Resumo
O objetivo deste artigo foi descrever o uso de medicamentos anticolinérgicos e possíveis fatores associados ao seu uso em adultos de meia idade e idosos. Trata-se de um estudo transversal em que foram incluídos todos os respondentes de 44 anos ou mais entrevistados em 2015. Foi utilizada a Anticholinergic Drug Scale (ADS) para determinação da carga anticolinérgica (CAC), categorizada em elevada (≥ 3) e não-elevada (< 3). Conduziu-se regressão de Poisson com análise bruta e ajustada para investigar os fatores associados à CAC, com cálculo da razão de prevalência (RP) e intervalo de confiança 95% (IC95%). Constatou-se prevalência de 20,7% de CAC elevada entre os respondentes, maior entre adultos de meia idade (24,1%). Após análise ajustada, mantiveram-se associadas à CAC elevada na faixa etária não idosa a polifarmácia e uso esporádico de dois ou mais medicamentos. Nos idosos, continuaram associados à CAC elevada o uso esporádico de dois ou mais medicamentos e internação no último ano. Os resultados indicam maior prevalência de CAC entre adultos de meia-idade, polimedicados e em uso esporádico de medicamentos, o que sugere que a investigação do uso de anticolinérgicos nessa faixa etária demanda maior atenção.
Palavras-chave:
Antagonistas colinérgicos; Efeitos colaterais e reações adversas a medicamentos; Adulto de meia-idade; Idoso
Abstract
The objective of this article was to describe the use of anticholinergic drugs and possible factors associated with their use, in middle-aged adults and in the elderly. This is a cross-sectional study, based on data from a population-based study called VIGICARDIO. All respondents aged 44 or older interviewed in 2015 were included. Anticholinergic Drug Scale (ADS) was used to determine anticholinergic burden (ACB), categorized as significant (≥3) and non-significant (< 3). Poisson regression was conducted with crude and adjusted analysis to investigate the factors associated with ACB. There was a prevalence of 20.7% of significant ACB among respondents, higher among middle-aged adults (24.1%). After adjusted analysis, significant ACB (≥ 3) remained in the non-elderly age group with polypharmacy and sporadic use of two or more drugs. In the elderly, sporadic use of two or more medications and hospitalization in the last year continued to be associated with significant ACB. The results indicate a higher prevalence of ACB among middle-aged adults, polymedicated and in sporadic use of medications, which suggests that the investigation of the use of anticholinergicsin this age group requires greater attention.
Key words:
Cholinergic antagonists; Drug-related side effects and adverse reactions Middle aged; Elderly
Introdução
O envelhecimento populacional é um fenômeno global e crescente11 United Nations (UN). Department of Economic and Social Affairs. World Population Ageing 2017 - Highlights (ST/ESA/SER. A/397). New York: UN; 2017.. O desenvolvimento tecnológico nos campos de diagnóstico e tratamento possibilitou a identificação e o manejo mais precoce de doenças crônicas, com papel fundamental para o processo de envelhecimento22 United Nations (UN). Department of Economic and Social Affairs. Keeping the promise: United to achieve the Millennium Development Goals. New York: UN; 2010.. Os fármacos, enquanto tecnologia de saúde, protagonizam o cenário de enfrentamento às condições crônicas, portanto é esperado que tenham sua utilização aumentada significativamente, sobretudo entre adultos e idosos33 Kantor ED, Rehm CD, Haas JS, Chan AT, Giovannucci EL. Trends in prescription drug use among adults in the United States From 1999-2012. JAMA 2015; 314(17):1818-1831..
Reconhecendo a utilidade dos fármacos, bem como os riscos que envolvem sua utilização, especialmente em populações mais suscetíveis, cresce o número de estudiosos que se ocupam desse assunto. Choosing Wisely44 Schippinger W, Glechner A, Horvath K, Sommeregger U, Frühwald T, Dovjak P, Pinter G, Iglseder B, Mrak P, Müller W, Ohrenberger G, Mann E, Böhmdorfer B, Roller-Wirnsberger R. Optimizing medical care for geriatric patients in Austria: defining a top five list of "Choosing Wisely" recommendations using the Delphi technique. EuGMS 2018; 9(6):783-793., critérios de Beers55 American Geriatrics Society 2019 Beers Criteria Update Expert Panel. American Geriatrics society updated beers criteria for potentially inappropriate medication use in older adults. J Am Geriatr Soc 2019; 67(4):674-694. e Stopp/Start66 O'Mahony D, O'Sullivan D, Byrne S, O'Connor MN, Ryan C, Gallagher P. STOPP/START criteria for potentially inappropriate prescribing in older people: version 2. Age Ageing 2015; 44(2):213-218. são exemplos de movimentos e ferramentas desenvolvidos pela comunidade científica no sentido de promover o uso desses insumos de maneira mais racional.
No campo da geriatria, este tom tem se acentuado à medida em que novas publicações alertam para os benefícios da desprescrição77 Jaïdi Y, Nonnonhou V, Kanagaratnam L, Bertholon LA, Badr S, Noël V, Novella JL, Mahmoudi R. Reduction of the anticholinergic burden makes it possible to decrease behavioral and psychological symptoms of dementia. Am J Geriatr Psychiatry 2018; 26(3):280-288.,88 López-Álvarez J, Sevilla-Llewellyn-Jones J, Agüera-Ortiz L. Anticholinergic drugs in geriatric psychopharmacology. Front Neurosci 2019; 13:1309., dos malefícios da polifarmácia88 López-Álvarez J, Sevilla-Llewellyn-Jones J, Agüera-Ortiz L. Anticholinergic drugs in geriatric psychopharmacology. Front Neurosci 2019; 13:1309.,99 Gnjidic D, Hilmer SN, Hartikainen S, Tolppanen AM, Taipale H, Koponen M, Bell JS. Impact of high-risk drug use on hospitalization and mortality in older people with and without Alzheimer's disease: a national population cohort study. PLoS One 2014; 9(1):e83224. e de grupos de fármacos que devem ser evitados para essa faixa etária55 American Geriatrics Society 2019 Beers Criteria Update Expert Panel. American Geriatrics society updated beers criteria for potentially inappropriate medication use in older adults. J Am Geriatr Soc 2019; 67(4):674-694.. Isso porque, com a senilidade, há diminuição do volume de água corporal, diminuição das funções metabólicas e excretoras, interferindo diretamente na farmacocinética e na farmacodinâmica, o que, consequentemente, aumenta os riscos de toxicidade e reações adversas a medicamentos (RAM)1010 Vrdoljak D, Borovac JA. Medication in the elderly - considerations and therapy prescription guidelines. Acta Med Acad 2015; 44(2):159-168..
Entre os fármacos que vêm ganhando atenção por seu potencial de dano estão os que apresentam propriedades anticolinérgicas1111 Nishtala PS, Salahudeen MS, Hilmer SN. Anticholinergics: theoretical and clinical overview. Expert Opin Drug Saf 2016; 15(6):753-768.. Frequentemente prescritos para diversas condições, como asma, hipertensão arterial, depressão, incontinência urinária e alergias, figuram tanto em prescrições para manejo de doenças crônicas como em uso esporádico, inclusive por automedicação88 López-Álvarez J, Sevilla-Llewellyn-Jones J, Agüera-Ortiz L. Anticholinergic drugs in geriatric psychopharmacology. Front Neurosci 2019; 13:1309.,1111 Nishtala PS, Salahudeen MS, Hilmer SN. Anticholinergics: theoretical and clinical overview. Expert Opin Drug Saf 2016; 15(6):753-768.. O bloqueio da ação da acetilcolina (Ach) ocasionado por esses fármacos compromete o efeito de sinapses centrais e periféricas, afetando diversos sistemas e órgãos, levando a variadas RAM, como visão turva, constipação, distúrbios gástricos, xerostomia, tontura, confusão e alucinações, que podem causar declínio das funções social, emocional e funcional, inclusive com maior risco de hospitalização e óbito1212 Peters NL. Snipping the thread of life. Antimuscarinic side effects of medications in the elderly. Arch Intern Med 1989; 149(11):2414-2420.. A exposição cumulativa pelo uso de um ou mais medicamentos anticolinérgicos (AC) aumenta o risco desses eventos e é denominada carga anticolinérgica (CAC)1313 Villalba-Moreno AM, Alfaro-Lara ER, Santos-Ramos B. Anticholinergic risk: Use and limitations of anticholinergic scales. Eur J Intern Med. 2015;26(10):1-2..
Assim, diversos estudiosos ao redor do mundo vêm desenvolvendo ferramentas para determinar a CAC e, com isso, predizer o risco de RAM1313 Villalba-Moreno AM, Alfaro-Lara ER, Santos-Ramos B. Anticholinergic risk: Use and limitations of anticholinergic scales. Eur J Intern Med. 2015;26(10):1-2.. Em sua maioria, escores atribuem uma pontuação para cada fármaco de acordo com a potência anticolinérgica e possibilitam determinar um valor global para farmacoterapia1414 Villalba-Moreno AM, Alfaro-Lara ER, Pérez-Guerrero MC, Nieto-Martín MD, Santos-Ramos B. Systematic review on the use of anticholinergic scales in poly pathological patients. Arch Gerontol Geriatr 2016; 62:1-8.. Utilização de altas CAC, quantificadas por meio dessas ferramentas, têm sido associados tanto ao aumento do risco quanto da gravidade das RAM, além de desfechos mais graves pela exposição longitudinal, incluindo declínio funcional e cognitivo, e maior mortalidade por diversas causas1414 Villalba-Moreno AM, Alfaro-Lara ER, Pérez-Guerrero MC, Nieto-Martín MD, Santos-Ramos B. Systematic review on the use of anticholinergic scales in poly pathological patients. Arch Gerontol Geriatr 2016; 62:1-8.,1515 Salahudeen MS, Duffull SB, Nishtala PS. Impact of anticholinergic discontinuation on cognitive outcomes in older people: a systematic review. Drugs Aging 2014;31(3):185-192..
Embora diversos estudos tenham se ocupado de investigar o tema, em especial no âmbito internacional, poucos incluem populações mais jovens, como os adultos de meia-idade1616 Borja-Oliviera CR. Efeitos da carga colinérgica cognitiva em idosos - uma revisão integrativa. Estud Interdiscip Envelhec 2017; 22(2):54-74.,1717 Egberts A, Moreno-Gonzalez R, Alan H, Ziere G, Mattace-Raso FUS. Anticholinergic drug burden and delirium: a systematic review. J Am Med Dir Assoc 2021;22(1):65-73.. No Brasil, foi encontrado apenas um estudo com essa temática, restrito a idosos hospitalizados1818 Gorzoni ML, Fabbri RMA. Applicability of anticholinergic risks cale in hospitalized elderly persons. Rev Bras Geriatr Gerontol 2017;20(1):123-128.. Assim, o presente estudo tem por objetivo analisar o uso de medicamentos anticolinérgicos e fatores associados em indivíduos de meia-idade e idosos.
Métodos
Delineamento do estudo
Trata-se de um estudo transversal, analítico, de abordagem quantitativa, realizado com os dados obtidos no seguimento (2015) de um estudo mais amplo, denominado “Incidência de mortalidade, morbidade, internações e modificações nos fatores de risco para doenças cardiovasculares em amostra de residentes com 40 anos e mais de idade em município de médio porte do Sul do Brasil: estudo de coorte Vigicardio 2011-2015”.
População, local e cálculo amostral
Com sua primeira fase em 2011, o Vigicardio foi um estudo de base populacional com adultos de 40 anos e mais de idade, residentes na área urbana do município de Cambé, região metropolitana de Londrina-PR. Para o cálculo amostral, foi considerada a população total residente na área urbana do município e a proporcionalidade de sexo e da faixa etária. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2007, 92.888 sujeitos residiam na área urbana de Cambé-PR, dos quais 30.710 (33,1%) estavam faixa etária de interesse (40 anos ou mais)1919 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Contagem da população. Brasília: IBGE; 2007.. Considerou-se frequência de 50% para os fatores de risco estudados, intervalo de confiança de 95% e margem de erro de 3%, totalizando uma amostra de 1.066 sujeitos. Predizendo-se 25% de possíveis perdas e recusas, a amostra final totalizou 1.339 indivíduos2020 Souza RKT, Bortoletto MSS, Loch MR, González AD, Matsuo T, Cabrera MAS, Remondi FA, Yonamine CY. Prevalência de fatores de risco cardiovascular em pessoas com 40 anos ou mais de idade, em Cambé, Paraná (2011): estudo de base populacional. Epidemiol Serv Saude 2013; 22(3):435-444..
A seleção da amostra se deu em quatro etapas: setor censitário, quadra, domicílio e morador do domicílio. Os 86 setores censitários urbanos foram mapeados, e o número de entrevistados em cada setor determinado proporcionalmente à quantidade de mulheres e homens de 40 anos ou mais. A quadra, a esquina e a residência para o início da coleta em cada setor foram definidas por sorteio. Após definido o ponto inicial, as casas eram incluídas de maneira alternada e, havendo mais que um adulto de 40 anos ou mais na residência, realizava-se um novo sorteio para definir qual seria o entrevistado. Quando mais de um morador era elegível, o entrevistador os numerava sequencialmente e solicitava a escolha aleatória de um número por um dos moradores presentes. Se o morador sorteado não estivesse presente, havia retorno na residência para realizar a entrevista, havendo concordância do morador. O total de entrevistados em 2011 foi de 1.180 indivíduos2020 Souza RKT, Bortoletto MSS, Loch MR, González AD, Matsuo T, Cabrera MAS, Remondi FA, Yonamine CY. Prevalência de fatores de risco cardiovascular em pessoas com 40 anos ou mais de idade, em Cambé, Paraná (2011): estudo de base populacional. Epidemiol Serv Saude 2013; 22(3):435-444..
Em 2015, os mesmos indivíduos participantes em 2011 foram procurados para uma nova fase do estudo. Nesta, foram consideradas perdas aqueles que não foram encontrados após três visitas e os que mudaram de endereço, sem possibilidade de localização. Somando-se as perdas por óbito ou recusa, a amostra final de 2015 foi composta por 885 indivíduos. O presente artigo analisa dados dos 885 indivíduos entrevistados em 2015.
Instrumento e estudo piloto
O instrumento de coleta consistiu em um questionário pré-estruturado contendo 136 questões em 2011 e 180 questões em 2015. Na linha de base, após produção do instrumento, realizou-se estudo piloto em um bairro da cidade de Londrina-PR. Constatadas algumas inadequações, foram feitos ajustes no instrumento e na abordagem ao entrevistado. Já no seguimento, com o mesmo objetivo, realizou-se um pré-teste com aplicação do questionário aos pares e familiares dos pesquisadores.
Coleta de dados
Todos os entrevistadores foram previamente treinados, e a abordagem do estudo, padronizada. A coleta foi realizada por meio de entrevistas domiciliares. Quanto à coleta referente ao uso de medicamentos, foi solicitado ao entrevistado que apresentasse os medicamentos utilizados nos últimos 15 dias, de modo que foram incluídos apenas os dados referentes aos medicamentos apresentados pelo mesmo.
Variáveis do estudo
A variável dependente do estudo foi a carga anticolinérgica (CAC), determinada pela American Drug Scale (ADS). Essa escala provém de estudo norte-americano que analisou a ação anticolinérgica de mais de 500 fármacos, realizando validação sérica por meio de um ensaio clínico1818 Gorzoni ML, Fabbri RMA. Applicability of anticholinergic risks cale in hospitalized elderly persons. Rev Bras Geriatr Gerontol 2017;20(1):123-128.. Um modelo matemático permitiu estimar a carga exercida por essas drogas, das quais 117 mostraram exercer algum efeito anticolinérgico. O estudo defende um modelo preditivo linear, em que a CAC varia de 0 a 3, sendo: 0 - nenhuma ação anticolinérgica, 1 - alguma, 2 - intermediária, e 3 - forte ação anticolinérgica. Assim, é possível determinar a CAC total de um paciente pela soma de todos os fármacos utilizados por ele. CAC iguais ou superiores a 3 mostram-se significativas no aparecimento de efeitos anticolinérgicos2121 Carnahan RM, Lund BC, Perry PJ, Pollock BG, Culp KR. The Anticholinergic Drug Scale as a measure of drugrelated anticholinergic burden: associations with serum anticholinergic activity. J Clin Pharmacol 2006; 46(12):1481-1486., sendo considerada a variável dependente na análise deste estudo.
As variáveis independentes foram divididas em dois grupos: 1) variáveis sociodemográficas e 2) variáveis de saúde. No primeiro foram incluídas: sexo (feminino; masculino), raça/cor autodeclarada (branca; não-branca), agrupadas na categoria não-branca (amarela, indígena, parda e preta), situação conjugal (com companheiro: casado e união estável; sem companheiro: solteiro, divorciado/separado e viúvo), escolaridade (coletada em anos de estudo e posteriormente categorizada em 0 a 4; > 4 anos de estudo) e nível econômico (considerando a classificação da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa - ABEP2222 Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP). Critério de classificação econômica. Brasil: ABEP; 2012., categorizadas em A-B; C-D-E;).
As variáveis independentes no âmbito de saúde foram: episódio de internação no último ano (sim; não); número de médicos prescritores (categorizados em 0 [automedicação], 1 prescritor, 2 ou mais prescritores), por meio da pergunta: “O(a) sr.(a) se recorda quantos médicos prescreveram os medicamentos que utilizou nestes últimos 15 dias?”; depressão (sim; não), por meio da pergunta: “O(a) sr.(a) já foi diagnosticado com depressão por um médico ou outro profissional da saúde?; polifarmácia (sim; não) - considerada como uso de cinco ou mais princípios ativos por mais de três meses2323 Maher RL, Hanlon J, Hajjar ER. Clinical consequences of polypharmacy in elderly. Expert Opin Drug Saf 2013; 13(1):57-65.; e número de medicamentos de uso esporádico - categorizados em 0, 1 e ≥ 2 medicamentos -, sendo considerado esporádico período de uso inferior a três meses2323 Maher RL, Hanlon J, Hajjar ER. Clinical consequences of polypharmacy in elderly. Expert Opin Drug Saf 2013; 13(1):57-65..
A título de melhor compreender a utilização de medicamentos, estes foram categorizados quanto ao tempo de uso: uso crônico (três meses ou mais) e esporádico (inferior a três meses)2323 Maher RL, Hanlon J, Hajjar ER. Clinical consequences of polypharmacy in elderly. Expert Opin Drug Saf 2013; 13(1):57-65.. Classificou-se, ainda, de acordo com o grupo anatômico principal e até o terceiro nível da Anatomical Therapeutic Chemical (ATC) Classification System2424 World Health Organization (WHO). WHO Collaborating Centre for Drug Statistics Methodology. Guidelines for ATC classification and DDD assignment 2013. Oslo: WHO; 2012., além de sua presença/ausência no componente básico da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), vigente à época da coleta de dados2525 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Relação nacional de medicamentos essenciais: RENAME 2014. Brasília: MS; 2014..
Processamento, tabulação e análise de dados
Para os dados obtidos em formulário impresso em ambos os anos, realizou-se checagem de formulários, dupla digitação e comparação dos dois bancos de dados no programa Epi Info, versão 3.5.1. (2011), e software Microsoft Office Spread Sheet Compare (2015). Em 2015, parte dos dados foi coletada em formulário eletrônico do ODK Collect (Open Data Kit), que eram enviadas pela internet e armazenadas no servidor ONA (https://ona.io/vigicardio), os quais foram exportados automaticamente para o banco de dados do programa Microsoft Office Excel 2010, dispensando transcrição e/ou validação de dados. Nesse último, o banco de dados foi organizado, e as variáveis, operacionalizadas. Para as análises estatísticas, utilizou-se o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0.
Para caracterização da população estudada, realizou-se distribuição de frequências das variáveis sociodemográficas e de saúde dos entrevistados em 2015 (n = 885), estratificados por faixa etária (adultos de meia-idade - 44 a 59 anos; idosos - 60 anos ou mais), de acordo com a CAC, sendo: 0 nenhuma carga, 1-2 carga não elevada e ≥ 3 CAC elevada. Posteriormente, para análise de associação, entrevistados que relataram não fazer uso de medicamentos nos 15 dias anteriores à entrevista foram excluídos.
Conduziu-se a caracterização do uso de medicamentos, quantificando e classificando todos os princípios ativos usados por cada entrevistado - conforme critérios já descritos, também estratificados por faixa etária (adultos de meia-idade e idosos).
Para verificar a associação entre as variáveis independentes e desfechos, conduziu-se regressão logística de Poisson com variância robusta, utilizando a razão de prevalência (RP) como medida de associação. Realizou-se análise bruta e ajustada, desenvolvendo-se um modelo analítico em que todas as variáveis foram incluídas. Adotou-se 5% como nível de significância (p-valor < 0,05) e intervalo de confiança de 95%.
Aspectos éticos
Em ambas as etapas, todos os participantes foram esclarecidos quanto ao teor da pesquisa, sendo entrevistados apenas após apresentação e aceite do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Londrina, sob CAAE nº 019.0.268.000-10 (2011) e 39595614.4.0000.5231 (2015).
Resultados
Dos 885 participantes entrevistados em 2015, 492 eram do sexo feminino (56%) e 393 do sexo masculino (44%). A média de idade foi 55 anos, e a escolaridade média, 6,2 anos. Aplicada a escala ADS, constatou-se uma prevalência 31% de AC, ou seja, 274 indivíduos em uso de ao menos um medicamento com ação anticolinérgica. As características sociodemográficas e de saúde da população estudada, estratificada segundo faixa etária (adultos de meia-idade e idosos) de acordo com a CAC estimada, podem ser visualizadas na Tabela 1.
Os 274 respondentes que utilizaram medicamentos de ação anticolinérgica somaram 387 medicamentos AC, média de 1,4 por indivíduo. No que se refere à natureza desses fármacos, observou-se, nos adultos de meia-idade, alta prevalência de anticolinérgicos de ação central (n = 129) - quase 60% do total. Sistemas musculoesquelético (n = 28), cardiovascular (n = 22) e respiratório (n = 21) somaram 12,8%, 10,1% e 9,6%, respectivamente. Nos idosos, destacaram-se também os de ação central (41,7%; n = 70), bem como do sistema cardiovascular (25,7%; n = 43) e respiratório (11,3%; n = 19) (Tabela 2).
Na Tabela 3 estão listados os fármacos AC mais frequentes na investigação. Entre os adultos de meia-idade, a fluoxetina (15,1%), a orfenadrina (11,0%) e a amitriptilina (9,1%) foram anticolinérgicos mais utilizados. Nos idosos, os destaques foram (13,1%), clonazepam (7,7%) e amitriptilina (7,7%).
Da totalidade de entrevistados (n = 885), 679 (77%) referiram ter utilizado algum tipo de medicamento nos últimos 15 dias, contudo, 14 não comprovaram a utilização, totalizando assim 665 indivíduos; destes, 353 adultos de meia-idade e 312 idosos, os quais compuseram a amostra para identificação de fatores associados. A prevalência de CAC elevada nesse grupo foi de 20,7% (24,1% nos adultos de meia-idade e 17,0% nos idosos). Nos adultos de meia-idade, ao realizar a análise bruta, o uso de CAC elevada foi associado ao sexo feminino, à polifarmácia, ao maior número de medicamentos de uso esporádico, a possuir mais de um prescritor para terapia medicamentosa utilizada e ao diagnóstico de depressão. Após análise ajustada, mantiveram-se associadas estatisticamente as seguintes características: polifarmácia e maior número de medicamentos de uso esporádico. Entre os idosos, a CAC elevada foi associada, tanto na análise bruta quanto na ajustada, à internação no último ano e ao maior número de medicamentos de uso esporádico (Tabela 4).
Discussão
O presente estudo identificou prevalência de uso de medicamentos com alguma ação anticolinérgica em 31,0% (n = 274) dos respondentes, e de CAC elevada (≥ 3) em 20,7% (n = 138) (24,1% nos adultos de meia-idade e 17,0% nos idosos), a qual se mostrou associada na análise ajustada às seguintes variáveis: polifarmácia (nos adultos de meia-idade), internação no último ano (nos idosos) e uso esporádico de dois ou mais medicamentos (em ambos). Houve predominância de anticolinérgicos de ação central (antidepressivos e antiepilépticos), que atuam no aparelho cardiovascular (diuréticos da alça), no sistema musculoesquelético (relaxantes musculares de ação central) e no aparelho respiratório (anti-histamínicos de uso sistêmico).
A prevalência de CAC apresenta grande variabilidade nas pesquisas e inconsistências entre as escalas utilizadas para determiná-la2626 Lozano-Ortega G, Johnston KM, Cheung A, Wagg A, Campbell NL, Dmochowski RR, Ng DB. A review of published anticholinergic scales and measures and their applicability in database analyses. Arch Gerontol Geriatr 2019; 87:103885.. Restringindo-se aos estudos que utilizaram a ADS, entre idosos noruegueses institucionalizados, com idade média de 85 anos, a prevalência de CAC ≥ 3 foi de 21%2727 Kersten H, Molden E, Tolo IK, Skovlund E, Engedal K, Wyller TB. Cognitive effects of reducing anticholinergic drug burden in a frail elderly population: a randomized controlled trial. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2013; 68(3):271-278.. Já em pesquisa conduzida com idosos australianos não institucionalizados, com idade média de 70 anos, a prevalência encontrada foi de 11%2828 Pont LG, Nielen JT, McLachlan AJ, Gnjidic D, Chan L, Cumming RG, Taxis K. Measuring anticholinergic drug exposure in older community-dwelling Australian men: a comparison of four different measures. Br J Clin Pharmacol 2015; 80(5):1169-1175.. Considerando que o presente estudo utilizou uma amostra não-institucionalizada e com faixa etária consideravelmente mais baixa do que outros - média de idade (52,8 anos) e participantes entre 40 e 59 somando mais de 60% da amostra total, pode-se afirmar que a prevalência de CAC encontrada foi elevada (20%).
Outro achado relevante diz respeito à prevalência de CAC por faixa de idade (entre aqueles que relataram o uso de medicamentos), que se mostrou mais elevada em adultos de meia-idade. Essa alta prevalência nesse grupo etário no presente estudo está relacionada especialmente ao maior consumo de relaxantes musculares de ação central e antidepressivos. Os relaxantes musculares de ação central são comuns na prática da automedicação, mais frequente entre indivíduos em idades menos avançadas2929 Domingues PHF, Galvão TF, Andrade KRC, Araújo PC, Silva MT, Pereira MG. Prevalência e fatores associados à automedicação em adultos no Distrito Federal: estudo transversal de base populacional. Epidemiol Serv Saude 2017; 26(2):319-330.,3030 Niclós G, Olivar T, Rodilla V. Factors associated with self-medication in Spain: a cross-sectional study in different age groups. IJPP. 2018; 26(2):258-266.. A depressão e ansiedade, condições tratáveis com os antidepressivos, também são mais comuns entre indivíduos mais jovens3131 Curran E, Rosato M, Ferry F, Leavey G. Prevalence and factors associated with anxiety and depression in older adults: gender differences in psychosocial indicators. J Affect Disord 2020; 267:114-22.
32 Luppa M, Sikorski C, Luck T, Ehreke L, Konnopka A, Wiese B, Weyerer S, König HH, Riedel-Heller SG. Age- and gender-specific prevalence of depression in latest-life--systematic review and meta-analysis. J Affect Disord 2012; 136(3):212-221.-3333 Rombaldi AJ, Silva MC, Gazalle FK, Azevedo MR, Hallal PC. Prevalência e fatores associados a sintomas depressivos em adultos do Sul do Brasil: estudo transversal de base populacional. Rev Bras Epidemiol 2010; 13(4):620-629..
Com relação à faixa etária, nossos achados se tornam mais interessantes quando comparados a outros estudos. À luz da literatura, na contramão de nossos resultados, parece natural encontrar uma relação positiva entre maiores faixas etárias e maiores cargas anticolinérgicas2727 Kersten H, Molden E, Tolo IK, Skovlund E, Engedal K, Wyller TB. Cognitive effects of reducing anticholinergic drug burden in a frail elderly population: a randomized controlled trial. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2013; 68(3):271-278.,3434 Coupland CAC, Hill T, Dening T, Morriss R, Moore M, Hippisley-Cox J. Anticholinergic drug exposure and the risk of dementia: a nested case-control study. JAMA Intern Med 2019; 179(8):1084-1093.,3535 Lim R, Kalisch Ellett LM, Widagdo IS, Pratt NL, Roughead EE. Analysis of anticholinergic and sedative medicine effects on physical function, cognitive function, appetite and frailty: a cross-sectional study in Australia. BMJ Open 2019; 9(9):e029221.. Contudo, grande parte das publicações se caracterizam pelo estudo exclusivo da população idosa88 López-Álvarez J, Sevilla-Llewellyn-Jones J, Agüera-Ortiz L. Anticholinergic drugs in geriatric psychopharmacology. Front Neurosci 2019; 13:1309.,2121 Carnahan RM, Lund BC, Perry PJ, Pollock BG, Culp KR. The Anticholinergic Drug Scale as a measure of drugrelated anticholinergic burden: associations with serum anticholinergic activity. J Clin Pharmacol 2006; 46(12):1481-1486.,2727 Kersten H, Molden E, Tolo IK, Skovlund E, Engedal K, Wyller TB. Cognitive effects of reducing anticholinergic drug burden in a frail elderly population: a randomized controlled trial. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2013; 68(3):271-278.,3434 Coupland CAC, Hill T, Dening T, Morriss R, Moore M, Hippisley-Cox J. Anticholinergic drug exposure and the risk of dementia: a nested case-control study. JAMA Intern Med 2019; 179(8):1084-1093.,3535 Lim R, Kalisch Ellett LM, Widagdo IS, Pratt NL, Roughead EE. Analysis of anticholinergic and sedative medicine effects on physical function, cognitive function, appetite and frailty: a cross-sectional study in Australia. BMJ Open 2019; 9(9):e029221.. Ao abranger faixas etárias mais jovens, compreende-se um grupo de indivíduos com uma carga de doenças mais diversa, para além das crônicas. Se por um lado há crescente multimorbidade nesse grupo etário, devido em grande parte ao estilo de vida contemporâneo, por outro há a manutenção de doenças autolimitadas e relacionadas à vida produtiva, o que pode explicar uma maior carga medicamentosa nesses sujeitos3636 Sakib MN, Shooshtari S, St John P, Menec V. The prevalence of multimorbidity and associations with lifestyle factors among middle-aged Canadians: an analysis of Canadian Longitudinal Study on Aging data. BMC Public Health 2019; 19(1):243..
Grande parte dos fármacos identificados neste estudo fazem parte da lista básica de medicamentos fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 20152525 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Relação nacional de medicamentos essenciais: RENAME 2014. Brasília: MS; 2014., e somente a sertralina e a paroxetina com provável utilização crônica não estão presentes na RENAME2525 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Relação nacional de medicamentos essenciais: RENAME 2014. Brasília: MS; 2014.. Sendo o SUS a principal fonte de obtenção de medicamentos pela população brasileira3737 Matta SR, Bertoldi AD, Emmerick ICM, Fontanella AT, Costa KS, Luiza VL. Fontes de obtenção de medicamentos por pacientes diagnosticados com doenças crônicas, usuários do Sistema Único de Saúde. Cad Saude Publica. 2018; 34(3):e00073817., muitas vezes o prescritor pode ter limitações terapêuticas na escolha de opções seguras para o paciente, sobretudo se considerarmos que cerca de 50% dos medicamentos que atuam no sistema nervoso central (principal classe encontrada nesta pesquisa) presentes na RENAME possuem atividade anticolinérgica3838 Lima MS, Reis AM. Identification of anticholinergic activity of drugs of the Brazilian National List of Essential Drugs. Bras Farm Hosp Serv Saude 2020; 11(2):350..
Com relação às classes mais frequentemente utilizadas, nossos achados vão ao encontro de outros estudos, em que os fármacos de ação central, em especial os antidepressivos, figuram entre os mais utilizados2727 Kersten H, Molden E, Tolo IK, Skovlund E, Engedal K, Wyller TB. Cognitive effects of reducing anticholinergic drug burden in a frail elderly population: a randomized controlled trial. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2013; 68(3):271-278.,3434 Coupland CAC, Hill T, Dening T, Morriss R, Moore M, Hippisley-Cox J. Anticholinergic drug exposure and the risk of dementia: a nested case-control study. JAMA Intern Med 2019; 179(8):1084-1093.,3535 Lim R, Kalisch Ellett LM, Widagdo IS, Pratt NL, Roughead EE. Analysis of anticholinergic and sedative medicine effects on physical function, cognitive function, appetite and frailty: a cross-sectional study in Australia. BMJ Open 2019; 9(9):e029221.. Em estudo de caso-controle aninhado dentro de uma coorte conduzido na Inglaterra, que avaliou a incidência de demência entre idosos, também foram identificados, entre as classes mais frequentes, os antidepressivos tricíclicos, além dos anti-histamínicos3434 Coupland CAC, Hill T, Dening T, Morriss R, Moore M, Hippisley-Cox J. Anticholinergic drug exposure and the risk of dementia: a nested case-control study. JAMA Intern Med 2019; 179(8):1084-1093.. Lembremos, mais uma vez, que o fato de esta investigação avaliar adultos de meia-idade eleva a identificação de classes terapêuticas não usualmente encontradas em outros estudos exclusivamente com idosos, em particular os relaxantes musculares. Uma importante diferença encontrada no perfil de classes utilizadas segundo os estratos da faixa etária é a alta presença dos medicamentos com ação cardiovascular (anti-hipertensivos), que tem seu uso ampliado com o avançar da idade3939 Monteiro CN, Lima MG, Szwarcwald CL, Bastos TF, Barros MBA. Utilização de anti-hipertensivos e antidiabéticos no Brasil: análise das diferenças socioeconômicas. Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Rev Bras Epidemiol 2019; 22(Supl. 2):e190014..
No que concerne aos fatores associados ao uso de CAC, a polifarmácia tem sido referida em diversos estudos88 López-Álvarez J, Sevilla-Llewellyn-Jones J, Agüera-Ortiz L. Anticholinergic drugs in geriatric psychopharmacology. Front Neurosci 2019; 13:1309.,1313 Villalba-Moreno AM, Alfaro-Lara ER, Santos-Ramos B. Anticholinergic risk: Use and limitations of anticholinergic scales. Eur J Intern Med. 2015;26(10):1-2., mas se mostrou associada neste estudo apenas entre os adultos de meia-idade. Ao investigar grupos etários com alta prevalência de doenças crônicas e, por conseguinte, cronicamente medicados, aumentam-se as chances de encontrar maiores CAC1313 Villalba-Moreno AM, Alfaro-Lara ER, Santos-Ramos B. Anticholinergic risk: Use and limitations of anticholinergic scales. Eur J Intern Med. 2015;26(10):1-2.. Uma vez que vários dos medicamentos listados estão envolvidos no tratamento de doenças crônicas, tais quais depressão, ansiedade, doenças cardiovasculares, essa relação parece um tanto plausível. Contudo, embora a terapia com medicamentos com ação AC seja a primeira escolha para alguns agravos crônicos, outras opções devem ser consideradas, e o risco-benefício de sua manutenção precisa ser constantemente reavaliado88 López-Álvarez J, Sevilla-Llewellyn-Jones J, Agüera-Ortiz L. Anticholinergic drugs in geriatric psychopharmacology. Front Neurosci 2019; 13:1309..
O uso esporádico de medicamentos mostrou-se associado à elevada CAC em ambos os grupos etários, e reforça o papel desses medicamentos, entre os quais se incluem medicamentos de venda livre, por exemplo, no maior risco de eventos relacionados à alta carga colinérgica, maior inclusive do que a polimedicação, no caso dos indivíduos idosos. Como estes tendem a realizar acompanhamento mais habitual com serviços e profissionais de saúde, a identificação de problemas relacionados à terapia medicamentosa, como a elevada CAC, pode ser mais frequente, limitando o uso desses fármacos, quando possível e disponíveis à população idosa.
Outro achado relevante diz respeito à automedicação, que não mostrou associação na análise ajustada, mas esteve associada à CAC ≥ 3 na análise bruta. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos (PNAUM, 2014), grupos etários mais jovens apresentam maior prevalência de automedicação (17,1%), se comparados à população idosa (14,3%)4040 Arrais PSD, Fernandes MEP, Pizzol TSD, Ramos LR, Mengue SS, Luiza VL, Tavares NUL, Farias MR, Oliveira MA, Bertoldi AD. Prevalência da automedicação no Brasil e fatores associados. Rev Saude Publica. 2016;50(Supl. 2):13s.. Ainda, é fato que entre os AC estão relaxantes musculares, anti-histamínicos e analgésicos, alguns dos principais grupos envolvidos na prática da automedicação de agravos agudos e autolimitados4040 Arrais PSD, Fernandes MEP, Pizzol TSD, Ramos LR, Mengue SS, Luiza VL, Tavares NUL, Farias MR, Oliveira MA, Bertoldi AD. Prevalência da automedicação no Brasil e fatores associados. Rev Saude Publica. 2016;50(Supl. 2):13s., o que advoga no sentido da hipótese aqui defendida.
A principal limitação do presente estudo é a possibilidade de ocorrência de viés recordatório, sobretudo no caso do uso de medicamentos eventuais nos 15 dias que antecederam a entrevista. Também é preciso considerar que, por se tratar de um delineamento transversal, a relação de temporalidade não pode ser determinada. A despeito das limitações listadas, o cuidado metodológico empregado em todas as fases do estudo fortalece a qualidade de nossos achados, que contribuem para o conhecimento atual quanto à prevalência e aos fatores associados ao uso de AC entre brasileiros.
Em síntese, nossos resultados revelam uma prevalência importante de uso de AC na população estudada, com maior expressão na faixa etária dos 40 aos 59 anos, comparados aos idosos entrevistados. Foram associados à CAC elevada a utilização de múltiplos medicamentos de uso esporádico, polifarmácia e internação no último ano, além de se observar que a prevalência da CAC foi mais elevada nos adultos de meia-idade. É sabido que grande parte dos estudos nessa área se ocupa em investigar a ação AC na população idosa. Nesse sentido, a análise do uso dessa classe de fármacos previamente à idade avançada pode ser um diferencial na identificação de fatores de risco que levem ao uso crônico dos mesmos, os quais, fundamentalmente, podem contribuir no desenvolvimento de desfechos desfavoráveis ao longo do tempo.
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Financiamento
Este estudo foi parcialmente financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio do Edital MCTI/CNPq/Universal 14/2014.
Editado por
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
27 Maio 2022 -
Data do Fascículo
Jun 2022
Histórico
-
Recebido
03 Maio 2021 -
Aceito
16 Ago 2021 -
Publicado
18 Ago 2021