Resumo
É observada a queda nos percentuais de cobertura vacinal no Brasil, num cenário de crescimento progressivo da cobertura da Atenção Primária à Saúde (APS), locus onde grande parte das ações de vacinação ocorre. Investigou-se as diferenças nos perfis de acesso e qualidade da APS entre municípios que atingiram ou não as metas de cobertura vacinal para influenza em 2019. Neste estudo ecológico, comparou-se variáveis potencialmente preditoras do alcance da meta de cobertura vacinal para influenza, considerando as dimensões de acesso, qualidade e características do município. Para todos os grupos, o conjunto de municípios que atingiu a cobertura preconizada tinha maiores coberturas de APS e de Estratégia de Saúde da Família e maior número de Agentes Comunitários de Saúde por mil habitantes. Também realizavam mais busca ativa de crianças com calendário vacinal atrasado, registravam a vacinação em dia das gestantes, o horário de funcionamento da unidade atendia às expectativas do usuário, havia maior satisfação do usuário com o cuidado recebido e maior percentual da população com acesso à coleta de lixo. As variáveis podem servir de apoio para a tomada de decisão quanto à organização dos serviços de APS na busca de ampliar as coberturas vacinais para influenza.
Palavras-chave:
Cobertura vacinal; Atenção primária à saúde; Vacinas contra Influenza
Abstract
A drop in the percentages of vaccination coverage in Brazil has been detected in a scenario where there is progressive growth in the coverage of Primary Health Care (PHC), namely the location where most of the vaccination actions occur. This article investigated the differences in PHC access and quality profiles among municipalities that attained or failed to attain coverage targets for influenza in 2019, stratified by vaccination priority groups. In this ecological study, we compared predictors of reaching the goal of vaccination coverage for influenza, considering access, quality, and characteristics of the municipality. For all groups, the set of municipalities that reached the targets had greater PHC and Family Health Strategy coverage and a greater number of Community Health Agents per thousand inhabitants. They also carried out more active searches for children with delayed vaccination schedules, registered the vaccination of pregnant women on the same day, had unit opening hours that met user expectations, showed greater user satisfaction with the care received and had a higher percentage of the population with access to garbage collection. The variables may support decision-making about the organization of PHC services with the purpose of expanding vaccine coverage for influenza.
Key words:
Vaccination coverage; Primary health care; Influenza vaccines
Introdução
Não há dúvidas da importância da vacinação como estratégia essencial para a prevenção e controle de doenças imunopreveníveis. Quando adotada como estratégia de saúde pública, a vacinação é uma das mais poderosas e custo-efetivas de todas as intervenções em saúde, pois previne doenças debilitantes, incapacidades, sendo especialmente importante na redução da mortalidade em crianças menores de cinco anos11 World Health Organization (WHO). State of the world's vaccines and immunization. Geneva: WHO; 2009..
Ozawa e colaboradores22 Ozawa S, Clark S, Portnoy A, Grewal S, Brenzel L, Walker DG. Return on investment from childhood immunization in low- and middle-income countries, 2011-20. Health Aff 2016; 35(2):199-207. avaliaram, em 94 países de baixa e média renda, o retorno sobre o investimento na imunização infantil relacionada a dez antígenos em comparação a não vacinação, na década compreendida entre 2011 e 2020; e identificaram que o retorno para cada dólar investido em vacinação durante a década será 16 vezes maior que o investimento se forem considerados apenas os custos das doenças evitadas; e 44 vezes maior se considerado o valor econômico e social mais amplo da prevenção de morte e invalidez.
Isso reforça ainda mais a importância da vacinação como uma ferramenta de saúde pública essencial para melhoria da saúde global e promoção do desenvolvimento econômico e a necessidade de os formuladores de políticas apoiarem, otimizarem e defenderem a expansão dos programas de imunização, em especial nos países mais pobres.
O Programa Nacional de Imunização (PNI) do Brasil é considerado como referência para outros países com sistemas públicos de saúde universais. O Calendário Nacional de Vacinação do Brasil33 Brasil. Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS). Calendário de Vacinação 2020 - Anexo I - Calendário da criança [Internet]. Brasília: SVS; 2020. [acessado 2021 jan 28]. Disponível em: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/marco/04/Calendario-Vacinao-2020-Crian--a.pdf disponibiliza na rotina de imunização 19 vacinas que protegem a população de mais de 20 doenças44 Domingues CMAS, Fantinato FFST, Duarte E, Garcia LP. Vacina Brasil e estratégias de formação e desenvolvimento em imunizações. Epidemiol Serv Saude 2019; 28(2):1-4. e estabelece, como estratégia de campanha, que as crianças de seis meses a menores de seis anos de idade, idosos, gestantes e outros grupos prioritários devem receber a vacina influenza em dose única, exceto se a vacina estiver sendo administrada pela primeira vez, situação na qual deverão receber duas doses, com um mês de intervalo.
A influenza é uma infecção viral aguda que afeta o sistema respiratório. Possui elevada transmissibilidade e uma distribuição global, podendo disseminar-se facilmente causando epidemias sazonais ou, ainda, pandemias55 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Informe técnico: 22a Campanha Nacional de Vacinação contra a Influenza. Brasília: MS; 2020..
A campanha de vacinação contra a influenza foi incorporada no calendário do PNI em 199966 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Programa Nacional de Imunizações (PNI): 40 anos [Internet]. Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde. Brasília: MS; 2013. 228 p. [acessado 2021 jan 28]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/programa_nacional_imunizacoes_pni40.pdf, com o propósito de reduzir internações, complicações e mortes por influenza na população-alvo55 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Informe técnico: 22a Campanha Nacional de Vacinação contra a Influenza. Brasília: MS; 2020., que inicialmente era composta de idosos e alguns grupos específicos atendidos pelos Centros de Referência de Imunobiológicos Especiais (CRIEs).
Ao longo do tempo, novos grupos prioritários foram incluídos e as metas de cobertura vacinal preconizada foram aumentando, tendo iniciado em 1999 com meta de 70%, passando a ser de 90% a partir de 2017 para todos os grupos prioritários77 Ministério da Saúde. Informe Técnico 19a Campanha Nacional de Vacinação contra a Influenza Brasília , abril de 2017. 2017; 1-44.. O Quadro 1 faz um compilado das metas preconizadas pelo PNI para a vacina influenza, bem como os grupos prioritários para cada ano de campanha.
Cobertura, qualificação e integração da Atenção Primária à Saúde (APS): um olhar para a vacinação
Em 1993, o Brasil passou a adotar a Estratégia de Saúde da Família (ESF) como uma estratégia diferenciada para a reestruturação do sistema de saúde, com foco na organização da APS e substituição dos modelos tradicionais que se tornou política de Estado e um dos pilares de sustentação do Sistema Único de Saúde(SUS)88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Memórias da Saúde da Família no Brasil [Internet]. Brasília: MS; 2010. 144p. [acessado 2021 jan 27]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/memorias_saude_familia_brasil.pdf.
A APS deve, dentre outros, desempenhar um papel central como ordenadora da rede de atenção, assumindo o papel de porta de entrada para o serviço, mantendo a integração com a rede assistencial para a população do seu território. Além disso, deve oferecer serviços de qualidade para o cuidado ao indivíduo ao longo do tempo, resolvendo a maioria das suas necessidades de saúde, sendo a coordenadora do cuidado, valorizando o sujeito, a família e a comunidade99 Mendonça MHM, Matta GC, Gondim R, Giovanella L. Atenção Primária à Saúde no Brasil: conceitos, práticas e pesquisa. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2018. p. 29-47..
Apesar da imunização ser uma estratégia relacionada à vigilância em saúde44 Domingues CMAS, Fantinato FFST, Duarte E, Garcia LP. Vacina Brasil e estratégias de formação e desenvolvimento em imunizações. Epidemiol Serv Saude 2019; 28(2):1-4. para o enfrentamento das doenças imunopreveníveis, é no locus da APS que as ações de vacinação são efetivamente realizadas. Conforme descreve Guimarães1010 Guimarães TMR, Tavares MMF, Alves JGB. Impacto das ações de imunização pelo Programa Saúde da Família na mortalidade infantil por doenças evitáveis em Olinda, Pernambuco, Brasil. Cad Saude Publica 2009; 25(4):868-876.:
A vacinação é uma ação integrada e rotineira dos serviços de saúde, pertencendo ao nível de atenção primária de baixa complexidade e de grande impacto nas condições gerais da saúde infantil, representando um dos grandes avanços da tecnologia médica nas últimas décadas, se constituindo no procedimento de melhor relação custo e efetividade no setor saúde.
Segundo dados do Ministério da Saúde, a cobertura da APS no Brasil, nos últimos 12 anos, passou de 61,51% em janeiro de 2008 para 76,50% em abril de 20201111 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Histórico de Cobertura Consolidada [Internet]. [acessado 2021 jan 27]. Disponível em: https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/relHistoricoCoberturaConsolidado.xhtml
https://egestorab.saude.gov.br/paginas/a...
(aumento de 24,2%), contando em outubro de 2020 com quase 44 mil equipes de saúde da família espalhadas por todo o Brasil1212 Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Painéis de indicadores: saúde da família [Internet]. [acessado 2021 jan 27]. Disponível em: https://sisaps.saude.gov.br/painelsaps/saude-familia
https://sisaps.saude.gov.br/painelsaps/s...
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Os avanços da APS no Brasil na última década, especialmente com a ampliação do acesso, tiveram repercussões positivas identificadas na redução da mortalidade infantil1313 Aquino R, Oliveira NF, Barreto ML. Impact of the Family Health Program on infant mortality in brazilian municipalities. Am J Public Health 2009; 99(1):87-93., na mortalidade por doenças cardiovasculares e cerebrovasculares1414 Rasella D, Harhay MO, Pamponet ML, Aquino R, Barreto ML. Impact of primary health care on mortality from heart and cerebrovascular diseases in Brazil: A nationwide analysis of longitudinal data. BMJ 2014; 349:1-10. e na redução das internações por condições sensíveis à atenção primária (ICSAP)1515 Macinko J, Oliveira VB, Turci MA, Guanais FC, Bonolo PF, Lima-Costa MF. The influence of primary care and hospital supply on ambulatory care-sensitive hospitalizations among adults in Brazil, 1999-2007. Am J Public Health 2011; 101(10):1963-1970..
Porém, a despeito da ampliação da cobertura de APS no Brasil e dos resultados positivos observados nos indicadores citados anteriormente, a redução das coberturas vacinais, especialmente a partir do ano de 2015, tem preocupado gestores de todas as esferas de gestão e tem provocado, por consequência, o retorno de doenças passíveis de prevenção por meio da vacinação e até mesmo já eliminadas no País, como foi o caso do sarampo.
No entanto, mesmo em locais com ampla disponibilidade de serviços, ainda assim se observam baixas coberturas vacinais1616 Silva AAM, Gomes UA, Tonial SR, Silva RA. Cobertura vacinal e fatores de risco associados à não-vacinação em localidade urbana do Nordeste brasileiro, 1994. Rev Saude Publica 1999; 33(2):147-156.. Assim, é possível que existam outros fatores, para além da disponibilidade do serviço, que possam estar relacionados a uma maior proporção de cobertura vacinal em determinada localidade em detrimento de outra, o que pode incluir os fatores relacionados à qualificação do serviço, por exemplo.
Fatores associados à adesão à vacinação
Em uma revisão sistemática realizada por Tauil, Sato e Waldmann1717 Tauil MC, Sato APS, Waldman EA. Factors associated with incomplete or delayed vaccination across countries: A systematic review. Vaccine 2016; 34(24):2635-2643., a respeito dos fatores que influenciam a adesão ao calendário de vacinação infantil em crianças de zero a 24 meses em diversos países, verificou-se que, de forma geral, a ordem de nascimento superior, baixa escolaridade materna e baixo nível socioeconômico foram os mais frequentemente observados como fatores que influenciam a adesão ao esquema vacinal infantil em diferentes países. O fortalecimento dos contatos e relações entre os serviços de saúde e mães com várias crianças e famílias com baixo nível educacional ou baixo nível socioeconômico parecem ser uma ação importante para melhorar a cobertura vacinal.
Ao considerarmos a vacinação na condição de um serviço de caráter preventivo, a princípio, cabe ao usuário a busca por esse serviço quando e se considerá-lo como uma necessidade de saúde1818 Moraes JC, Ribeiro MCSA. Desigualdades sociais e cobertura vacinal: uso de inquéritos domiciliares. Rev Bras Epidemiol 2008; 11(Supl. 1):113-124.. No entanto, apesar da utilização do serviço de vacinação depender de fatores relacionados ao usuário, como a citada identificação de uma necessidade de saúde ou ainda características demográficas, socioeconômicas ou culturais, por exemplo; há de se considerar a importância de fatores relacionados ao “sistema de barreiras” existentes no acesso ao serviço, que inclui características dos prestadores de serviços e da organização dos serviços1919 Travassos C, Martins M. Uma revisão sobre os conceitos de acesso e utilização de serviços de saúde. Cad Saude Publica 2004; 20(Supl. 2):S190-S198..
Apesar de existirem pesquisas2020 Silva FS, Barbosa YC, Batalha MA, Ribeiro MRC, Simões VMF, Branco MDRFC, Thomaz EBAF, Queiroz RCS, Araújo WRM, Silva AAMS. Incompletude vacinal infantil de vacinas novas e antigas e fatores associados: Coorte de nascimento BRISA, São Luís, Maranhão, Nordeste do Brasil. Cad Saude Publica 2018; 34(3).
21 Queiroz LLC, Monteiro SG, Mochel EG, Veras MASM, Sousa FGM, Bezerra MLM, Chein MBC. Cobertura vacinal do esquema básico para o primeiro ano de vida nas capitais do Nordeste Brasileiro. Cad Saude Publica 2013; 29(2):294-302.
22 Barata RB, Pereira SM. Desigualdades sociais e cobertura vacinal na cidade de Salvador, Bahia. Rev Bras Epidemiol 2013; 16(2):266-277.
23 Barata RB, Almeida Ribeiro MCS, Moraes JC, Flannery B. Socioeconomic inequalities and vaccination coverage: Results of an immunisation coverage survey in 27 Brazilian capitals, 2007-2008. J Epidemiol Community Health 2012; 66(10):934-941.-2424 Yokokura AVCP, Silva AAM, Bernardes ACF, Filho FL, Alves MTSSB, Cabra NAL, Alves RFLB. Cobertura vacinal e fatores associados ao esquema vacinal básico incompleto aos 12 meses de idade, São Luís, Maranhão, Brasil, 2006. Cad Saude Publica 2013; 29(3):522-534. que buscam identificar os fatores associados à adesão à vacinação considerando fatores relacionados ao indivíduo, tais como sexo, idade, raça, escolaridade e nível socioeconômico; ainda são escassos na literatura estudos que visam a identificação de fatores relacionados à organização ou qualificação dos serviços de APS que possam ser preditores de um melhor desempenho dos indicadores relacionados à cobertura vacinal.
Os motivos relacionados ao usuário que o levam a não adesão à vacinação podem ser muitas vezes individuais, complexos e subjetivos, sendo difícil a atuação do gestor ou dos profissionais da área de saúde no sentido de modificá-los. É necessário, portanto, identificar os fatores relacionados à estruturação e organização dos serviços de APS que, se aperfeiçoados pelos gestores ou profissionais, podem atuar de forma positiva nos indicadores de cobertura vacinal.
A identificação desses fatores pode contribuir sobremaneira no direcionamento de intervenções e tomada de decisão quanto aos aspectos relativos à cobertura e qualificação da APS que possam estar relacionados ao alcance das metas de cobertura vacinal nos municípios, de forma a auxiliar na ampliação das coberturas vacinais de uma localidade.
Para tanto, este artigo se propôs a avaliar os aspectos relacionados à cobertura e qualificação da APS que se diferenciam entre o grupo de municípios que atingiram e que não atingiram as metas de cobertura vacinal para a campanha de influenza do ano de 2019, de forma a identificar variáveis potencialmente preditoras do alcance da cobertura vacinal nos municípios. Estes dados poderão auxiliar os gestores na tomada de decisão quanto aos aspectos relativos à APS que podem ser ajustados ou mais bem organizados, com o intuito de aumentar as coberturas vacinais no seu território e, com isso, garantir maior saúde e qualidade de vida para a sua população.
Método
Trata-se de um estudo ecológico analítico de múltiplos grupos, e que tem como unidade de análise o município, que avaliou diferenças nos perfis de municípios que atingiram e não atingiram as metas de cobertura vacinal para a vacina contra influenza na campanha nacional de vacinação do ano de 2019 para os grupos prioritários de crianças de seis meses a menores de seis anos de idade, de gestantes, de idosos e para o grupo geral (todos os grupos prioritários).
O grupo geral incluiu, além dos grupos já citados, puérperas (até 45 dias após o parto), trabalhadores da saúde, professores das escolas públicas e privadas, povos indígenas, grupos portadores de doenças crônicas não transmissíveis e outras condições clínicas especiais, adolescentes e jovens de 12 a 21 anos de idade sob medidas socioeducativas, população privada de liberdade e funcionários do sistema prisional.
Ao considerarmos que a meta preconizada para cobertura vacinal do público alvo foi de 90%, os municípios foram subdivididos em dois grupos, a saber: municípios que atingiram as metas de cobertura vacinal preconizada para a campanha nacional de influenza (maior ou igual a 90%) e municípios que não atingiram a meta de cobertura preconizada (menor que 90%) para cada um dos grupos de análise. As informações a respeito das coberturas vacinais por município para a vacina influenza durante a Campanha Nacional de Vacinação contra influenza do ano de 2019 foram obtidas a partir do Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI).
As variáveis que serviram de comparação para o grupo de municípios categorizados segundo alcance da meta de cobertura vacinal foram agrupadas em três dimensões, considerando os fatores que poderiam estar mais relacionados à adesão às ações de vacinação.
A primeira dimensão relaciona-se ao que Donabedian2525 Donabedian A. An introduction to quality assurance in health care. New York: Oxford University; 2003. denominou como Acessibilidade, incluindo variáveis que consideram aspectos geográficos e sócio-organizacionais que podem facilitar ou dificultar o uso do serviço de vacinação.
A segunda dimensão englobou variáveis relacionadas à qualificação do serviço de APS, e a terceira dimensão incluiu variáveis relacionadas às características particulares dos municípios e de sua população. O Quadro 2 apresenta os indicadores que compuseram cada uma das dimensões, seu método de cálculo e as fontes de dados de onde foram obtidos. Todos os dados utilizados para composição dos indicadores foram obtidos de fontes secundárias de acesso público, o que dispensa a submissão da pesquisa ao Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos.
Realizou-se análise descritiva de todas as variáveis consideradas neste estudo apresentando as informações referentes à média, mediana, desvio-padrão, primeiro e terceiro quartis (Q1 e Q3) e valores máximo e mínimo. Posteriormente, utilizou-se o teste não paramétrico de Mann-Whitney, considerando um nível de significância de 5%, para verificar diferenças estatisticamente significativas entre os perfis das variáveis que compuseram as três dimensões em relação aos municípios que atingiram ou não atingiram as metas de cobertura vacinal preconizadas para cada um dos grupos prioritários de análise.
Resultados e discussão
A Tabela 1 apresenta a estatística descritiva das variáveis consideradas para o estudo. Percebe-se que, em relação à cobertura vacinal, existe uma diferença importante entre os percentuais atingidos nos grupos prioritários de crianças e gestantes em relação ao grupo de idosos e o grupo geral, com a média dos percentuais menor nos primeiros.
De acordo com os dados apresentados pelo PNI2626 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Informe Técnico: 21a Campanha Nacional de Vacinação contra a Influenza. Brasília: MS; 2019. p. 1-44., percebe-se que as coberturas vacinais para a vacina influenza no grupo de crianças e gestantes são, de forma geral, as menores, quando comparadas aos demais grupos prioritários.
A baixa cobertura vacinal para a vacina influenza em gestantes não parece ser um fato exclusivo do Brasil. Algumas pesquisas realizadas, por exemplo, nos Estados Unidos2727 Lu P, Bridges CB, Euler GL, Singleton JA. Influenza vaccination of recommended adult populations, U.S., 1989-2005. Vaccine 2008; 26(14):1786-1793. e em Hong Kong2828 Lau JTF, Cai Y, Tsui HY, Choi KC. Prevalence of influenza vaccination and associated factors among pregnant women in Hong Kong. Vaccine 2010; 28(33):5389-5397., evidenciam baixa cobertura vacinal contra influenza em grávidas.
Em relação à cobertura dos serviços de APS e de ESF, observa-se que, em geral, a mediana da cobertura de APS no Brasil para o ano de 2018 foi de 93,1% e de ESF foi de 89,8%. Em relação à mediana do número de ACS para cada mil habitantes para o ano de 2018, metade dos municípios brasileiros tinham pelo menos 2,16 ACS para cada mil habitantes. Também se observou, em média, um quantitativo de quase três salas de vacina para cada dez mil habitantes.
Em média, apenas 11% das UBS funcionavam em horário alternativo (à noite ou aos sábados), mas a média de usuários que relatam que o horário de funcionamento da UBS os atende é de 86,6%.
Em torno de 77% dos usuários, em média, procuram a UBS para vacinação e, em média, 72,3% das UBS possuem sala de vacina exclusiva.
O percentual médio de equipes com câmara fria ou geladeira exclusiva para sala de vacina foi de 83,6% e, em relação ao cartão/comprovante de vacinação, em média, 89.6% das equipes o disponibilizavam.
Em média, 84,6% das equipes ofertavam vacinação e, dentre as que ofertavam, em média 92,8% ofertavam regularmente. A disponibilidade de pelo menos 80% das vacinas foi observada, em média, em 75,6% das equipes que ofertavam vacinação. Já as caixas térmicas para vacinas estavam disponíveis, em média, para 86,1% das equipes que ofertavam vacinação.
Em relação às internações por condições sensíveis à APS para o ano de 2018, percebe-se que o percentual dentre o total de internações foi, em média, de 20%.
Os percentuais médios de realização de busca ativa em caso de atraso nas vacinas da criança, o registro de vacinação em dia da gestante, a orientação às gestantes em relação à vacina contra tétano e o registro sobre vacinação em dia foram semelhantes entre as equipes, estando entre 93 e 96%.
Em relação à satisfação do usuário com o cuidado recebido, em média, os municípios obtiveram nota de 8,42. A média de usuários que consideraram o acolhimento ao procurar o serviço “bom” ou “muito bom” foi de 87,2%. A nota média de avaliação geral do PMAQ foi de 2,55.
Em relação às variáveis que caracterizam os municípios e a sua população, observou-se que, em média, os municípios apresentaram 1.526 Km² de extensão territorial, 51,7% de população rural, 0,7% de população indígena, Taxa de fecundidade total de 2,2, razão de dependência de 51,5,108,2 de densidade demográfica, 85,6% de população com acesso à água encanada, 94,0% de população com acesso à coleta de lixo, índice Firjan IFDM de 0,668, sendo esse índice para o componente Emprego e renda de 0,466, componente educação de 0,769, e componente saúde de 0,765.
A taxa de mortalidade infantil do ano de 2017 foi, em média, 12,9 óbitos em menores de um ano por mil nascidos vivos, já o percentual da população SUS dependente (não beneficiária de planos de saúde) foi, em média, de 91,6%.
A Tabela 2 apresenta a comparação dos perfis de município segundo alcance das metas de cobertura vacinal para todos os grupos de análise, de acordo com as dimensões avaliadas de acessibilidade, qualificação da APS e características do município e da sua população.
Verificou-se que, para todos os grupos prioritários analisados, a mediana das coberturas de APS e de ESF, além do número de ACS por mil habitantes eram significativamente maiores no grupo de municípios que atingiam as coberturas vacinais para influenza.
A Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017(29), que aprova a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) e estabelece a revisão de diretrizes para sua organização, considera a APS como principal porta de entrada e centro de comunicação da Rede de Atenção à Saúde, coordenadora do cuidado e ordenadora das ações e serviços disponibilizados na rede. A PNAB destaca, ainda, o papel essencial dos profissionais que compõem a APS e sua responsabilidade direta sobre as ações de saúde no seu território, permitindo intervenções oportunas, possibilitando uma atenção integral à saúde e, consequentemente, qualificando o cuidado no território.
Dessa forma, considera-se que é atribuição comum de todos os membros das equipes2929 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Atenção Básica - Portaria no 2.436, de 21 de setembro de 2017. Brasília: MS; 2017 [acessado 2021 jan 27]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html que atuam na APS, dentre outras, responsabilizar-se pelo acompanhamento da população adstrita, atender as necessidades de cuidados preventivos e buscar a integralidade na prestação dos serviços, o que inclui as ações de proteção e prevenção de doenças imunopreveníveis por meio da vacinação; é esperado que em locais com maiores coberturas de APS e ESF sejam identificados maiores percentuais de cobertura vacinal e, portanto, maior possibilidade de serem atingidas as metas de cobertura vacinal preconizadas pelo PNI.
Na APS, o Agente Comunitário de Saúde (ACS) possui uma parcela importante na atuação frente às doenças imunopreveníveis e, consequentemente, na busca por maiores percentuais de cobertura vacinal, pois suas atribuições envolvem prevenção de doenças e promoção da saúde, por meio de ações domiciliares ou comunitárias, individuais ou coletivas, em conformidade com as diretrizes estabelecidas no SUS3030 Brasil. Lei no 11.350, de 5 de outubro de 2006 [Internet]. [acessado 2021 jan 23]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11350.htm
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Após a publicação da nova PNAB, em 2017, uma mudança relevante foi observada quanto ao número mínimo de ACS na equipe, passando de quatro para apenas um, destacando que eles deveriam cobrir 100% da população em condições de maior risco e vulnerabilidade, mesmo sem definir parâmetros objetivos que caracterizassem quais seriam as condições de risco e vulnerabilidade; e não mais 100% da população da equipe de saúde da família. Tal mudança, apesar de não obrigatória, traz preocupações e pode ser vista como uma descontinuidade em relação ao aspectos organizativo e funcional da Política em relação a sua versão anterior de 20113131 Melo EA, Mendonça MHM, Oliveira JR, Andrade GCL. Mudanças na Política Nacional de Atenção Básica: entre retrocessos e desafios. Saude Debate 2018; 42(Spe. 1):38-51..
Outra questão importante a ser relacionada é que o número recomendado de pessoas por equipe de saúde da família passou de, no máximo, quatro mil pessoas (sem número mínimo), com recomendação de três mil pessoas/equipe, quando o número mínimo de ACE era de quatro ACS por equipe de saúde da família; para de duas mil a 3.500 pessoas, com mínimo de um ACS3131 Melo EA, Mendonça MHM, Oliveira JR, Andrade GCL. Mudanças na Política Nacional de Atenção Básica: entre retrocessos e desafios. Saude Debate 2018; 42(Spe. 1):38-51..
Ao considerarmos que o grupo de municípios que atingiram as metas de cobertura vacinal obteve um maior número de ACS por mil habitantes em relação ao grupo de municípios que não atingiu a meta, entende-se que a redução no número mínimo de ACS por equipe de saúde da família poderia ser um fator de preocupação, uma vez que é possível que ocorra uma sobrecarga nas atividades dos mesmos, o que possibilitará interferência no seu desempenho e capacidade resolutiva, inclusive quanto ao estabelecimento de vinculação e relacionamento com as pessoas sob seus cuidados, fatores esses considerados relevantes quanto às ações relacionadas à imunização.
Verificou-se que, para todos os grupos prioritários analisados, os percentuais de usuários que afirmaram que o horário de funcionamento atendia as suas expectativas eram significativamente maiores no grupo de municípios que atingiam as coberturas vacinais para influenza.
Como grande parte dos serviços de vacinação são oferecidos aos cidadãos por meio das Unidades Básicas de Saúde (UBS), é importante que o horário de funcionamento delas se adeque, quando possível, às necessidades dos cidadãos que buscarão o serviço.
Apesar deste estudo não terem sido encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos de municípios quanto aos percentuais médios de unidades do município que funcionam em horário alternativo (noite ou sábados), o que possibilitaria de certa forma um maior acesso da população à UBS em horários diferentes do horário comercial, quando muitos pais e responsáveis estariam em horário de trabalho.
Pesquisa realizada por Barros et al.3232 Barros MGM, Santos MCS, Bertolini RPT, Pontes Netto VB, Andrade MS. Perda de oportunidade de vacinação: aspectos relacionados à atuação da atenção primária em Recife, Pernambuco, 2012. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(4):701-710. identificou que um dos principais motivos de atraso no calendário vacinal para crianças menores de um ano em 18 UBS do Distrito Sanitário II de Recife-PE estava relacionado à falta de tempo dos pais ou responsáveis para levar a criança para vacinar-se por motivos relacionados ao trabalho.
Achado semelhante foi obtivo na pesquisa de Sabnis e Conway3333 Sabnis SS, Conway JH. Overcoming Challenges to Childhood Immunizations Status. Pediatr Clin North Am 2015; 62(5):1093-1109., que destacaram que a restrição na oferta de horários alternativos pode limitar o acesso da população às ações de vacinação, em especial para aqueles inseridos no mercado de trabalho e que, portanto, podem ter dificuldades em ausentar-se do serviço no horário comercial.
A preocupação em oferecer à população horários alternativos também foi contemplada ao longo do ano de 2019, no escopo do Movimento Vacina Brasil, quando foi criado o programa “Saúde na Hora”, que ampliou os recursos mensais repassados a municípios que estenderem o horário de funcionamento das unidades para o período da noite, além de manterem as portas abertas durante o horário de almoço e, opcionalmente, aos finais de semana1313 Aquino R, Oliveira NF, Barreto ML. Impact of the Family Health Program on infant mortality in brazilian municipalities. Am J Public Health 2009; 99(1):87-93..
No entanto, o achado aparentemente discordante do que traz a literatura em relação ao funcionamento da unidade em horário alternativo pode ter ocorrido pelo fato de estar sendo avaliada a estratégia de campanha, quando normalmente já ocorre a abertura da unidade em horário alternativo (normalmente aos sábados), quando é realizado o dia D de vacinação, em que há grande adesão da população e vultoso investimento em campanhas massivas de divulgação. Essa estratégia de dia D não acontece com o serviço de vacinação de rotina, somente quando ocorrem campanhas pontuais de multivacinação ou específicas para pólio ou sarampo, por exemplo.
Observou-se, ainda, que, para todos os grupos prioritários analisados que os valores relacionados à satisfação do usuário com o cuidado recebido eram significativamente maiores no grupo de municípios que atingiam as coberturas vacinais para influenza.
Alguns estudos têm feito referência à importância da relação interpessoal estabelecida entre a população e os profissionais que atuam na APS, incluindo, portanto, o nível de satisfação ou insatisfação do usuário com o atendimento recebido3434 Arruda CAM, Bosi MLM. Satisfação de usuários da atenção primária à saúde: Um estudo qualitativo no Nordeste do Brasil. Interface 2017; 21(61):321-332., destacando que essa dimensão deve ser considerada como potencial fator para afetar a utilização dos serviços na APS, incluindo os de imunização3535 Duarte DC, Oliveira VC, Guimarães EAA, Viegas SMF. Vaccination access in Primary Care from the user's perspective: senses and feelings about healthcare services. Esc Anna Nery 2018; 23(1):1-8..
A satisfação do usuário com o cuidado recebido pode ser um fator que aumenta o vínculo do usuário com a equipe, fazendo com que ele queira buscar a unidade em caso de necessidade3636 Ramos DD, Lima MADS. Acesso e acolhimento aos usuários em uma unidade de saúde de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saude Publica 2003; 19(1):27-34., além de possibilitar o aumento da adesão às campanhas de vacinação propostas. A satisfação do usuário é essencial quando se busca avaliar um serviço de saúde, representando a dimensão da aceitabilidade, que apesar de ser difícil de ser mensurada, envolve não apenas a prestação dos serviços, mas também a percepção a respeito dessa prestação de serviços pelo usuário3535 Duarte DC, Oliveira VC, Guimarães EAA, Viegas SMF. Vaccination access in Primary Care from the user's perspective: senses and feelings about healthcare services. Esc Anna Nery 2018; 23(1):1-8..
Foram identificados, ainda, maiores percentuais de unidades que realizavam busca ativa em caso de atraso na vacinação da criança e realizavam registro da vacinação em dia da gestante dentre os municípios que atingiram as coberturas vacinais, sendo a diferença estatisticamente significativa em relação ao grupo de municípios que não atingiram a cobertura preconizada.
A realização de busca ativa de faltosos, bem como o registro de adequado da vacinação são descritos como passos importantes para a ampliação das coberturas vacinais na APS3737 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Dez passos para ampliação das coberturas vacinais na Atenção Primária à Saúde. [acessado 2021 jan 23]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/documentos/folder10pontos.pdf
http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab...
. Dessa forma, podem ser considerados como indicadores que retratam os processos de trabalho nas equipes em relação às questões de vacinação.
Observou-se que, para todos os grupos de análise, os percentuais médios da população com acesso à coleta de lixo foram menores dentre o grupo de municípios que atingiu a meta de cobertura vacinal.
Alguns estudos2121 Queiroz LLC, Monteiro SG, Mochel EG, Veras MASM, Sousa FGM, Bezerra MLM, Chein MBC. Cobertura vacinal do esquema básico para o primeiro ano de vida nas capitais do Nordeste Brasileiro. Cad Saude Publica 2013; 29(2):294-302.,2323 Barata RB, Almeida Ribeiro MCS, Moraes JC, Flannery B. Socioeconomic inequalities and vaccination coverage: Results of an immunisation coverage survey in 27 Brazilian capitals, 2007-2008. J Epidemiol Community Health 2012; 66(10):934-941.,2424 Yokokura AVCP, Silva AAM, Bernardes ACF, Filho FL, Alves MTSSB, Cabra NAL, Alves RFLB. Cobertura vacinal e fatores associados ao esquema vacinal básico incompleto aos 12 meses de idade, São Luís, Maranhão, Brasil, 2006. Cad Saude Publica 2013; 29(3):522-534. têm demonstrado maiores taxas de cobertura vacinal em estratos com pior condição socioeconômica, o que pode estar relacionado a ampla cobertura da ESF nos espaços territoriais mais carentes, o que está condizente com o princípio da equidade em saúde3838 Andrade MV, Noronha K, Queiroz Barbosa AC, Hernandes Rocha TA, Silva NC, Calazans JA, Souza MN, Carvalho LR, Souza A. A equidade na cobertura da Estratégia Saúde da Família em Minas Gerais, Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(6):1175-1187..
A variável Média do tempo da casa até a UBS foi significativamente diferente para todos os grupos de análise, porém, identificou-se que, considerando o grupo de idosos, foi observado, em média, um menor tempo entre a casa do usuário e a UBS no grupo de municípios que atingiram as metas de cobertura vacinal, diferentemente do que ocorreu com os demais grupos dos grupos de análise, que a média de tempo foi maior.
A acessibilidade, compreendida como a relação entre a disposição e a distância dos serviços de saúde existentes em relação aos locais de moradia das pessoas é apontada como uma das cinco dimensões integrantes do conceito de acesso, pois resulta numa maior ou menor necessidade de deslocamento do usuário3939 Giovanella L, Fleury S. Universalidade da Atenção à Saúde: acesso como categoria de análise. In: Eibenschutz C. Política de Saúde: o público e o privado. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 1996. p. 177-198.. Percebeu-se, na avaliação realizada, que a proximidade dos serviços de saúde e a casa do usuário mostrou-se especialmente importante para o grupo de idosos.
Diversas variáveis relacionadas às características do município e a sua população obtiveram diferenças estatisticamente significativas na comparação dos grupos de municípios que atingiram e não atingiram as metas de cobertura vacinal para influenza para todos os grupos de análise, exceto para o grupo de idosos.
As variáveis cujos valores foram maiores para o grupo de municípios que atingiram as metas de cobertura vacinal foram: percentual da população rural, taxa de fecundidade total, razão de dependência e percentual da população SUS dependente (não beneficiária de planos de saúde).
Para as variáveis Densidade demográfica, Percentual da população com acesso à água encanada, Índice Firjan-IFDM, Índice Firjan Emprego e renda, Índice Firjan Educação, os valores no grupo de municípios que atingiram as metas de cobertura vacinal foram, em média, menores. As diferenças observadas no percentual da população indígena foram estatisticamente significativas para o grupo de crianças, gestantes e população geral, mas apenas para o grupo de gestantes observou-se que os municípios que atingiram a meta de cobertura possuía, em média, um percentual menor de população indígena comparados com aqueles municípios que não atingiram. Para os demais grupos (crianças e Geral), o percentual da população indígena foi, em média, maior para o grupo de municípios que atingiram as metas de cobertura.
Além dessas, as diferenças observadas nos perfis de municípios segundo meta de cobertura vacinal para as variáveis número de salas de vacina por dez mil habitantes, orientação às gestantes em relação à vacina contra tétano, registro sobre vacinação em dia e acolhimento do usuário ao procurar o serviço (% muito bom e bom) só não foram significativas para o grupo de idosos. Para essas variáveis, os valores foram, em média, maiores para o grupo de municípios que atingiu cobertura vacinal.
Para as variáveis extensão territorial e Taxa de Mortalidade Infantil só foram observadas diferenças estatisticamente significativas para o grupo de crianças de seis meses a menores de seis anos de idade, com média da TMI para o grupo de municípios que atingiu cobertura menor que para o grupo dos que não atingiram a meta.
Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas no alcance da meta de cobertura vacinal dos municípios quando comparados em relação às variáveis sala exclusiva de vacina, existência de câmara fria ou geladeira exclusiva para sala de vacina, oferta regular da vacinação e percentual de internações por condições sensíveis à APS.
A avaliação geral do PMAQ só não foi significativa para o grupo de gestantes, porém, nos demais grupos, as médias de notas maiores na avaliação do PMAQ foram obtidas no grupo de municípios que atingiram as metas de cobertura vacinal. Já o Índice Firjan Saúde só não foi significativo para o grupo de crianças e foi, em média, maior para o grupo de municípios que não atingiu a meta de cobertura nos grupos prioritários de gestante e Geral e menor para o grupo de idoso.
A disponibilidade de pelo menos 80% das vacinas foi significativa apenas para o grupo de crianças, sendo maior para o grupo que atingiu a meta. Já a disponibilidade de caixas térmicas para vacinas apresentou diferença estatisticamente significativa apenas para o grupo de gestantes, sendo maior no grupo que atingiu meta.
A variável procura UBS para vacinação foi estatisticamente significante para os grupos criança e geral, sendo maior para aqueles municípios que atingiram meta.
Conclusão
As variáveis que diferenciaram de forma significativa os grupos de municípios que atingiram ou não as metas de cobertura vacinal não foram as mesmas para todos os grupos prioritários analisados.
No entanto, de forma geral, para todos os grupos, as diferenças entre as médias das variáveis cobertura de APS, cobertura de ESF, número de ACS por mil habitantes, horário de funcionamento da UBS atendendo a expectativa do usuário, realização de busca ativa em caso de atraso na vacinação da criança, registro da vacinação em dia da gestante, satisfação do usuário com o cuidado recebido e percentual da população com acesso à coleta de lixo se mostraram estatisticamente significativas e deveriam ser consideradas como variáveis potencialmente relacionadas à chance de alcance das metas de cobertura vacinal para a vacina influenza, podendo servir de base para estudos posteriores mais aprofundados que venham a investigar essas relações.
Os grupos prioritários de criança e gestante se mostraram semelhantes no que diz respeito às variáveis cujas médias se mostraram estatisticamente diferentes considerando o alcance das metas de cobertura vacinal dos municípios. As variáveis número de Sala de vacina por dez mil habitantes, disponibilidade de cartão de vacinação, oferta de vacinação, orientação da gestante, registro de vacinação em dia e acolhimento, além de todas as variáveis da dimensão relacionada às características do município e de sua população, com exceção do Índice Firjan Saúde, que só se mostrou significativo para o grupo de gestante, também se apresentaram estatisticamente significativas.
O grupo de idosos foi aquele no qual menos se observou diferenças estatisticamente significativas entre o grupo de municípios que atingiu ou não atingiu as metas de cobertura vacinal para a vacina influenza para as variáveis pesquisadas. Excetuando-se aquelas variáveis que se mostraram significativas para todos os grupos, apenas as variáveis avaliação geral do PMAQ e Índice Firjan Saúde se mostraram com diferenças estatisticamente significativas em relação aos grupos de alcance de meta vacinal.
O presente estudo demonstrou a necessidade de aprofundamento das análises em estudos posteriores para identificar fatores relacionados ao acesso e à qualificação da APS que possam estar associados a um melhor desempenho nas coberturas vacinais para a vacina influenza, em especial para o público alvo de crianças e gestantes, que são os grupos cujo serviço têm tido maiores dificuldades de atingir as metas de cobertura vacinal na campanha de vacinação contra a influenza nos últimos anos.
A identificação de tais fatores é fundamental para subsidiar gestores de saúde na tomada de decisão para fortalecer as estratégias de vacinação na busca da ampliação das coberturas vacinais, uma vez que a organização do serviço e a qualificação das ações são mais facilmente ajustadas quando comparadas às ações de sensibilização da população para ampliar a sua adesão à vacinação, em especial em estratégias de campanha, pois esbarra em fatores ainda não amplamente conhecidos e que envolvem diversos fatores individuais e culturais, muitas vezes mais difíceis de serem modificados e que não estão sob a governabilidade do gestor de saúde.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Abr 2022 -
Data do Fascículo
Abr 2022
Histórico
-
Recebido
08 Fev 2021 -
Aceito
15 Jun 2021 -
Publicado
17 Jun 2021