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Um artigo indispensável

An essential paper

DEBATEDORES

Um artigo indispensável

An essential paper

Marcos Zaleski

Núcleo de Psiquiatria da Universidade Federal de Santa Catarina. mzaleski@terra.com.br

O artigo escrito pelo Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira, "Legalização de drogas e a saúde pública", é sem dúvida bastante atual e importante. Em seu trabalho, encontramos, através de uma visão ampla sobre a questão da legalização de drogas psicoativas, uma série argumentos com base em evidências científicas, evitando a defesa de aspectos relacionados a questões ideológicas ou políticas.

Na primeira parte, ao abordar a racionalidade da legalização de uma droga, o autor relata que o conceito de liberdade individual pode ser visto de uma forma diferente daquela defendida por alguns segmentos favoráveis à legalização de drogas. O exemplo apresentado no texto, sobre o governo sueco, chega a nos surpreender, quando afirma que, naquele país, "a propaganda de cigarros e álcool seria uma afronta à liberdade individual".

De uma forma bastante clara, o autor expõe os três principais modelos existentes e reforça a importância do conceito de redução do custo social das drogas em geral. Este conceito é fundamental para a tomada de decisões quanto à implantação de políticas públicas eficazes de prevenção ao uso de drogas, levando-se em consideração estratégias diferentes para diferentes drogas e evitando aquelas que visem apenas à redução do consumo de uma ou outra substância específica (como no caso dos debates da década passada sobre o uso de drogas injetáveis x contaminação pelo vírus HIV). A afirmativa de que "O desafio do debate das drogas no Brasil não é se devemos afrouxar as leis da maconha, mas apresentar dados e informações e produzir uma política passível de ser avaliada constantemente" resume bem as idéias apresentadas na parte inicial do artigo.

Os argumentos apresentados pelo autor contra a legalização das drogas seguem a linha de raciocínio baseada em evidências científicas: legalização leva ao aumento do consumo de drogas, drogas psicoativas ativam circuitos de recompensa cerebral que não são passíveis de controle racional e leis existentes para o controle da venda de drogas lícitas aos adolescentes (como o cigarro e o álcool) não funcionam. Todos estes são dados científicos irrefutáveis, extensamente descritos tanto em artigos nacionais quanto internacionais. Outros pontos levantados também são de muito interesse, tais como a que tipo de público as drogas supostamente legalizadas estariam destinadas e a questão das eventuais restrições ou não das doses a serem disponibilizadas para comercialização a um determinado indivíduo.

Relatos de experiências como a realizada na Holanda sobre políticas de tolerância ao consumo de maconha desde a década de setenta, com o aumento de 100% do público usuário cerca de vinte anos depois, além de dados sobre os poucos ganhos com a descriminalização ou despenalização - como alternativa "mais simples" à legalização - levam à conclusão de que tais medidas trariam com resultado final um aumento dos custos sociais do uso de drogas na população.

Críticas à atual política nacional de prevenção ao uso de drogas, que excluem estratégias relacionadas ao consumo de bebidas alcoólicas e cigarros, seguidas da descrição dos vários tipos de ideologias sobre as drogas - "conservadores radicais", "libertários do mercado livre", "construcionistas radicais" e "legisladores progressivos" - novamente nos dão uma clareza de que a questão das drogas em nosso país precisa ter um novo foco, muito além das atuais questões morais ou legais sobre a conveniência ou não de seu consumo. Essas críticas são aplicadas também à política de redução de danos que, conforme o texto, defendem abertamente tolerância com os usuários de drogas o que se transforma numa descriminalização de fato do uso de substâncias. Busca-se a aderência ao tratamento com todas as alternativas possíveis. Tais medidas não contemplam a sociedade como um todo, o que é de forma muito feliz ressaltada pelo autor: suponhamos que haja uma diminuição de danos de um grande numero de usuários. No entanto, se isso acarretar um excesso de facilitação ao uso de drogas na população em geral, o número de usuários poderá aumentar, tornando um dano maior à sociedade.

Finalmente, o trabalho não se restringe a apontar as dificuldades sobre a implantação de políticas públicas que levem a uma redução do custo social das drogas na população, a discussões sobre a legalização de substâncias psicoativas ou a políticas públicas de redução de danos. Em consonância com a proposta inicial da implantação de práticas de prevenção com base em evidências científicas, apresenta um modelo que vem sendo adotado pela Suécia, do tipo restritivo, no qual o consumo de drogas não é tolerado. Com fundamentação em aspectos como o "contágio" - no qual um usuário tem forte influência sobre um novo usuário - e o de "porta de entrada" - no qual o consumo de maconha é considerado no mínimo um fator de risco para a experimentação de outras drogas, o Dr. Laranjeira discorre sobre um modelo centrado na prevenção da experimentação de maconha como forma eficaz de reduzir o consumo global de drogas, um modelo oposto a debates recentes em nosso país (que vem incluindo depoimentos públicos de autoridades favoráveis a idéias de descriminalização, além de organização de "marchas da maconha" em várias cidades brasileiras). O que chama a atenção é o apoio que tal política tem por parte da população, na afirmativa do autor de que "existe uma grande pressão por parte da opinião pública em reivindicar maiores controles sociais e legais em relação às drogas".

Apresentando esse modelo, em que o objetivo principal não é o traficante - embora ele obviamente continue a ser penalizado - mas sim o usuário, o autor propõe uma nova discussão sobre essa questão no Brasil, fazendo com que a leitura desse artigo seja indispensável em futuros debates na implementação de políticas públicas visando à redução do custo social das drogas em nosso país.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Maio 2010
  • Data do Fascículo
    Maio 2010
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