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Escala de Desenvolvimento Motor: Adaptação para Crianças com Baixa Visão dos 7 aos 10 Anos de Idade

RESUMO

A baixa visão é um tipo de deficiência visual que pode influenciar na funcionalidade da criança e ocasionar alterações importantes na aquisição das habilidades motoras na infância. O objetivo deste artigo foi avaliar os aspectos de confiabilidade na adaptação da Escala de Desenvolvimento Motor (EDM) para crianças com baixa visão, dos 7 aos 10 anos de idade. Participaram do estudo 22 crianças com baixa visão (± 9,12 anos). A adaptação da escala ocorreu em quatro etapas. Para analisar a concordância entre as respostas dos juízes, foi utilizado o índice de concordância (≥ 80%) e, para a confiabilidade das adaptações, utilizou-se a análise inter-avaliador e reteste (Coeficiente de Correlação Intraclasse). Os resultados demonstraram que o índice de concordância entre os juízes foi ≥80% na segunda rodada de adaptações, as quais mostraram excelente confiabilidade na análise interavaliadores (CCI≥1,000) e no teste reteste (CCI≥0,990) para a idade motora, e excelente confiabilidade interavaliadores (CCI≥1,000) e no teste reteste (CCI≥0,997) para quociente motor. A EDM foi adaptada e apresentou boa confiabilidade metodológica. Assim, sua adaptação permitirá o uso correto do instrumento em crianças com baixa visão, determinando o diagnóstico funcional/motor mais preciso das alterações motoras nessa população.

PALAVRAS-CHAVE:
Educação Especial; Distúrbios da visão; Criança; Escala de avaliação; Adaptação

ABSTRACT

Low vision is a type of visual impairment that can influence the child’s functionality and cause important changes in the acquisition of motor skills during childhood. The objective of this paper was to evaluate the reliability aspects in the adaptation of the Developmental Motor Scale (PDMS) for children with low vision, from 7 to 10 years of age. Twenty-two children with low vision (± 9.12 years) participated in the study. The scale was adapted in four stages. To analyze the agreement between the judges’ answers, the agreement index (≥ 80%) was used, and for the reliability of the adaptations the inter-rater and retest analysis was used (Intraclass Correlation Coefficient). The results showed that the agreement rate between the judges was ≥80% in the second round of adaptations, which showed excellent reliability in the inter-rater analysis (ICC≥1,000) and in the retest test (ICC≥0,990) for the motor age, and excellent inter-rater reliability (ICC≥1,000) and in the retest test (ICC≥0.997) for the motor quotient. The PDMS was adapted and presented good methodological reliability. Thus, its adaptation will allow the correct use of the instrument in children with low vision, determining the most accurate functional/motor diagnosis of motor alterations in this population.

KEYWORDS:
Special Education; Vision disturbances; Child; Rating Scale; Adaptation

1 Introdução

A visão é extremamente importante na captação das informações do ambiente, sendo fundamental para o processo do desenvolvimento infantil (World Health Organization [WHO], 2013). Distúrbios visuais geram a diminuição da informação exteroceptiva, apresentando-se de forma reduzida e ocasionando a restrição das experiências motoras (Santos, Passos, & Rezende, 2007Santos, L. C., Passos, J. E. de O. S., & Rezende, A. L. G. (2007). Os efeitos da aprendizagem psicomotora no controle das atividades de locomoção sobre obstáculos em crianças com deficiência da visão. Revista Brasileira de Educação Especial, 13(3), 365-380. DOI: https://doi.org/10.1590/S1413-65382007000300005
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).

Crianças com baixa visão apresentam diferenças qualitativas e quantitativas na aquisição da motricidade quando comparadas a crianças com visão normal (Uysal & Düger, 2011Uysal, S. A., & Düger, T. (2011). A comparison of motor skills in Turkish children with different visual acuity. Fizyoterapi Rehabilitasyon, 22(1), 23-29.). Além disso, são observadas alterações nas habilidades motoras grossas e finas (Bouchard & Tétreault, 2000Bouchard, D., & Tétreault, S. (2000). Motor development of sighted children and children with moderate low vision aged 8-13. Journal of Visual Impairment & Blindness, 94(9), 564-573. DOI: https://doi.org/10.1177%2F0145482X0009400903
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), no equilíbrio ortostático, na velocidade do ajuste postural (Matos, Matos, & Oliveira, 2010Matos, M. R., Matos, C. P. G., & Oliveira, C. S. (2010). Equilíbrio estático da criança com baixa visão por meio de parâmetros estabilométricos. Fisioterapia e Movimento, 23(3), 361-369. ) e nos parâmetros da marcha (Hallemans, Ortibus, Meire, & Aerts, 2010Hallemans, A., Ortibus, E., Meire, F., & Aerts, P. (2010). Low vision affects dynamic stability of gait. Gait & Posture, 32(4), 547-551. DOI: https://www.researchgate.net/deref/http%3A%2F%2Fdx.doi.org%2F10.1016%2Fj.gaitpost.2010.07.018
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).

O desenvolvimento motor das crianças com baixa visão pode ser satisfatório com os programas de intervenção motora e atividades físicas (Houwen, Visscher, Lemmink, & Hartman, 2009Houwen, S., Visscher, C., Lemmink, K. A. P. M., & Hartman, E. (2009). Motor skill performance of children and adolescents with visual impairments: a review. Exceptional Children, 75(4), 464-492. DOI: https://doi.org/10.1177%2F001440290907500405
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; Jazi, Purrajabi, Movahedi, & Jalali, 2012Jazi, S. D., Purrajabi, F., Movahedi, A., & Jalali, S. (2012). Effect of selected balance exercises on the dynamic balance of children with visual impairments. Journal of Visual Impairment & Blindness, 106(8), 466-474. DOI: https://doi.org/10.1177%2F0145482X1210600803
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). Para isso, é importante uma avaliação criteriosa com instrumentos e tarefas adaptados com o intuito de identificar o nível de desenvolvimento motor da criança.

No Brasil, o instrumento de avaliação do desempenho motor, nomeado Movement Assessment Battery for Children-2 (MABC-2), foi adaptado, e as modificações foram validadas para crianças com baixa visão dos 7 aos 10 anos de idade (Bakke, Sarinho, & Cattuzzo, 2017Bakke, H. A., Sarinho, S. W., & Cattuzzo, M. T. (2017). Adaptation of the MABC-2 Test (Age Band 2) for children with low vision. Research in Developmental Disabilities, 71, 120-129. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ridd.2017.10.003
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). Na Holanda, adaptou-se o Test of Gross Motor Development (TGMD-2) (Houwen, Hartman, Jonker, & Visscher, 2010Houwen, S., Hartman, E., Jonker, L., & Visscher, C. (2010). Reliability and Validity of the TGMD-2 in primary-school-age children with visual impairments. Adapted Physical Activity Quarterly - APAQ, 27(2), 143-159. DOI: https://doi.org/10.1123/apaq.27.2.143
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) para crianças com baixa visão dos 6 aos 12 anos de idade. Nos estudos de Schmitt e Pereira (2014Schmitt, B. D., & Pereira, K. (2014). Caracterização das ações motoras de crianças com baixa visão e visão normal durante o brincar: cubos com e sem estímulo luminoso ou alto contraste. Revista Brasileira de Educação Especial, 20(3), 435-448. DOI: https://doi.org/10.1590/S1413-65382014000300009
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, 2016), as autoras confeccionaram cubos com estímulo luminoso e de alto contraste (preto e branco) para auxiliar na categorização das ações motoras de crianças com baixa visão. No entanto, observa-se que a MABC-2 adaptada (Bakke, Sarinho, & Cattuzzo, 2017) - único instrumento adaptado que tiveram suas modificações validadas para crianças brasileiras com baixa visão - teve como objetivo a análise do desempenho motor. A escala abrange domínios importantes, mas que se referem apenas à destreza manual, ao apontar e receber, e ao equilíbrio, o que indica a necessidade de adaptação de instrumentos de avaliação do desenvolvimento motor mais amplos.

Nesse seguimento, este estudo tem o intuito de contribuir com essa área de interesse por meio da adaptação de outro instrumento de avaliação para crianças com baixa visão que identifica a idade motora em vários aspectos psicomotores, como a Escala de Desenvolvimento Motor (EDM) (Rosa Neto, 2015Rosa Neto, F. (2015). Manual de Avaliação Motora. Florianópolis: DIOESC.), validada no Brasil. A adaptação dessa escala estabelecerá estratégias e condutas adequadas para reabilitação de crianças com deficiência visual, além de sua inclusão em seu contexto ambiental. Nessa perspectiva, o objetivo deste estudo foi avaliar os aspectos de confiabilidade na adaptação da Escala de Desenvolvimento Motor (EDM) para crianças dos 7 aos 10 anos de idade com baixa visão.

2 Métodos

Trata-se de um estudo metodológico de adaptação de instrumentos, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (2.152.730/2017). Para o processo de adaptação da EDM, participaram três crianças com baixa visão, com idade média de 105,7 meses (±8,08). Para o processo de confiabilidade das adaptações, participaram 19 crianças com baixa visão, 11 meninas, com idade média de 110,8 meses (±9,23). Estas pertenciam a diferentes escolas especializadas no atendimento de crianças com deficiência visual do Triângulo Mineiro e interior de São Paulo, Brasil. A seleção da amostra foi do tipo intencional e não foram incluídas crianças com distúrbios neurológicos, alterações ortopédicas, problemas comportamentais e deficiência auditiva.

A adaptação da EDM foi autorizada pelo seu autor, professor Francisco Rosa Neto. Inicialmente, três crianças com baixa visão foram avaliadas com a EDM original para obtenção de suas respostas frente às provas motoras aplicadas (pré-teste). A adaptação ocorreu em quatro etapas (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma do processo de adaptação da EDM para crianças com baixa visão dos 7 aos 10 anos de idade.

A primeira etapa foi composta pela análise das filmagens por quatro pesquisadoras com experiência na aplicação da escala e em reabilitação de crianças com baixa visão, no qual identificaram e registraram, em consenso, as maiores dificuldades observadas durante a realização dos testes da EDM. Na segunda etapa, foram propostas adaptações preliminares em alguns testes da EDM (motricidade fina, motricidade global, esquema corporal, organização espacial e temporal) com o intuito de favorecer a compreensão e a percepção visual dos testes, sem descaracterizar o teste original proposto pelo autor. As adaptações foram apresentadas em tabelas e enviadas com orientações sobre a avaliação das adaptações a cinco outros juízes com experiência prévia na área de deficiência visual e reabilitação infantil. Os juízes deveriam assinalar concordo “C” ou não concordo “NC” em cada teste apresentado. Caso a resposta fosse negativa, deveriam sugerir uma nova adaptação. A terceira etapa consistiu-se na análise das respostas dos cinco juízes; nesse caso, alguns não concordaram e sugeriram novas adaptações. Estas foram aceitas pelos pesquisadores e uma nova tabela foi elaborada e reenviada aos mesmos juízes, seguindo os critérios anteriores. Na quarta etapa, os juízes enviaram pequenas sugestões e foi constatada concordância entre eles no valor de ≥80% (Polit & Beck, 2006Polit, D. F., & Beck, C. T. (2006). Using research in evidence-based nursing practice. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins.).

As adaptações dos materiais da EDM relacionaram-se principalmente ao uso de contraste de cores e de texturas de objetos (preto, branco, amarelo, cola colorida, fita crepe branca e antiderrapante preta, entre outros), iluminação (luminária com lâmpada de 60 W), materiais adequados e de uso comum na deficiência visual (como lápis 6B).

Ao finalizar as adaptações, realizou-se a confiabilidade da EDM adaptada, por meio da avaliação de 19 crianças com baixa visão por dois avaliadores simultaneamente. Após 15 dias, as mesmas crianças foram reavaliadas por um único avaliador, com o intuito de aumentar a confiabilidade do instrumento.

Para a análise estatística da confiabilidade interavaliadores e teste-reteste, utilizou-se o Coeficiente de Correlação Intraclasse (CCI). Essas análises foram realizadas nos cálculos da idade motora de cada tarefa, na idade motora geral, nos quocientes motores de cada tarefa e no quociente motor geral. Considerou-se o nível de significância de p ≤ 0,05.

3 Resultados

A Tabela 1 mostra a sequência de concordância entre os juízes para adaptação da escala.

Tabela 1
Resultado do processo de adaptação nas duas rodadas de avaliações pelos juízes.
Figura 2
Imagem do instrumento e das adaptações finais da EDM.

Legenda: Imagem do instrumento original (A) e das adaptações finais (B) da EDM.


Ao analisar a pontuação da idade motora e da idade motora geral, nota-se excelente confiabilidade interavaliadores (CCI≥1,000) e no teste-reteste (CCI≥0,990) em todas as tarefas motoras (p = 0,001). Nas idades motoras IM2, IM5 e IM6, a variância foi nula, ou seja, a pontuação dos avaliadores foi à mesma nessas tarefas motoras (Tabela 2).

Tabela 2
Confiabilidade interavaliadores e teste-reteste (CCI) da IM e da IMG obtidos nas provas motoras.

Na análise dos quocientes motores e quociente motor geral, os valores também foram excelentes na confiabilidade interavaliadores (CCI≥1,000) e no teste-reteste (CCI≥0,997) em todas as tarefas motoras da escala (p=0,001). No QM6, a variância foi nula, ou seja, a pontuação dos avaliadores foi a mesma nessa prova motora (Tabela 3).

Tabela 3
Confiabilidade interavaliadores e teste-reteste (CCI) do quociente motor e do quociente motor geral.

4 Discussão

Os desfechos das adaptações da EDM para crianças com baixa visão dos 7 aos 10 anos de idade mostraram que as modificações realizadas no instrumento foram adequadas para as baterias de testes, tendo em vista o bom índice de concordância entre os juízes.

A metodologia do estudo adotou critérios rigorosos para avaliação das adaptações realizadas nas provas motoras das baterias de testes do instrumento. Nota-se que a observação clínica é muito importante para a adaptação de instrumentos; no entanto, ela deve ser acompanhada da opinião de juízes, recurso fundamental, que influencia consideravelmente na geração de itens adequados para a construção de escalas (Keszei, Novak, & Streiner, 2010Keszei, A., Novak, M., & Streiner, D. L. (2010). Introduction to health measurement scales. Journal of Psychosomatic Research, 68(4), 319-323. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jpsychores.2010.01.006
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; Streiner & Norman, 2008). Esse cuidado e esse rigor resultaram em boa concordância entre eles, em mais da metade dos testes das baterias, na primeira fase das adaptações.

Em relação às baterias de testes, os especialistas discordaram, principalmente, na motricidade global e no esquema corporal. É importante ressaltar que habilidades como caminhar, saltar e pular estão diretamente ligadas à percepção visual (Rosa Neto, 2015Rosa Neto, F. (2015). Manual de Avaliação Motora. Florianópolis: DIOESC.); assim, as crianças com baixa visão podem apresentar déficits nesses aspectos psicomotores (Bouchard & Tétreaut, 2000Bouchard, D., & Tétreault, S. (2000). Motor development of sighted children and children with moderate low vision aged 8-13. Journal of Visual Impairment & Blindness, 94(9), 564-573. DOI: https://doi.org/10.1177%2F0145482X0009400903
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; Uysal & Duger, 2011Uysal, S. A., & Düger, T. (2011). A comparison of motor skills in Turkish children with different visual acuity. Fizyoterapi Rehabilitasyon, 22(1), 23-29.).

O mesmo ocorreu com o esquema corporal, pois as crianças com baixa visão podem ter a noção do corpo prejudicada e apresentar dificuldades para se relacionar com espaços, objetos e pessoas ao redor (Boato, 2012Boato, E. M. (2012). Introdução a Educação Psicomotora: a vez e a voz do corpo na escola. Brasília: Instituto de Ensino e Pesquisa em Saúde e Educação.). Os juízes recomendaram modificações relacionadas à apresentação da tarefa de maneira que esta fosse executada próxima ao rosto da criança. Tal sugestão resultou em melhor compreensão das tarefas por parte das crianças com deficiência visual.

Na segunda fase das adaptações, os pesquisadores atenderam às sugestões dos juízes nas baterias de testes, resultando em boa concordância entre eles, permitindo a adaptação do instrumento para crianças com baixa visão, sendo testada a confiabilidade. A literatura aponta que instrumentos de avaliação são úteis quando apresentam resultados cientificamente robustos, demonstrando boa qualidade de suas propriedades psicométricas (Cano & Hobart, 2011Cano, S. J., & Hobart, J. C. (2011). The problem with health measurement. Patient Prefer Adherence, 5, 279-290. DOI: https://dx.doi.org/10.2147%2FPPA.S14399
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; Coluci, Alexandre, & Milani, 2015Coluci, M. Z. O., Alexandre, N. M. C., & Milani, D. (2015). Construção de instrumentos de medida na área da saúde. Ciências e Saúde Coletiva, 20(3), 925-936. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232015203.04332013
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; Souza, Alexandre, & Guirardello, 2017Souza, A. C., Alexandre, N. M. C., & Guirardello, E. D. (2017). Propriedades psicométricas na avaliação de instrumentos: avaliação da confiabilidade e da validade. Epidemiologia e Serviços de Saúde, 26(3), 649-659. DOI: https://doi.org/10.5123/s1679-49742017000300022
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).

Em algumas baterias de testes, as crianças não apresentaram dificuldades na compreensão para executar as provas motoras da EDM, como foi observado nos testes de equilíbrio e de lateralidade, nos quais houve pequenos ajustes em função da baixa visão. Nesse caso, nas provas motoras de equilíbrio, a criança poderia sentir o movimento no avaliador, já, na lateralidade, poderia sentir o objeto antes da execução da tarefa. Dessa forma, pode-se considerar que a simplificação do ambiente e da tarefa elimina o excesso de informações e pode auxiliar as crianças no bom desempenho da habilidade (Topor, 2014Topor, I. (2014). Essential elements in early intervention: visual impairment and multiple disabilities. Nova York: American Foundation for the Blind Press.).

Outro destaque em relação à concordância dos juízes, nas duas rodadas de adaptação, foi as baterias de organização espacial, motricidade fina e organização temporal. Na organização espacial, foram necessárias adaptações apenas na prova motora de 11 anos de idade (posição de três objetos), em relação ao contraste de cores dos cubos. Na motricidade fina, foram necessárias adequações nas provas motoras de 6 e 10 anos de idade (labirinto e círculo com o polegar). Por fim, na organização temporal, foram realizadas adaptações nos estágios 2 e 3 das provas motoras dos 6 aos 11 anos quanto ao contraste de cores e alto relevo das figuras apresentadas às crianças durante os testes.

Algumas adaptações simples foram necessárias, visto que as crianças com baixa visão apresentam dificuldades relacionadas à habilidade de organização espaço temporal (Rosa Neto, 2015Rosa Neto, F. (2015). Manual de Avaliação Motora. Florianópolis: DIOESC.) e a motricidade fina, sendo a habilidade coordenada pela ação visuomotora, limitada na deficiência visual (Haddad, 2006Haddad, M. A. O. (2006). Habilitação e reabilitação visual de escolares com baixa visão: aspectos médico-sociais. Tese de Doutorado, Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.). Assim, as baterias de testes foram adaptadas de forma semelhante a outras modificações realizadas em testes motores aplicados em crianças com baixa visão, dos 7 aos 10 anos de idade, como no estudo de Bakke, Sarinho e Cattuzzo (2017)Bakke, H. A., Sarinho, S. W., & Cattuzzo, M. T. (2017). Adaptation of the MABC-2 Test (Age Band 2) for children with low vision. Research in Developmental Disabilities, 71, 120-129. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ridd.2017.10.003
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com a adaptação da MABC-2. Os materiais modificados incluíram o uso do tato pela criança, contraste de cores, aproximação do avaliador para a demonstração da tarefa, aumento da espessura da linha e do desenho. Isso mostra a facilidade de adaptação desses instrumentos para crianças com baixa visão, além da simplicidade na reprodutibilidade dos testes, o que deve incentivar os pesquisadores a adaptar instrumentos de avaliação motora para essa população, tendo em vista a sua escassez na literatura e sua importância quanto ao diagnóstico preciso de alterações no desenvolvimento motor.

As provas motoras com maior discordância entre os avaliadores relacionaram-se às baterias de testes de motricidade global e esquema corporal. Na motricidade global, foram necessárias adaptações nas idades de 6, 7, 10 e 11 (caminhar em linha reta, pé manco, pé manco com retângulo de madeira e saltar sobre uma cadeira, respectivamente).

No esquema corporal, adaptaram-se as provas na faixa etária de 2 aos 5 anos de idade (imitação dos gestos simples) e de 6 aos 11 anos de idade (teste de rapidez). Na baixa visão, a perda da acuidade visual compromete o campo da visão, diminuindo a capacidade de percepção de objetos, a localização, a distância e a profundidade dos objetos, provocando alterações na orientação espacial (Sánchez, 1994Sánchez, P. A. (1994). Deficiencias visuales y psicomotricidad: teoría y práctica. Madrid: Organización Nacional de Ciegos Españoles.). A função visual pode ser otimizada com modificações simples como a utilização de contraste de cores, o aumento do tamanho dos objetos, a iluminação da tarefa, a diminuição da distância entre a área de trabalho e o objeto manipulado, além do uso dos sentidos remanescentes (tato e audição) (Bakke, Sarinho, & Cattuzzo, 2017Bakke, H. A., Sarinho, S. W., & Cattuzzo, M. T. (2017). Adaptation of the MABC-2 Test (Age Band 2) for children with low vision. Research in Developmental Disabilities, 71, 120-129. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ridd.2017.10.003
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; Houwen et al., 2010Houwen, S., Hartman, E., Jonker, L., & Visscher, C. (2010). Reliability and Validity of the TGMD-2 in primary-school-age children with visual impairments. Adapted Physical Activity Quarterly - APAQ, 27(2), 143-159. DOI: https://doi.org/10.1123/apaq.27.2.143
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; Schmit & Pereira, 2014, 2016). Esses ajustes foram necessários no processo de adaptação da EDM e auxiliaram as crianças na compreensão e na execução das tarefas.

As adaptações realizadas na EDM resultaram em boa confiabilidade interavaliadores e teste reteste, o que pode auxiliar na reprodutibilidade do estudo em pesquisa futuras, visto que a confiabilidade dos resultados possibilita uma avaliação segura com processos de intervenção (Coluci, Alexandre, & Milani, 2015Coluci, M. Z. O., Alexandre, N. M. C., & Milani, D. (2015). Construção de instrumentos de medida na área da saúde. Ciências e Saúde Coletiva, 20(3), 925-936. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232015203.04332013
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). A EDM é um instrumento que avalia todos os aspectos psicomotores na infância (Rosa Neto, 2015Rosa Neto, F. (2015). Manual de Avaliação Motora. Florianópolis: DIOESC.). Sua adaptação para crianças com baixa visão dos 7 aos 10 anos de idade permitirá o uso correto do instrumento para essa população específica, poderá determinar o diagnóstico funcional/motor mais preciso das alterações motoras na baixa visão e auxiliar nas condutas adequadas de intervenção para os profissionais da área, de modo a favorecer a inclusão integral dessas crianças no contexto ambiental e das tarefas em sua rotina diária. A EDM adaptada apresentou boa confiabilidade, portanto é indicada para avaliação das crianças com baixa visão dos 7 aos 10 anos de idade.

5 Conclusão

Considerando a boa confiabilidade metodológica obtida, a EDM foi adaptada para crianças com baixa visão dos 7 aos 10 anos de idade. A EDM é um instrumento que avalia todos os aspectos psicomotores na infância (Rosa Neto, 2015Rosa Neto, F. (2015). Manual de Avaliação Motora. Florianópolis: DIOESC.). Sua adaptação permite o uso correto do instrumento em crianças com baixa visão, de forma a determinar o diagnóstico funcional/motor mais preciso das alterações motoras nessa população, auxiliar condutas adequadas de intervenção para os profissionais da área e favorecer a inclusão integral dessas crianças no contexto ambiental e das tarefas em sua rotina diária.

Pesquisas na área como a adaptação da Movement Assessment Battery for Children-2 (MABC-2) (Bakke, Sarinho, & Cattuzzo, 2017Bakke, H. A., Sarinho, S. W., & Cattuzzo, M. T. (2017). Adaptation of the MABC-2 Test (Age Band 2) for children with low vision. Research in Developmental Disabilities, 71, 120-129. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ridd.2017.10.003
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) do Test of Gross Motor Development (TGMD-2) (Houwen et al., 2010Houwen, S., Hartman, E., Jonker, L., & Visscher, C. (2010). Reliability and Validity of the TGMD-2 in primary-school-age children with visual impairments. Adapted Physical Activity Quarterly - APAQ, 27(2), 143-159. DOI: https://doi.org/10.1123/apaq.27.2.143
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), assim como nos estudos de Schmitt e Pereira (2014Schmitt, B. D., & Pereira, K. (2014). Caracterização das ações motoras de crianças com baixa visão e visão normal durante o brincar: cubos com e sem estímulo luminoso ou alto contraste. Revista Brasileira de Educação Especial, 20(3), 435-448. DOI: https://doi.org/10.1590/S1413-65382014000300009
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, 2016) demonstraram que adaptações relacionadas ao ajuste de cores, ao contraste, à iluminação, ao espaço ou a distância e ao tempo podem facilitar o desempenho da criança com baixa visão na execução de uma tarefa motora, o que consequentemente permitirá que suas habilidades motoras possam ser caracterizadas adequadamente.

Dessa forma, instrumentos de avaliação do desenvolvimento motor auxiliam na detecção de possíveis alterações e colaboram no processo de estimulação motora da criança com deficiência visual. Adaptações no contexto ambiental e da tarefa são essenciais para permitir uma avaliação precisa nessa população.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    09 Ago 2019
  • Revisado
    08 Fev 2020
  • Aceito
    22 Fev 2020
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