), a TCP é considerada ferramenta útil para explorar os fatores que influenciam a decisão de separar, mas insuficiente para explicar a mudança do comportamento considerando apenas os fatores da TCP convencional. Por essa razão, é recomendável que estudos incluam outros fatores além dos três supracitados, conforme ressaltado no referencial teórico de Ma et al. (2018) e Ghani et al. (2013). Ambos incluíram fatores situacionais em seus estudos, que representam as barreiras potenciais para o desempenho do comportamento (MA et al., 2018). Entende-se que fatores situacionais podem ter dois sentidos: a presença de elementos que inibem a participação, como por exemplo o anonimato; e a ausência de fatores, como por exemplo a falta de conhecimento ou a falta de incentivo econômico.

Embora associados aqui à TCP como fatores estendidos (MA et al., 2018; GHANI et al., 2013), os fatores situacionais não são necessariamente intrínsecos à TCP (como atitude, norma subjetiva e controle comportamental percebido), pois outros trabalhos que não adotam a teoria também fazem uso do termo (JAMAL et al., 2019) ou descrevem as barreiras entre os fatores para a não separação (BERNSTAD, 2014; KARKANIAS et al., 2016; KAWAI et al., 2017; LUNAG JUNIOR, 2020). A Figura 5 apresenta o esquema simplificado da TCP.

Figura 5
Esquema da Teoria do Comportamento Planejado e fatores relacionados.

Considerando-se os resultados obtidos com o estudo de caso de Ghani et al. (2013), a atitude é o principal preditor da intenção, enquanto os fatores situacionais pouco a influenciam, o que sugere que os entrevistados sejam favoráveis à separação desde que percebam as condições de infraestrutura e conveniência como satisfatórias. Em contrapartida, no estudo de Ma et al. (2018), a atitude negativa foi o preditor mais influente na intenção, seguido pelos fatores situacionais, que se portaram como influenciadores fracos da intenção. Já o controle do comportamento percebido foi influenciador direto do comportamento (não afetando diretamente a intenção). Neste caso, a atitude negativa reflete que os residentes não têm intenção em participar da separação, e mesmo aqueles que têm atitude positiva podem não efetuar o comportamento em razão de fatores situacionais. Takahashi et al. (2019), embora não tenham desenvolvido seu estudo seguindo a teoria, apresentaram resultados semelhantes aos propostos pela TCP. Os autores afirmam que os determinantes da decisão de participação e o nível de prática são influenciados pela atitude.

Os fatores discutidos nesta revisão também foram identificados nas revisões focadas na separação na fonte com foco em recicláveis (ROUSTA et al., 2017; VAROTTO et al., 2017; KNICKMEYER, 2020), exceto os fatores da TCP, que foram ressaltados somente por Knickmeyer (2020) em normas sociais. A Tabela 3 apresenta uma breve comparação entre os fatores das revisões referenciadas e os da presente. De acordo com a relação, é possível afirmar que os fatores de influência no comportamento de separação para orgânicos e recicláveis são semelhantes.

Tabela 3
Fatores de influência para a separação na fonte com foco em recicláveis e orgânicos.

FATORES
Orgânicos	Recicláveis
Presente revisão	Rousta et al., 2017	Varotto e Spagnolli, 2017	Knickmeyer, 2020
Infraestrutura e conveniência	Infraestrutura física	Alterações ambientais	Percepção, conveniência e esforço
Educação	Informação e conhecimento	Informação	Conhecimento e informação
Dados sociodemográficos	Fatores sociodemográficos	–	Características sociodemográficas
Fatores econômicos	Fatores econômicos	Incentivos	Fatores econômicos
Normas sociais e influência social	Conveniência não física, rotina, norma social	–	Normas sociais
Feedback	–	Feedback	–
Hábito e comportamento pró-Ambiental	Fatores intrínsecos	Comprometimento	Hábito, atitude e preocupação ambiental
Confiança no sistema	–	–	Confiança no sistema ou comunidade

Fonte: Elaborado pelo autor.

A falta de consenso observada entre os estudos em relação ao nível e ao aspecto (positivo ou negativo) da influência de determinado fator demonstra que as particularidades do contexto local devem ser consideradas na interpretação dos resultados. Ou seja, um fator, ao ter sido identificado como influente em um trabalho, pode não são ser igualmente influente em outro. A diferença deve ser explicada, sobretudo, com o apoio de elementos do contexto sociocultural. Nesse sentido, pesquisas de âmbito local garantem um diferencial no planejamento adequado do sistema.

Com base nos estudos revisados, fica claro que há uma relação de interdependência entre os fatores, com possibilidade de determinado fator afetar o nível de influência de outro (BERNSTAD et al., 2013). Desse modo, trabalhar um fator isoladamente pode não ter o mesmo e desejável efeito de quando são considerados os fatores em conjunto. Sendo assim, é recomendável adotar um conjunto de fatores ao se planejar um sistema de separação na fonte ou compostagem domiciliar/comunitária.

Outro ponto a ressaltar refere-se ao viés no qual os estudos conduziram a avaliação da eficiência de separação, sendo de forma indireta ou direta. A avaliação indireta é centrada na pessoa e realizada por meio de questionários e/ou entrevistas para a obtenção de informações comportamentais e de percepções do sistema pelo entrevistado (SEKITO et al., 2013; GHANI et al., 2013; LUNAG JUNIOR et al., 2020). Nesse sentido, vale destacar a TCP como ferramenta útil nesse tipo de avaliação, desde que observadas as recomendações de Ghani et al. (2013) e Ma et al. (2013). A avaliação direta é feita por meio de observações de containers para medir a taxa de participação e separação (LI et al., 2017), de análise gravimétrica e análise de composição dos resíduos (BERNSTAD, 2014; KAWAI et al., 2017). Poucos trabalhos abordaram, num mesmo estudo, ambas as formas de avaliação (BERNSTAD et al., 2013; LI et al., 2017).

O uso de apenas um tipo de avaliação foi considerado limitante em alguns trabalhos (SEKITO et al., 2013; BERNSTAD et al., 2013; TAKAHASHI et al., 2019). Segundo Bernstad et al. (2013), na avaliação feita somente por questionários, os avaliados podem expressar aquilo que supostamente o avaliador espera, em vez de mostrarem o comportamento ou a opinião real. Isso, certamente, deixa uma incerteza quanto à real eficiência de separação. De modo inverso, a análise gravimétrica e de composição dos resíduos não fornece informação específica sobre o comportamento de segregação na fonte (BERNSTAD, 2014). Ou seja, para um aumento observado na taxa de separação não é possível distinguir se o fato se deve ao aumento do número de famílias participantes ou se as famílias que já participam apenas melhoraram seu desempenho. Sendo assim, avaliar diretamente a taxa de separação sem considerar a percepção do gerador deixa uma lacuna quanto aos elementos que poderiam contribuir para a melhoria do sistema e da eficiência de separação.

Diante disso, é recomendável em estudos futuros avaliar a eficiência de separação sob ambos os aspectos, uma vez que as abordagens são complementares entre si e permitem a confirmação ou o confronto das informações sobre o comportamento dos entrevistados por eles fornecidos com o que de fato é realizado. É compreensível, entretanto, que isso demandaria um esforço extraordinário para a execução do trabalho, mas certamente aumentaria a confiabilidade e a robustez do estudo.

CONCLUSÃO

Com base nesta revisão sistemática, foi possível identificar os fatores de influência no comportamento de segregação na fonte geradora para sistemas de compostagem, a saber: infraestrutura e conveniência, educação, dados sociodemográficos, fatores econômicos, normas sociais e influência social, feedback, hábito, comportamento pró-ambiental, confiança no sistema e fatores relacionados à TCP. Tais fatores assemelham-se aos encontrados em estudos de revisão voltados a recicláveis.

Não houve consenso entre os estudos quanto à intensidade e ao aspecto (positivo ou negativo) da influência de determinado fator, o que mostra que as particularidades do contexto local, ligadas aos fatores socioculturais, devem ser consideradas na interpretação dos resultados, assim como para a estruturação adequada dos sistemas de compostagem. Além disso, há relação de interdependência entre os fatores, sendo recomendável considerar um conjunto deles para o planejamento de sistemas de segregação na fonte geradora ou de compostagem domiciliar/comunitária.

As formas de avaliação da eficiência de separação podem ser: indireta (entrevista) ou direta (medição física). Para estudos futuros, é recomendável adotar ambas as formas de modo complementar, permitindo, assim, a confirmação ou o confronto do autorrelato comportamental dos entrevistados com o que de fato é realizado. Apesar de demandar maior esforço, isso aumenta a confiabilidade e a robustez do estudo.

• Financiamento: nenhum.
• Reg. ABES: 20200434
• 1
  O Banco Mundial classifica os países de acordo com a renda em quatro níveis: alto, médio alto, médio baixo e baixo. Para este estudo, foram considerados países desenvolvidos os classificados como de alta renda, e os demais, como países em desenvolvimento.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  19 Ago 2022
• Data do Fascículo
  Jul-Aug 2022

Histórico

• Recebido
  18 Dez 2020
• Aceito
  03 Fev 2022