Open-access Estudo Comparativo Luso-Brasileiro sobre a Formação Inicial de Professores em Altas Habilidades/Superdotação com Enfoque nos Conteúdos Curriculares2

RESUMO:

Alunos com altas habilidades/superdotação (AH/SD) fazem parte do público-alvo da Educação Especial. Assim, suas particularidades requerem medidas educacionais apropriadas ao desenvolvimento máximo de suas potencialidades, envolvendo planejamento e implementação de estratégias pedagógicas condizentes com as necessidades dos estudantes, o que perpassa pela necessidade de formação de professores. Nessa perspectiva, julga-se imprescindível que o educador possua conhecimentos sobre a temática das AH/SD para que possa desenvolver práticas que favoreçam o crescimento dos potenciais e das habilidades dos alunos. Desse modo, este artigo teve por objetivo analisar os currículos da formação de professores que atuarão junto a crianças dos três aos 10 anos de idade, em duas universidades públicas, uma brasileira (Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"; UNESP, Campus de Marília) e outra portuguesa (Universidade do Minho; UMinho, Campus de Gualtar). O intuito é verificar se as AH/SD constituem, ou não, um conteúdo disciplinar presente na formação inicial oferecida. A partir da análise dos planos de ensino das disciplinas, encontraram-se indícios de que tal temática é abordada no curso de Pedagogia da UNESP e nos Mestrados em Ensino da UMinho. Pretende-se, dessa maneira, dar continuidade a essa investigação a fim de confirmar esses resultados a partir de entrevistas com os docentes e estudantes dessas universidades.

PALAVRAS-CHAVE: Formação docente; Currículos; Altas habilidades; Superdotação; Educação Especial

ABSTRACT:

Students with high abilities/giftedness are part of the target public of Special Education. Thus, their particularities require educational measures appropriate to the maximum development of their potential, involving planning and implementation of pedagogical strategies consistent with the needs of students, pointing to the need for teacher education. From this perspective, it is considered essential that the educator has knowledge about the subject with high abilities/giftedness so that he/she can develop practices that favor the growth of students’ potentials and abilities. Thus, this paper aimed to analyze the curricula of teacher education that will work with children from three to 10 years of age in two public universities, one Brazilian (Universidade Estadual Paulista ‘Júlio de Mesquita Filho’, UNESP, Marília Campus) and another, Portuguese (Universidade do Minho, UMinho, Gualtar Campus). The purpose is to verify whether or not high abilities/giftedness constitute a disciplinary content in the initial education offered. From the analysis of the teaching plans of the disciplines, there were indications that this theme is addressed in the course of Pedagogy of UNESP and in the Masters’ in Teaching of UMinho. In view of this, the intention is to continue this investigation in order to confirm these results through interviews with the professors and students of these universities.

KEYWORDS: Teacher education; Curricula; High abilities; Giftedness; Special Education

1 INTRODUÇÃO

A Educação Inclusiva é um processo dinâmico que exige uma reestruturação escolar nos âmbitos organizacional e pedagógico. A par de possibilitar o acesso de todos ao ensino, requer que sejam garantidas as condições para que ocorram a aprendizagem e a integração social dos alunos (Fonseca-Janes & Omote, 2013).

Embora a Educação Inclusiva não envolva exclusivamente os estudantes pertencentes ao público da Educação Especial, é comum que ocorra a associação dessa modalidade educacional às pessoas com algum tipo ou grau de deficiência. Contudo, a Educação Especial também se destina aos alunos com altas habilidades/superdotação (AH/SD) e aos que apresentam transtornos globais do desenvolvimento (Lei nº 9394, 1996), bem como outras singularidades pessoais que afetam o ritmo e o volume de aprendizagem nas classes regulares. Assim sendo, o objeto deste estudo é a temática das altas habilidades/superdotação (AH/SD).

Os estudantes nessa modalidade, sempre estiveram nas escolas regulares. No entanto, ainda hoje, são poucos os que usufruem dos direitos de desenvolvimento pleno e de uma aprendizagem escolar em função das suas caraterísticas e necessidades. Basicamente, as suas capacidades superiores e potencialidadades não são identificadas e atendidas pelas escolas e professores (Pérez & Freitas, 2011), quando sabemos que esses estudantes apresentam capacidades que superam a média de seus pares e desenvolvem as suas funções cognitivas precoce e aceleradamente (Garcia-Santos, Almeida, & Cruz, 2012).

Em se tratando do aluno com AH/SD acadêmica, as diferenças intelectivas ocasionam necessidades educacionais específicas desses alunos. De modo geral, demandam maiores desafios e aprofundamento na(s) área(s) em que se sobressaem. Contudo, enquanto os estudantes que apresentam rendimento escolar insatisfatório são rapidamente identificados e encaminhados para os serviços de atendimento educacional especializado, os alunos que se destacam por suas potencialidades recebem pouco apoio para que possam atingir o seu máximo desenvolvimento. Essa falta de atenção tem sido apontada na literatura como causa de rebaixamento de suas expectativas e nível de produção (Guenther, 2012; Maia-Pinto & Fleith, 2004).

Estudos sugerem que as caraterísticas psicológicas não podem ser assumidas como traços fixos e estáveis. Tais traços, aqui compreendidos como potencialidades, não garantem percursos de alta realização e de excelência na vida adulta (Garcia-Santos et al, 2012). Essa situação desenvolvimental das altas habilidades adverte, desde logo, para dois cuidados educacionais: (i) atenção e estimulação favorável ao desenvolvimento e expressão de tais potencialidades; e (ii) cautela em relação às expectativas que são criadas, pois podem converter-se em "profecias" que favorecem vivências pautadas por grande ansiedade e desilusão, quando não concretizadas.

A temática das AH/SD é um campo de investigação bastante recente em Portugal. O aparecimento e o estudo do assunto datam da década de 1980 e contam com pouco apoio do mundo acadêmico, pois decorrem, sobretudo, do protagonismo dos pais e suas associações (Miranda & Almeida, 2010). No Brasil, há evidências de que o primeiro atendimento educacional a esse público ocorreu no ano de 1929, no estado do Rio de Janeiro, com a Reforma do Ensino Primário, Profissional e Normal. Entretanto, na ausência de políticas públicas municipais, estaduais e/ou federais, a legislação estadual não foi suficiente para garantir a universalização do atendimento e a prática consistiu em iniciativas isoladas (Delou, 2007).

Ao contrário de Portugal, nota-se que, no Brasil, as ações educacionais destinadas a esse alunado contam, principalmente, com as iniciativas governamentais (Fleith, Almeida, Alencar, & Miranda, 2010), seja por meio de projetos de extensão desenvolvidos nas universidades, dos Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação (NAAH/S) ou de suplementação nas Salas de Recursos Multifuncionais6 (Fortes & Freitas, 2007; Gama, 2006; Koga & Chacon, 2017; Leonessa & Marquezine, 2016; Mendonça, Mencia, & Capellini, 2015). Observam-se diferenças entre os dois países também quanto ao Legislativo. Enquanto que, no Brasil, há Leis, Resoluções e documentos orientadores que asseguram o direito de atendimento educacional especializado aos estudantes com AH/SD; em Portugal, a Legislação é escassa. Embora existam despachos que instituem medidas educativas àqueles que demonstram "capacidade excepcional de aprendizagem", esse público não é tido como alvo dos serviços de Educação Especial, exceto na Região Autônoma da Madeira, que dispõe de Legislação própria (Fleith et al., 2010; Pocinho, 2009).

Essa temática tem recebido maior visibilidade nos últimos anos, em âmbito global, porém, tanto em Portugal como no Brasil, a realidade escolar caracteriza-se ainda por uma falta generalizada de mais atenção às necessidades dos alunos com habilidades e capacidades intelectuais acima da média. Parte dessa situação está relacionada ao desconhecimento de educadores e de professores a respeito desse fenômeno. Carvalho (2016) defende que a dificuldade de os professores responderem às necessidades educacionais especiais destes alunos que se afastam da "norma" é consequência da frágil formação que recebem no domínio das AH/SD. Por este fato, as instituições de formação deveriam incluir conteúdos sobre essa temática nos currículos de formação acadêmica dos educadores e dos professores.

Segundo Bahiense e Rossetti (2014), os professores precisam ser devidamente formados para poderem identificar os alunos que apresentam elevadas capacidades e, ao mesmo tempo, saberem identificar as suas necessidades em termos de uma atenção educacional diferenciada. O maior problema é a ausência de informação científica sobre a temática, o que geralmente favorece a emergência e a propagação de mitos e de concepções equivocadas sobre o assunto.

Estudos têm destacado as AH/SD (sobredotação, em Portugal) como um conteúdo que não integra a formação acadêmica de educadores e professores no Brasil e em Portugal. Em 2003, Miranda e Almeida alertavam que o tema da sobredotação não integrava os componentes curriculares dos cursos de formação de professores e demais profissionais da educação no contexto português, trazendo consequências negativas ao processo de identificação dos estudantes com habilidades acima da média. A precariedade da formação docente no que tange aos conteúdos necessários à atenção às necessidades desses discentes também é constatada por Matos (2015) e Z. C. F. Pinto (2013). Um estudo da Rede de Informação sobre Educação na Europa (Eurydice, 2008), ao analisar as políticas educacionais de 30 países europeus em relação às ações de promoção das AH/SD, revelou que Portugal não está entre os países cuja temática é obrigatória na formação inicial de professores.

Por sua vez, no estudo de Bahiense e Rossetti (2014), que entrevistaram 20 professores das disciplinas de português e matemática na rede pública de Vitória/ Espírito Santo-Brasil, 19 destes professores referiram não terem visto nada sobre a inclusão de alunos público-alvo da Educação Especial durante o curso de Graduação. Ao mesmo tempo, considerando a formação continuada, somente seis professores relataram terem acedido a conteúdos referentes às AH/SD. Essa lacuna na formação de professores tem sido amplamente reconhecida (Guimarães, 2004; Ramalho, Silveira, Barros, & Brum, 2014; Reis, 2006; Procópio, 2010).

Acreditando na importância do conhecimento docente sobre a temática para a elaboração de práticas educacionais adequadas ao desenvolvimento das potencialidades dos alunos, analisamos, neste artigo, os currículos da formação de educadores7 e professores que atuarão junto a crianças dos três aos 10 anos8. Essa análise foi realizada junto ao currículo de duas universidades públicas, uma brasileira (Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP) e outra portuguesa (Universidade do Minho - UMinho). A pesquisa objetivou verificar e descrever a presença de conteúdos relacionados às AH/SD (sobredotação) nessas Universidades, assim como constatar a sua ausência. A escolha dessas duas Universidades deve-se ao fato de em ambas haver investigação e produção científica nesse campo de estudo.

2 MÉTODO

No Brasil, a formação de professores para o ensino de crianças de 0 a 10 anos de idade (Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental) é oferecida pelos cursos de Licenciatura Plena em Pedagogia (Resolução CNE/CP nº 1, 2006). Dessa maneira, procuramos analisar, na universidade portuguesa, a formação equivalente. Assim, preliminarmente ao início da análise dos currículos formativos, foi necessário compreender a organização do sistema de ensino português; por isso, consultamos a Lei de Bases do Sistema Educativo Nº 46/1986, alterada, republicada e renumerada como Lei Nº 49/2005 (Lei nº 49, 2005), o regime jurídico da habilitação profissional para a docência (Decreto-Lei nº 79, 2014) e outras publicações legais complementares.

Em relação às universidades investigadas, a UNESP, caracterizada como uma universidade multicampi, está presente em 24 cidades do estado de São Paulo e oferece o curso de Pedagogia em seis campi. Enquanto a UMinho possui dois campi localizados em duas cidades que se situam na região Norte de Portugal, a formação docente para atuação junto a crianças ocorre exclusivamente no campus de Gualtar, na cidade de Braga. Dada à desproporção nas dimensões das referidas universidades, delimitamos a análise da universidade brasileira ao curso oferecido no campus de Marília, em virtude de haver, nessa unidade, um programa de pesquisa e extensão consolidado e responsável pelo enriquecimento de estudantes com comportamento de superdotação e seus respectivos familiares9.

A UMinho disponibiliza o programa das disciplinas em sua página na web, o que nos possibilitou consultar o nome, a carga horária, os objetivos, os resultados de aprendizagem, o programa sucinto e a bibliografia essencial de todas as unidades curriculares. Solicitamos, então, aos departamentos, os programas completos das disciplinas em que houve alguma menção à Educação Especial/Inclusiva. Em contrapartida, a UNESP (Campus de Marília) divulga somente a matriz curricular do curso, contendo o nome e a carga horária de suas disciplinas, sendo necessário pagar pelo acesso ao programa de cada uma delas. Por essa razão, tivemos de realizar a seleção a partir dos títulos, solicitando os programas completos daquelas que se destinam aos estudos ligados à Psicologia e à Educação Especial/Inclusiva. De posse dos programas completos, verificamos a presença da temática AH/SD entre os objetivos e os conteúdos apresentados. Nos casos em que não constatávamos qualquer referência, verificávamos a bibliografia básica para nos certificarmos dessa ausência.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Conforme a Lei Nº 49/2005, o sistema educativo de Portugal está organizado em: educação pré-escolar, educação escolar e extraescolar. Neste estudo, atentar-nos-emos às modalidades pré-escolar e escolar. A educação pré-escolar é de matrícula facultativa e destina-se a crianças de 3 a 5 anos de idade (Lei nº 5, 1997), sendo universal a partir dos quatro anos (Lei nº 65, 2015). A educação escolar divide-se em: Ensino Básico, Ensino Secundário e Ensino Superior. Os estudantes ingressam no Ensino Básico aos 6 anos de idade10. Trata-se de um nível obrigatório, gratuito e com duração de nove anos, subdividido em três ciclos. Os quatro primeiros anos de escolarização compreendem o 1º ciclo do Ensino Básico; o 2º ciclo abrange os quinto e sexto anos de escolarização, enquanto que o 3º ciclo é formado pelos três anos subsequentes. O Ensino Secundário tem duração de três anos e é destinado aos estudantes que concluem o Ensino Básico, ao passo que o Ensino Superior envolve os ensinos universitário e politécnico (Lei nº 49, 2005).

A Lei Nº 9.394/1996 estabelece as diretrizes e bases da educação brasileira e organiza a Educação Básica em: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. A Educação Infantil destina-se a crianças de 0 a 5 anos. Aos 6 anos de idade, as crianças ingressam no Ensino Fundamental, cuja duração é de nove anos. O Ensino Médio é a última etapa da Educação Básica, tem duração mínima de três anos e pode envolver a formação para profissões técnicas. A Educação Básica é obrigatória para os que se encontram na faixa etária de 4 a 17 anos. Por fim, a Educação Superior é oferecida por instituições de Ensino Superior, abrangendo a formação em cursos de graduação, pós-graduação e extensão (Lei nº 9394, 1996).

Considerando-se que, no Brasil, a formação em Pedagogia habilita os professores a atuarem na Educação Infantil (crianças de 0 a 5 anos de idade) e nos cinco primeiros anos do Ensino Fundamental (crianças de 6 a 10 anos, aproximadamente), analisamos a formação dos professores portugueses para atuar na educação pré-escolar (crianças de 3 a 5 anos de idade) e no 1º ciclo do Ensino Básico (crianças de 6 a 9 anos, aproximadamente).

3.1 FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM PORTUGAL

Quanto à estrutura da formação de professores, Portugal é signatário da Declaração de Bolonha (Bianchetti & Magalhães, 2015); assim sendo, a formação inicial ocorre em dois ciclos. Inicialmente, realiza-se o curso de licenciatura, que tem por finalidade, o embasamento do profissional em sua área de docência, o que acontece em um período de três anos. No entanto, destaca-se que tal licenciatura não habilita para o exercício do magistério, sendo necessária a realização de um Mestrado profissional voltado ao ensino, com duração de três a quatro semestres, conforme a especialidade. Esse segundo ciclo da formação tem por objetivo complementar e aprofundar os conhecimentos adquiridos no ciclo anterior (Decreto-Lei nº 79, 2014).

Para atuar nas etapas da educação que nos interessa, o acadêmico deve cursar a licenciatura em Educação Básica, seguida de uma das cinco opções de Mestrado: Educação Pré-escolar; Ensino do 1º Ciclo do Ensino Básico; Educação Pré-escolar e Ensino do 1º Ciclo do Ensino Básico; Ensino do 1º Ciclo do Ensino Básico e de Português e História e Geografia de Portugal no 2º Ciclo do Ensino Básico; e Ensino do 1º Ciclo do Ensino Básico e de Matemática e Ciências Naturais no 2º Ciclo do Ensino Básico. Cabe referir que o Ensino Básico em Portugal cobre três ciclos: o 1º Ciclo inclui os 4 primeiros anos; o 2º Ciclo engloba o 5º e o 6º ano de escolaridade; e o 3º Ciclo integra do 7º ao 9º ano de escolaridade.

A estrutura curricular dos mestrados, assim como da licenciatura, deve contemplar os componentes: área de docência; área educacional geral; didáticas específicas; área cultural, social e ética; e prática profissional. No caso da licenciatura, o predomínio está na área de docência, que diz respeito ao estudo avançado dos conteúdos e das disciplinas necessários ao exercício da carreira, ou seja, refere-se aos conhecimentos das matérias a serem ensinadas: português, matemática, ciências naturais, história e geografia de Portugal e expressões (Decreto-Lei nº 79, 2014).

O conhecimento acerca dos conteúdos curriculares é extremamente valorizado, pois se acredita que "[...] a profundidade do conhecimento dos professores sobre as matérias específicas que lecionam tem efeito expressivo na sua autonomia e segurança em sala de aula, traduzindo-se numa mais elevada qualidade da aprendizagem dos alunos" (Decreto-Lei nº 79, 2014, p. 2820).

A licenciatura em Educação Básica exige o cumprimento de 180 créditos. A distribuição do número mínimo de créditos que cada componente deve possuir é apresentada na Tabela 1:

Tabela 1
Distribuição da quantidade mínima de créditos dos componentes da formação em Licenciatura em Educação Básica

O componente "Área educacional geral" compreende os saberes necessários a todos os docentes, visto que aborda os aspectos relacionados ao desenvolvimento, à aprendizagem, ao currículo, à avaliação, às necessidades educacionais especiais, à organização do processo educacional etc. As "Didáticas específicas" referem-se às estratégias de ensino e trata-se de um componente intimamente relacionado à "Área de docência". A "área cultural, social e ética" visa sensibilizar para questões de gênero, etnia, diversidade de religião e pensamento, entre outros; conscientizar sobre o caráter ético e cívico da profissão; ampliar os conhecimentos dos estudantes para além dos requeridos pela docência, envolvendo aspectos científicos, artísticos e de humanidades. Por fim, a "Iniciação à prática profissional" corresponde a experiências vivenciadas dentro ou fora de sala de aula, mas que estejam vinculadas aos aspectos práticos da atividade docente.

A seguir, a Tabela 2 apresenta a distribuição do número mínimo de créditos para cada componente dos mestrados:

Tabela 2
Distribuição do mínimo de créditos dos componentes da formação nos mestrados em ensino

Nota-se que em todas as especialidades há o predomínio da "Prática de ensino supervisionada", que se refere ao estágio profissional, resultante em relatório final (Decreto-Lei Nº 79, 2014). Em seguida, encontram-se as "Didáticas específicas", procedidas da "Área de docência", de modo que o componente "Área educacional geral" apresenta a menor incidência, com exceção do Mestrado em Educação Pré-escolar em que há equivalência no número de créditos dos dois últimos componentes.

3.2 FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL

No Brasil, interessa-nos analisar a formação no curso de Pedagogia. Criado no ano de 1939, esse curso foi inicialmente estruturado no formato conhecido por "3+1": três anos de formação para o bacharelado e um ano (opcional) para a aquisição da licenciatura para ministrar matérias pedagógicas. Sua criação ocorreu para suprir a demanda por técnicos educacionais. Com o passar do tempo, sua estrutura e sua finalidade foram se modificando e, na década de 1980, "[...] começa a ganhar a especificidade de formação de profissionais para a docência" (Fonseca-Janes & Omote, 2013, p. 328).

Em 2006, as Diretrizes Curriculares Nacionais para esse curso (Resolução CNE/CP nº 1, 2006) estabelecem, como sua função, formar professores para atuar na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. De acordo com essas diretrizes, essa formação deve ter como princípios: a interdisciplinaridade, a contextualização, a democracia, a relevância social e os aspectos éticos, afetivos e estéticos. Tal curso deve possibilitar os conhecimentos necessários à educação para a cidadania; pesquisa e utilização dos resultados no contexto educativo; participação na gestão de sistemas e instituições de ensino.

Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada em Nível Superior de Profissionais do Magistério para a Educação Básica (Resolução CNE/CP nº 2, 2015), a formação inicial de professores abrange três núcleos: o núcleo I é composto por "[...] estudos de formação geral, das áreas específicas e interdisciplinares, e do campo educacional, seus fundamentos e metodologias, e das diversas realidades educacionais" (Resolução CNE/CP nº 2, 2015, p. 49); o núcleo II destina-se ao "[...] aprofundamento e diversificação de estudos das áreas de atuação profissional, incluindo os conteúdos específicos e pedagógicos, priorizadas pelo projeto pedagógico das instituições, em sintonia com os sistemas de ensino" (Resolução CNE/CP nº 2, 2015, p. 49); e o núcleo III contempla os estudos voltados ao enriquecimento do currículo (seminários, projetos de extensão, iniciação científica, intercâmbios, entre outros) (Resolução CNE/CP nº 2, 2015).

A duração total do curso deve ser de, no mínimo, 3.200 horas, divididas conforme mostra a Tabela 3:

Tabela 3
Distribuição da carga horária dos cursos de formação inicial de professores no Brasil

A Resolução CNE/CP nº 2, de 1 de julho de 2015, estabelece que as instituições formadoras devem proporcionar em seus currículos,

[...] conteúdos específicos da respectiva área de conhecimento ou interdisciplinares, seus fundamentos e metodologias, bem como conteúdos relacionados aos fundamentos da educação, formação na área de políticas públicas e gestão da educação, seus fundamentos e metodologias, direitos humanos, diversidades étnico-racial, de gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional, Língua Brasileira de Sinais (Libras), educação especial e direitos educacionais de adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas (Resolução CNE/CP nº 2, 2015, p. 11).

Contudo, não há uma determinação específica sobre a carga horária a ser destinada aos diferentes conteúdos/componentes curriculares, o que parece possibilitar mais autonomia às universidades brasileiras em relação às portuguesas, embora ambas possuam o direito à autonomia pedagógica, administrativa e financeira, constitucionalmente garantidas (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988; Constituição da República Portuguesa, 1976).

A menor autonomia pedagógica da universidade portuguesa em relação à brasileira converge com os resultados do estudo exploratório que envolveu 28 países ao retratar a autonomia universitária na Europa. Segundo tal investigação, a autonomia da universidade em Portugal foi classificada como médio-alta nas dimensões organizacional, financeira e de recursos humanos, sendo considerada médio-baixa na dimensão acadêmica (Estermann & Nokkala, 2009).

Na opinião de H. E. Pinto (2015), a autonomia universitária é um princípio fundamental no modelo de ensino superior brasileiro. Não se trata de um fim em si mesmo ou de um direito ilimitado, mas de um meio de garantir a independência do conhecimento e a liberdade de ensino, de pesquisa e de inovação. No exercício pleno dessa autonomia, devem estar asseguradas: "[...] transparência, publicidade, razoabilidade, responsabilidade, gestão democrática e submissão ampla ao controle social" (H. E. Pinto, 2015, p. 23).

3.3 PROGRAMAS CURRICULARES

Conforme o Decreto-Lei Nº 42/2005, Portugal adota o Sistema Europeu de Transferência de Créditos (ECTS), de maneira que os créditos correspondem à "[...] unidade de medida do trabalho do estudante sob todas as suas formas, designadamente, sessões de ensino de natureza colectiva, sessões de orientação pessoal de tipo tutorial, estágios, projectos, trabalhos no terreno, estudo e avaliação" (Decreto-Lei nº 42, 2005, p. 1495). Durante o ano letivo, o estudante deve integralizar 60 créditos, os quais são medidos a partir de uma estimativa de seu tempo de trabalho. Dada à estrutura predominante dos cursos de Graduação no Brasil, que se baseia no quantitativo de horas/aula, consideraremos somente o número de horas em atividades teórico-práticas dirigidas, desconsiderando o tempo empregado em estudos individuais de natureza autônoma.

A UMinho (Campus de Gualtar) oferece a licenciatura em Educação Básica e quatro possibilidades de mestrado em ensino: Educação Pré-escolar; Educação Pré-escolar e Ensino do 1º Ciclo do Ensino Básico; Ensino do 1º Ciclo do Ensino Básico e de Português e História e Geografia de Portugal no 2º Ciclo do Ensino Básico; Ensino do 1º Ciclo do Ensino Básico e de Matemática e Ciências Naturais no 2º Ciclo do Ensino Básico.

No Quadro 1, temos a apresentação das disciplinas de caráter obrigatório que realizam estudos relacionados à educação especial/inclusiva em ambas as universidades investigadas.

Quadro 1
Estado da arte das disciplinas que fazem referência à educação especial/inclusiva em seus programas curriculares na UNESP, Campus de Marília (Pedagogia) e na UMinho, Campus de Gualtar (Licenciatura em Educação Básica e Mestrados em Ensino)

O curso de Pedagogia da UNESP (Campus de Marília) oferece cinco disciplinas obrigatórias voltadas à Educação Especial/Inclusiva. Entre elas, Currículo e Necessidades Educacionais Especiais é o componente que dispõe de espaço curricular para tratar das características e das necessidades dos estudantes público-alvo da Educação Especial. Tal disciplina ocorre no primeiro semestre do quarto ano do curso e apresenta 75 horas em sua carga horária, envolvendo teoria e prática e tendo entre seus conteúdos programáticos: Educação Inclusiva e as Necessidades Educacionais Especiais (NEE) - discussão conceitual e perspectivas de prática educativa; delimitação das necessidades educacionais do aluno; adequações curriculares.

O programa curricular dessa disciplina não explicita quais são as NEE abordadas; no entanto, compreende-se que as AH/SD estão contempladas em decorrência das referências presentes na bibliografia básica que incluem a temática em questão, como é o caso da publicação do Ministério da Educação (MEC), Estratégias para a Educação de Alunos com Necessidades Educacionais Especiais de 2003. As demais disciplinas estão voltadas às questões de acessibilidade; construção social dos conceitos de diversidade e deficiência; história da Educação Especial; conceitos, políticas e fundamentos da Educação Inclusiva. Destaca-se que a disciplina Fundamentos da Educação Inclusiva envolve entre seus objetivos a análise dos principais conceitos relacionados à Educação Inclusiva, incluindo as NEE. O conteúdo programático, porém, não faz menção à caracterização dos estudantes público-alvo da Educação Especial.

Na UMinho (Campus de Gualtar), o curso de licenciatura em Educação Básica possui duas disciplinas que dão margem para o entendimento de que a Educação Especial/Inclusiva é abrangida. Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem da Criança, ministrada no primeiro semestre do segundo ano de curso, com 60 horas de atividades teórico-práticas, exibe em seu conteúdo programático: A aprendizagem em situações normais e de constrangimento por NEE.

A disciplina Sociologia da Infância e da Educação, desenvolvida no segundo semestre do segundo ano de formação, com duração de 45 horas teórico-práticas, tem, entre seus conteúdos: o trabalho docente, visto como forma de ação profissional com crianças, em uma perspectiva de Educação Inclusiva, multicultural e promotora da cidadania ativa. Entretanto, ambas as disciplinas não têm a temática da Educação Especial/Inclusiva entre seus objetivos e não proporcionam mais informações a respeito de tal estudo, tampouco possuem referências específicas sobre o assunto, o que não nos permite inferir que sejam abordados conteúdos relacionados à sobredotação.

Já no Mestrado em Ensino, todos os cursos analisados oferecem a unidade curricular Inclusão e Necessidades Educativas Especiais, com carga horária de 45 horas de estudos teóricos e práticos, disponível no primeiro semestre do primeiro ano do Mestrado em Educação Pré-Escolar e no primeiro semestre do segundo ano nos demais. Tratando-se de uma disciplina específica da área da Educação Especial/Inclusiva, destacamos os conteúdos: Atendimento às crianças com NEE e suas famílias; conceitos de NEE; risco educacional; sobredotação; intervenção precoce; a criança com NEE e a sociedade; a vida depois da escola. Nota-se que conteúdos de sobredotação constam explicitamente na programação curricular dessa disciplina.

Os Mestrados em Educação Pré-Escolar e em Educação Pré-Escolar e Ensino do 1º Ciclo do Ensino Básico possuem, ainda, a unidade curricular Temas avançados de Pedagogia na Educação de Infância, com 45 horas de aulas teórico-práticas, no primeiro semestre dos primeiros anos dos cursos. Seu conteúdo programático possui: a diversidade e a diferença na educação de infância. No entanto, tal como as disciplinas analisadas na licenciatura em Educação Básica, essa unidade curricular não têm a Educação Especial/Inclusiva entre seus objetivos ou bibliografia básica, de maneira que não nos parece ser um campo destinado ao estudo da sobredotação.

Como já afirmamos, a ausência de conteúdos acerca desse fenômeno na formação de professores traz prejuízos à educação dos alunos com potencialidades elevadas. A falta de conhecimentos gera concepções baseadas em mitos que fazem com que muitos educadores acreditem que o estudante com AH/SD deve apresentar alto rendimento em todas as disciplinas e se enquadrar em um padrão estereotipado (Ramalho et al., 2014). Em virtude do desconhecimento e de concepções equivocadas, alunos com capacidades elevadas deixam de ser identificados e adequadamente estimulados.

Com base na análise dos programas curriculares das disciplinas dos cursos destinados à formação de professores para infância, infere-se que tanto o curso de Pedagogia da UNESP (Campus de Marília) quanto os Mestrados em Ensino da UMinho (Campus de Gualtar) promovem o estudo da temática AH/SD. No caso da UNESP (Campus de Marília), a abordagem dessa temática dá-se no âmbito da disciplina Currículo e Necessidades Educacionais Especiais (75 horas) e na UMinho (Campus de Gualtar) a abordagem ocorre em Inclusão e Necessidades Educativas Especiais (45 horas). Além da disciplina referida na UNESP (Campus de Marília) ter uma carga horária de aulas maior que a disciplina presente na UMinho (Campus de Gualtar), a UNESP (Campus de Marília) possui outras quatro disciplinas obrigatórias específicas sobre Educação Especial/Inclusiva em sua grade curricular, apontando uma formação mais densa nesse aspecto. Ademais, o último semestre do curso é destinado ao aprofundamento na área de escolha do acadêmico, a qual pode ser: Educação Infantil; Educação Especial ou Gestão Escolar. Caso opte pelo aprofundamento em Educação Especial, cursará outras cinco disciplinas sobre o assunto. São 270 horas de aulas teórico-práticas obrigatórias a todos os acadêmicos e outras 300 horas aos que optarem por realizar o aprofundamento em Educação Especial (Fonseca-Janes & Omote, 2013).

Entretanto, alerta-se que essa não é uma realidade em todos os cursos de Pedagogia da UNESP. Em estudo sobre as disciplinas que integram os cursos de Pedagogia dessa universidade, Martins e Chacon (2017) encontraram que, com exceção do campus de Marília, os outros cinco cursos de Pedagogia oferecem, no mínimo, uma, e no máximo, duas disciplinas acerca da Educação Especial/Inclusiva. Constatou-se, por meio da análise dos planos de ensino dessas disciplinas, que a temática das AH/SD não estava presente entre os conteúdos de três cursos. Essa também é a realidade de outras universidades brasileiras.

A UNESP (Campus de Marília) diferencia-se por possuir uma forte tradição na área da Educação Especial, sendo a instituição pública estadual pioneira na formação de professores especialistas nesse campo, visto que, no ano 1977, começou a oferecer a habilitação em Educação Especial. Com a publicação das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Pedagogia, em 2006, as habilitações foram extintas e o curso passou por uma reestruturação mantendo-se a preocupação em oferecer uma sólida formação na área, em especial, devido às influências dos docentes do Departamento de Educação Especial nesse processo (Fonseca-Janes, Silva Junior, & Oliveira, 2013). Salienta-se, aliás, que é o único campus da universidade a possuir um Departamento de Educação Especial e uma linha de pesquisa em Educação Especial a integrar o seu programa de Pós-Graduação em Educação (Fonseca-Janes & Omote, 2013).

Outro ponto a ser destacado é que o regime jurídico da habilitação profissional para a docência em Portugal, aprovado pelo Decreto-Lei Nº 79, de 14 de maio de 2014, estabelece o mínimo de 15 créditos destinados ao componente "Área educacional geral" na licenciatura em Educação Básica e o mínimo de 6 créditos nos Mestrados analisados, representando 8,33% e entre 5 e 7% das formações, respectivamente. Isso significa que há um espaço um tanto quanto limitado para tratar de aspectos relevantes como psicologia do desenvolvimento, processos de aprendizagem, currículo, organização educacional, inclusão escolar e outros (Decreto-Lei Nº 79, 2014), o que torna compreensível a dificuldade de alargamento dos estudos acerca da Educação Especial/Inclusiva.

Ressalta-se que a presença da temática das AH/SD nos programas das disciplinas da formação de professores está contemplada em ambas as universidades. Conteúdo curricular de vasta relevância, uma vez que sem conhecimentos sobre essa NEE, os educadores não apresentam as condições necessárias para "notar, indicar e lidar com estes alunos" que a possuem (Barreto & Mettrau, 2011). Ademais, é necessário que o professor tenha claro que uma criança com habilidades superiores é semelhante as outras em vários aspectos, sendo a capacidade elevada o seu principal diferencial, o qual também lhe ocasiona necessidades próprias (Pocinho, 2009).

Para Almeida, Araújo, Sainz-Gómez e Prieto (2016), o fato de essa temática não ser suficientemente estudada durante a formação inicial e continuada de professores, entre outros profissionais, resulta no despreparo dos responsáveis pela identificação e ensino dessas crianças. Inclusive, os autores consideram que esse despreparo possa ser um dos motivos pela maior identificação de meninos do que de meninas. Nas palavras de Hoffmann (2014, p. 36), "[...] não é suficiente oferecer-se escolas para todos, é essencial que o ‘todos’ não perca a dimensão da individualidade", isto é, a escola deve propiciar as condições necessárias para que cada estudante atinja o máximo desenvolvimento possível em termos de aprendizagem e cidadania, tarefa que, a nosso ver, está intimamente relacionada à formação docente.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pesquisas têm constatado o conhecimento deficitário de educadores portugueses e brasileiros a respeito dos estudantes com AH/SD (Bahiense & Rossetti, 2014; Barreto & Mettrau, 2011; Eurydice, 2008; Guimarães, 2004; Matos, 2015; Miranda & Almeida, 2003; Z. C. F. Pinto, 2013; Procópio, 2010; Ramalho et al., 2014; Reis, 2006), o que interfere no reconhecimento e na satisfação das necessidades escolares de tais discentes. Tal situação evidencia a importância da realização de estudos acerca das AH/SD nos cursos de formação de professores, destacando os conteúdos lecionados e alertando para a sua inexistência ou insuficiência.

Com o objetivo de analisar a presença de conteúdos sobre as AH/SD nos currículos da formação de professores para atuar com crianças nos primeiros anos de escolarização, levantamos os programas curriculares das disciplinas do curso de Pedagogia da UNESP (Campus de Marília) e do curso de licenciatura em Educação Básica da UMinho (Campus de Gualtar), juntamente às disciplinas dos Mestrados em Ensino. Foi possível verificar que a formação de professores nos cursos investigados traz a temática das AH/SD entre os conteúdos curriculares de suas disciplinas.

Na UNESP (Campus de Marília), a disciplina Currículo e Necessidades Educacionais Especiais, com 75 horas de aulas teórico-práticas, não discrimina quais são as NEE abordadas. Como as AH/SD estão entre os componentes presentes nos referenciais bibliográficos utilizados, infere-se que o assunto é abordado. O curso de Pedagogia oferece outras quatro disciplinas obrigatórias sobre a Educação Especial/Inclusiva e um núcleo de aprofundamento de estudos em Educação Especial (opcional). Com uma ampla carga horária disponível à área da Educação Especial, na perspectiva da Educação Inclusiva, supõe-se que não existam grandes dificuldades no desenvolvimento de estudos sobre as AH/SD.

Na UMinho (Campus de Gualtar), a unidade curricular Inclusão e Necessidades Educativas Especiais, com 45 horas de atividades teóricas e práticas, menciona claramente a sobredotação entre seus conteúdos programáticos. Sendo esta a única disciplina destinada especificamente à Educação Especial/Inclusiva, depreende-se que o tempo empregado no estudo da sobredotação não seja suficiente para promover o aprofundamento desejável. A aquisição dos conhecimentos necessários à identificação e ao oferecimento de atenção educacional condizente com as particularidades dos estudantes com elevadas potencialidades requer fundamentação teórica, confrontação de modelos de avaliação e atendimento, assim como caracterização.

As possibilidades da instituição de Ensino Superior em proporcionar os conhecimentos necessários acerca dessa temática, em profundidade, perpassam pela questão da autonomia pedagógica universitária e, ainda, pela sensibilidade dos acadêmicos ao tema. Essa sensibilidade nem sempre é suficiente, permanecendo a percepção que, sem formação adequada, os professores continuarão deficitários na identificação e na atenção educativa diferenciada a estes alunos, colocando-se em causa a implementação da "escola inclusiva".

A terminar, os resultados desta investigação não são passíveis de generalizações para outras universidades portuguesas ou brasileiras. Foram extraídos do estudo de caso de duas realidades particulares, mas evidenciam o comprometimento com a formação dos profissionais que deverão promover ações educativas voltadas para o máximo desenvolvimento de cada estudante, inclusive os que apresentam AH/SD. Por outro lado, este estudo apresenta ainda como limitação o fato de ter se baseado exclusivamente em análise documental (programas curriculares). Para uma análise mais abrangente, pretende-se dar continuidade à investigação envolvendo a coleta de dados junto a estudantes que cursaram as referidas disciplinas, assim como entrevistas com os docentes da área da Educação Especial envolvidos com as AH/SD.

  • 2
    No Brasil, são empregados os termos: superdotação, dotação, talento, altas habilidades e altas habilidades/superdotação; enquanto que, em Portugal, há um maior predomínio do termo "sobredotação" para remeter a pessoas com potencialidades ou desempenhos superiores. Dessa maneira, optamos pelo emprego do termo altas habilidades/superdotação (AH/SD) ao nos referirmos ao contexto brasileiro, usando também o termo "sobredotação" em alusão ao contexto português.
  • 6
    Espaço destinado ao Atendimento Educacional Especializado de alunos público-alvo da Educação Especial, em horário diverso ao que frequentam a sala comum.
  • 7
    Em Portugal, os profissionais responsáveis pela educação das crianças em nível pré-escolar são chamados de Educadores de Infância.
  • 8
    No Brasil, a Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica e destina-se a crianças de 0 a 5 anos, enquanto que, aos 6 anos de idade, inicia-se o Ensino Fundamental. Em Portugal, a Educação Pré-Escolar ocorre dos 3 aos 5 anos da criança e a Educação Básica começa aos 6 anos de idade.
  • 9
    O coordenador deste programa, professor Dr. Miguel C. M. Chacon, também orienta teses e dissertações nesta temática. Na UMinho, as pesquisas a respeito da sobredotação são desenvolvidas/orientadas pelo professor Dr. Leandro S. Almeida.
  • 10
    As crianças ingressantes são geralmente as que completam 6 anos até o dia 15 de setembro, mas as que aniversariam após essa data podem ingressar mediante solicitação do encarregado de educação e havendo vaga na escola.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2018

Histórico

  • Recebido
    28 Nov 2017
  • Revisado
    20 Fev 2018
  • Aceito
    25 Fev 2018
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