Resumos
OBJETIVO: O polimorfismo da enzima conversora de angiotensina (ECA) I/D e da α-actinina 3 (ACTN3) R577X está relacionado a variações na função do musculoesquelético. O objetivo deste trabalho foi avaliar a distribuição destes polimorfismos em uma família com múltiplos membros com escoliose idiopática do adolescente. MÉTODOS: Avaliação de 25 indivíduos de uma família, com múltiplos membros com escoliose idiopática, por meio da coleta de 10 ml de sangue para extração de DNA. A genotipagem do polimorfismo I/D do gene da ECA e R577X do gene da ACTN3 foi realizada utilizando sistema de 2 iniciadores (''primers'') específicos, para classificar os indivíduos em homozigotos ou heterozigotos. RESULTADOS: Em relação ao polimorfismo da ECA encontrou-se 19 indivíduos DD (76%) e 6 ID (24%). A prevalência do alelo D foi de 88% e do alelo I foi de 12%. Quanto ao polimorfismo da ACTN3 observou-se seis indivíduos RR (24%), 11 RX (44%) e 8 XX (32%). A prevalência do alelo R foi 23 (46%) e do alelo X foi 27 (54%). CONCLUSÃO: Observou-se diferença entre a distribuição do polimorfismo da ECA e da ACTN3 na família estudada. Ao avaliar o polimorfismo da ECA notou-se maior prevalência do alelo D em relação ao alelo I. Nível de evidência iii, estudo clinico, transversal.
Escoliose; Polimorfismo genético; Coluna vertebral
OBJECTIVE: The I/D polymorphism of angiotensin-converting enzyme (ACE) and R577X of the α-actinin-3 (ACTN3) is related to changes in skeletal muscle function. The aim of this study was to evaluate the distribution of these polymorphisms in a family with multiple members with adolescent idiopathic scoliosis (AIS). METHODS: Evaluated 25 subjects from a family with multiple members with AIS, by collecting 10mL of blood for DNA isolation. The genotyping of the I/D polymorphism of the ACE gene and the R577X of the ACTN3 gene was performed using two specific primers to classify individuals as homozygous or heterozygous. RESULTS: Regarding the ACE polymorphism it was found that 19 (76%) subjects were DD and 6 (24%) ID. The prevalence of the D allele was 88% and the I allele was 12%. Regarding the ACTN3 polymorphism there were 6 subjects RR (24%), 11 RX (44%) and 8 XX (32%). The prevalence of the R allele was 23 (46%) and the X allele was 27 (54%). CONCLUSION: There was a difference between the distribution of the polymorphism of ACE and ACTN3 in the family studied. When assessing the ACE polymorphism a higher prevalence of the D allele was observed as compared with the I allele. Level of evidence iii, cross-sectional, clinical trial.
Scoliosis; Polymorphism, genetic; Spine
ARTIGO ORIGINAL
Polimorfismo do gene da eca e da α -actinina 3 na escoliose idiopática do adolescente
Marcelo WajchenbergI; Rafael de Paiva LucianoI; Ronaldo Carvalho AraújoII; Délio Eulálio MartinsI; Eduardo Barros PuertasI; Sandro Soares AlmeidaII
IDepartamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal de São Paulo UNIFESP/EPM, São Paulo, SP, Brasil
IIDepartamento de Biofísica da Universidade Federal de São Paulo UNIFESP/EPM, São Paulo, SP, Brasil
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rua Borges Lagoa 783, 5º andar, Vila Clementino São Paulo , SP, Brasil. 04038-002. marcelow@einstein.br
RESUMO
OBJETIVO: O polimorfismo da enzima conversora de angiotensina (ECA) I/D e da α-actinina 3 (ACTN3) R577X está relacionado a variações na função do musculoesquelético. O objetivo deste trabalho foi avaliar a distribuição destes polimorfismos em uma família com múltiplos membros com escoliose idiopática do adolescente.
MÉTODOS: Avaliação de 25 indivíduos de uma família, com múltiplos membros com escoliose idiopática, por meio da coleta de 10 ml de sangue para extração de DNA. A genotipagem do polimorfismo I/D do gene da ECA e R577X do gene da ACTN3 foi realizada utilizando sistema de 2 iniciadores (''primers'') específicos, para classificar os indivíduos em homozigotos ou heterozigotos.
RESULTADOS: Em relação ao polimorfismo da ECA encontrou-se 19 indivíduos DD (76%) e 6 ID (24%). A prevalência do alelo D foi de 88% e do alelo I foi de 12%. Quanto ao polimorfismo da ACTN3 observou-se seis indivíduos RR (24%), 11 RX (44%) e 8 XX (32%). A prevalência do alelo R foi 23 (46%) e do alelo X foi 27 (54%).
CONCLUSÃO: Observou-se diferença entre a distribuição do polimorfismo da ECA e da ACTN3 na família estudada. Ao avaliar o polimorfismo da ECA notou-se maior prevalência do alelo D em relação ao alelo I. Nível de evidência iii, estudo clinico, transversal.
Descritores: Escoliose. Polimorfismo genético. Coluna vertebral.
INTRODUÇÃO
A escoliose idiopática é uma das mais frequentes doenças da coluna vertebral, havendo relatos de sua incidência na população mundial de 0,5% a 10%.1 É definida como desvio lateral na coluna vertebral, associado à rotação, sem que haja causa conhecida, em indivíduos que não apresentam distúrbios neurológicos, musculares ou outras doenças.2 O estudo radiográfico não demonstra alterações vertebrais e apresenta curvas com mais de 10 graus, mensuradas pelo método de Cobb.3 A deformidade progride durante a fase de crescimento, podendo ser classificada em três categorias, de acordo com a idade em que a deformidade é notada: infantil antes dos três anos, juvenil entre três e dez anos (ou início da puberdade) e do adolescente quando aparece após os dez anos ou após a puberdade.4,5
A prevalência da escoliose idiopática em estudos radiográficos, com populações escolares variou entre 0,3% a 15,3%, porém quando se consideraram apenas curvas maiores do que dez graus, as taxas caíram para valores entre 1,5% e 3%. Em curvas maiores do que 20 graus Cobb, a prevalência está entre 0,3% e 0,5% e em curvas maiores do que 30 graus a taxa é de 0,2% a 0,3%.5
A etiologia da escoliose idiopática permanece desconhecida. Atualmente diversos fatores são sugeridos como causais, entre eles, podemos citar o desvio do padrão do crescimento, as alterações neuromusculares ou do tecido conjuntivo, o crescimento assimétrico dos membros e tronco, alterações da configuração sagital da coluna vertebral e fatores ligados ao meio ambiente.5-7
Fatores hereditários também são determinantes na etiologia dessa doença, mas o padrão de herança ainda não é conhecido. Já foram sugeridas heranças multifatorial, ligadas ao cromossomo X e autossômicas dominantes.2,5,6,8,9 Vários autores, por meio de estudos familiares, sugeriram possíveis regiões cromossômicas relacionadas à etiologia da escoliose idiopática.2,6,8-11 Em 2010 Wajchenberg et al.12 não encontraram, em estudo de ligação genética, de família com múltiplos membros afetados, determinada região cromossômica relacionada a EIA.
Atualmente estudos de polimorfismos genéticos são realizados em pacientes com EIA na tentativa de correlacionar alterações em determinadas proteínas que possam estar relacionadas com a doença. Os polimorfismos relatados foram relacionados aos genes MATN1 na região 1p35 e CHD7 na região 8q12.1 e IL-6.13,14
Sabe-se que no mapa genético humano existem pelo menos 170 sequências variantes de genes e de marcadores genéticos que estão relacionados aos fenótipos de desempenho físico e de boa condição física relacionada à saúde. Entre estes genes encontra-se o gene da enzima conversora de angiotensina (ECA), que está localizado no cromossomo 17q23, composto de 26 éxons e 25 introns. Uma variante genética comum no gene da ECA foi descrito como ausência ou deleção (alelo D) e presença ou inserção (alelo I) de 287 pares de base no íntron 16.15 Estudos de associação genética têm associado esse polimorfismo à saúde, esportes e também com a gênese e manutenção de diversas doenças. Estudos recentes mostram que o alelo I é mais frequente em atletas de resistência, enquanto que o alelo D em atletas de força e explosão muscular. Trabalhos de nosso grupo vêm mostrando que o genótipo DD apresenta maior atividade da ECA plasmática quando comparado aos genótipos II e ID.16
Outro polimorfismo relacionado ao desempenho físico, por meio da composição básica das fibras musculares, está relacionado com a proteína α-actinina. Ela é uma componente da linha Z sarcomérica, pertencente à família das proteínas ligantes da actina, importante no ancoramento dos miofilamentos de actina e manutenção do arranjo miofibrilar. Quatro genes para a α-actinina foram descritos em humanos (ACTN1, 2, 3 e 4), sendo as isoformas 2 e 3 constituintes do citoesqueleto muscular.17
Sabe-se que a isoforma ACTN3 é específica das fibras de contração rápida (tipo II) responsáveis pela geração de força contrátil em alta velocidade. Foi identificada no gene ACTN3 a troca de nucleotídeo C ï -> T na posição 1.747 do éxon 16, isto é, uma mutação resultante na conversão do aminoácido arginina (R) num stopcodon prematuro (X) no resíduo 577 (R577X). A falta da proteína em indivíduos XX, curiosamente não apresenta um fenótipo patológico como distrofia muscular ou miopatias. Porém foi observado redução em todos os músculos que normalmente expressam ACTN3 em animais nocautes para o gene da ACTN3, e também em humanos.17
Neste trabalho, nós examinamos a possível associação entre os polimorfismos do gene da ECA e da ACTN 3 em uma família de indivíduos com múltiplos membros com EIA.
MÉTODOS
Estudo transversal, da análise do polimorfismo da ECA e da ACTN 3 em indivíduos de uma família com múltiplos membros com escoliose idiopática relacionados a uma paciente (probanda) operada pelo Grupo de Coluna Vertebral do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal de São Paulo. (Figura 1) Tal paciente tem escoliose idiopática do adolescente com curva torácica direita de 75 graus, mensurada pelo método de Cobb, antes da cirurgia. Devido ao grande número de membros, a família foi dividida em materna (Figura 2) e paterna. (Figura 3)
Nesta amostra foram incluídos 25 indivíduos, sendo 16 do sexo feminino e 9 masculino. Esta família foi avaliada clinicamente e por meio de radiografia de frente da coluna vertebral. Em seguida coletou-se 10 ml de sangue para extração de DNA, após autorização, por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).16 O DNA total dos leucócitos foi extraído utilizando-se o ChargeSwitch® gDNABlood Kits (Invitrogen™) empregado para purificação de DNA genômico de pequenos volumes de sangue humano, seguindo os passos indicados pelo fabricante.
A genotipagem do polimorfismo de I/D do gene da ECA foi conduzida utilizando um sistema de 2 iniciadores (''primers'') específicos (Primer ECAS 5'-CTGGAGACCACTCCCATCCTTTCT-3'), (Primer ECAAS 5'-GATGTGGCCATCACATTCGTCAGAT- 3') que franqueiam a sequência onde ocorre o polimorfismo no gene, na finalidade de amplificá-los e classificar os indivíduos em homozigotos II ou DD ou em heterozigoto ID.
Os reagentes que foram utilizados na primeira PCR para identificação dos genótipos foram: 10 µL do DNA extraído, 5 µL de Tampão de PCR (10x), 2,5 µL de MgCl2 (50 mM), 1,0 µL de dNTPs (10 mM), 0,5 µL de primer ECAS, 0,5 µL de primer ECAAS, 0,5 µL de Taq DNA polimerase (5 U/µL), 5 µL de H2O milli-Qautoclavada, para um final de 25 µL.
Reagentes que foram utilizados na segunda PCR para confirmação do genótipo dos voluntários DD, com a utilização do primer interno (Primer interno ECA 5'-GTCTCGATCTCCTGACCTCGTG-3'), (Primer ECAAS 5'-GATGTGGCCATCACATTCGTCAGAT- 3'): 10 µL do DNA extraído, 5 µL de Tampão de PCR (10x), 2,5 µL de MgCl2 (50 mM), 1,0 µL de dNTPs (10 mM), 0,5 µL de primer ECASint, 0,5 µL de primer ECAAS, 0,5 µL de Taq DNA polimerase (5 U/µL), 5 µL de H2O milli-Q autoclavada, para um final de 25 µL.
Para a PCR utilizou-se a seguinte condição: Início a 95ºC por 5 minutos, seguindo 95ºC por 45 segundos, 60ºC por 45 segundos, 72ºC por 45 segundos, retornando a 95ºC por 45 segundos 35 vezes, 72ºC por 7 minutos e terminando com 4ºC por tempo indeterminado.
A genotipagem dos alelos do polimorfismo R577X do gene da ACTN3 foi realizada com sistema de dois iniciadores (''primers'') específicos (Primer Actn3f - 5'-CAG CTG GAGGA TGG CCT GG- 3'), (Primer Actn3r - 5'-GTC CAG GTA TTT CTC TGC CAC C- 3') que franquearam a sequência onde ocorre o polimorfismo no gene, na finalidade de amplificá-los e classificar os indivíduos em RR, RX e XX.
Os reagentes que foram utilizados na PCR para identificação dos genótipos depois de extraídos 10 µL do DNA foram: 2,5 µL de Tampão de PCR (10x), 1,25 µL de MgCl2 (50 mM), 1,0 µL de dNTPs (10 mM), 0,5 µL de primer Actn3f , 0,5 µL de primer Actn3r, 0,5 µL de Taq DNA polimerase (5 U/µL), 5µL de H2O milli-Q autoclavada, 25 µL total.
Para a PCR utilizou-se a seguinte condição: Início a 95ºC por 7 minutos, seguindo 95ºC por 45 segundos, 60ºC por 45 segundos, 72ºC por 45 segundos, retornando a 95ºC por 45 segundos 35 vezes, 72ºC por 10 minutos e terminando com 4ºC por tempo indeterminado.O fragmento amplificado nas reações foram analisados por eletroforese em gel de agarose 4% contendo SYBR® Safe DNA gel stain (Invitrogen) (0,2µg/mL). Após a verificação da integridade do DNA e da amplificação do gene na PCR, foram promovidas as digestões pela enzima de restrição DdeI, e foi incubada a 37ºC por 2 horas, sendo utilizado 8µL de DNA (≈6µg) da amostra, 1µL de tampão REACT 3 (10X), 1 µL de DdeI (10 U/µL) para um volume final de 10µL. Novamente, o resultado foi analisado por eletroforese, sendo desta vez visualizado em gel de agarose 3% contendo SYBR® Safe DNA gel stain (Invitrogen) (0,2µg/mL).
RESULTADOS
Entre os 25 membros da família 22 tinham algum grau de escoliose e nove tinham curvas com 15 ou mais graus de deformidade. Foram considerados afetados (A) pela doença os indivíduos com curvas maiores do que 15 graus, mensuradas pelo método de Cobb. Os membros com curva entre 5 e 14 graus foram considerados suspeitos (S) e normais (N) quando tinha curva até 4 graus, ou ausência de rotação.
Em relação ao polimorfismo da ECA encontrou-se 19 indivíduos DD (76%) e 6 ID (24%). A prevalência do alelo D foi de 88% e do alelo I 12%. Quanto ao polimorfismo da ACTN3 observou-se 6 indivíduos RR (24%), 11 RX (44%) e 8 XX (32%). A prevalência do alelo R foi 23 (46%) e do alelo X foi 27 (54%).
As características de cada membro da família e sua localização dentro da família estão descritos na Tabela 1.
DISCUSSÃO
A etiologia da escoliose idiopática do adolescente permanece desconhecida. Atualmente diferentes fatores têm sido sugeridos, como o desvio do padrão do crescimento, as alterações neuromusculares ou do tecido conjuntivo, o crescimento assimétrico dos membros e tronco, alterações da configuração sagital da coluna vertebral e fatores ligados ao meio ambiente.4,6,7
Em 1997 Meier et al.18, analisaram a reação muscular em pacientes que utilizaram colete para o tratamento da escoliose idiopática do adolescente, por meio de biópsias musculares.Estes autores citaram que a distorção da coluna vertebral seria causada por desequilíbrio da musculatura paravertebral e relataram que a convexidade da curva, na região dorsal, a distribuição das fibras musculares segue o padrão de normalidade, com predominância de fibras do tipo I. Na concavidade notou-se a diminuição das fibras tipo I, com substituição por fibras do tipo IIC. Também foi referido que os pacientes que tinham curvas mais acentuadas tinham menos fibras musculares do tipo I, tanto na convexidade como na concavidade em relação aos pacientes com curvas menos severas. Concluiu-se neste trabalho que a utilização do colete tornou a alteração muscular notada no ápice da deformidade, distribuída pela região da escoliose, sugerindo que as alterações musculares encontradas na escoliose seriam secundárias.
O padrão de herança para a transmissão da escoliose idiopática do adolescente ainda não é totalmente conhecido. Já foram sugeridas heranças multifatorial, ligadas ao cromossomo X e autossômicas dominantes.1,2,4,7,9 A partir de 2000 estudos de ligação genética, em famílias com múltiplos membros afetados, sugeriram possíveis regiões cromossômicas relacionadas à etiologia da escoliose idiopática do adolescente. Utilizando esta técnica, Wise et al.8 em 2000, descreveram as primeiras regiões relacionadas a escoliose idiopática do adolescente, nos cromossomos 6p, 10q e 18q, ao estudar uma extensa família com sete membros afetados por esta doença
Alguns autores encontraram regiões ligadas a escoliose idiopática do adolescente ao cromossomo 17.2,9,11 Salehi et al.9 investigaram três gerações de uma família de origem italiana com 11 membros afetados, que apresentavam curvas entre 10 e 20 graus e padrão de herança autossômica dominante com penetrância completa. Esse trabalho mapeou uma região de aproximadamente 20 cM no cromossomo 17p11 ligada à escoliose idiopática. Outro estudo realizado por Clough et al.,11 em 2010 confirmou, por meio do estudo de ligação, a relação da região descrita por Salehi et al.,9 com escoliose idiopática familiar, ao estudar 17 famílias que tinham um membro (probando) afetado, do sexo masculino, que necessitou tratamento cirúrgico para correção da deformidade . Ocaka et al. encontraram regiões cromossômicas nos cromossomos 9q34 e 17q25.2 Wajchenberg et al.12 não encontraram ligação ao estudar uma família do interior da Paraíba, com nove membros afetados.
A maior dúvida ao realizar estudos de ligação genética, para a escoliose idiopática do adolescente, ocorre ao indicar quais pacientes são afetados, pois a mensuração da curva, pelo método de Cobb, descrita em 1948 é dependente do examinador e pequenas variações na medida podem interferir na classificação do indivíduo como afetado ou normal. Desta forma indivíduos com uma diferença de apenas dois graus (um com nove e outro com 11 graus) são classificados de forma diferente.3
Outra alternativa para estudos genéticos é a utilização de marcadores moleculares, previamente escolhidos e com posicionamento conhecido no genoma humano, como os SNPs. Autores como Chen et al.13 e Aulisa et al.14 realizaram estudos de polimorfismos genéticos para tentar relacionar a escoliose idiopática do adolescente com alterações em determinados genes.
Neste trabalho procurou-se relacionar os polimorfismos da ECA e da ACTN3 com a EIA. O gene ECA está localizado no cromossomo 17q23, próximo a região 17q25, descrita por Ocaka et al.,2 em 2008 e o polimorfismo de I/D do gene da ECA permanece sendo um dos marcadores genético mais estudados. Estudos recentes mostram que o alelo I é mais frequente em atletas de resistência, enquanto que o alelo D em atletas de força e explosão muscular. Desta forma, a variabilidade deste polimorfismo pode afetar o desempenho de determinados grupos musculares que agem na sustentação da coluna vertebral.16
A musculatura paravertebral tem função de sustentação e movimentação do tronco, sofrendo alterações significativas em pacientes com EIA, que tem deformidade do tronco nos três planos e significativa rotação. Os músculos multifídios são rotadores da coluna vertebral e assim como o músculo longuíssimo da coluna tem como padrão histoquímico, em indivíduos normais (20 a 30 anos), predomínio de fibras do tipo I (57-62%).As fibras do tipo II-A apareceram de 20 a 22% e as do tipo IIB estão presentes na proporção de 18 a 22%.19 Esses músculos, assim como o músculo sóleo, tibial anterior, adutor do polegar, diafragma e musculatura extraocular, necessitam de maior demanda de energia do que os outros, com metabolismo fundamentalmente aeróbico, relacionado a fibras do tipo I.
A redução da atividade da ECA, associado ao alelo I, tem sido relacionada com melhor eficiência muscular e consequentemente maior capacidade de resistência muscular em indivíduos saudáveis. Zhang et al. em 2003 associa a eficiência muscular com a presença superior de fibra tipo I, por influência do alelo I, enquanto o genótipo DD estaria relacionado a presença de fibras do tipo II, proporcionado força máxima nos músculos que tenham a predominância deste tipo de fibra, como o quadríceps. Além disso, a ECA é responsável pela gênese do peptídeo vasoconstritor, a angiotensina II e pela degradação da bradicinina. Desta forma concentrações elevadas de ECA (relacionadas ao alelo "D") estariam vinculadas a reduzidos níveis de bradicinina, proporcionado menor captação de glicose e diminuição do fluxo sanguíneo muscular e consequentemente prejudicando grupos musculares que tenham predominância de fibras musculares do tipo I, como os músculos multifídios e eretores da coluna vertebral.20
Na família estudada notou-se a predominância do alelo D (88%). Tal fato pode afetar de forma negativa a musculatura paravertebral, principalmente os multifídios, que, conforme relatado anteriormente tem maior quantidade de fibras musculares do tipo I, com características aeróbicas, e função antigravitacional de resistência.
A distribuição destas variações na população é de 25% II, 50% ID e 25% DD.Na referida família não se encontrou membros do genótipo II, havendo predominância de homozigotos para o alelo D (76%). Este resultado poderia ser explicado pelo fato de estudarmos apenas uma família, onde a variabilidade genética é menor, assim decidiu-se estudar o polimorfismo de outra proteína para avaliar a sua distribuição nesta família, além disso, poderíamos também observar à prevalência de outro polimorfismo que poderia influenciar o desempenho muscular oposto a musculatura paravertebral, ou seja, com predomínio de fibras do tipo II (metabolismo anaeróbico).
Estudou-se então o polimorfismo da ACTN3, sabendo de sua influência sobre as fibras musculares do tipo II. Os indivíduos homozigotos para o alelo 577X (XX) não expressam a α-actinina 3, no entanto a deficiência desta proteína não resulta num fenótipo patológico como distrofia muscular ou miopatias, sugerindo que a isoforma ACTN2 (81% de homologia na sequência de aminoácidos) poderia compensar a ausência da α-actinina 3.17 Sabe-se, no entanto, que indivíduos que expressam o gene ACTN3 (genótipos RR ou RX) podem apresentar vantagem em atividades que exigem explosão e força muscular quando comparados com indivíduos com genótipo XX.
Na referida família, diferentemente do polimorfismo da ECA, encontrou-se maior equilíbrio na distribuição entre os homozigotos RR (24%), XX (32%) e os heterozigotos RX (44%), assim como os alelos R (46%) e X (54%), com distribuição similar a população controle.
Estas observações podem ser um indício de que haja relação entre o polimorfismo da ECA e a EIA, devido à prevalência do genótipo DD e do alelo D, conforme os dados encontrados.
CONCLUSÃO
Neste estudo foi observada uma diferença entre a distribuição do polimorfismo da ECA em relação a ACTN3 em uma família com múltiplos membros com diagnóstico de escoliose idiopática do adolescente. Ao avaliar o polimorfismo da ECA não encontrou-se indivíduos homozigotos para o genótipo II entre os membros o que levou a uma maior prevalência do alelo D em relação ao alelo I.
Artigo recebido em 27/08/2012
Aprovado em 04/12/2012
Todos os autores declaram não haver nenhum potencial conflito de interesses referente a este artigo.
Trabalho realizado no Grupo de Coluna Vertebral do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
31 Jul 2013 -
Data do Fascículo
Jun 2013
Histórico
-
Recebido
27 Ago 2012 -
Aceito
04 Dez 2012