Trazer a interprofissionalidade em saúde como tema gerador de discussões e peça basilar na constituição de vivências que tratam da integração de saberes entre docentes, discentes e profissionais de saúde é a questão central que pode ser contemplada a partir da leitura de Educação e Saúde na Perspectiva Interprofissional: Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde – Redes de Atenção à Saúde – PET-RAS organizado por Gisetti Corina Gomes Brandão, Taciana da Costa Farias Almeida e Vitória Regina Quirino de Araújo, publicado em 2016 pela editora Ideia, com um total de 174 páginas.
Abordar a temática da interprofissionalidade em saúde é um passeio por construções que emergem de uma interação entre educação e processo de trabalho. Trazendo essa nuance para o universo acadêmico, Almeida1 vem contextualizar que, mesmo sendo um tema abordado na academia, a interprofissionalidade é pouco vivenciada nos cenários de ensino e em instituições de saúde.
Passeando pelas páginas da obra, fica perceptível que construções foram tomadas sob a ótica das profissões de enfermagem, fisioterapia, medicina e psicologia distribuídas entre 47 autores que desenvolvem uma coletânea de VI capítulos os quais se distribuem a partir de, poder-se-ia dizer, 16 histórias que colocam em foco a dimensão Interprofissional da assistência em saúde através de atividades fundamentadas por docentes e discentes da Universidade Federal de Campina Grande e Universidade Estadual da Paraíba em parceria com a gestão e profissionais da Secretaria Municipal de Saúde de Campina Grande-PB.
O capítulo I – Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde – Redes de Atenção à saúde no município de Campina Grande-PB - já traz um desenrolar que demonstra a dinâmica de atuação do PET-SAÚDE Redes de Atenção à Saúde desde a construção de sua proposta até a operacionalização das atividades a partir de duas linhas de atuação: Rede de atenção às urgências e emergências - SOS-Emergência e Rede de atenção às pessoas com doenças crônicas – Priorizando Câncer de mama e colo do útero. É através de um experienciar o PET-SAÚDE que as autoras aprofundam uma reflexão sobre as dinâmicas profissionais dentro do Sistema Único de Saúde.
Fica notória a importância do planejamento como instrumento constitutivo da estrutura do trabalho em saúde, quando se observa no capítulo II – A importância da interprofissionalização na graduação – à vinculação da interprofissionalização à formação em saúde no nível de graduação por meio da oportunidade em serem conhecidos diversos campos do saber e o entendimento do trabalho em equipe interprofissional como ferramenta imprescindível para o aprimoramento e qualificação de práticas em saúde.
É dessa forma que se pode fazer um diálogo com as reflexões trazidas por Dias et al.2 quando colocam que existe uma necessidade da formação em Saúde favorecer a compreensão das buscas de superação de vieses presentes nas formações profissionais que são demonstradas apenas na compreensão de sua própria trajetória, isto é, uniprofissional. Desta maneira, percebe-se que existe a precisão de um intercâmbio de saberes também como forma de democratização da própria formação em saúde, como também de humanização do ensino.
Assim, depara-se, no capítulo III – Processo de trabalho em saúde na perspectiva da interprofissionalidade, com problematizações que tangem a ótica do processo de trabalho em saúde sob um olhar Interprofissional. É fato que o tema se apresenta de maneira bastante complexa, uma vez que permeia significados que passeiam por dimensões, entre outras, políticas, pedagógicas, organizacionais e, sobretudo, de poder. Nuances são colocadas sobre a necessidade da interprofissionalidade se fazer presente como forma de aperfeiçoamento das práticas em saúde e demonstra a Educação Permanente em Saúde como aliada na qualificação das relações interprofissionais, pautadas na realidade dos serviços e estruturadas através da problematização do próprio processo de trabalho.
Conseguinte, é proporcionado um encontro com a temática do acolhimento da relação Interprofissional no capítulo IV – Acolhimento e relação interprofissional. Fica objetivada a significação plural que o termo apresenta por meio de uma composição estética, filosófica e operacional que é compreendida, no decorrer de sua leitura, como atributo imprescindível, sendo imperativa a necessidade de sua presença na formação, uma vez que a aproximação com a lógica do acolhimento pode proporcionar o rompimento de barreiras que inviabilizam a atenção integral à saúde.
Nessa aparência, pode-se entrar pela interprofissionalidade qualificada pela característica do diálogo. Este, através da concepção de Paulo Freire, “fenomeniza e historiciza a essencial intersubjetividade humana; ele é relacional e, nele, ninguém tem iniciativa absoluta”3, aparecendo como ferramenta que pode subsidiar e fomentar as relações interprofissionais pela lógica da horizontalidade a partir de um, como apresentado na obra aqui contada, tecer a muitas mãos.
É nessa tessitura que se chega ao capítulo V, talvez o mais especial desta construção, já que traz as Vivências interprofissionais nas Redes de Atenção à Saúde, delineando 11 histórias que se colocam como peças que completam um grande quebra-cabeças a partir de narrativas que se consolidam através da contação das seguintes temáticas: acolhimento na atenção primária; educação e saúde em uma Unidade de Saúde da Família; histórico de ações em grupo sobre os cânceres de colo do útero e de mama; educação e saúde para a prevenção dos cânceres de colo do útero e de mama; o PET-RAS como instrumento potencializador da promoção da saúde; vivências com o e-SUS; Educação em grupos HIPERDIA; Educação e saúde para visitantes de Unidades de Terapia Intensiva; reflexões sobre a Rede de Atenção às Urgências na atenção primária; atuação do PET-RAS em atividades educativas; e participação de acadêmicos no Serviço de Atendimento Móvel às Urgências.
Dando seguimento à obra, aparecem as considerações de seus participantes – Capítulo VI – Desvelando a experiência: tutoras, preceptoras e discentes – na tentativa, bem-sucedida, de destrinchar o leque de saberes que foi demonstrado em todo o texto, desde os fluxos de trabalho e os desafios que surgiram até os frutos que apareceram, muitas vezes produto das parcerias que foram edificadas no decorrer das trajetórias caminhadas pela equipe.
É notório que a leitura da obra traz questões fundamentais para o entendimento do processo de trabalho em saúde e como a produção de laços interprofissionais pode desencadear uma riqueza de significados os quais são sistematizados pela participação e representados pela figura do conjunto, do trabalho vivo e das relações dinâmicas que se estabelecem quando saberes diferentes se encontram, mediados por um novo saber o qual aparece como alternativa capaz de romper territórios do aprendizado restrito e estabelecer relações de reciprocidade.
Nesta perspectiva, a obra trazida nesta análise faz mais do que pretende. Abarca um convite feito ao leitor para problematizar tanto o mundo acadêmico quanto o mundo do trabalho, muitas vezes enxergados em lados opostos, mesmo estabelecendo uma analogia de interdependência.
Referências
- 1 Almeida TCF. A importância da Interprofissionalidade na Graduação. In: Brandão GCG, Almeida TCF, Araújo VRQ, organizadoras. Educação e Saúde na Perspectiva Interprofissional: Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde – Redes de Atenção à Saúde – PET-RAS João Pessoa: Ideia; 2016. p. 37-42.
- 2 Dias IMAV, Batista SHSS, Uchôa-Figueiredo LR, Batista NA. Educação interprofissional e formação em saúde: pontes e diálogos. In: Uchôa-Figueiredo LR, Rodrigues TF, Dias IMAV, organizadores. Percursos interprofissionais: Formação em serviços no Programa Residência Multiprofissional em Atenção à Saúde. Porto Alegre: Rede Unida; 2016. p. 107-124.
- 3 Freire P. Pedagogia do Oprimido 60ª ed. São Paulo: Paz e Terra; 2016.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jul 2018