Soroprevalência e fatores associados a infecções crônicas entre idosos residentes na comunidade

Seroprevalence and factors associated with chronic infections among community-dwelling elderly individuals

Resumo

Infecções crônicas podem contribuir com o processo de envelhecimento, mas isso ainda é pouco explorado na América Latina. O objetivo foi avaliar a prevalência e os fatores associados ao citomegalovírus (CMV), Herpes simples 1 (HSV-1), Chlamydia pneumoniae e Helicobacter pylori entre idosos. Participaram 1.320 indivíduos da linha de base da Coorte de Idosos de Bambuí. Foram avaliados anticorpos (IgG) para as infecções e variáveis exploratórias (sociodemográficas, comportamentos em saúde e condições de saúde). Utilizaram-se modelos de regressão de Poisson com variância robusta. A prevalência foi de 99,4% para CMV, 96,7% para HSV-1, 56,0% para C. pneumoniae e 70,5% para H. pylori. Os mais velhos, mulheres, fumantes, diabéticos, incapazes e com maiores níveis de IL-6 tinham maior prevalência de CMV. HSV-1 foi menos frequente entre as mulheres. Infecção por C. pneumoniae foi maior entre os mais velhos e diabéticos; e menor entre mulheres e os menos escolarizados. H. pylori foi menos frequente entre as mulheres e naqueles com maiores níveis de IL-1β, mas mais comuns entre os fumantes. Os achados mostram elevada prevalência de infecções crônicas e diferentes perfis epidemiológicos para cada patógeno, permitindo a detecção de grupos vulneráveis a essas infecções.

Palavras-chave:
Doenças Transmissíveis; Saúde do Idoso; Inquéritos Epidemiológicos; Fatores Epidemiológicos

Abstract

Chronic infections can contribute to the aging process, but this issue is less studied in Latin America. The aim was to assess the prevalence and factors associated with cytomegalovirus (CMV), Herpes Simplex 1 (HSV-1), Chlamydia pneumoniae and Helicobacter pylori among the elderly. A total of 1,320 individuals participated from the baseline of the Elderly Cohort of Bambuí. IgG antibodies against infections and explanatory variables (sociodemographic factors, health behaviors and health conditions) were evaluated. Poisson regression models with robust variance were used. Seroprevalence rates were 99.4% for CMV, 96.7% for HSV-1, 56% for C. pneumoniae and 70.5% for H. pylori. Elderly men, women, smokers, diabetics, the disabled and those with high levels of IL-6 had a higher prevalence of CMV. HSV-1 was less frequent among women. The prevalence of C. pneumoniae was higher at ages >75 and among diabetics; it was lower among women and individuals with less schooling. H. pylori was less frequent among women and those with detectable levels of IL-1β, but more common among smokers. The findings show a high prevalence of chronic infection and a different epidemiologic profile for each pathogen, making it possible to detect groups that are vulnerable to these infections.

Key words:
Communicable diseases; Health of the Elderly; Health Surveys; Epidemiologic factors

Introdução

O estudo dos fatores associados ao processo de envelhecimento é de extrema importância para a saúde pública, considerando o crescente aumento da população idosa observado em todo o mundo. Nesse sentido, tem sido proposto que infecções por alguns patógenos, como cytomegalovírus (CMV), herpes simples (HSV), Clamydia pneumoniae e Helicobacter pylori, podem desempenhar importante papel nesse processo, em função das suas associações com doença cardiovascular, diabetes, declínio cognitivo, fragilidade e até mortalidade^1-4. Chama atenção que, de forma semelhante a outros agravos à saúde, as infecções crônicas podem ser mais frequentes e de maior gravidade entre idosos, o que pode explicar seu efeito prejudicial nessa população⁵.

Prevalências dos herpesvírus, como CMV e HSV-1, atingem valores superiores a 60% na faixa etária de 50 anos ou mais, sobretudo nas regiões menos desenvolvidas, podendo chegar a 90% ou mais em algumas populações^6,7. Por sua vez, a prevalência da infecção por C. pneumoniae apresenta ampla variação na literatura, atingindo 75% na população adulta italiana⁸, de forma semelhante ao observado para H. pylori que chega a 63,4% na América Latina e Caribe e 79,1% na África⁹.

Alguns estudos apontam que essas infecções tendem a ser mais comuns entre os mais velhos, homens (com exceção do CMV), aqueles com pior condição socioeconômica, piores comportamentos em saúde e com doenças crônicas, sobretudo as cardiovasculares^1,6,9-14. No entanto, o perfil epidemiológico é muito variável entre os patógenos e entre as populações, não sendo consistente em diferentes países.

De maneira geral, as infecções crônicas apresentam-se associadas a eventos cardiovasculares^5,15 e declínio físico e cognitivo^1,14, embora esses achados não tenham sido reproduzidos em algumas populações^2,3,16. Entre os possíveis mecanismos que explicam a associação entre infecções crônicas e piores condições de saúde destaca-se a amplificação ou perpetuação de um estado pró-inflamatório na presença dessas infecções, contribuindo para o processo de imunosenescência^1,5,17 e agravando as condições de saúde dos idosos.

Portanto, apesar de alguns resultados controversos na literatura, as infecções crônicas parecem exercer importante influência no processo de envelhecimento, tanto pelo dano direto causado pelo patógeno nos tecidos infectados, quanto pelo impacto indireto no organismo, sobretudo pelo processo inflamatório, mecanismo conhecido como inflamm-aging¹⁸. Ressalta-se que a maioria dos estudos são conduzidos em países desenvolvidos e em populações adultas, sendo essas associações pouco exploradas entre idosos residentes em regiões de baixa e média renda, nas quais esse quadro de infecções pode ser mais grave¹⁷.

O objetivo do presente trabalho é avaliar a prevalência e os fatores associados a quatro infecções crônicas (CMV, HSV-1, C. pneumoniae e H. pylori) entre idosos residentes na comunidade. Pelo nosso conhecimento, essa constitui a primeira proposta para o estudo sobre o perfil das infecções crônicas em uma população idosa residente em um país latino-americano, o que poderá contribuir para um melhor entendimento desse aspecto em nosso meio.

Metodologia

Desenho, área e população de estudo

A Coorte de Idosos de Bambuí é conduzida na cidade de mesmo nome (cerca de 15.000 habitantes), situada em Minas Gerais. A linha de base da coorte foi constituída em 1997, quando toda população com 60 anos ou mais (n=1.742), residente na cidade, foi convidada a participar da pesquisa. O delineamento da coorte e os procedimentos adotados foram descritos com maiores detalhes em publicação anterior¹⁹. Para o presente estudo foram considerados todos os idosos participantes da linha de base que tiveram as dosagens de anticorpos para as infecções de interesse e possuíam informações completas para todas as demais variáveis incluídas na análise, totalizando 1.320 (75,8%) participantes.

O Estudo de Coorte de Idosos de Bambuí foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz e cada participante assinou um termo de consentimento livre e esclarecido para participarem da pesquisa.

Desfechos estudados: infecções crônicas

Foram consideradas as infecções por herpes simples tipo 1 (HSV-1), citomegalovírus (CMV), C. pneumoniae e H. pylori, pela avaliação de anticorpos (IgG) no soro dos participantes, coletado na linha de base da coorte e armazenado a -80^oC; as dosagens foram realizadas em 2018. O ensaio de imunoabsorção enzimática (ELISA) quantitativo foi usado para avaliação dos anticorpos para HSV-1, C. pneumoniae e H. pylori, utizando kits da Euroimmun (Alemanha) para os dois primeiros patógenos e o kit SERION ELISA classic (Alemanha) para H. pylori. Já os anticorpos IgG anti-citomegalovírus foram avaliados pelo ensaio de eletroquimioluminescência, utilizando o kit Elecsys (Roche Diagnostics, Suíça). Todos os testes foram realizados seguindo as orientações dos fabricantes dos kits, utilizando procedimentos padronizados e analisadores automatizados, em laboratórios de referência e com experiência nesse tipo de dosagem.

De acordo com as orientações dos fabricantes, os testes foram considerados positivos para o patógeno utilizando-se os seguintes pontos de corte: HSV-1 (>22 UR/mL), CMV (≥1,00 U/mL), C. pneumoniae (>22 UR/mL) e H. pylori (>50 U/mL). Para a presente análise, devido à elevada positividade para HSV-1 e CMV e considerando a influência do nível de anticorpos dessas infecções em diversos eventos adversos^4,17, os desfechos foram definidos pela titulação acima da mediana (>160 UR/mL para HSV-1 e >399,5 U/mL para CMV).

Variáveis explicativas

As variáveis explicativas foram selecionadas baseando-se em resultados prévios sobre os fatores associados a infecções crônicas^1-4 e incluíram características sociodemográficas, comportamentais e relacionadas às condições de saúde. Entre os fatores sociodemográficos foram consideradas a idade em anos (60 a 74 e 75 ou mais), o sexo (homens, mulheres) e a escolaridade em anos de estudo (4 ou mais e 0 a 3 anos). Os comportamentos em saúde incluíram tabagismo atual (sim, não) e consumo de álcool (<7 e 7 ou mais doses por semana)²⁰. Os tabagistas atuais eram os idosos que reportaram já ter consumido 100 ou mais cigarros ao longo da vida e continuavam fumando no momento da entrevista. O consumo de álcool foi avaliado pela informação sobre o número de dias por semana que fazia uso de álcool e o número de doses por dia, considerando o consumo habitual. Uma dose de bebida alcoólica era referente a uma lata de cerveja, uma taça de vinho ou uma dose de bebida destilada.

As variáveis relacionadas às condições de saúde incluíram diabetes, hipertensão arterial, doença cardiovascular, déficit cognitivo e incapacidade, além de quatro marcadores inflamatórios associados a infecções crônicas e ao envelhecimento [interleucina 6 (IL-6), proteína C-reativa (PCR), interleucina 1 beta (IL-1β) e fator de necrose tumoral (TNF)]^1-4. O diagnóstico de diabetes foi definido pelo nível de glicemia de jejum maior ou igual a 126 mg/dL e/ou uso de medicamentos (insulina ou hipoglicemiantes orais). A hipertensão arterial foi definida por alterações nos valores da pressão arterial (pressão sistólica maior ou igual a 140 mmHg e/ou pressão diastólica maior ou igual a 90 mmHg) e/ou pelo uso de medicamentos. A presença de doença cardiovascular foi avaliada pela existência de pelo menos uma entre três condições (acidente vascular encefálico - AVE, infarto do miocárdio e angina). A história de AVE²¹ e presença de angina²² foram verificadas pela utilização de instrumentos padronizados, e o infarto foi avaliado pela história de diagnóstico médico para essa condição. O comprometimento cognitivo foi avaliado pela pontuação inferior a 22 da versão brasileira do questionário Mini-Mental State Examination (MMSE), correspondente ao quartil inferior, que se mostrou adequado à população idosa de Bambuí²³. A limitação funcional foi avaliada pelo desempenho em executar atividades básicas e instrumentais de vida diária, incluindo tomar banho, vestir roupa, alimentar sozinho, realizar transferência, administrar o próprio dinheiro, realizar trabalhos domésticos e preparar o próprio alimento. A presença de limitação foi definida como a impossibilidade em executar pelo menos uma dessas atividades sem ajuda de outra pessoa.

As dosagens das citocinas foram realizadas no soro dos participantes, por um ensaio de imunofluorescência (método de Cytometric Bead Array - CBA), utilizando-se anticorpos anti-citocinas marcados com ficoeritrina para indicar a intensidade média de fluorescência (MFI). Os dados de MFI foram obtidos usando citômetro de fluxo FACSVerse flow cytometer (Becton Dickinson, Estados Unidos) e os resultados foram expressos em pg/mL, calculados pelo software BD FCAP Array 3.0 (Becton Dickinson, Estados Unidos). A dosagem da PCR ultra-sensível foi realizada pelo método imunonefelométrico em um nefelométrico automático (BNII™, Dade Behring, Alemanha) e expressa em mg/dL. As dosagens de IL-6 e PCR foram dicotomizadas no percentil 75 da distribuição (altos produtores) e os níveis de IL1-β e TNF foram divididos em detectáveis e não detectáveis.

As informações foram coletadas por meio de entrevistas, exame físico e coleta de sangue. As entrevistas foram realizadas na residência do participante e respondidas pelo próprio idoso, exceto quando estava impossibilitado por problema de saúde, utilizando-se nesse caso um respondente substituto. O uso de medicamentos foi verificado nas entrevistas, considerando todos os medicamentos usados nos 90 dias anteriores à entrevista, pela conferência da embalagem ou receita médica. A coleta de sangue e as medidas de pressão arterial foram realizadas na clínica de campo do projeto, ou no domicílio do participante, quando havia impossibilidade de locomoção do idoso. A determinação da pressão arterial foi realizada utilizando-se um esfignomanômetro de mercúrio, tendo sido realizadas três medidas, considerando-se a média da segunda e da terceira medidas. As medidas de pressão foram realizadas com o indivíduo sentado, após 5 minutos de repouso e pelo menos 30 minutos sem ingestão de cafeína e/ou uso de cigarros. Os níveis de glicemia no sangue foram determinados utilizando-se kits comerciais (Boehringer Mannhein, Alemanha) e analisador automático.

Análise dos dados

Foi realizada a descrição da prevalência de maiores títulos de anticorpos para CMV e HSV-1, além da prevalência de positividade para C. pneumoniae e H. pylori para a população geral e segundo as variáveis exploratórias consideradas. As associações não ajustadas entre cada infecção e as variáveis estudadas foram avaliadas pelo teste do qui-quadrado de Pearson.

Posteriormente, foram construídos modelos não ajustados, pela regressão de Poisson com variância robusta, para avaliar a magnitude da associação entre as infecções e cada variável exploratória, obtendo-se os valores de razões de prevalência (RP) e respectivos intervalos de confiança com 95% (IC95%).

Por fim, foram construídos modelos múltiplos, para cada infecção pesquisada, seguindo um ajuste hierarquizado: os primeiros modelos incluíram as variáveis sociodemográficas e comportamentais, produzindo-se os valores de RP e IC (95%) ajustado por essas condições; os demais modelos incluíram todas as condições relacionadas à saúde consideradas nesse estudo, além do ajuste pelas condições sociodemográficas e comportamentais.

Além disso, foi realizada uma análise de sensibilidade para verificar o impacto da exclusão dos indivíduos com resultados inconclusivos para dosagens de anticorpos, segundo orientações do fabricante. Entre os idosos incluídos no presente estudo, 0,2% tinham resultados inconclusivos para CMV (0,50 a 0,99 U/mL), 0,3% para HSV-1 (16 a 21 UR/mL), 8,7% para C. pneumoniae (16 a 21 UR/mL) e 4,4% para H. pylori (35 a 50 U/mL).

Resultados

A prevalência de sorologia positiva foi igual a 99,4% (IC95%: 98,8-99,7%) para citomegalovírus, 96,7% (IC95%: 95,6-97,6) para herpes simples tipo 1, 56,0% (IC95%: 53,3-58,6) para C. pneumoniae e 70,5% (IC95%: 68,0-72,9) para H. pylori.

A Tabela 1 descreve a prevalência das infecções investigadas, segundo as variáveis exploratórias pesquisadas. A prevalência de maiores títulos de anticorpos para CMV foi maior entre as mulheres, entre os idosos que consumiam menor quantidade de bebidas alcoólicas, que tinham diagnóstico de diabetes e que reportavam limitações em atividades de vida diária e entre aqueles com maiores dosagens de IL-6 e PCR. Para o HSV-1, apenas a variável sexo mostrou associação significativa na análise não ajustada, sendo a maior prevalência de títulos elevados de anticorpos para esse vírus observada entre os homens. Já a infecção por C. pneumoniae foi maior entre os mais velhos, os homens, aqueles com maior escolaridade, os fumantes atuais e entre os idosos com diagnóstico de diabetes. Por fim, a prevalência de infecção por H. pylori foi maior entre os homens e entre os fumantes atuais; por outro lado, essa infecção foi mais comum entre os idosos que não relataram limitações em atividades de vida diária e entre aqueles com níveis não detectáveis de IL-1β.

Tabela 1
Prevalência da soropositividade para citomegalovírus (CMV), herpes simples tipo 1 (HSV-1), C. pneumoniae (CP) e H. pylori (HP), segundo características sociodemográficas, comportamentais e de saúde. Linha de base da Coorte de idosos de Bambuí.

Variáveis		Prevalência - %
		CMV	HSV	CP	HP
Idade em anos
	60 a 74	48,5	49,7	54,4*	71,6
	75 e mais	54,7	50,2	61,7	66,6
Sexo
	Homens	39,0*	57,7*	64,4*	75,8*
	Mulheres	56,7	44,8	50,7	67,2
Escolaridade em anos
	4 ou mais	48,7	50,6	61,3*	70,3
	<4	50,5	49,3	53,0	70,7
Tabagismo atual
	Não	49,6	48,7	54,7*	68,8*
	Sim	50,9	54,7	61,9	78,4
Consumo de álcool (doses/semana)
	<7	50,8*	49,4	55,6	70,4
	7 ou mais	31,8	56,1	65,2	72,7
Diabetes1
	Não	48,5*	49,1	54,5*	70,8
	Sim	57,5	53,9	64,8	68,9
Hipertensão arterial2
	Não	47,4	49,4	56,2	68,3
	Sim	51,4	50,0	55,9	71,9
Doença cardiovascular3
	Não	49,9	50,1	56,7	69,9
	Sim	49,5	48,1	52,4	73,8
Comprometimento cognitivo4
	Não	49,8	48,5	56,4	70,7
	Sim	50,0	54,8	54,4	70,0
Limitação funcional5
	Não	48,0*	50,3	55,4	71,7*
	Sim	60,7	46,9	59,2	63,8
Interleucina 6
	<1,08 pg/mL	45,6*	47,7	53,5	72,4
	>1,08 pg/mL	54,1	51,8	58,5	68,6
Proteína C-reativa
	<3,25 mg/dL	45,4*	49,2	55,2	72,5
	>3,25 mg/dL	54,3	50,4	56,8	68,6
Interleucina 1b
	Não detectável	50,3	50,1	56,3	72,4*
	>0,01 pg/mL	48,1	48,4	54,8	63,6
Fator de necrose tumoral - TNF
	Não detectável	50,1	50,0	55,7	70,8
	>0,02 pg/mL	48,7	48,7	57,6	69,2

• CMV: citomegalovírus (IgG>399,5 U/mL); HSV: herpes simples (IgG>160 UR/mL); CP: Chlamydia pneumoniae (IgG>22 UR/mL); HP: Helicobacter pylori (positivo - IgG>50 U/mL). ¹Glicemia de jejum >126mg/dL e/ou uso de medicamento; ²Pressão sistólica >140mmHg e/ou pressão diastólica >90 mmHg e/ou tratamento; ³Angina (protocolo), relato de infarto do miocárdio e/ou relato de acidente vascular encefálico; ⁴Escore do Mini-exame do estado mental <22; ⁵Relato de alguma dificuldade para tomar banho, vestir-se, alimentar-se, deitar e levantar da cama, lidar com finanças, fazer tarefas domésticas ou preparar refeições. *p<0,05.
• Fonte: Elaborado pelos autores.

A Tabela 2 descreve a magnitude das associações entre as infecções crônicas estudadas e as variáveis exploratórias incluídas nesse estudo. Todas as associações significativas descritas na tabela anterior podem também ser observadas nessa tabela, que mostra as razões de prevalência e respectivos intervalos de confiança (95%).

Tabela 2
Resultados da análise de associação (não ajustada) entre citomegalovírus (CMV), herpes simples tipo 1 (HSV-1), C. pneumoniae (CP) e H. pylori (HP) e características sociodemográficas, comportamentais e de saúde. Linha de base da Coorte de idosos de Bambuí.

Variáveis		RP bruta (IC95%)
		CMV	HSV	CP	HP
Idade em anos
	60 a 74	1,00	1,00	1,00	1,00
	75 e mais	1,12 (0,99-1,28)	1,01 (0,89-1,15)	1,13 (1,02-1,26)	0,93 (0,85-1,02)
Sexo
	Homens	1,00	1,00	1,00	1,00
	Mulheres	1,45 (1,28-1,65)	0,78 (0,70-0,86)	0,79 (0,72-0,87)	0,89 (0,83-0,95)
Escolaridade em anos
	4 ou mais	1,00	1,00	1,00	1,00
	<4	1,04 (0,92-1,16)	0,97 (0,87-1,09)	0,86 (0,79-0,95)	1,01 (0,94-1,08)
Tabagismo atual
	Não	1,00	1,00	1,00	1,00
	Sim	1,02 (0,89-1,18)	1,12 (0,98-1,28)	1,13 (1,01-1,27)	1,14 (1,05-1,23)
Consumo de álcool (doses/semana)
	<7	1,00	1,00	1,00	1,00
	7 ou mais	0,63 (0,44-0,89)	1,13 (0,91-1,42)	1,17 (0,98-1,41)	1,03 (0,89-1,20)
Diabetes1
	Não	1,00	1,00	1,00	1,00
	Sim	1,18 (1,03-1,36)	1,10 (0,95-1,27)	1,19 (1,06-1,34)	0,97 (0,88-1,08)
Hipertensão arterial2
	Não	1,00	1,00	1,00	1,00
	Sim	1,08 (0,97-1,21)	1,01 (0,90-1,13)	1,00 (0,90-1,10)	1,05 (0,98-1,13)
Doença cardiovascular3
	Não	1,00	1,00	1,00	1,00
	Sim	0,99 (0,86-1,15)	0,96 (0,82-1,12)	0,92 (0,80-1,06)	1,06 (0,97-1,15)
Comprometimento cognitivo4
	Não	1,00	1,00	1,00	1,00
	Sim	1,00 (0,88-1,15)	1,13 (0,99-1,28)	0,97 (0,86-1,09)	0,99 (0,91-1,08)
Limitação funcional5
	Não	1,00	1,00	1,00	1,00
	Sim	1,27 (1,11-1,44)	0,93 (0,80-1,10)	1,07 (0,94-1,21)	0,89 (0,80-0,99)
Interleucina 6
	<1,08 pg/mL	1,00	1,00	1,00	1,00
	>1,08 pg/mL	1,19 (1,06-1,32)	1,09 (0,97-1,21)	1,09 (0,99-1,21)	0,95 (0,88-1,02)
Proteína C-reativa
	<3,25 mg/dL	1,00	1,00	1,00	1,00
	>3,25 mg/dL	1,20 (1,07-1,33)	1,02 (0,92-1,14)	1,03 (0,93-1,13)	0,95 (0,88-1,01)
Interleucina 1b
	Não detectável	1,00	1,00	1,00	1,00
	>0,01 pg/mL	0,95 (0,83-1,09)	0,97 (0,84-1,10)	0,97 (0,86-1,10)	0,88 (0,80-0,97)
Fator de necrose tumoral - TNF
	Não detectável	1,00	1,00	1,00	1,00
	>0,02 pg/mL	0,97 (0,84-1,13)	0,97 (0,84-1,13)	1,03 (0,91-1,17)	0,98 (0,89-1,08)

• RP (IC95%): razões de prevalência não ajustadas (intervalos de 95% de confiança); CMV: citomegalovírus (IgG>399,5 U/mL); HSV: herpes simples (IgG>160 UR/mL); CP: Chlamydia pneumoniae (IgG>22 UR/mL); HP: Helicobacter pylori (positivo - IgG>50 U/mL). ¹Glicemia de jejum >126 mg/dL e/ou uso de medicamento; ²Pressão sistólica >140 mmHg e/ou pressão diastólica >90 mmHg e/ou tratamento; ³Angina (protocolo), relato de infarto do miocárdio e/ou relato de acidente vascular encefálico; ⁴Escore do Mini-exame do estado mental <22; ⁵Relato de alguma dificuldade para tomar banho, vestir-se, alimentar-se, deitar e levantar da cama, lidar com finanças, fazer tarefas domésticas ou preparar refeições.
• Fonte: Elaborado pelos autores.

A associação independente entre as infecções crônicas e as variáveis sociodemográficas e comportamentais estão descritas na Tabela 3. Após ajustamento por todas as variáveis listadas na tabela, a maior titulação de anticorpos para CMV foi mais prevalente entre os idosos mais velhos (Razão de Prevalência - RP: 1,13; IC95%: 1,01-1,28), as mulheres (RP: 1,46; IC95%: 1,28-1,66) e os tabagistas atuais (RP: 1,17; IC95%: 1,02-1,35). Por outro lado, maiores títulos de anticorpos para HSV-1 foram menos frequentes entre as mulheres (RP: 0,78; IC95%: 0,70-0,88). A infecção por C. pneumoniae foi mais frequente entre os idosos mais velhos (RP: 1,15; IC95%: 1,04-1,28) e menos frequente entre as mulheres (RP: 0,80; IC95%: 0,73-0,89) e entre aqueles com menor escolaridade (RP: 0,86; IC95%: 0,78-0,95). Já a prevalência de infecção por H. pylori também foi menor entre as mulheres (RP: 0,90; IC95%: 0,84-0,97), mas foi positivamente associada ao tabagismo atual (RP: 1,10; IC95%: 1,01-1,19).

Tabela 3
Resultados da análise multivariada das associações entre citomegalovírus (CMV), herpes simples tipo 1 (HSV-1), C. pneumoniae (CP) e H. pylori (HP) e características sociodemográficas e comportamentais. Linha de base da Coorte de idosos de Bambuí.

Variáveis		RP ajustada (IC95%)
		CMV	HSV	CP	HP
Idade em anos
	60 a 74	1,00	1,00	1,00	1,00
	75 e mais	1,13 (1,01-1,28)	1,02 (0,90-1,16)	1,15 (1,04-1,28)	0,94 (0,86-1,02)
Sexo
	Homens	1,00	1,00	1,00	1,00
	Mulheres	1,46 (1,28-1,66)	0,78 (0,70-0,88)	0,80 (0,73-0,89)	0,90 (0,84-0,97)
Escolaridade em anos
	4 ou mais	1,00	1,00	1,00	1,00
	<4	1,00 (0,89-1,12)	0,98 (0,88-1,10)	0,86 (0,78-0,95)	1,01 (0,94-1,08)
Tabagismo atual
	Não	1,00	1,00	1,00	1,00
	Sim	1,17 (1,02-1,35)	1,04 (0,91-1,20)	1,08 (0,96-1,21)	1,10 (1,01-1,19)
Consumo de álcool (doses/semana)
	<7	1,00	1,00	1,00	1,00
	7 ou mais	0,78 (0,54-1,12)	0,97 (0,78-1,22)	1,00 (0,83-1,21)	0,96 (0,82-1,12)

• RP (IC95%): razões de prevalência ajustadas por todas as variáveis listadas na tabela (intervalos de 95% de confiança); CMV: citomegalovírus (IgG>399,5 U/mL); HSV: herpes simples (IgG>160 UR/mL); CP: Chlamydia pneumoniae (IgG>22 UR/mL); HP: Helicobacter pylori (positivo - IgG>50 U/mL).
• Fonte: Elaborado pelos autores.

Os resultados da associação entre as quatro infecções pesquisadas e as variáveis relacionadas às condições de saúde, considerando o ajustamento por todas essas condições e pelos fatores sociodemográficos e comportamentais, estão descritos na Tabela 4. A prevalência de maiores títulos de anticorpos para CMV foi maior entre os idosos com diagnóstico de diabetes (RP: 1,15; IC95%: 1,01-1,31), entre aqueles que reportaram limitações nas atividades de vida diária (RP: 1,20; IC95%: 1,05-1,38) e no grupo com maiores níveis de IL-6 (RP: 1,14; IC95%: 1,01-1,27). Por outro lado, o HSV-1 não apresentou associação significativa com nenhuma das condições de saúde avaliadas; a infecção por C. pneumoniae foi mais frequente entre os diabéticos (RP: 1,19; IC95%: 1,06-1,33); e a infecção por H. pylori foi menos comum entre os idosos com níveis detectáveis de IL-1β (RP: 0,87; IC95%: 0,79-0,97).

Tabela 4
Resultados da análise multivariada das associações entre citomegalovírus (CMV), herpes simples tipo 1 (HSV-1), C. pneumoniae (CP) e H. pylori (HP) e características de saúde. Linha de base da Coorte de idosos de Bambuí.

Variáveis		RP ajustada (IC95%)
		CMV	HSV	CP	HP
Diabetes1
	Não	1,00	1,00	1,00	1,00
	Sim	1,15 (1,01-1,31)	1,12 (0,97-1,29)	1,19 (1,06-1,33)	0,99 (0,89-1,09)
Hipertensão arterial2
	Não	1,00	1,00	1,00	1,00
	Sim	1,02 (0,91-1,14)	1,03 (0,92-1,16)	1,02 (0,93-1,13)	1,07 (0,99-1,15)
Doença cardiovascular3
	Não	1,00	1,00	1,00	1,00
	Sim	0,93 (0,81-1,08)	0,97 (0,83-1,13)	0,94 (0,82-1,08)	1,07 (0,98-1,17)
Comprometimento cognitivo4
	Não	1,00	1,00	1,00	1,00
	Sim	0,99 (0,86-1,15)	1,12 (0,98-1,29)	0,94 (0,83-1,07)	0,98 (0,89-1,07)
Limitação funcional5
	Não	1,00	1,00	1,00	1,00
	Sim	1,20 (1,05-1,38)	0,89 (0,75-1,05)	1,04 (0,91-1,18)	0,90 (0,81-1,01)
Interleucina 6
	<1,08 pg/mL	1,00	1,00	1,00	1,00
	>1,08 pg/mL	1,14 (1,01-1,27)	1,08 (0,96-1,21)	1,07 (0,97-1,18)	0,96 (0,89-1,03)
Proteína C-reativa
	<3,25 mg/dL	1,00	1,00	1,00	1,00
	>3,25 mg/dL	1,10 (0,99-1,23)	1,02 (0,91-1,14)	1,00 (0,91-1,11)	0,96 (0,89-1,03)
Interleucina 1b
	Não detectável	1,00	1,00	1,00	1,00
	>0,01 pg/mL	0,96 (0,83-1,10)	0,98 (0,85-1,14)	0,98 (0,87-1,11)	0,87 (0,79-0,97)
Fator de necrose tumoral - TNF
	Não detectável	1,00	1,00	1,00	1,00
	>0,02 pg/mL	0,94 (0,80-1,10)	0,97 (0,83-1,14)	1,03 (0,90-1,17)	1,05 (0,95-1,17)

• RP (IC95%): razões de prevalência ajustadas por todas as variáveis listadas na tabela, além de idade, sexo e escolaridade (intervalos de 95% de confiança); CMV: citomegalovírus (IgG>399,5 U/mL); HSV: herpes simples (IgG>160 UR/mL); CP: Chlamydia pneumoniae (IgG>22 UR/mL); HP: Helicobacter pylori (positivo - IgG>50 U/mL). ¹Glicemia de jejum >126 mg/dL e/ou uso de medicamento; ²Pressão sistólica >140 mmHg e/ou pressão diastólica >90 mmHg e/ou tratamento; ³Angina (protocolo), relato de infarto do miocárdio e/ou relato de acidente vascular encefálico; ⁴Escore do Mini-exame do estado mental <22; ⁵Relato de alguma dificuldade para tomar banho, vestir-se, alimentar-se, deitar e levantar da cama, lidar com finanças, fazer tarefas domésticas ou preparar refeições.
• Fonte: Elaborado pelos autores.

A análise de sensibilidade, excluindo-se os idosos com resultados inconclusivos para dosagens de anticorpos, mostrou que os resultados dos modelos ajustados mantiveram as associações descritas nesse estudo, com a mesma direção e significância estatística, para todos os quatro patógenos investigados.

Discussão

As prevalências de infecções crônicas observadas entre os idosos de Bambuí podem ser consideradas relativamente elevadas, sugerindo maior vulnerabilidade aos eventos adversos associados às infecções⁵. Além disso, nossos resultados possibilitaram identificar o perfil epidemiológico que caracteriza essas infecções, revelando diferenças importantes entre os patógenos. De maneira geral, os idosos mais velhos apresentaram maiores títulos de anticorpos para o CMV e maior prevalência de infecção por C. pneumoniae; as mulheres apresentaram menor prevalência de CMV e maior prevalência das outras três infecções; os idosos com menor escolaridade tinham menor prevalência de C. pneumoniae e os fumantes atuais tinham maior prevalência para CMV e H. pylori. Em relação às condições de saúde, as infecções por CMV e C. pneumoniae foram mais frequentes entre os diabéticos; o CMV foi mais prevalente entre os idosos com incapacidade e naqueles com maiores níveis de IL-6 e a infecção por H. pylori foi menos frequente entre os idosos com níveis detectáveis de IL-1β.

As prevalências para infecção por CMV e HSV-1 apresentam ampla variação entre populações, podendo atingir níveis elevados, como observado na presente análise (99,4% e 96,7%, respectivamente), sobretudo em regiões menos desenvolvidas^6,7. A prevalência de infecção pelo CMV em Bambuí foi semelhante ao observado entre adultos mexicanos (97,0%)²⁴ e superior ao observado entre homens (64,7%) e mulheres (77,6%) com idades entre 70 e 79 anos da Alemanha¹⁰. Já a infecção pelo HSV-1 atingiu valores elevados entre adultos africanos (>91%) e entre americanos com 70 anos ou mais (90%)⁷, de forma semelhante ao descrito na presente investigação. Nossos resultados acrescentam por mostrar prevalência elevada de títulos de anticorpos contra esses patógenos em uma população idosa brasileira, caracterizando um processo crônico de infecção nesse grupo.

A prevalência de infecção por C. pneumoniae (56,0%) esteve entre os valores observados na literatura, que variaram de 45,0%²⁵ a 70,9%³ nos Estados Unidos, chegando a 75,0% entre adultos italianos⁸. Já a prevalência de H. pylori (70,5%) apresentou valor semelhante ao reportado em meta-análise para a população brasileira (71,2%), inferior ao observado na África (79,1%) e muito superior às regiões de maior renda, como Europa (47,0%) e América do Norte (37,1%)⁹. Portanto, tal como observado para as infecções virais, os resultados ressaltaram a elevada prevalência de infecções bacterianas nessa população, contribuindo para o conhecimento da epidemiologia das infecções entre idosos.

O aumento da prevalência de infecção por CMV com a idade já foi observado em outras populações^6,10,13,26, apresentando também aumento da carga viral, mesmo após os 60 anos de idade²⁷, estando em consonância com nossos resultados, podendo representar uma exposição passada e cumulativa. De forma também semelhante a outros estudos, a infecção por CMV foi mais comum entre as mulheres de Bambuí, o que pode ser atribuído ao papel cultural de cuidar de crianças, seja em casa ou nas escolas, estando mais expostas à transmissão desse vírus ao longo da vida^6,10.

A prevalência da infecção pelo HSV-1 tende a aumentar com a idade^11,24, mas a maioria dos estudos foi conduzida em populações adultas, crianças ou gestantes^7,28. Nossos resultados não evidenciaram aumento da prevalência a partir dos 60 anos, o que parece ser coerente com a hipótese de estabilização da prevalência entre os mais velhos⁷. Em relação à comparação entre os sexos, a prevalência de maiores níveis de anticorpos para HSV-1 foi significativamente menor entre as mulheres idosas de Bambuí, corroborando a hipótese levantada em estudo de revisão, de que há redução dessa prevalência entre as mulheres com o envelhecimento⁷. A distribuição da infecção por C. pneumoniae apresenta variações em relação à idade e sexo^8,29, mas de forma semelhante ao observado em Bambuí, essa prevalência entre adultos italianos aumentou com a idade e foi maior entre homens⁸. Já a prevalência de infecção por H. pylori é consistentemente maior entre os homens^25,30,31 e não apresenta grande variação com idade a partir dos 60 anos^30,32, tal como observado em Bambuí.

Alguns resultados obtidos em países de alta renda mostram que as prevalências de infecções crônicas foram mais frequentes nos grupos de pior nível socioeconômico^{11,12,28,33,34}, mas esses estudos incluíram, predominantemente, populações adultas. Por outro lado, estudo conduzido no México não evidenciou associação entre escolaridade e as infecções por HSV-1 e CMV²⁴, bem como estudos conduzidos no Irã para H. pylori³⁵ e na Itália para C. pneumoniae⁸. Esses resultados podem sugerir menor impacto do nível socioeconômico nessas infecções em países de baixa e média renda ou menor efeito da posição econômica em populações idosas, sendo coerente ao que foi descrito no presente estudo. Pode-se supor ainda que a situação socioeconômica na infância pode ser mais importante para a determinação dessas infecções do que a situação avaliada na fase adulta, sobretudo a partir dos 60 anos³⁶. Em relação à C. pneumoniae, a condição socioeconômica e escolaridade podem não ser relevantes para a prevalência dessa infecção⁸, mas entre idosos de Bambuí o grupo com menor escolaridade apresentou menor prevalência de infecção por C. pneumoniae, mesmo após ajuste por idade, sexo e tabagismo, diferindo das evidências reportadas até o presente momento.

A não associação entre as infecções avaliadas no presente estudo e o consumo de álcool é coerente com resultados observados em outras populações^24,37, embora já tenha sido descrita associação negativa entre o consumo de álcool e a infecção por H. pylori¹², o que não foi observado no presente estudo. Sobre o hábito de fumar, a prevalência de maior titulação de anticorpos para CMV e de infecção pelo H. pylori foi maior entre os tabagistas atuais em Bambuí, tal como observado na Inglaterra para CMV¹¹ e na Alemanha para CMV^10,34 e H. pylori¹². Ainda não está claro se essa associação ocorre pela influência do tabaco no sistema imunológico, favorecendo a infecção³⁸ ou se o hábito de fumar seria um proxi para outros comportamentos não saudáveis ou pior nível socioeconômico^10,34. De toda forma, nossos resultados reforçam que o tabagismo parece apresentar uma associação mais consistente com infecções crônicas em comparação ao consumo de álcool, mesmo em populações idosas, sobretudo para CMV e H. pylori.

A associação entre CMV e diabetes permaneceu significativa mesmo após ajuste pelos confundidores, confirmando resultados obtidos em outras populações^4,13,37. A hipótese de que essa relação pudesse ser explicada pela idade e outros fatores de confusão¹³ não deve ter ocorrido no presente estudo, considerando a persistência da significância estatística na análise múltipla. De forma semelhante, a associação entre diabetes e C. pneumoniae está em consonância com resultado anterior³⁹, podendo ser explicada pela influência dessa infecção nas células beta do pâncreas, aumentando a chance de ocorrência do diabetes³⁹. Em relação ao HSV-1, os resultados de Bambuí são consonantes com outras populações^2,11, reforçando a inexistência de relação entre essa infecção e o diabetes. Por outro lado, a associação entre infecção por H. pylori e diabetes ainda é controversa na literatura⁴⁰, embora em meta-análise recente foi observada associação significativa entre essas condições⁴¹, de forma oposta ao observado entre idosos de Bambuí.

Ainda que possa haver mecanismos que justifiquem a associação entre algumas infecções crônicas e as doenças cardiovasculares, os resultados são controversos entre as populações¹⁵. Em Bambuí, nenhuma das quatro infecções avaliadas apresentou associação significativa com hipertensão e com doenças cardiovasculares, reforçando resultados anteriores^25,42. Ressalta-se a importância da inflamação, além da condição socioeconômica e hábito de fumar, como possíveis mecanismos que explicariam essas associações^15,40, mas no presente estudo essas associações não foram observadas mesmo na análise não ajustada.

A limitação funcional não esteve associada a infecções por C. pneumoniae, H. pylori e HSV-1, de forma coerente com outros estudos^2,16,43, enquanto o CMV parece exercer papel importante na ocorrência de limitações físicas entre idosos, como já demonstrado anteriormente^2,14,44. Embora alguns estudos não evidenciaram significância estatística após ajustamento por fatores de confusão^4,43, nossos resultados reforçam essa associação, pois ela se manteve mesmo após ajustamento por diversos confundidores, incluindo marcadores do perfil inflamatório, que parece ter papel importante nessa associação^43,44. Por sua vez, a associação entre cognição e algumas infecções crônicas já foi descrita anteriormente¹, com maior influência das infecções virais⁴⁵, mas esse resultado não foi observado entre idosos de Bambuí, demonstrando que o comprometimento cognitivo ocorre de forma independente das infecções investigadas.

De maneira geral, infecções crônicas têm sido associadas com maiores níveis de marcadores inflamatórios entre idosos, com destaque para o CMV, contribuindo para o processo de imunosenescência^46,47. No presente estudo a IL-6 apresentou associação com CMV após ajustamento pelos confundidores, estando em consonância com o papel desse patógeno no processo conhecido como inflamm-aging. Sugere-se que a presença dessa infecção e sua reativação está relacionada com redução do repertório de células T CD8+CD28-, redução do número de células B e aumento dos níveis de IL-6 no plasma⁴⁶, justificando os resultados observados em Bambuí. Já a infecção por H. pylori pode se apresentar associada com aumento dos marcadores inflamatórios⁴⁸, mas em outras populações essa associação não foi observada^31,49. No entanto, já foi verificado que a presença dessa infecção pode suprimir a produção de citocinas pró-inflamatórias pela redução do estresse oxidativo⁴⁰, o que é coerente com o resultado observado entre idosos de Bambuí, com menor produção de IL-1β entre os infectados.

A principal limitação deste trabalho é o delineamento seccional, que não permite estabelecer relações temporais entre as variáveis pesquisadas, embora o objetivo tenha sido detectar o perfil dos idosos com infecções crônicas em um estudo de base populacional. Além disso, a dosagem de anticorpos não permite avaliar se a infecção é recente ou se pode se relacionar a uma reativação dos patógenos, mostrando o nível de IgG no momento da coleta dos dados. O presente estudo inclui 1.320 idosos que possuíam informações completas para todas as variáveis, entre os 1.606 que participaram do inquérito. O grupo de idosos não incluídos nessa análise era significativamente mais velho e apresentava maior proporção de mulheres, com menor escolaridade e maiores prevalências de comprometimento cognitivo e limitação funcional. As demais variáveis não apresentaram diferenças significativas. Portanto, as prevalências das infecções crônicas podem ter sido subestimadas e a magnitude das associações reduzidas. No entanto, ressalta-se que a amostra investigada era suficiente para detectar uma diferença mínima de 8% entre os grupos, mantendo-se um poder maior ou igual a 80%.

Por outro lado, a análise foi conduzida em um estudo de base populacional, com informações coletadas por instrumentos padronizados e examinadores treinados, buscando assegurar a qualidade das informações coletadas. Além disso, o estudo incluiu quatro infecções, que apresentam potenciais impactos para o envelhecimento, e os resultados podem contribuir para o conhecimento acerca do perfil dos idosos com infecções crônicas residentes em um país latino-americano, considerando a escassez de estudos nessa região.

Em resumo, os resultados do presente estudo mostraram elevada prevalência para as quatro infecções estudadas, além de demonstrar que os fatores associados a essas infecções se apresentaram de forma diferente para cada patógeno, permitindo caracterizar os grupos mais vulneráveis. Ainda assim, e em consonância com a falta de consistência observada na literatura sobre a associação entre os patógenos e os eventos adversos, fica evidente a necessidade de outros estudos, envolvendo populações residentes em diferentes regiões e incluindo diferentes faixas etárias, que possam contribuir para o conhecimento da epidemiologia das infecções crônicas, com destaque para seu efeito entre idosos e para o papel da inflamação nesse processo.

Agradecimento

SV Peixoto, A Teixeira-Carvalho, OA Martins-Filho e MF Lima-Costa são bolsistas de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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• Financiamento

  Instituto René Rachou (Fiocruz Minas), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

Editado por

Editores-chefes:

Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  15 Nov 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  24 Out 2019
• Aceito
  21 Jan 2020
• Publicado
  23 Jan 2020