Acessibilidade / Reportar erro

Cuidadores formais de idosos dependentes no domicílio: desafios vivenciados

Resumo

O objetivo deste artigo é analisar as características e os desafios vivenciados pelos cuidadores formais de idosos dependentes no domicílio. Estudo qualitativo multicêntrico, realizado em 6 cidades brasileiras, com cuidadores formais de idosos dependentes. As entrevistas foram realizadas mediante utilização de um roteiro semiestruturado, no domicílio, nos meses de maio a agosto de 2019, com duração média de 60 minutos. Participaram 27 cuidadores formais com idade média de 46 anos, predominantemente do sexo feminino, com tempo médio de cuidado ao idoso de 2 anos e 6 meses, sem formação profissional de cuidador. A análise e a interpretação das falas conduziram à formulação de três categorias temáticas: Condições de trabalho e de saúde do cuidador formal; Perfil e modos de cuidar; e Desafios para cuidar. É necessário conhecer as características e as demandas dos cuidadores formais de idosos dependentes domiciliados para que políticas públicas e intervenções eficazes possam ser desenvolvidas, levando-se em consideração as necessidades apresentadas por esses profissionais.

Palavras-chave:
Cuidador formal; Idoso dependente; Saúde do idoso; Domicílio; Pesquisa qualitativa

Abstract

Objective:

To analyze the characteristics and challenges experienced by formal caregivers of dependent elderly at home.

Methods:

Multicenter qualitative study, conducted in six Brazilian cities, with formal caregivers of dependent elderly people. The interviews were conducted using a semi-structured guide, at their homes, from May to August 2019, lasting an average of 60 minutes.

Results:

Participants were 27 formal caregivers with a mean age of 46 years, predominantly female, with mean care time for the elderly of two years and six months, without professional training of caregivers. The analysis and interpretation of the statements led to the formulation of three thematic categories: Working and health conditions of the formal caregiver; Profile and ways of caring; and Care challenges.

Final thoughts:

There is need to know the characteristics and demands of formal caregivers of dependent elderly people domiciled for the development of public policies and effective interventions, taking into account the needs presented by these professionals.

Key words:
Formal caregiver; Dependent elderly; Elderly health; Residence; Qualitative research

Introdução

Nas últimas décadas, observou-se acelerado processo de envelhecimento populacional na maioria dos países do mundo, determinado pelo aumento da expectativa de vida e pela redução da taxa de natalidade. O crescimento do número de idosos em idade avançada, por conseguinte, maximizou a proporção de idosos com doenças crônicas, limitações físicas e cognitivas11 Camarano AA. Estatuto do Idoso: avanços com contradições. Rio de Janeiro: IPEA; 2013.. Segundo dados nacionais, a população brasileira superou a marca de 30,2 milhões de pessoas idosas, apresentando crescimento de 18% nos últimos cinco anos, com 4,8 milhões de novos idosos22 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Características gerais dos moradores 2012-2016. Rio de Janeiro: IBGE; 2017..

O aumento da expectativa de vida se reflete nas condições de saúde, morbidade e limitações funcionais, elevando a incidência de enfermidades e incapacidades, com possíveis alterações na dependência física, cognitiva e emocional, o que gera a necessidade de cuidados permanentes33 Cruz RR, Beltrame V, Dallacosta FM. Envelhecimento e vulnerabilidade: análise de 1.062 idosos. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2017; 22(3):e180212.. Neste caso, os idosos dependentes necessitam da presença de outra pessoa que os auxilie na execução de atividades cotidianas, quando não conseguem tomar decisões e gerir a própria vida44 Klompstra L, Ekdahl AW, Krevers B, Milberg A, Eckerblad J. Factors related to health-related quality of life in older people with multimorbidity and high health care consumption over a two-year period. BMC Geriatr 2019; 19(1):187..

Nos últimos anos, a estrutura das famílias se alterou com a inserção das mulheres no mercado de trabalho e a redução do número de filhos, houve também a diminuição do número de familiares disponíveis para serem cuidadores, ficando evidente que o problema da dependência de idosos tornou-se relevante devido à redução do apoio familiar55 Giacomin KC, Duarte YAO, Camarano AA, Nunes DP, Fernandes D. Cuidados e limitações funcionais em atividades cotidianas - ELSI-Brasil. Rev Saude Publica 2018; 52(Supl. 2):9s.,66 Tarallo RS, Neri AL, Cachioni M. Atitudes de idosos e de profissionais em relação a trocas intergeracionais. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2017; 20(3):421-429..

Surge, desta forma, a necessidade de contratação de cuidadores formais, que na sua maioria, deveriam ter qualificação e formação profissional para a realização do cuidado permanente de pessoas idosas frágeis77 Minayo MCS. O imperativo de cuidar da pessoa idosa dependente. Cien Saude Colet 2019; 24(1):247-252.,88 Jesus ITM, Orlandi AAS, Zazzetta MS. Sobrecarga, perfil e cuidado: cuidadores de idosos em vulnerabilidade social. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2018; 21(2):194-204.. Porém, são pessoas que, além do trabalho doméstico realizado nos domicílios, cuidam de idosos dependentes, prestando assistência nas suas Atividades Básicas de Vida Diária (ABVD) e até na administração de medicamentos e cuidados específicos de enfermagem, sem que tenham nenhuma qualificação ou preparo para tal. Apenas, aquelas famílias de maior poder aquisitivo, com planos de saúde privados, garantem assistência profissional com equipes de Home Care, as quais possuem como cuidadores formais, profissionais de saúde, especialmente, técnicos de enfermagem99 Cesari M, Prince M, Thiyagarajan JA, Carvalho IA, Bernabei R, Chan P, Gutierrez-Robledo LM, Michel JP, Morley JE, Ong P, Rodriguez Manas L, Sinclair A, Won CW, Beard J, Vellas B. Frailty: An emerging public health priority. J Am Med Dir Assoc 2016; 17(3):188-192.,1010 Lampert CDT, Scortegagna SA, Grzybovski D. Dispositivos legais no trabalho de cuidadores: aplicação em instituições de longa permanência. REAd 2016; 22(3):360-380..

Frente à expressiva demanda de cuidados para as populações idosas brasileiras, ganha força a necessidade do cuidador, que se constituiu em um novo ator político e, por consequência, objeto de pro postas de ações e de intervenções governamentais e legislativas para sua atuação. Transformando, assim, a atividade de cuidar de idosos em um trabalho e, consequentemente, uma profissão que precisa ser regulamentada. Nesta arena de conflitos, tramita, desde novembro de 2012, o Projeto de Lei nº 4.702, que visa regulamentar a profissão de cuidador1111 Debert GG, Oliveira AM. A construção do cuidado do idoso como profissão. Rev Bras Cien Politica 2015; 18:7-41..

Nos países em desenvolvimento, o cuidado de idosos vem sendo feito por pessoas com baixa escolaridade e qualificação profissional. No entanto, essa realidade difere em países como o Japão, onde os cuidadores (homehelpers) se dividem em categorias segundo formação profissional; e na França, que já possui aperfeiçoamento científico instituído reconhecido pelo Ministério do Trabalho1212 Hirata H, Guimarães NA, Sugita K. Cuidado e cuidadoras: o trabalho de care no Brasil, França e Japão. Sociologia e Antropologia 2011; 1(1):151-180..

Portanto, diante dessa realidade, o presente artigo tem como objetivo analisar as características dos cuidadores formais e dos desafios por eles vivenciados na assistência aos idosos dependentes no domicílio. O estudo se justifica pela evidente lacuna no sistema de informação em saúde capaz de caracterizar as dificuldades e as necessidades das pessoas idosas dependentes, bem como sobre a qualificação, as atividades e as condições de vida e de trabalho dos cuidadores formais.

Método

A presente investigação tem como objetivo aprofundar a compreensão sobre as características e os desafios vivenciados pelos cuidadores formais de idosos dependentes. O foco recai sobre suas condições de trabalho e saúde; perfil sociodemográfico, modos de cuidar, desafios e entraves enfrentados.

O estudo faz parte de um macroprojeto de pesquisa multicêntrico1313 Minayo MCS, Figueiredo AEB. Manual de pesquisa "Estudo situacional dos idosos dependentes que residem com suas famílias visando a subsidiar uma política de atenção e de apoio aos cuidadores". Rio de Janeiro: Fiocruz; 2018., desenvolvido sobre a situação dos idosos dependentes que vivem com suas famílias e das pessoas que os cuidam, com o intuito de subsidiar futuras propostas para uma “Política sobre a Dependência” no Brasil, e que foi aprovado pelo Comitê de Ética de Pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz.

O estudo buscou apoio no referencial teórico-metodológico da hermenêutica-dialética, por ser mais adequado para guiar as entrevistas realizadas com os cuidadores formais de idosos dependentes, partindo da multidimensionalidade do cuidado da pessoa idosa frágil, visando conhecer suas características, experiências, dificuldades enfrentadas, demandas e necessidades para melhorar sua situação como cuidador1414 Minayo MCS. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes; 2016..

Do ponto de vista analítico esse referencial permite perceber e problematizar as convergências e as divergências de sentidos presentes nos relatos dos diversos participantes, abrir novos vértices interpretativos para suas expressões, sempre transbordantes de múltiplos sentidos vistos em seu contexto sócio-histórico de produção. O tratamento dos dados acontece por meio de três movimentos metodológicos: contextualizar, compreender e interpretar/analisar de forma ao mesmo tempo empática e crítica, o caráter simbólico das experiências comuns e das vivências singulares1515 Minayo MCS. O desafio do conhecimento. Pesquisa Qualitativa em Saúde. 12ª ed. São Paulo: Hucitec; 2017..

O cenário do estudo envolveu cidades da Região Nordeste (Teresina e Fortaleza), Norte (Manaus), Sudeste (Rio de Janeiro) e Sul (Porto Alegre e Araranguá). Os critérios de inclusão foram: ser cuidador formal de idosos dependentes e receber remuneração para executar o cuidado.

Foram entrevistados 27 cuidadores formais responsáveis pelo cuidado da pessoa idosa dependente, dos quais 25 eram mulheres e 02 homens, assim distribuídos: 06 em Aranguá (RS), 05 em Fortaleza (CE), 05 em Manaus (AM), 04 em Porto Alegre (RS), 02 no Rio de Janeiro (RJ), e 05 em Teresina (PI). Utilizaram-se como estratégias para seleção dos participantes buscas no cadastro e indicação das Equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF), especialmente, por meio de informações dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS). Após a localização dos idosos dependentes, levantou-se aqueles que tinham cuidadores formais com perfil estabelecido nos critérios de inclusão, na sequência estes foram contatados e convidados a participar da pesquisa.

As entrevistas foram agendadas previamente em domicílio, no período de maio a agosto de 2019, por pesquisadores do estudo e/ou pós-graduandos vinculados aos grupos de pesquisa em cada um dos municípios. As entrevistas ocorreram em local reservado, com duração em média de 60 minutos. Inicialmente, foi lido e assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e solicitada autorização para gravar as conversas.

Inicialmente os entrevistados foram questionados quanto às suas características sociodemográficas, qualificação e formação profissional, e, na sequência, acerca das características clínicas dos idosos cuidados, com ênfase em suas dependências e necessidades; por fim, questionavam-se as percepções do cuidador formal sobre o idoso e sobre si mesmo. A saturação de conteúdos foi usada como critério para o encerramento da coleta de dados, os quais foram organizados com ênfase nos temas mais relevantes sob a perspectiva dos entrevistados. Procedeu-se à organização do corpus analítico com a pré-análise, articulando o objetivo do estudo com os relatos dos participantes.

Nessa lógica, inferências compreensivas e interpretativas conduziram para a formulação de três categorias temáticas: Condições de trabalho e de saúde do cuidador formal; Perfil e modos de cuidar; e Desafios do cuidar. Os achados foram discutidos frente à literatura nacional e internacional. Para preservação da confidencialidade, os trechos dos relatos dos entrevistados são apresentados acompanhados pelas iniciais da denominação de cuidador formal e o número sequencial das entrevistas.

Resultados

Os cuidadores formais entrevistados estavam no intervalo de idades de 31 a 64 anos, tendo como média, 46 anos. Do total, 25 são do sexo feminino (92,6%) e 13 declaram-se de cor parda (48,1%). No tocante ao trabalho, o tempo médio dedicado ao idoso assistido é de 2 anos e 6 meses, a remuneração média, de R$1.394,00 (mil trezentos e noventa e quatro reais). Dezoito (66,6%) afirmaram não possuir curso profissionalizante de cuidador e 20 (74%) não tinham contrato trabalhista com registro em carteira.

Quanto às atividades realizadas, 17 (62,9%) cuidadores afirmaram exercer outras tarefas na casa, como lavar roupa, fazer limpeza geral e preparar a alimentação da família, como eles expressaram “fazem tudo”. Enquanto, três (11,1%) cuidadores além de cuidar do idoso, ajudam em alguma atividade doméstica. Vale destacar que a ação de cuidar de um idoso é eminentemente feminina e doméstica, pois os dois homens que atuavam como cuidadores formais se ocupavam exclusivamente do cuidado com os idosos.

Condições de trabalho e de saúde do cuidador formal

Nesta categoria temática, foram expostas as condições de trabalho e de saúde expressas pelos cuidadores formais. Evidenciou-se a precariedade do vínculo trabalhista e profissional dos cuidadores participantes do estudo, considerando que 17 (62,9%) cuidavam do idoso dependente e realizavam as demais atividades domésticas, além disto, 03 (11,1%) ajudavam em alguns afazeres do lar relacionados com a pessoa idosa, e apenas 07 (26%) cuidadores formais dedicava-se exclusivamente ao cuidado da pessoa idosa.

Outro ponto identificado trata-se da baixa escolaridade e qualificação profissional específica registrada entre 20 (74%), dos cuidadores formais que corresponde, além da precariedade na profissionalização destes cuidadores também se evidenciou a fragilidade do vínculo formal pois, 18 (66,6%) dos participantes eram remunerados sem contrato trabalhista, sem carteira assinada, com a obvia ausência de direitos e garantias previdenciárias dos cuidadores.

Conforme os depoimentos a seguir confirma-se esta realidade de precarização das condições de trabalho, garantias trabalhistas, baixa escolaridade e deficiente qualificação.

Estou há quatro anos e três meses cuidando da idosa durante o dia todo, mas faço tudo na casa para todos, não tenho carteira assinada e nem fiz nenhum curso de cuidador de idosos. Ela depende de mim para tudo, a filha cuida da mãe à noite (CF21).

Tenho 42 anos, cuido há 5 anos de um idoso, e das coisas dele, como o preparo da alimentação, lavagem das roupas, limpeza do quarto e banheiro, mas ele dá muito trabalho por não consegue mais fazer nada sozinho, não tenho carteira assinada, fez um cursinho de 1 mês na Igreja que frequenta (CF15).

Nesta mesma categoria temática também foram evidenciadas as condições de saúde dos cuidadores, com ênfase no desgaste na atividade cotidiana de atendimento ao idoso dependente que se somam a outras tarefas domésticas. Os relatos mencionam prioritariamente, alterações de humor, depressão e esgotamento. Conforme os depoimentos descritos adiante, percebe-se que este cuidado de longa duração, sem o descanso necessário, além das ações exaustivas, tanto na assistência ao idoso, como na execução dos demais afazeres domésticos repercutem negativamente, tanto na saúde física, como mental e emocional dos cuidadores formais.

Tem hora que eu me irrito [...] tem hora que digo para ele “não estou aguentando mais” (CF5).

É um trabalho que a gente se esgota bastante, porque tem que trabalhar bastante com a cabeça (CF6).

Às vezes eu sinto cansaço, fico impaciente [...] não é fácil não. É difícil (CF11).

Às vezes bate a depressão, eu me sinto triste. Ainda bem que eu tomo fluoxetina e me acalmo (CF18).

Às vezes eu já chorei com ela, em ver ela naquela situação (CF15).

Tenho só as alterações de humor mesmo (CF24).

Apesar dos relatos anteriores indicarem sentimentos negativos, verificou-se que alguns entrevistados avaliam sua situação de forma positiva, de maneira resiliente ao expressaram a necessidade de ter paciência e de aceitar a situação como uma missão.

Era uma missão que eu tinha. [...] Aceito muito bem essa situação. (CF2).

Eu tenho paciência, eu tenho muita paciência, mas assim às vezes a gente perde a paciência pela teimosia (CF7).

Eu sou bem relaxada, tranquila. Eu não entro nas complicações emocionais do paciente. Eu ajudo ele a se equilibrar, mas eu não me envolvo emocionalmente (CF8).

Perfil e modos de cuidar

Embora os participantes da investigação tenham baixa escolaridade e um déficit na qualificação especifica para o cuidado, observam-se modos de cuidar que superam estas dificuldades e se fazem com habilidade, equilíbrio e estabilidade, com sentimentos de paciência, amor, afeto e diálogo, comportamentos e atitudes necessárias para o cuidado contínuo dos idosos.

Eu procuro ter paciência, né? (CF1).

Com afeto e amor, se não tivesse amor não era daquele jeito [...] (CF10).

Eu acredito que o amor em primeiro lugar, a paciência, humildade. Não importa o que você passou lá fora, não carregar para dentro do seu trabalho. Procurar ter o diálogo sempre, mostrar sempre uma alegria [...] (CF13).

O amor e sempre bom humor. Sou brincalhona, porque meus problemas não interessam a eles. [...] Se você está aqui, tem que dar o melhor (CF23).

Outro ponto destacado como estratégia, pelos cuidadores, refere-se ao auxílio e ao suporte de outras pessoas, geralmente familiares, na realização das atividades, conforme se constata nos seguintes depoimentos.

Meu marido que ajuda. Ele é enfermeiro formado [...] Ele sempre ajuda. Ajuda a botar ela na cama, tirar da cama e colocar na cadeira (CF4).

Se eu vou fazer alimentação dele e ela está em casa, aí eu peço para ela ficar no quarto com ele. Eu tenho esse apoio (CF5).

Graças a Deus todos aqui ajudam, não é uma coisa que a gente faz sozinho, ninguém faz sozinho, isso daí é uma coisa muito importante, a família está junto [...] ajudando (CF17).

Muito apoio dos irmãos dela. O irmão sempre vem na hora do banho para ajudar, sempre tem uma pessoa para botar na cadeira, tirar da cadeira e colocar na cama (CF24).

Com relação à gestão do cuidado, alguns cuidadores relataram utilizar-se da criatividade na comunicação e na organização do tempo como forma de viabilizar e contribuir nas tarefas diárias relacionadas aos idosos.

Eu faço tudo cedo antes dela acordar! (rindo) já até sei o horário que ela levanta da cama. Então, no horário que ela levanta, já está quase tudo pronto. A casa já está limpa. É [...] cada uma semana eu tiro uma coisa para fazer para não ficar muito acumulado! (CF14).

Coloco apito no banheiro para essa idosa quando precisar de ajuda apitar para chamar. Com o idoso tudo a gente tem que ter paciência, tudo na vida é paciência (CF16).

Tipo, para mudar de decúbito, vou movimentando ela por partes, ai viro uma parte e vou movimentando outra. Não tem muitas estratégias. E hidratando ela bastante (CF24).

Como no banho, às vezes ela entra para o banheiro e eu ligo o chuveiro pra ela escutar o barulhinho da água, mas às vezes ainda tem aquela dificuldade (CF26).

Desafios do cuidar

Os desafios vivenciados pelos cuidadores formais de idosos dependentes são inúmeros, considerando que as demandas assistenciais são permanentes, repetitivas, crescentes e variadas, decorrentes da ampliação das fragilidades e das perdas físicas e emocionais. Praticamente, todas as mulheres (mais de 92% dos participantes) vivenciam jornadas de trabalho exaustivas, as quais não são recompensadas e remuneradas pelas famílias.

O cuidado prestado a idosos dependentes demanda diversas atividades, das mais simples às mais complexas, variando segundo as condições em que se encontram. Alguns entrevistados relataram que o idoso ao qual dispensam cuidados, tem ainda um nível maior de autonomia, mas a maioria relata semelhanças na rotina de trabalho:

A minha rotina assim, é sobre higienização, a limpeza dele, sempre estar controlando a temperatura dele [...] então tem que ser esses cuidados muitos especiais, e eu faço com amor. A alimentação é tudo no horário, a medicação também, tudo. Curativo ele necessita na região sacral (CF23).

A minha rotina com ela vai desde o banho, horários dos remédios, lanche dela, o almoço, durmo aqui com ela, fico com ela até sábado de tarde (CF27).

A maioria dos participantes do estudo relatou que suas tarefas diárias extrapolam os cuidados dos idosos dependentes, ficando responsáveis pela limpeza da casa e alimentação da família como um todo, como se observa em diversos relatos.

Eu limpo a casa, lavo roupa (CF3).

Lavar roupa, limpar casa, fazer comida, dar o banhinho dele, né? Isso aí (CF5).

Tem que lavar as roupas dele, passar, algumas coisas dele dentro de casa, tem que limpar. Limpar o apartamento, deixar tudo organizado, lavar os banheiros, deixar tudo limpo (CF7).

Eu faço um pouco de tudo. Eu cuido da casa, eu lavo, passo, cozinho, só eu! (CF14).

Agora eu tomei conta da casa toda. Aí eu lavo, passo, cozinho e isso não estava no contrato. Vamos dizer mesmo sendo de boca, mas estou fazendo, inclusive comida, tudo, tudo, mas eu não quero (CF20).

No tocante à jornada de trabalho, os depoimentos remetem ao permanente desrespeito à carga horária estabelecida nas leis trabalhistas, o qual, diariamente extrapola as oito horas diárias. Às vezes entrando no horário noturno, sem haver o pagamento de horas extras e adicionais.

Entre os cuidadores formais entrevistados, somente aqueles vinculados a empresas prestadoras de serviços home care têm seu trabalho regulamentado na legislação trabalhista. Os demais, contratados pelas famílias como domésticos, às vezes não têm sequer as garantias hoje conquistadas pela categoria. Acumulam atividades de cuidado dos idosos dependentes e tarefas domésticas de atendimento à limpeza da casa e à alimentação da família, tarefas cansativas e repetitivas, aliadas à falta de garantias e baixos salários, gerando sobrecargas, que são mencionadas por alguns entrevistados.

Um cuidador de idoso tinha que ser só cuidador de idoso. Não envolver outra função (CF6).

É só a carga de trabalho que é muito corrido. Eu trabalho de segunda a sexta, de sete as dezessete, então não tenho tempo para resolver problemas de banco, essas coisas. Mas isso foi uma opção minha, então... (CF8).

Tinha que ter uma pessoa que me substituísse nessas horas [...] Às vezes eu me sinto muito sobrecarregada com isso (CF27).

A noite também a gente fica cansada. Por que a gente passa a noite toda hora acordando (CF7).

Eu queria […] que fosse assim: eu queria pegar um dia na semana de folga, entende? Aí era um descanso! (CF5).

No lazer, a questão de férias que não tem (CF25).

O salário. Cuidadores de idosos deviam ganhar o salário melhor. Porque é muito compromisso (CF6).

Referindo-se às necessidades e aspirações que têm, os cuidadores assinalaram a legalização da profissão e a oferta de cursos e capacitações para o cuidado dos idosos.

No caso dessa legalização que vai ter, vamos ser mais valorizados, mais bem vistos, mais reconhecidos. É uma coisa que vai ser bem reconhecido e vai ser muito bom. Muito bom mesmo (CF13).

No caso de saúde, quem dera se eu tivesse [referindo-se a curso] específico para cuidador (CF13).

Acho que falta eu aprender mais [...] Fazer mais curso... É isso que eu tenho que aprender mais! Muita coisa que eu não sei (CF15).

Aprender a aplicar injeção porque o paciente pode num caso de emergência precisar chamar. [...] Reanimar. Então eu tenho vontade de fazer um curso (CF16).

Discussão

As especificidades de gênero podem ser observadas com a predominância do sexo feminino, fato identificado em diversos estudos envolvendo cuidadores formais no Brasil16-18 e em outros países1919 Kalanlar B, Alici KN. The effect of care burden on formal caregiver's quality of work life: a mixed-methods study. Scand J Caring Sci 2019; 12 [Epub ahead of print]. [cited 2020 Jun 01]. Avaliable from: https://doi.org/10.1111/scs.12808.
https://doi.org/10.1111/scs.12808...
,2020 Shiba K, Kondo N, Kondo K. Informal and Formal Social Support and Caregiver Burden: The AGES Caregiver Survey. J Epidemiol 2016; 26(12):622-628.. Tipicamente o cuidado é exercido essencialmente por mulheres, e mesmo com os avanços no mercado de trabalho mundial, ainda perdura a percepção de que são elas as responsáveis por atividades relacionadas ao trabalho doméstico, incluindo o cuidar1818 Barbosa LM, Noronha K, Spyrides MHC, Araújo CAD. Qualidade de vida relacionada à saúde dos cuidadores formais de idosos institucionalizados em Natal, Rio Grande do Norte. Rev. Bras. de Estudos de População. 2017; 34(2):391-414.. Dos participantes do estudo, apenas dois cuidadores formais são do sexo masculino e possuem uma realidade distinta da mencionada anteriormente, uma vez que não assumem outros cuidados com a casa.

Ser cuidador de idosos demanda dedicação e atenção irrestritas. Essas exigências podem influenciar diretamente na saúde do profissional e, dessa forma, o cuidador pode experimentar sensações desgastantes e de desconforto emocional2121 Martins G, Corrêa L, Caparrol AJS, Santos PTA, Brugnera LM, Gratão ACM. Características sociodemográficas e de saúde de cuidadores formais e informais de idosos com Doença de Alzheimer. Esc. Anna Nery 2019; 23(2):e20180327., fato evidenciado no presente estudo, demonstrando que o ato de cuidar pode desencadear modificações na saúde mental e impactos negativos na percepção da saúde.

De maneira complementar à investigação sobre a saúde dos cuidadores formais, um estudo1212 Hirata H, Guimarães NA, Sugita K. Cuidado e cuidadoras: o trabalho de care no Brasil, França e Japão. Sociologia e Antropologia 2011; 1(1):151-180. observou que 26,7% deles foram diagnosticados com desconforto emocional e apresentaram sono ineficiente, sensação de estresse e de cansaço. Alguns autores relacionam esse esgotamento à jornada intensa de trabalho, ao aumento na demanda de cuidados ao longo do tempo, à convivência diária e ininterrupta associada à prestação de cuidados, ao estado de saúde, ao nível de dependência do idoso e ao despreparo dos cuidadores para o enfrentamento de sua atividade2222 Lopes RA, Coelho MAGM, Mitre NCD. Cuidadores de instituições de longa permanência para idosos: dor, ansiedade e depressão. Fisioterapia Brasil 2013; 14(2):117-121.

23 Terassi M, Rossetti ES, Luchesi BM, Gramani-Say K, Hortense P, Pavarini SCI. Fatores associados aos sintomas depressivos em idosos cuidadores com dor crônica. Rev. Bras. Enferm. 2020; 73(1):e20170782.
-2424 Griffiths AW, Wood AM, Tai S. The prospective role of defeat and entrapment in caregiver burden and depression amongst formal caregivers. Personality and Individual Differences 2018; 120(1):24-31..

Sobre a percepção dos cuidadores a respeito de si mesmos, entre as respostas, emergiram falas direcionadas à aceitação e à conformidade com a situação em que se encontram. A resiliência é uma habilidade que leva o ser humano a se impor frente às adversidades da vida, envolvendo a superação e a adaptação. Considerando que o trabalho do cuidador formal foi uma opção própria, isto pode facilitar sua capacidade de enfrentamento das dificuldades diárias impostas, portanto, esta aceitação termina contribuindo para o melhor desempenho dos cuidadores na assistência ao idoso, mesmo quando se dedicam ao cuidado daqueles considerados difíceis2525 Manzini CSS, Brigola AG, Pavarini SCI, Vale FAC. Fatores associados à resiliência de cuidador familiar de pessoa com demência: revisão sistemática. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2016; 19(4):703-714..

O ofício do cuidador formal requer diversas estratégias e métodos para contornar as dificuldades vivenciadas na rotina. Ao analisar os mecanismos utilizados no trabalho, os sentimentos envolvidos no cuidado ao idoso, como afeto, amor e zelo, possibilitam a formação de um vínculo que perpassa um contrato de trabalho ou remuneração, facilitando a vivência do cuidar e o enfrentamento dos percalços consequentes das atividades laborais do cuidador2626 Hedler HC, Faleiros VP, Santos MJS, Almeida MAA. Representação social do cuidado e do cuidador familiar do idoso. Rev. Katálysis. 2016; 19(1):143-152.,2727 Marigliano RX, Gil CA. O cuidador formal domiciliar de idosos: aspectos psicológicos e vivências emocionais. Mais60- Estudos sobre Envelhecimento 2018; 29(72):26-47..

Em estudo comparativo envolvendo a subjetividade de cuidadores formais e informais, foi observado que os sentimentos de pena, amor, adoração e afeto se destacaram mais nos cuidadores formais2828 Areosa SVC, Henz LF, Lawisch D, Areosa RC. Cuidar de si e do outro: estudo sobre os cuidadores de idosos. Psic., Saúde & Doenças 2014; 15(2):482-494.. Esse dado corrobora o que foi encontrado aqui, onde vemos que os cuidadores formais, por terem optado por essa ocupação e não estarem por obrigação, lidam bem com a situação demandante do cuidado do idoso dependente, ressignificando-a como algo positivo. Embora a maioria dos cuidadores tenha expressado sentimentos e afetos positivos em relação ao cuidado, vemos que essa não é a única forma de reagir. A cuidadora CF8, por exemplo, recorre ao mecanismo de supressão de afeto em nome da manutenção de uma postura profissional. Para ela ser profissional exige o isolamento de afetos que seriam incompatíveis com o bom exercício profissional, denotando uma estratégia mais defensiva de controle.

Outro ponto destacado por alguns entrevistados foi o apoio de outras pessoas no cuidado. Mesmo que de forma remunerada, os cuidadores necessitam de auxílio para a realização de algumas atividades e, muitas vezes, a depender da ocasião e disponibilidade, recorrem aos seus próprios familiares para cooperação em funções rotineiras. Assim, vemos o caso de CF4 que conta com a ajuda efetiva do marido enfermeiro, de CF1, cuja sobrinha oferece ajuda eventual, e CF 2, cujo marido e filha ajudam em tarefas mais pesadas. Essa divisão das responsabilidades contribui para amenizar a sobrecarga física e emocional, e viabiliza o enfrentamento dos entraves e desafios, o que, indubitavelmente, é refletido na assistência ao idoso dependente1818 Barbosa LM, Noronha K, Spyrides MHC, Araújo CAD. Qualidade de vida relacionada à saúde dos cuidadores formais de idosos institucionalizados em Natal, Rio Grande do Norte. Rev. Bras. de Estudos de População. 2017; 34(2):391-414.,2727 Marigliano RX, Gil CA. O cuidador formal domiciliar de idosos: aspectos psicológicos e vivências emocionais. Mais60- Estudos sobre Envelhecimento 2018; 29(72):26-47.. Em sua maioria, as famílias dos idosos são referidas como fonte de apoio e ajuda valiosa aos cuidadores, embora não faltem casos em que sejam vistas pelos cuidadores formais como negligentes e abandonadoras.

Ser criativo, engenhoso e resiliente nos desafios diários impacta diretamente na rotina de cuidados, sendo que a otimização da organização e o gerenciamento do tempo e do trabalho podem amenizar e melhorar as condições de quem cuida. Ações que envolvem a criatividade na comunicação entre os envolvidos, como é o caso de simples gestos e códigos utilizados na relação entre os envolvidos, são recursos facilitadores2929 Charles L, Brémault-Phillips S, Parmar, J, Johnson M, Sacrey LA. Understanding How to Support Family Caregivers of Seniors with Complex Needs. Can Geriatr J 2017; 20(2):75-84.,3030 Carvalho EB, Neri AL. Padrões de uso do tempo em cuidadores familiares de idosos com demências. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2019; 22(1):e180143..

As demandas de cuidado variam conforme o grau de dependência do idoso que está sendo assistido. No presente estudo, foi observado que a maioria deles era totalmente dependente de cuidados, tornando a rotina dos cuidadores semelhante, determinada por atividades de necessidade máxima, em tempo integral, como tomar banho, ir ao banheiro, realizar higiene pessoal, locomover-se e comer, além das AIVD (Atividades Instrumentais da Vida Diária)3131 Nunes DP, Brito TRP, Corona LP, Alexandre TS, Duarte YAO. Idoso e demanda de cuidador: proposta de classificação da necessidade de cuidado. Rev. Bras. Enferm. 2018; 71(Supl. 2):844-850..

Em estudo com cuidadores formais que indagou sobre o tipo de cuidado que praticam, a maior parte afirmou realizar as atividades de alimentação, controle de medicamentos, higiene corporal e higiene oral2121 Martins G, Corrêa L, Caparrol AJS, Santos PTA, Brugnera LM, Gratão ACM. Características sociodemográficas e de saúde de cuidadores formais e informais de idosos com Doença de Alzheimer. Esc. Anna Nery 2019; 23(2):e20180327., o que corrobora com os achados deste estudo. A repercussão da doença do idoso implica em consequências para o cuidador, já que o comprometimento das funções cognitivas e comportamentais influenciam as atividades de vida diária e sobrecarregam quem o assiste1313 Minayo MCS, Figueiredo AEB. Manual de pesquisa "Estudo situacional dos idosos dependentes que residem com suas famílias visando a subsidiar uma política de atenção e de apoio aos cuidadores". Rio de Janeiro: Fiocruz; 2018.,3131 Nunes DP, Brito TRP, Corona LP, Alexandre TS, Duarte YAO. Idoso e demanda de cuidador: proposta de classificação da necessidade de cuidado. Rev. Bras. Enferm. 2018; 71(Supl. 2):844-850..

Um ponto que emergiu deste estudo foi a observação de que, além dos cuidados dispensados aos idosos, os entrevistados, em especial as mulheres, afirmaram que também executam atividades domésticas na residência em que o idoso vive. Essa realidade é comum no Brasil, e embora não haja dados mais robustos a respeito, a atuação de empregadas domésticas no cuidado ao idoso tende a ser vista como componente dos serviços domésticos. Por diversas vezes, funcionárias são contratadas como cuidadoras, mas desempenham também funções nos serviços do lar3030 Carvalho EB, Neri AL. Padrões de uso do tempo em cuidadores familiares de idosos com demências. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2019; 22(1):e180143..

Diante da imperativa necessidade da regulamentação da profissão de cuidador de idosos no Brasil, crescem as críticas e o receio por parte de militantes envolvidos na defesa desta profissionalização acerca da exigência do ensino fundamental, pois a maioria dos cuidadores que já atuam no cuidado domiciliar têm pouca ou quase nenhuma escolaridade1111 Debert GG, Oliveira AM. A construção do cuidado do idoso como profissão. Rev Bras Cien Politica 2015; 18:7-41..

Outra problemática evidente no panorama dos cuidados de longa duração é o acúmulo de tarefas por uma única pessoa, que pode provocar problemas relacionados à saúde do cuidador. Embora muitas vezes, como se constatou neste estudo, essas pessoas realizam as atividades domésticas como uma extensão ou como efeito naturalizado de suas funções, instaura-se, nesses casos, uma forma de exploração que ultrapassa e torna vulnerável o ofício do cuidar2626 Hedler HC, Faleiros VP, Santos MJS, Almeida MAA. Representação social do cuidado e do cuidador familiar do idoso. Rev. Katálysis. 2016; 19(1):143-152.,3030 Carvalho EB, Neri AL. Padrões de uso do tempo em cuidadores familiares de idosos com demências. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2019; 22(1):e180143..

Essa não é uma realidade encontrada apenas em âmbito nacional, Spasova et al.3232 Spasova S, Baeten R, Coster S, Ghailani D, Peña-Casas R, Vanhercke B. Challenges in long-term care in Europe, a study of national policies. Brusssels: European Commission; 2018. ressaltam que parte substancial dos cuidados às pessoas idosas dependentes nos domicílios na Europa é oferecida por familiares e complementada por cuidadores formais.

Com a responsabilidade de assistir o idoso, geralmente em caráter ininterrupto, e com a adição de outras funções, a jornada de trabalho torna-se intensa e desgastante, conforme relatado por vários entrevistados. Dessa forma, é imprescindível o apoio de profissionais de saúde e do serviço social aos cuidadores formais, inclusive do ponto de vista legal, de modo a possibilitar o direcionamento correto de suas atividades1616 Diniz MAA, Melo BRS, Neri KH, Casemiro FG, Figueiredo LC, Gaioli CCLO, Gratão ACM. Estudo comparativo entre cuidadores formais e informais de idosos. Cien Saude Colet 2018; 23(11):3789-3798.,2121 Martins G, Corrêa L, Caparrol AJS, Santos PTA, Brugnera LM, Gratão ACM. Características sociodemográficas e de saúde de cuidadores formais e informais de idosos com Doença de Alzheimer. Esc. Anna Nery 2019; 23(2):e20180327..

O reconhecimento da real função do cuidador formal, além do estabelecimento de direitos e deveres, carga horária e piso salarial, são primordiais para a redução dos entraves e equívocos que perduram nesta ocupação até então não regulamentada enquanto profissão1616 Diniz MAA, Melo BRS, Neri KH, Casemiro FG, Figueiredo LC, Gaioli CCLO, Gratão ACM. Estudo comparativo entre cuidadores formais e informais de idosos. Cien Saude Colet 2018; 23(11):3789-3798.. Outro desafio a ser vencido pelos cuidadores formais na atual conjuntura é o de encontrar na lei que regulamentará a profissão, um espaço que delimite com clareza as fronteiras dessa atividade, de modo a não confundi-la com as atividades de outros profissionais3333 Debert GG; Daniliaukas M. A construção do cuidado do idoso como profissão. In: Anais do Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women's Worlds Congress; 2017; Florianópolis. p:1-12.

Em vista a complexidade envolvida no cuidado, ressalta-se a relevância de profissionais mais qualificados para assistir os idosos, de forma a propiciar a essa população um envelhecimento com maior dignidade e qualidade de vida. A implementação de políticas públicas voltadas a esses profissionais deve abordar diversos contextos e o planejamento de intervenções visando à melhoria de suas condições de saúde e de trabalho1818 Barbosa LM, Noronha K, Spyrides MHC, Araújo CAD. Qualidade de vida relacionada à saúde dos cuidadores formais de idosos institucionalizados em Natal, Rio Grande do Norte. Rev. Bras. de Estudos de População. 2017; 34(2):391-414..

Embora as contribuições deste estudo sejam relevantes para promoção da saúde dos cuidadores formais, elas são limitadas pelo número reduzido destes que foram entrevistados, o que dificulta a generalização dos dados. Para além da ampliação do numero de sujeitos entrevistados seria importante aprofundar ainda mais a compreensão sobre a condição dos cuidadores formais pela inserção de aspectos socioculturais presentes nas diversas regiões investigadas, os quais atravessam as práticas sociais, em especial o agenciamento de cuidados aos mais velhos. Adicionalmente entendemos ser uma limitação do estudo o fato de termos a região Centro-Oeste descoberta pela coleta nacional, o que nos impediu de ter uma visão mais abrangente do fenômeno investigado.

Considerações finais

Conforme proposto, o presente estudo possibilitou analisar as características e os desafios vivenciados pelos cuidadores formais de idosos dependentes domiciliados, tanto na perspectiva da percepção do cuidador, das estratégias envolvidas no cuidado e das demandas existentes nessa função. Os dados revelaram que os cuidadores formais possuem características singulares, mas similares à maioria dos outros estudos envolvendo o referido tema, não só na realidade brasileira como em outros países.

A feminização do cuidado é notória, somam-se a isso, diversos sentimentos envolvidos no contexto de vida do cuidador, refletindo diretamente na percepção que eles têm sobre si próprios. Também ficou evidente a precariedade desta atividade ocupacional tanto no tocante a baixa escolaridade dos cuidadores, assim como a fragilidade das capacitações no país, além do reduzido número de contratos trabalhistas regulares, na maioria das vezes, os serviços são prestados sem assinatura de carteira de trabalho, e quando são se faz com o vínculo como emprego doméstico.

Entender a realidade dos cuidadores formais faz-se necessário para conhecer a complexidade de ações, experiências pessoais e interelações que envolvem o cuidado. Finalmente, somando-se os desafios e a complexidade do cotidiano de idosos dependentes e seus cuidados verifica-se a necessidade de dar continuidade a estudos e pesquisas multicêntricas no Brasil e até investigações comparativas com outras realidades internacionais visando desvendar variáveis especificas da problemática do cuidado de longa duração no domicílio e assim apresentar a gestores e legisladores elementos capazes de influenciar na elaboração de políticas de atenção aos idosos dependentes e seus cuidadores, principalmente, aos formais, que experimentam a informalidade e a ilegalidade do seu trabalho, no exercício de uma ocupação, sem a regulamentação de uma profissão que assiste e cuida de vidas tão frágeis.

Referências

  • 1
    Camarano AA. Estatuto do Idoso: avanços com contradições. Rio de Janeiro: IPEA; 2013.
  • 2
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Características gerais dos moradores 2012-2016. Rio de Janeiro: IBGE; 2017.
  • 3
    Cruz RR, Beltrame V, Dallacosta FM. Envelhecimento e vulnerabilidade: análise de 1.062 idosos. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2017; 22(3):e180212.
  • 4
    Klompstra L, Ekdahl AW, Krevers B, Milberg A, Eckerblad J. Factors related to health-related quality of life in older people with multimorbidity and high health care consumption over a two-year period. BMC Geriatr 2019; 19(1):187.
  • 5
    Giacomin KC, Duarte YAO, Camarano AA, Nunes DP, Fernandes D. Cuidados e limitações funcionais em atividades cotidianas - ELSI-Brasil. Rev Saude Publica 2018; 52(Supl. 2):9s.
  • 6
    Tarallo RS, Neri AL, Cachioni M. Atitudes de idosos e de profissionais em relação a trocas intergeracionais. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2017; 20(3):421-429.
  • 7
    Minayo MCS. O imperativo de cuidar da pessoa idosa dependente. Cien Saude Colet 2019; 24(1):247-252.
  • 8
    Jesus ITM, Orlandi AAS, Zazzetta MS. Sobrecarga, perfil e cuidado: cuidadores de idosos em vulnerabilidade social. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2018; 21(2):194-204.
  • 9
    Cesari M, Prince M, Thiyagarajan JA, Carvalho IA, Bernabei R, Chan P, Gutierrez-Robledo LM, Michel JP, Morley JE, Ong P, Rodriguez Manas L, Sinclair A, Won CW, Beard J, Vellas B. Frailty: An emerging public health priority. J Am Med Dir Assoc 2016; 17(3):188-192.
  • 10
    Lampert CDT, Scortegagna SA, Grzybovski D. Dispositivos legais no trabalho de cuidadores: aplicação em instituições de longa permanência. REAd 2016; 22(3):360-380.
  • 11
    Debert GG, Oliveira AM. A construção do cuidado do idoso como profissão. Rev Bras Cien Politica 2015; 18:7-41.
  • 12
    Hirata H, Guimarães NA, Sugita K. Cuidado e cuidadoras: o trabalho de care no Brasil, França e Japão. Sociologia e Antropologia 2011; 1(1):151-180.
  • 13
    Minayo MCS, Figueiredo AEB. Manual de pesquisa "Estudo situacional dos idosos dependentes que residem com suas famílias visando a subsidiar uma política de atenção e de apoio aos cuidadores". Rio de Janeiro: Fiocruz; 2018.
  • 14
    Minayo MCS. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes; 2016.
  • 15
    Minayo MCS. O desafio do conhecimento. Pesquisa Qualitativa em Saúde. 12ª ed. São Paulo: Hucitec; 2017.
  • 16
    Diniz MAA, Melo BRS, Neri KH, Casemiro FG, Figueiredo LC, Gaioli CCLO, Gratão ACM. Estudo comparativo entre cuidadores formais e informais de idosos. Cien Saude Colet 2018; 23(11):3789-3798.
  • 17
    Silva CF, Silva JV, Ribeiro MP. Cuidadores formais e assistência paliativa sob a ótica da bioética. Rev. Bioét. 2019; 27(3):535-541.
  • 18
    Barbosa LM, Noronha K, Spyrides MHC, Araújo CAD. Qualidade de vida relacionada à saúde dos cuidadores formais de idosos institucionalizados em Natal, Rio Grande do Norte. Rev. Bras. de Estudos de População. 2017; 34(2):391-414.
  • 19
    Kalanlar B, Alici KN. The effect of care burden on formal caregiver's quality of work life: a mixed-methods study. Scand J Caring Sci 2019; 12 [Epub ahead of print]. [cited 2020 Jun 01]. Avaliable from: https://doi.org/10.1111/scs.12808
    » https://doi.org/10.1111/scs.12808
  • 20
    Shiba K, Kondo N, Kondo K. Informal and Formal Social Support and Caregiver Burden: The AGES Caregiver Survey. J Epidemiol 2016; 26(12):622-628.
  • 21
    Martins G, Corrêa L, Caparrol AJS, Santos PTA, Brugnera LM, Gratão ACM. Características sociodemográficas e de saúde de cuidadores formais e informais de idosos com Doença de Alzheimer. Esc. Anna Nery 2019; 23(2):e20180327.
  • 22
    Lopes RA, Coelho MAGM, Mitre NCD. Cuidadores de instituições de longa permanência para idosos: dor, ansiedade e depressão. Fisioterapia Brasil 2013; 14(2):117-121.
  • 23
    Terassi M, Rossetti ES, Luchesi BM, Gramani-Say K, Hortense P, Pavarini SCI. Fatores associados aos sintomas depressivos em idosos cuidadores com dor crônica. Rev. Bras. Enferm. 2020; 73(1):e20170782.
  • 24
    Griffiths AW, Wood AM, Tai S. The prospective role of defeat and entrapment in caregiver burden and depression amongst formal caregivers. Personality and Individual Differences 2018; 120(1):24-31.
  • 25
    Manzini CSS, Brigola AG, Pavarini SCI, Vale FAC. Fatores associados à resiliência de cuidador familiar de pessoa com demência: revisão sistemática. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2016; 19(4):703-714.
  • 26
    Hedler HC, Faleiros VP, Santos MJS, Almeida MAA. Representação social do cuidado e do cuidador familiar do idoso. Rev. Katálysis. 2016; 19(1):143-152.
  • 27
    Marigliano RX, Gil CA. O cuidador formal domiciliar de idosos: aspectos psicológicos e vivências emocionais. Mais60- Estudos sobre Envelhecimento 2018; 29(72):26-47.
  • 28
    Areosa SVC, Henz LF, Lawisch D, Areosa RC. Cuidar de si e do outro: estudo sobre os cuidadores de idosos. Psic., Saúde & Doenças 2014; 15(2):482-494.
  • 29
    Charles L, Brémault-Phillips S, Parmar, J, Johnson M, Sacrey LA. Understanding How to Support Family Caregivers of Seniors with Complex Needs. Can Geriatr J 2017; 20(2):75-84.
  • 30
    Carvalho EB, Neri AL. Padrões de uso do tempo em cuidadores familiares de idosos com demências. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2019; 22(1):e180143.
  • 31
    Nunes DP, Brito TRP, Corona LP, Alexandre TS, Duarte YAO. Idoso e demanda de cuidador: proposta de classificação da necessidade de cuidado. Rev. Bras. Enferm. 2018; 71(Supl. 2):844-850.
  • 32
    Spasova S, Baeten R, Coster S, Ghailani D, Peña-Casas R, Vanhercke B. Challenges in long-term care in Europe, a study of national policies. Brusssels: European Commission; 2018.
  • 33
    Debert GG; Daniliaukas M. A construção do cuidado do idoso como profissão. In: Anais do Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women's Worlds Congress; 2017; Florianópolis. p:1-12

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Jan 2021

Histórico

  • Recebido
    16 Jun 2020
  • Aceito
    25 Ago 2020
  • Publicado
    27 Ago 2020
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Av. Brasil, 4036 - sala 700 Manguinhos, 21040-361 Rio de Janeiro RJ - Brazil, Tel.: +55 21 3882-9153 / 3882-9151 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cienciasaudecoletiva@fiocruz.br