Open-access A ocorrência de cafeína em águas superficiais para abastecimento público

The occurrence of caffeine in surface waters for public supply

RESUMO

Com intenso consumo e lançamento contínuo em efluentes domésticos e industriais, a cafeína tem sido regularmente detectada em meios aquáticos por todo o mundo. Esse psicoativo é considerado um excelente indicador de contaminação na água, relacionada à atividade humana. No entanto, os impactos que pode ocasionar à saúde e ao ambiente ainda não são bem compreendidos. Dessa forma, o objetivo deste trabalho foi verificar a presença da cafeína em água bruta e tratada por uma estação de tratamento de água convencional, em diferentes períodos hidrológicos, e avaliar o risco potencial que ela representa ao ambiente aquático. A cafeína foi detectada em todas as amostras de água bruta. A maior concentração foi observada no período mais intenso de seca. Ela não foi detectada na água tratada. O composto é considerado como de alto risco ao ambiente aquático. Os resultados indicam a vulnerabilidade do manancial em questão.

Palavras-chave: água bruta; água potável; cromatografia líquida; espectrometria de massas; risco ambiental

ABSTRACT

With an intense consumption and continuous release into domestic and industrial effluents, caffeine has been regularly detected in aquatic environments worldwide. This psychoactive is considered an excellent indicator of contamination in water, related to human activity. However, the impacts it can have on health and on the environment are still not well understood. Thus, the objective of this work was to verify the presence of caffeine in raw water treated by a conventional water treatment plant, in different hydrological periods, and to evaluate the potential risk that it represents to the aquatic environment. Caffeine was detected in all raw water samples. The highest concentration was observed in the most intense period of drought. It was not detected in the treated water. The compost is considered to be of high risk to the aquatic environment. The results indicate the vulnerability of the source in question.

Keywords: raw water; drinking water; liquid chromatography; mass spectrometry; environmental risk

INTRODUção

A presença de contaminantes emergentes nos recursos hídricos em todo o mundo é uma das maiores preocupações ambientais contemporâneas, já que os impactos que eles podem ocasionar aos organismos expostos e ao ambiente ainda não são bem compreendidos (SOARES; LEÃO, 2015; KOREKAR et al., 2020).

Entre os compostos de preocupação emergente, destaca-se a cafeína (1,3,7-trimetilxantina), a substância psicoativa mais consumida no mundo (COLIN-BENOIT et al., 2017). Ela é encontrada naturalmente em mais de 60 espécies vegetais e constitui muitos alimentos e bebidas (KOREKAR et al., 2020), medicamentos, suplementos alimentares (BIESTERBOS et al., 2019), moderadores de apetite e estimulantes (MONTAGNER et al., 2014; MONTAGNER et al., 2017; COLIN-BENOIT et al., 2017). Apesar das várias formas de consumo, a principal delas, e que vem aumentando nos últimos anos, é a ingestão de café (MONTAGNER et al., 2014; DOEPKER et al. 2016).

No organismo, a cafeína age como estimulante do sistema nervoso central por meio do bloqueio não seletivo dos receptores de adenosina (RIVERA-OLIVER; DÍAZ-RÍOS, 2014; MONTAGNER et al., 2017). Após a ingestão, a sua meia-vida no organismo é de cerca de 4 a 5 horas (DOEPKER, 2016), e aproximadamente 3% do total ingerido é excretado pela urina (MONTAGNER et al., 2017). Nas estações de tratamento de esgoto (ETE), estudos indicam remoção incompleta da cafeína (CANELA et al., 2014; ARCHANA et al., 2017).

Dessa forma, com o aumento do consumo diário e a constante eliminação por efluentes domésticos e industriais, observa-se aumento da concentração de cafeína em corpos d'água (KOREKAR et al., 2020), sendo ela um indicador químico de ambientes contaminados, diretamente relacionado a atividades humanas, e possível indicador de contaminação ambiental por esgoto doméstico (GARDINALI; ZHAO, 2002; IDE; ARTIGAS, 2011). Ainda, pode-se dizer que, em locais onde ocorre a presença de cafeína, provavelmente existem também outros contaminantes não monitorados (GONÇALVES et al., 2017).

No Brasil, a água utilizada como fonte para abastecimento humano deve seguir padrões descritos pela Resolução n° 357 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) (BRASIL, 2005), e a água tratada deve atender às exigências da Portaria de Consolidação n° 5 do Ministério da Saúde para ser distribuída à população (BRASIL, 2017). Entretanto, não existe legislação que regulamente o monitoramento da cafeína em água superficial ou potável. No Estado de São Paulo, ela é monitorada somente como variável adicional não legislada na rede básica pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) (CETESB, 2018).

Por ser biologicamente ativa, a cafeína também pode gerar efeitos em organismos aquáticos não alvos de seu consumo, representando possível risco aos ecossistemas aquáticos (ROVERI et al., 2019).

Dessa forma, os objetivos deste estudo foram: identificar a presença de cafeína na água bruta do Córrego Rico, fonte de água para o abastecimento da Estação de Tratamento de Água (ETA) de Jaboticabal, e na água tratada por essa ETA, em períodos de seca e de cheia; e estimar o risco potencial que a presença desse composto representa para o ambiente aquático.

METODOLOGIA

Local de estudo

Este estudo foi realizado em Jaboticabal, cidade localizada no interior do Estado de São Paulo, com as águas provenientes do Córrego Rico, que está inserido na Bacia Hidrográfica do Rio Mogi Guaçu, 9ᵃ Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHI) do Estado de São Paulo (BORGES et al., 2002; ZANINI et al., 2010).

A microbacia do Córrego Rico ocupa área aproximada de 563 km2 e localiza-se no centro-norte do Estado de São Paulo, na região administrativa de Ribeirão Preto (RODRIGUES; PISSARA, 2014). Com cerca de 60 km de extensão, o Córrego Rico nasce em Monte Alto, atravessa outras quatro cidades e deságua no Rio Mogi Guaçu (LOPES et al., 2010). Esse Córrego é a fonte de captação da ETA de Jaboticabal, responsável pelo abastecimento de água tratada para 70% da população, que conta com 77.263 habitantes (IBGE, 2019).

Contudo, de acordo com Zanini et al. (2010), a ETE de Monte Alto, Córrego Rico, lança o efluente proveniente do esgoto doméstico tratado no córrego, a montante da zona de captação de água pela ETA de Jaboticabal.

Coleta das amostras

As amostras foram coletadas em ETA convencional, que trata a água de acordo com as seguintes etapas: coagulação, floculação, decantação, filtração, cloração, fluoretação e correção de pH.

As coletas ocorreram em duas campanhas sazonais ao longo do ano de 2019: dois períodos hidrológicos chuvosos (18 de fevereiro e 4 de março) e dois secos (10 de junho e 29 de julho). Os dados pluviométricos foram obtidos pela Estação Agroclimatológica da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (FCAV/UNESP), campus de Jaboticabal.

As amostras de água bruta e tratada foram coletadas diretamente em torneiras localizadas na ETA, conectadas por tubos aos respectivos pontos representativos. O ponto de captação de água fica a 26,1 km da nascente (latitude = 7.641.118 m; longitude = 777.648 m) e cerca de 200 m após a confluência do Córrego Rico com o Córrego Tijuco (21°18'37” S e 48°19'25” W) (ZANINI et al., 2010) (Figura 1).

Figura 1
Localização da captação de água no Córrego Rico.

Todas as coletas foram realizadas no mesmo dia da semana, em triplicatas, e as amostras foram armazenadas em frascos de vidro âmbar de 1 L. Alíquotas de mesmo volume das amostras foram coletadas de hora em hora, por 24 horas, constituindo ao fim amostras compostas representativas de todo o período.

As garrafas com as amostras foram mantidas em caixas isotérmicas com gelo reciclado, ao abrigo de luz e, ao término das coletas, foram transportadas até o laboratório de Ecotoxicologia dos Agrotóxicos e Saúde Ocupacional da FCAV/UNESP Jaboticabal e mantidas em refrigeração a ± 4 °C por 5 horas, até o início da filtração.

Compostos químicos utilizados

Para a construção das curvas cromatográficas em água bruta e tratada, foi utilizado o padrão analítico da cafeína – Sigma-Aldrich®, chemical abstract service (CAS): 58-08-2, 100% de pureza.

O ácido clorídrico (HCl, P.A. – Merck®) foi utilizado para acidificar as amostras. Solventes foram utilizados para a ressuspensão das amostras e como fase móvel. A água utilizada nos processos cromatográficos foi purificada pela estação Milli-Q da Millipore. O metanol (MeOH) e a acetonitrila (ACN), ambos grau cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE), e o ácido fórmico (88%) foram adquiridos da JT Baker®.

Preparo das amostras

Após a coleta e o transporte para o laboratório, 500 mL de cada amostra foi filtrado a vácuo, utilizando-se membranas de nylon de 0,45 μ de porosidade e 47 mm de diâmetro (Unifil®), com o auxílio de uma bomba de vácuo Prismatec®, modelo 132.

Após a filtração, as amostras foram acidificadas (pH 3), conforme indicado por Montagner e Jardim (2011), e conduzidas ao Laboratório Multiusuário de Cromatografia Líquida acoplada à Espectrometria de Massas do Instituto de Química da UNESP Araraquara, onde foi realizada a extração em fase sólida (SPE). A SPE foi baseada no procedimento de extração descrito por Silva et al. (2011), porém utilizando-se cartuchos StrataTM-X 33μm (200 mg.mL-6) Phenomenex® e realizando-se a eluição das amostras com 500 μL da mistura 75% metanol – 25% água. Todas as extrações e análises foram realizadas em triplicatas. As etapas analíticas realizadas para a determinação da cafeína nas amostras de água podem ser observadas na Figura 2.

Figura 2
Etapas analíticas para determinação da cafeína nas amostras de água.

Análise das amostras

As análises foram realizadas utilizando-se um cromatógrafo a líquido de alta eficiência (série 1200, Agilent Technologies) acoplado a um espectrômetro de massas AB Sciex 3200 QTRAPTM, equipado com fonte TurboIonSpray, de um sistema Liquid chromatography/Electrospray ionization Mass Spectrometer (LC-ESI-QTRAP). A fonte de ionização do espectrômetro de massas à pressão atmosférica (API) foi empregada no modo electrospray positivo (ESI +).

A fase móvel do sistema cromatográfico foi composta de água Milli-Q e ACN, ambas acidificadas com 0,1% de ácido fórmico. O fluxo foi de 1,0 mL.min-1, o volume de injeção de 20 μL e a temperatura do forno da coluna foi 25 °C. O tempo de cada análise foi de 24 minutos, e a fase móvel constituiu-se da seguinte variação: 0 – 1 min (5% ACN), 1 – 5 min (5 – 50% ACN), 5 – 11 min (50 – 60% ACN), 11 – 12 min (60 – 100% ACN), 12 – 18 min (100% ACN) e restabeleceu-se 5% ACN por mais 6 minutos. A coluna utilizada foi C18 (Kinetex® 150 mm x 4,6 mm; 5 μm, Phenomenex).

Validação do método analítico

A validação do método analítico foi realizada considerando-se as seguintes figuras de mérito para água bruta e tratada: sensibilidade, seletividade, linearidade, limite de detecção (LD), limite de quantificação (LQ), precisão e exatidão.

O método foi considerado seletivo e sensível. O LD e o LQ calculados para a cafeína foram, respectivamente: 0,25 e 1,00 ng.L-1, tanto para água bruta quanto para água tratada. A faixa linear das curvas, realizadas com no mínimo 5 pontos, foram de 1 a 200 μg.L-1, com coeficiente de determinação (R2) de 0,9964 e equação y = 276,15x + 10.307 para água bruta e R2 de 0,9884 e equação y = 431,72x + 22.335 para água tratada.

O estudo de precisão foi expresso em desvio padrão relativo (DPR, %), sendo obtidos valores de 3,1 a 7,4% para água bruta e de 5,5 a 20,0% para água tratada. A exatidão foi expressa de acordo com a recuperação em três níveis da curva analítica, com valores médios de 89,3% para água bruta e de 101,3% para água tratada.

Avaliação de risco ambiental

A avaliação do risco de intoxicação ambiental apresentado pela cafeína presente no Córrego Rico foi realizada com base no cálculo do quociente de risco (QR), considerando-se pelo menos três diferentes níveis tróficos (algas, crustáceos e peixes), de acordo com a Equação 1 (PAÍGA et al., 2019):

Equação 1 – Cálculo do quociente de risco.

(1) Q R = C A M C P E N O

Em que: QR é o quociente de risco, CAM é a maior concentração do composto mensurada nas amostras; e CPENO é a concentração predita de efeito não observado. A CPENO foi obtida dividindo-se a menor concentração de efeito não observado (CENO), adquirida na literatura consultada, por um fator de incerteza (FI) igual a 10 (VALCÁRCEL et al., 2011; NA et al., 2019; PAÍGA et al., 2019).

De acordo com Paíga et al. (2019) e Valcárel et al. (2011), se QR < 0,1, nenhum efeito adverso é esperado, se QR for de 0,1 a 1, o risco é baixo, mas o potencial de efeitos adversos deve ser considerado; se QR for de 1 a 10, o risco é médio; valores acima de 10 indicam alto risco ecológico ao ambiente aquático.

Análise estatística

O método de análise de variância (ANOVA) de uma via foi utilizado para verificar a existência de diferença estatística entre as concentrações de cafeína na água em relação aos períodos de coleta. O programa estatístico utilizado foi o Minitab 16.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ocorrência da cafeína na fonte de água potável

A cafeína foi encontrada nas amostras em todo o período das coletas (Tabela 1), com concentração máxima de 406,2 ng.L-1 no período mais seco (mês de julho – aproximadamente 10 mm de chuva). De acordo com o método análise de variância (ANOVA) de uma via, comprova-se diferença estatística entre as amostras (p < 0,05), com a concentração da última coleta atingindo valores sete vezes maiores do que aqueles obtidos na primeira coleta, realizada no período mais chuvoso (aproximadamente 300 mm). Esse comportamento também foi observado por Gonçalves et al. (2017) no rio Paquequer, localizado na área urbana do município de Teresópolis (RJ), e por Montagner e Jardim (2011) no rio Atibaia, situado no Estado de São Paulo.

Tabela 1
Concentrações de cafeína obtidas nas amostras de água bruta.

A ausência de chuvas provoca menor vazão nos corpos d'água e tende a concentrar os contaminantes, assim como foi observado no período de seca mais acentuada (29 de julho). O fator de diluição é a principal causa da diminuição da concentração dos contaminantes na água (PATROLECCO et al. 2015; WILKINSON et al., 2017). A menor concentração de cafeína no primeiro período de seca talvez possa ser explicada pelo maior dia de chuvas ocorrido em junho, quando comparado a julho. Outros fatores também podem influenciar no processo de atenuação dos contaminantes na água, como a sorção em sólidos, a bioconcentração, a biodegradação e a fotodegradação (PATROLECCO et al., 2015; SU et al., 2020).

Os processos de fotodegradação e biodegradação são mais ativos nas estações mais quentes, ao contrário da sorção, que tende a ser maior em temperaturas mais baixas (PATROLECCO et al. 2015; WILKINSON et al., 2017). Neste estudo, a temperatura média durante as coletas no período chuvoso variou de 20 a 33 °C. Já no período de seca, em que foi observada a maior concentração de cafeína, as temperaturas foram menores, variando de 12 a 28 °C (ACCUWEATHER, 2020).

A presença da cafeína também já foi retratada em corpos d'água em inúmeras regiões do mundo (CHOI et al., 2008; FROEHNER et al., 2010; SODRÉ et al., 2010; CANELA, 2014; DAI et al., 2016; MACHADO et al., 2016; ZHOU et al., 2016; BALAKRISHNA et al., 2017; FEKADU et al., 2019; KOREKAR et al., 2020), com valores em níveis de até μg.L-1, como nas águas continentais de Cingapura (BAENA-NOGUERAS, 2017). Archana et al. (2017) detectaram esse composto em lagos na Índia, em concentrações de aproximadamente 180 μg.L-1 durante o verão. No Brasil, Froehner et al. (2010) descrevem concentração de até 753,5 μg.L-1 do composto na água do Rio Birigui (SP). Gonçalves (2008) relata a presença da cafeína no rio Paquequer (RJ), em concentrações de até 47,5 μg.L-1. Montagner e Jardim (2011) encontraram cafeína em concentrações de 174 a 127,092 ng.L-1 no rio Atibaia (SP), sendo o composto detectado até mesmo em água potável (GHISELLI, 2006). Além do alto e contínuo consumo pela população, as características físico-químicas da cafeína, como baixo Kow, favorecem sua presença nos efluentes líquidos de ETE (CANELA et al., 2014; CETESB, 2018). Eficiência de até 70% na remoção de cafeína em ETE já foi descrita (ARCHANA et al., 2017), provavelmente por ação da biodegradação. Dessa forma, uma parcela desse composto atinge as águas superficiais. Em regiões onde condições de saneamento são precárias, esse problema é agravado.

Estudos confirmam a existência de correlação positiva entre a presença de cafeína e a carga de contaminantes emergentes na água (MONTAGNER et al., 2014), o que torna seu monitoramento muito importante. Entretanto, os processos de análise são onerosos, o que os torna de difícil acesso.

A CETESB quantifica a cafeína em alguns pontos de sua rede para avaliar a contaminação das águas por esgotos domésticos, em adição à análise do indicador microbiológico E. coli. (CETESB, 2018). De acordo com a sua publicação Qualidade das Águas Interiores – 2017, os pontos mais críticos do Estado de São Paulo em relação à presença de cafeína são o rio Cotia (3,87 a 30,5 μg.L-1) e o reservatório Edgard de Souza (25,5 a 51,3 μg.L-1).

Ainda conforme a CETESB (2018), diversos agrotóxicos foram detectados no Córrego Rico, como tebutiuron, diuron, fipronil e imidacloprido. Outros estudos também indicam a presença de estrona (0,6 ng.L-1) e 17β-estradiol (30,6 ng.L-1) (LOPES et al., 2010), micotoxinas estrogênicas (em concentração de 59 ng.L-1) (EMÍDIO et al., 2020), além de mercúrio e fósforo acima dos índices máximos previstos pela resolução do CONAMA (IHA, 2010). Cabe ressaltar que tais compostos foram encontrados em concentrações suficientemente capazes de gerar efeitos deletérios em organismos aquáticos. A exposição a estrogênios, por exemplo, causa feminilização de peixes machos, além de estar relacionada à infertilidade masculina e ao aumento do número de casos de câncer de mama e de testículos (LOPES et al., 2010).

Eficiência de remoção da cafeína pela Estação de Tratamento de Água

A eficiência de remoção da cafeína pela ETA convencional foi de 100%, já que não foram detectados resíduos desse composto acima do LQ em nenhuma das amostras coletadas. Embora outros estudos indiquem a presença de cafeína em água tratada, o processo de tratamento convencional aqui descrito foi suficiente para a remoção do composto presente em concentração de até 406,2 ng.L-1 na água bruta, obtida no período de seca.

No entanto, esse fato não descarta a possibilidade de outros compostos estarem presentes na água tratada. Em estudo realizado na mesma ETA deste trabalho, observou-se a presença de 17β-estradiol em amostras de água potável, na concentração de 6,9 ng.L-1 (LOPES et al., 2010). Além disso, pesquisas realizadas no Brasil relataram a presença de cafeína em água potável em concentração superior a 2 μg.L-1 (GHISELLI, 2006; MACHADO et al., 2016).

Além do sistema convencional, outras tecnologias podem ser aplicadas durante o tratamento da água, porém os custos são mais elevados (K'OREJE et al., 2020). Em muitos países, as águas subterrâneas também são utilizadas para a dessedentação humana e já foram detectados contaminantes nelas nas mesmas concentrações obtidas em águas superficiais (K'OREJE et al., 2020). Em algumas regiões do mundo, o saneamento é precário e parte da população não tem acesso ao tratamento de esgoto e à água potável. No ano de 2015, não dispunham de serviço sanitário básico 2,3 bilhões de pessoas (UNESCO, 2019). Dessa forma, observa-se a importância do saneamento básico para a saúde e para o meio ambiente.

Avaliação do risco ambiental

Em consequência da manutenção de sistemas receptores de neurotransmissores ao longo da escala evolutiva, a cafeína atua como psicoativo nos seres humanos, mas também desencadeia efeitos semelhantes em outras espécies (MAULVAULT et al., 2018). O estudo do risco da exposição à cafeína é fundamental, já que organismos que dependem da água em pelo menos parte de seu ciclo de vida podem estar expostos, em longo prazo, a concentrações regulares de cafeína.

Todos os dados utilizados para o cálculo do risco ambiental associado à presença da cafeína no Córrego Rico encontram-se na Tabela 2. Adotou-se a maior concentração de cafeína obtida nas análises para considerar-se o pior cenário possível.

Tabela 2
Valores utilizados para cálculo da estimativa do risco ambiental para a cafeína.

A cafeína foi quantificada no corpo d'água em concentrações maiores do que a CPENO em uma das coletas do período de seca. Com valor de QR maior do que 10, sua presença representa alto risco potencial para esse ambiente aquático.

As amostras analisadas neste estudo são representativas de 24 horas de coleta, mas ressalta-se que, em determinados períodos do dia e em diferentes pontos do córrego, essa concentração pode ser ainda maior.

Outros trabalhos também indicam o risco potencial da cafeína em meios aquáticos, como nos rios urbanos do distrito de Yangpu, em Xangai (ZHOU et al., 2016), e em Pequim (DAI et al., 2016), na China. QR maior do que 10 também foi demonstrado para a cafeína em rios da região de Madri (VALCÁRCEL et al., 2011). No Brasil, amostras de água com baixo a alto risco ecotoxicológico em razão da presença de cafeína são descritas na bacia do rio Sinos, no Rio Grande do Sul (PETEFFI et al., 2019). Roveri et al. (2019) ressaltam que, na concentração em que a cafeína foi descrita em água superficial em quase todos os estudos brasileiros, ela apresenta risco a algum nível trófico do ambiente aquático.

Apesar do intenso consumo da cafeína e de sua presença nas águas confirmada por vários pesquisadores, maior conhecimento ainda é necessário em relação a seus efeitos sobre a saúde e o ambiente em exposições crônicas às concentrações encontradas nas águas. De acordo com estudo publicado em 2017 (FERNANDES et al., 2017), os resíduos de café descartados no ambiente podem representar risco, pois esse composto pode causar danos ao DNA e apresentar toxicidade para organismos aquáticos. Além disso, a cafeína é um indicador da possível presença de outros compostos tóxicos, que também podem representar riscos ao ambiente.

CONCLUSÕES

A cafeína foi encontrada na água bruta em todos os períodos de coleta, com maior concentração no período mais seco (julho). O tratamento convencional remove-a da água nas condições analisadas. De acordo com o valor do QR, a presença desse composto indica alto risco ambiental. Dessa forma, identifica-se a vulnerabilidade do manancial utilizado pela ETA e risco potencial ao ambiente aquático.

Por encontrar-se em complexo cenário ambiental, mais pesquisas são necessárias para melhor compreensão dos possíveis efeitos da presença desse contaminante nas águas. Tais informações são fundamentais para a gestão adequada das águas e para o acesso à água de boa qualidade, bem como para a preservação da saúde e do meio ambiente.

  • Financiamento: nenhum.
  • Reg. Abes: 20210201

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    22 Jul 2021
  • Aceito
    15 Fev 2022
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