Open-access Questionário de Adaptação ao Ensino Superior Remoto: Ampliação das Propriedades Psicométricas

Adaptation to Remote Higher Education Questionnaire: Expansion of psychometric properties

Cuestionario de Adaptación para Educación Superior Remota: Expansión de Propiedades Psicométricas

Resumo

Objetivou-se investigar as evidências de validade baseadas na relação com outras variáveis do Questionário de Adaptação ao Ensino Superior Remoto (QAES-R). Foram analisadas as relações entre o QAES-R com os motivos para evasão acadêmica e a motivação. Participaram 319 universitários das cinco regiões do Brasil (M idade = 26,25; DP = 9,5). Identificaram-se correlações estatisticamente significativas entre o QAES-R e a maior parte dos fatores dos demais instrumentos. No primeiro modelo testado, os fatores do QAES-R foram preditores da evasão acadêmica Social (32%), Acadêmico (24%), Institucional (15%) e Professor (10%) (χ2 /gl = 1,87; RMSEA = 0,05; CFI = 0,87; TLI = 0,87). No segundo modelo, o QAES-R predisse a meta aprender (45%), performance- evitação (39%) e performance-aproximação (30%) (χ2 /gl = 1,42; RMSEA = 0,04; CFI = 0,90; TLI = 0,90). Estes resultados ampliam as propriedades psicométricas do QAES-R para avaliar a adaptação acadêmica de estudantes submetidos ao ensino remoto emergencial.

Palavras-chave: ensino superior; evasão; motivação; pandemia

Abstract

The objective was to investigate the validity evidence of the relationship between the Questionnaire for Adaptation to Remote Higher Education (QAES-R) and other variables. The study analyzed the relationships between the QAES-R with the reasons for academic dropout and motivation. A total of 319 Brazilian university students participated (Mage = 26.25; SD = 9.5). Statistically significant correlations were identified between the QAES-R and most factors of the other instruments. In the first model tested, the QAES-R factors predicted academic dropout : Social (32%), Academic (24%), Institutional (15%), and Teacher (10%) (χ2 /gl = 1.87; RMSEA = .05; CFI = .87; TLI = .87). In the second model, the QAES-R predicted learning goals (45%), performance-avoidance (39%), and performance-approach (30%) (χ2 /gl = 1.42; RMSEA = .04; CFI = .90; TLI = .90). These results extend the psychometric properties of the QAES-R to assess the academic adaptation of students during emergency remote teaching.

Keywords: Higher Education; Evasion; Motivation; Pandemic

Resumen

El objetivo fue investigar las evidencias de validez basadas en la relación con otras variables del Cuestionario de Adaptación a Educación Superior Remota (QAES-R). Se analizaron las relaciones entre el QAES-R con los motivos de abandono académico y la motivación. Participaron 319 estudiantes universitarios brasileños de las 5 regiones de Brasil (M edad = 26,25; DS = 9,5). Se identificaron correlaciones estadísticamente significativas entre el QAES-R y la mayoría de los factores de los otros instrumentos. En el primer modelo, los factores del QAES-R fueron predictores del abandono académico Social (32%), Académico (24%), Institucional (15%) y Docente (10%) (χ2 /gl = 1.87; RMSEA = 0.05; CFI = 0.87; TLI = 0.87). En el segundo modelo, el QAES-R predijo la meta de aprender (45%), la evitación del desempeño (39%) y el enfoque de desempeño (30%) (χ2 /gl = 1.42; RMSEA = 0.04; CFI = 0 .90; TLI = 0.90). Estos resultados amplían las propiedades psicométricas del QAES-R.

Palabras clave: Enseñanza Superior; Evasión; Motivación; Pandemia

Introdução

Em razão da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2, comumente conhecido como coronavírus, em 2020 medidas de isolamento social foram implantadas por autoridades ao redor do mundo com o intuito de coibir a expansão do vírus e viabilizar o achatamento da curva de infecção. Assim, como forma de tentar minimizar as consequências do alastramento da doença, locais potenciais de aglomeração foram fechados, dentre eles as instituições educacionais. Em resposta, no Brasil, as instituições de ensino superior (IES) receberam autorização do Ministério da Educação para migrar, temporariamente, do ensino presencial para vias de ensino remoto emergencial, como forma de prosseguir com as aulas durante a pandemia do COVID-19 (Ministério da Educação, 2020).

No ensino remoto emergencial (ERE), professores e estudantes recorrem às Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC’s) para a realização das aulas. Assim, os recursos que até então eram utilizados como apoio, tornaram-se protagonistas para a viabilidade das aulas remotas, contudo, mantendo o projeto pedagógico do ensino presencial (Rondini et al., 2020; Vieira et al., 2020). Conforme descrito por Fior e Martins (2020), as mudanças nesse novo cenário impactam o processo de ensino e aprendizagem e exigem dos estudantes uma maior autonomia, além de competências que esses podem não apresentar e (re)adaptação ao ensino superior por parte de todos os envolvidos.

Adaptação Acadêmica e Evasão no Ensino Superior

A adaptação acadêmica diz respeito a um processo complexo que corresponde à capacidade do aluno em se integrar ao ensino superior, valendo-se de dimensões pessoais, emocionais, sociais, institucionais, de planejamento de carreira e do estudo, que são construídas no cotidiano das relações estabelecidas entre o indivíduo e o ambiente universitário. Juntos, os comportamentos descritos nessas dimensões auxiliam no êxito ao novo contexto, possibilitando o desfrute das diversas condições de aprendizado importantes para a formação profissional (Araújo et al., 2014; Porto & Soares, 2017).

Mediante a classificação feita por Araújo et al. (2014), os aspectos pessoais e emocionais se referem ao bem-estar físico e psicológico oriundo do ingresso no ensino superior, como adaptação à nova rotina e questões ligadas à saúde mental. A dimensão social diz respeito à qualidade das relações diante do novo contexto, com colegas, docentes e funcionários da universidade. A dimensão institucional, por sua vez, remete às oportunidades oferecidas pela IES, englobando a infraestrutura do local e os serviços ofertados. O planejamento de carreira faz alusão a uma análise feita pelo estudante acerca de suas condições de vida, somadas ao mercado de trabalho e às oportunidades referentes ao curso escolhido. Por fim, a dimensão estudo integra os comportamentos do estudante que podem auxiliar, ou não, a qualidade do conteúdo aprendido, tais como a gestão do tempo, a organização e emprego das estratégias de aprendizagem.

Apesar de a maior parte dos estudantes conseguir êxito ao lidar com as adversidades e mudanças inerentes a esse período, obtendo assim uma boa adaptação às novas relações, ao aumento das demandas cognitivas, da autonomia e das responsabilidades, outros a experienciam de forma mais desadaptativa. As dificuldades podem levar ao insucesso acadêmico, identificado por meio de baixas classificações, absenteísmo, retenção em disciplinas e evasão, ou seja, questões por vezes decisivas para a permanência ou abandono do curso (Porto & Soares, 2017; Santos et al., 2019). Conforme evidenciado por Tinto (2006), as dificuldades na adaptação do estudante podem ocasionar em evasão no ensino superior, que seria uma atitude motivada principalmente pelo desempenho insatisfatório e por problemas relacionados à integração social ao novo contexto de aprendizagem, sobretudo no primeiro ano do curso.

Em decorrência das modificações acarretadas pelo ERE, torna-se fundamental compreender a adaptação dos estudantes a essa nova realidade, que pode englobar, ainda, dificuldades de outra ordem. O guia de adaptação acadêmica, desenvolvido por pesquisadores de diferentes IES e Pós-Graduação do Brasil indica que, no país, os problemas se referem à falta de instrumentos tecnológicos e conexão adequada com a internet, além da infraestrutura nas residências para que as aulas remotas e os estudos ocorram de maneira satisfatória (Ambiel et al., 2020). Ainda, quanto ao tema, Gagno et al. (2020) destacam outro aspecto indissociável da questão, a vulnerabilidade social, educacional e econômica que corroborou ainda mais as desigualdades presentes no país e que afetam diretamente na aprendizagem dos estudantes das diferentes modalidades de ensino.

Diante do exposto, o processo de adaptação ao ensino remoto pode ser essencial para a continuidade dos estudos, trazendo consequências, inclusive, para a permanência na IES (Santos et al., 2019; Tinto, 2006). A esse respeito, vale mencionar a relevância da motivação para aprender, prevista na literatura científica como associada à adaptação e à evasão no ensino superior, visto que estudantes mais motivados tendem a se responsabilizar mais pelos processos de aprendizagem, o que favorece o rendimento acadêmico e a autopercepção do estudante frente ao seu progresso no curso (Ferraz, Lima et al., 2020).

Metas de Realização

O construto motivacional pode ser estudado mediante diferentes teorias sociocognitivas (Schunk et al., 2014). Dentre elas, encontra-se a Teoria de Metas de Realizações, que averigua a orientação motivacional dos estudantes diante os processos acadêmicos (Bzuneck & Boruchovitch, 2016; Elliot & Dweck, 1988). As metas investigadas nesta pesquisa consistem em: meta aprender e meta performance, sendo esta última subdividida em performance-aproximação e performance-evitação.

A meta aprender tem como premissa o fato de o estudante se concentrar no processo de aprendizagem, no domínio do conteúdo e no desenvolvimento da habilidade proporcionada pela atividade, progredindo com inovação e criatividade. Também, diz respeito ao emprego de estratégias cognitivas e metacognitivas de aprendizagem. Somado a isso, há o sentimento de realização perante o êxito e os eventuais fracassos são tidos como fonte de informação, para adoção de estratégias novas e eficientes (Bzuneck & Boruchovitch, 2019; Santos et al., 2013).

A meta performance-aproximação caracteriza-se pela necessidade de se destacar pessoalmente, sem que o foco primordial esteja na aprendizagem. Assim, o estudante analisa as chances de que a realização de determinada atividade trará a comprovação de que ele é o melhor ou o mais inteligente. Diante de episódios de fracasso, estes são atribuídos à falta de capacidade e podem gerar emoções negativas, como vergonha e raiva (Senko & Hulleman, 2013). No entanto, a meta performance-aproximação pode ser adaptadora e possui incentivos importantes no âmbito acadêmico, como envolvimento com os estudos, perseverança e emprego de estratégias de aprendizagem eficazes (Bzuneck & Boruchovitch, 2019).

Por sua vez, a meta performance-evitação, refere-se à necessidade da pessoa de não parecer inferior ou incapaz perante os demais, evitando assim a desvalorização por parte de professores e colegas (Bzuneck & Boruchovitch, 2016). O estudante que apresenta esse perfil motivacional é identificado por sua baixa persistência, já que não percebe, por exemplo, a possibilidade de regular os seus esforços, de acordo com as demandas do contexto acadêmico. Por conta dessas características, a orientação pela meta performance-evitação pode interferir negativamente na motivação do aluno para aprender, sendo associada a maiores chances de desistência (Senko & Hulleman, 2013).

Ferraz, Santos et al. (2020) analisaram as relações entre a adaptação acadêmica e a motivação em 236 universitários de instituições públicas e particulares do Brasil. Foram verificadas correlações positivas e significativas entre as dimensões projeto de carreira e estudo com a meta aprender e, na dimensão pessoal-emocional, com a meta performance-evitação. A dimensão projeto de carreira se correlacionou significativa e negativamente com a performance-evitação e, no que tange ao fator preditivo, as dimensões pessoal-emocional e estudo explicaram 22% da variância da meta aprender, 8% da meta performance-aproximação e 11% da meta performance-evitação. O fator adaptação pessoal-emocional predisse as orientações motivacionais da meta performance-evitação (β = -0,17) e da meta aprender (β = 0,30).

Mediante os aspectos apresentados, evidencia-se a importância do estudo da adaptação acadêmica (Araújo et al., 2014; Porto & Soares, 2017), bem como de sua relação com a evasão do ensino superior e com a motivação para aprender (Bzuneck & Boruchovitch, 2019; Ferraz, Santos et al., 2020). Nesse sentido, destaca-se o contexto do ERE por conta da pandemia do COVID-19 e do ensino híbrido, que se configura em uma realidade que tem sido implementada nos cursos presenciais. Assim, o presente estudo objetivou investigar as evidências de validade, baseadas na relação com outras variáveis, do Questionário de Adaptação ao Ensino Superior Remoto (QAES-R), a fim de ampliar as investigações das suas propriedades psicométricas e, com isso, assegurar que se trata de uma medida adequada de avaliação da adaptação ao ensino superior para que auxilie efetivamente no contexto psicoeducacional frente ao ERE (American Educational Research Association [AERA] et al., 2014).

Os objetivos específicos da pesquisa centralizaram-se na (a) investigação das correlações e (b) do potencial preditivo dos fatores do QAES-R com os motivos para a evasão e as metas de realização, conforme evidenciado na literatura científica. Assim, torna-se necessário averiguar como estes construtos se dão mediante o ERE, que trouxe significativas mudanças em diversos domínios para os processos de aprendizagem no ensino superior. As hipóteses sugerem a existência de correlações estatisticamente significativas entre a adaptação acadêmica e os demais construtos, bem como que os fatores do instrumento de adaptação sejam preditores dos fatores para evasão e motivação.

Método

Participantes

Amostra composta por 319 estudantes (M idade = 26,25; DP = 9,5), com predominância do sexo feminino (n = 268; 84,01%). Os estudantes eram provenientes das cinco regiões brasileiras mediante a seguinte distribuição: Sudeste (n = 115), Sul (n = 110), Norte (n = 40), Nordeste (n = 29) e Centro-Oeste (n = 25). A maior parte cursava o Ensino Superior em instituições particulares (n = 234; 73,35%), com distribuição nas áreas das Ciências Humanas (n = 185; 58%), Ciências da Saúde (n = 86; 26,96%), Ciências Sociais Aplicadas (n = 31; 9,72%), Ciências Agrárias (n = 11; 3,45%), Linguística, Letras e Artes (n = 3; 0,94%), Ciências Biológicas (n = 1; 0,31%), Engenharias (n = 1; 0,31%) e Ciências Exatas e da Terra (n = 1; 0,31%).

Instrumentos

Questionário de Adaptação ao Ensino Superior Remoto (QAES-R; Ferraz, Inácio, et al. (manuscrito submetido), adaptado de Araújo et al., 2015). Esse questionário destina-se à avaliação da adaptação acadêmica de estudantes ao ensino remoto. O QAES-R possui 40 itens divididos em cinco dimensões, a saber, Institucional, Estudo, Social, Pessoal-emocional e Planejamento de Carreira. A chave de resposta é tipo Likert de quatro pontos, cujos rótulos variam de Discordo Totalmente a Concordo Totalmente. Altas pontuações nos fatores Institucional, Estudo, Social e Planejamento de Carreira são indicativos de adaptação nessas dimensões e vice-versa. No Fator Pessoal-emocional, altas pontuações denotam dificuldades de adaptação nessa dimensão, sendo que a interpretação oposta é aplicada às baixas pontuações no fator. O QAES-R possui evidência de validade de conteúdo e evidência de validade baseada na estrutura interna - χ2/gl = 3,12; RMSEA = 0,08; valores de CFI = 0,86 e TLI = 0,85. Os fatores do questionário apresentaram índices de confiabilidade adequados: Fator Institucional, ω = 0,90; Fator Social, ω = 0,86; Fator Estudo, ω = 0,85; Fator Pessoal-emocional, ω = 0,93; Fator Planejamento de Carreira, ω = 0,92.

Questionário de Motivos de Abandono do Ensino Superior (QMA-es; Almeida et al., 2019). O questionário avalia os motivos para a evasão acadêmica de estudantes do Ensino Superior por meio de 30 itens divididos nos fatores: Institucional, Acadêmico, Financeiro, Professor, Saúde e Bem-estar e Social. A chave de resposta apresenta cinco opções de resposta que variam entre Nada importante a Muito importante. O QMA-es possui evidência de validade baseada na estrutura interna. O modelo obtido a partir da estrutura fatorial do QMA-es é adequado: χ2/gl = 1,74; RMSEA = 0,09; valores de CFI = 0,87 e TLI = 0,85. Também se verificou a adequação dos índices de confiabilidade (ω total) dos fatores do questionário - Institucional: 0,76; Acadêmico: 0,77; Financeiro: 0,85; Professor: 0,87; Saúde e Bem-estar: 0,90; Social: 0,77.

Escala de Avaliação da Motivação para a Aprendizagem-Universitários (EMAPRE-U; Zenorini & Santos, 2010). Avalia a motivação na perspectiva das metas de realização por meio de 28 itens divididos nos fatores da Meta Aprender, Meta Performance-Aproximação e Meta Performance-Evitação. A chave de resposta da escala apresenta três opções: Discordo, Não Sei e Concordo. A EMAPRE-U possui evidências de validade baseada na estrutura interna e na relação com outras variáveis (tipo critério concorrente) (Santos et al., 2013). Para a amostra deste estudo, o modelo da EMAPRE-U, identificado por meio de análise fatorial confirmatória, é plausível: χ2/gl = 1,74; RMSEA = 0,05; valores de CFI e TLI = 0,95. Os fatores da escala apresentam índices de confiabilidade adequados, considerando o w total - Meta Aprender: 0,81; Meta Performance-Aproximação: 0,88; e Meta Performance-Evitação: 0,91.

Procedimento

Coleta de Dados

O projeto do qual derivou este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa da universidade à qual que se encontra vinculado. Os dados foram coletados de forma remota por meio do Formulários Google, sendo que os participantes assentiram por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O link da pesquisa foi divulgado entre os estudantes de graduação das IES em que as pesquisadoras atuam e pelo compartilhamento nas redes sociais (Facebook e Instagram) pelo método bola de neve.

Análise dos dados

Os softwares estatísticos utilizados foram o JASP (versão 0.11.1) e o Mplus (version 7.11; Muthén & Muthén, 2012). A constatação do desvio de normalidade dos dados amostrais foi feita pelo teste de Shapiro Wilk cujo p-valor foi menor que 0,05. Destarte, utilizaram-se estatísticas inferenciais compatíveis com dados que apresentam distribuição não normal.

Para atender o objetivo específico “a” aplicou-se a análise de correlação postos de Spearman (ϱ) entre os fatores do QAES-R com o QMA-es e a EMAPRE-U. Interpretação da magnitude das correlações: ϱ ≤ 0,29, pequena; ϱ ≤ 0,49, moderada; ϱ ≤ 0,50, grande (Goss-Sampson, 2020).

Para atingir o objetivo específico “b” recorreu-se a modelagem por equações estruturais (MEE): método de estimação Weighted Least Square Mean and Variance Adjusted (WLSMV). Nos dois modelos testados pela MEE as variáveis independentes foram os fatores do QAES-R e variáveis dependentes os fatores do QMA-es e da EMAPRE-U. O referencial de intepretação da plausibilidade foi pautado na razão de χ2 /gl ≤ 5; Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA) ≤ 0,10; and Confirmatory Fit Index (CFI) and Tucker-Lewis Index (TLI) ≥ 0,80 (Marôco, 2014). Tanto na análise de correlação como na MEE a aquiescência foi controlada pelo método intercepto randômico (IR) (Valentini & Hauck-Filho, 2020).

Resultados

A Tabela 1 mostra que as correlações entre os fatores do QAES-R e o QMA-es, cujos índices foram estatisticamente significativos, variaram de pequena à moderada magnitude. As correlações de sentido negativo indicam que a adaptação ao ensino remoto pressupõe uma diminuição nos motivos para a evasão e vice-versa. Por sua vez, as correlações de sentido positivo sugerem que problemas na adaptação a essa realidade no Ensino Superior aumentam os motivos para a evasão acadêmica e vice-versa.

Tabela 1
Correlações postos de Spearman entre o QAES-R, o QMA-es e a EMAPRE-U

A Figura 1 mostra os coeficientes de predição padronizados (β) que foram estatisticamente significativos no modelo estruturado pelos fatores do QAES-R e os fatores do QMA-es. Neste modelo, 32% da variância do Fator Social do QMA-es foi explicada pelos fatores do QAES-R Estudo, Institucional e Planejamento de Carreira. A identificação de adaptação acadêmica no Fator Estudo demonstrou que as habilidades ligadas à autorregulação dos estudos repercutiram em uma redução de -0,67 pontos nos motivos para a evasão de dimensão social. No Fator Institucional, a dificuldade de adaptação à organização das IES durante a transição do ensino presencial para o ensino remoto repercutiu em um aumento de 0,48 pontos nos motivos para a evasão no âmbito social. No Fator Planejamento de Carreira, a presença de adaptação ligada ao desenvolvimento profissional e de carreira durante a formação no ensino remoto pressupôs uma diminuição de -0,26 pontos no motivo social para a evasão acadêmica.

Figura 1
Fatores do QAES-R predizendo os fatores do QMA-es.

O Fator Acadêmico do QMA-es teve 24% da variância explicada pelos fatores do QAES-R Institucional, Social, Estudo e Pessoal-Emocional. A dificuldade de se ajustar à IES na modalidade remota, mensurada pelo Fator Institucional, refletiu em um aumento de 0,36 pontos nos motivos para a evasão ligados à dimensão acadêmica. O Fator Social, em que a facilidade de lidar com as alterações no âmbito social na transição da modalidade presencial para remota minimizou em -0,34 pontos o motivo para evadir nos aspectos acadêmicos. Quanto ao Fator Estudo, as habilidades ligadas ao domínio da autorregulação para estudar, estiveram associadas à uma diminuição de -0,34 pontos dos motivos acadêmicos para a evasão. Por meio do Fator Pessoal-Emocional verificou-se que a falta de adaptação para lidar com as oscilações de humor elevou em 0,17 pontos os motivos para a evasão acadêmica.

Os fatores Social e Estudo do QAES-R explicaram 15% do Fator Institucional do QMA-es. A adaptação social refletiu em uma diminuição de -0,36 pontos nos motivos para a evasão, ligados ao funcionamento das IES no ensino remoto emergencial, enquanto os problemas para se adaptar aos estudos aumentaram em -0,34 pontos a intenção de abandono devido à dimensão institucional. Por último, 10% da variância do Fator Professor do QMA-es foi explicada pelos fatores do QAES-R Social, Estudo e Planejamento de Carreira. A adaptação social esteve associada a um decréscimo de -0,33 pontos nos motivos para a evasão, ligados ao corpo docente. Problemas de adaptação aos estudos no ensino remoto repercutiram em um aumento de 0,32 pontos nos motivos para evadir nessa dimensão que foca os professores. O ajustamento aos aspectos do planejamento de carreira repercutiu minimizou em -0,20 pontos as chances de evasão por parte das práticas de ensino dos docentes.

A parte inferior da Tabela 1 traz as correlações dos fatores do QAES-R com a EMAPRE-U. Os índices de correlação estatisticamente significativos variaram de pequena a grande. As correlações de direção positiva indicam que a adaptação ao ensino remoto avaliada pelos fatores do QAES-R converge na aderência pelas meta de realização e vice-versa.

Na Figura 2 é representado o modelo explicativo dos fatores do QAES-R para a aderência de metas de realização (fatores da EMAPRE-U). Todos os fatores da EMAPRE-U foram preditos por, no mínimo, três fatores do QAES-R. O Fator Meta Aprender da EMAPRE-U teve 45% da sua variância explicada pelos fatores do QAES-R Institucional, Estudo e Pessoal-Emocional. Problemas na adaptação dos estudantes, à configuração do ensino remoto na perspectiva das IES e do ponto de vista pessoal e emocional reduziram, respectivamente, em -0,24 pontos e -0,17 pontos a aderência às características de meta aprender. Por conseguinte, a adaptação à nova rotina de estudos impactou em um aumento de 0,69 pontos na orientação motivacional por essa meta de realização.

Figura 2
Fatores do QAES-R predizendo os fatores do EMAPRE-U.

O Fator meta performance-evitação da EMAPRE-U obteve 39% da variância explicada pelos fatores do QAES-R Institucional, Social, Estudo e Pessoal-Emocional. A adaptação institucional repercutiu em uma diminuição em 0,61 pontos na manifestação de características motivacionais da meta performance-evitação. Por sua vez, problemas na adaptação social durante o ERE refletiu em um aumento de -0,39 pontos na orientação por essa meta de realização. Verificou-se, ainda, um acréscimo de -0,32 pontos na aderência à meta performance-evitação em razão da falta de adaptação aos estudos e aos aspectos ligados à dimensão pessoal e emocional.

Por fim, 30% da variância do Fator Meta Performance-Aproximação (EMAPRE-U) foi explicada pelos fatores do QAES-R Institucional, Social, Estudo e Planejamento de Carreira. A adaptação às medidas implementadas pelas IES no ensino remoto e aos estudos refletiram, respectivamente, no aumento de 0,61 e 0,55 pontos na motivação orientada pelas características de meta performance-aproximação. A adaptação social e com os aspectos associados ao planejamento de carreira levaram a uma minimização na aderência dessa meta de realização em, consecutivamente, -0,54 e -0,43 pontos.

Discussão

O presente estudo objetivou a investigação das correlações e do potencial preditivo dos fatores do QAES-R com os motivos para a evasão e as metas de realização a fim de conferir evidências de validade baseadas na relação com outras variáveis a esta escala. Os resultados iniciais mostraram que, na análise de correlação, 66,66% dos valores obtidos entre o QAES-R e o QMA-es foram estaticamente significativos. Adicionalmente, o modelo explicativo foi plausível, sendo que os fatores do QAES-R foram preditores de quatro dos seis fatores do QMA-es. Por sua vez, as correlações entre os fatores do QAES-R e a EMAPRE-U apresentaram 86,67% dos valores estatisticamente significativos. O modelo de predição mostrou que os três fatores da EMAPRE-U tiveram sua variância explicada pelos fatores do QAES-R. Isto posto, os resultados das análises de correlação e da modelagem por equações estruturais, indicam que o QAES-R apresenta evidências de validade baseadas na relação com outras variáveis, sendo uma medida apropriada para predizer os motivos para a evasão e a qualidade motivacional na perspectiva das metas de realização.

Os resultados da análise de correlação indicaram que a adaptação social se contrapôs à intenção de abandono, e vice-versa, por questões ligadas às relações interpessoais estabelecidas e mantidas no ensino remoto (Almeida et al., 2019; Santos et al., 2019). A adaptação nas dimensões social, estudo e planejamento de carreira se contrapôs aos motivos para evasão ligados às questões acadêmicas. Nesse sentido, a integração dos estudantes com os colegas de curso e o desenvolvimento de habilidades de estudo no ensino remoto auxiliam o bom rendimento acadêmico e, portanto, tendem a evitar a manifestação da intenção de abandono (Ferraz, Santos et al., 2020; Porto & Soares, 2017; Santos et al., 2019).

As demais correlações estatisticamente significativas, identificadas entre os fatores do QAES-R com o QMA-es, ainda que de pequena magnitude, indicaram que a adaptação institucional tende a se contrapor com os motivos para evasão ligados à IES, aos aspectos acadêmicos, ao nível de conhecimento e à didática do corpo docente, à integração social e à saúde e bem-estar dos estudantes. A adaptação social no ensino remoto parece minimizar os motivos financeiros, institucionais, ligados aos professores e à saúde e bem-estar dos estudantes e vice-versa. Estar adaptado aos estudos parece minimizar a tendência a evadir nos quesitos financeiro e social. O ajustamento nas questões que envolvem o planejamento de carreira, durante a pandemia de COVID-19, parece minimizar os motivos para evadir em decorrência das características dos professores e social. Em contrapartida, problemas de adaptação de natureza pessoal e emocional estiveram associadas aos motivos para evasão de ordem acadêmica, institucional, social e ligados aos professores. Esses resultados, aliado à estrutura do modelo explicativo que será discutido a seguir, corroboram com a proposição de que os motivos para evasão emergem da junção de causas múltiplas, assim como a própria adaptação acadêmica, envolve diversos indicadores que sinalizam o ajustamento e a integração dos estudantes ao Ensino Superior que, conforme identificado, se correlacionam e predizem as causas que podem levar ao abandono, seja do curso ou da própria IES (Almeida et al., 2019; Ambiel et al., 2020; Ferraz, Inácio et al., 2020; Ferraz, Santos et al., 2020; Tinto, 2006).

No modelo apresentado na Figura 1 foi possível identificar que a adaptação ao estudo repercute nas dimensões de evasão social, acadêmico, institucional e relacionados ao corpo docente. Com as mudanças decorridas para o ERE, foi necessário repensar processos e rotinas acadêmicas, as metodologias de ensino que se enquadravam ao ensino presencial já não favoreciam tanto o processo de ensino-aprendizagem remotamente, o que resultou em dificuldades de adaptação ao novo modelo (Amaral & Polydoro, 2020; Fossa et al., 2020), tanto para os alunos, como também para o corpo docente (Sanchez Júnior & Silva, 2020). Além disso, se nesse novo formato o processo de ensino se concentrar na figura do professor, possivelmente haverá baixa interação social entre os participantes e pouca troca de experiências, o que prejudicará a produção do conhecimento, impactando negativamente também na integração social (Correia et al., 2020; Sanchez Júnior & Silva, 2020). Desse modo, o papel da IES torna-se ainda mais importante, pois será preciso dar suporte aos professores e aos estudantes, de modo a viabilizar a adequação das ferramentas pedagógicas utilizadas e intervir junto aos estudantes para que permaneçam motivados à participação e à construção colaborativa do conhecimento (Appenzeller et al., 2020; Soares et al., 2020).

Por sua vez, a adaptação institucional reflete nas dimensões da evasão social e acadêmica. Tal resultado torna-se plausível na medida em que, no cenário do ensino remoto, a infraestrutura para o desenvolvimento de aulas e estudos comumente passa a ser o ambiente domiciliar que, por vezes, não atende às condições mínimas para que o processo de aprendizagem ocorra. Tais como: equipamentos apropriados (internet, computador, mesa etc.), local adequado para a execução de atividades (sem barulho, bem iluminado e com pouca ou nenhuma interrupção), sendo muitas vezes compartilhado por mais pessoas que moram na residência (Ambiel et al., 2020; Appenzeller et al., 2020; Vieira et al., 2020), o que pode impactar no desempenho e rendimento acadêmico (Almeida et al., 2019). Além disso, nesse formato, o contato com colegas e professores é mais limitado, havendo menor participação dos estudantes. Isso, em conjunto ao potencial impacto negativo da falta de encontros presenciais, repercute na relação de troca entre todos os envolvidos no processo de aprendizagem (colegas, docentes e demais profissionais atuantes nas IES), podendo levar à manifestação de motivos para a evasão (Fior & Martins, 2020).

Ademais, a adaptação no planejamento de carreira repercute nas dimensões da evasão social e relacionada aos professores. Conjectura-se que as percepções do estudante acerca do curso frequentado e em relação às perspectivas de carreira perpassam a troca de experiência com os professores, colegas e outros profissionais da área escolhida (Araújo et al., 2014). Como já mencionado, a mudança para o ensino remoto e o próprio contexto pandêmico repercutiram na carência nos contatos sociais e talvez essa troca de experiências sobre a carreira escolhida foi prejudicada, estando associada aos motivos para a evasão (Fior & Martins, 2020; Soares et al., 2020).

Por fim, o fator de adaptação pessoal-emocional refletiu na dimensão da evasão por motivo acadêmico. A migração para o ERE exigiu a readaptação de todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Além da ansiedade diante da pandemia e insegurança em relação às condições de retorno às aulas, foi preciso lidar com as incertezas para a finalização do semestre, a preocupação com a formação profissional e a dificuldade de concentração nos estudos, fatores esses que impactam negativamente no bem-estar psicológico (Amaral & Polydoro, 2020; Correia et al., 2020). Percebe-se que nesse processo de tentar uma (re)adaptação ao ensino superior, o cansaço físico e mental esteve presente e que talvez não tenha havido tempo hábil para as IES monitorarem e lidarem com essas questões (Correia et al., 2020; Rabaiolli & Hansen, 2020). Nesse sentido, um dos resultados da desadaptação pode ser o baixo rendimento acadêmico e a consequente evasão estudantil.

Por seu turno, o resultado das correlações entre os fatores do QAES-R e da EMAPRE-U, indicou que os estudantes que possuem uma melhor gestão do tempo, ambiente e rotina de estudos adequados e conseguem refletir sobre sua carreira e oportunidades do curso, estão mais orientados ao aprendizado efetivo, por meio de estratégias eficientes e foco no desenvolvimento das habilidades (Bzuneck & Boruchovitch, 2019). O resultado encontra convergência aos de Ferraz, Santos, et al. (2020) e Ferraz, Lima et al. (2020), em que os fatores também se correlacionaram positiva e significativamente com a motivação para aprender. Os fatores da adaptação Social, ao Estudo e ao Planejamento de Carreira estiveram moderada e negativamente correlacionadas com a meta performance-evitação. Assim, quanto melhores as relações do estudante com seus pares, condições de estudo favoráveis e envolvimento com o campo de atuação, menos orientação a padrões desadaptativos da motivação (Ferraz, Santos et al., 2020; Senko & Hulleman, 2013).

Por sua vez, o fator Adaptação Pessoal-emocional correlacionou-se de forma positiva e moderada com a meta performance-evitação e negativa e moderada com a meta aprender. Desta feita, pode-se pressupor que a saúde mental dos universitários, associada ao seu bem-estar físico e psicológico, está relacionada a padrões desadaptativos da motivação no ensino remoto, o que corrobora com menor prevalência das caraterísticas relativas à meta aprender, como interesse pela absorção dos conteúdos, criatividade e emprego de estratégias adequadas. Tal fato pode ser aventado mediante diversos fatores inerentes às medidas de contingência estabelecidas, como as questões financeiras e de vulnerabilidade social, as necessidades inerentes ao próprio cenário de estudo, bem como a falta de recursos pessoais para lidar com a situação pandêmica, o que pode afetar substancialmente os processos de ensino e aprendizagem (Ambiel et al., 2020; Fior & Martins, 2020; Soares et al., 2020)

Foi constatado que os estudantes que se mostraram mais orientados ao aprendizado efetivo, com sentimentos de realização perante o êxito e mudança de estratégias perante o fracasso, possuem relações sociais mais saudáveis com seus pares, bem como usufruem dos serviços e oportunidades das IES em que estudam. Aqueles que fazem uso das oportunidades ofertadas pelas IES, bem como de sua infraestrutura e serviços estão mais orientados pela necessidade de se sobressair. No entanto, o fator do QAES-R, Adaptação Institucional, também se correlacionou, negativamente, com a meta performance-evitação, o que indica que quanto mais adaptados à IES, menos padrões desadaptativos orientam a motivação do aluno no ensino remoto (Araújo et al., 2014; Senko & Hulleman, 2013).

Por fim, a meta performance-aproximação mostrou-se correlacionada positivamente com o fator do QAES-R Adaptação ao Estudo e negativamente com o fator Adaptação Social. No primeiro caso, isso sugere que estar adaptado ao estudo se associa ao esforço para se sobressair e tirar boas notas. Já em relação à correlação negativa com o fator Adaptação Social, pode-se inferir que quanto maior a qualidade das relações estabelecidas no ensino remoto, menor é o uso de estratégias com o foco exclusivo na performance e vice-versa (Bzuneck & Boruchovitch, 2016; Ferraz, Lima et al., 2020).

Em face aos resultados representados na Figura 2, que aludem a relação de predição do QAES-R para a EMAPRE-U, se supôs que a qualidade motivacional dos estudantes seria predita pela adaptação ao ensino remoto, pelo fato de o emprego e a alternância das metas de realização estar associada ao contexto vivenciado pelos universitários (Bardach et al., 2020; Bzuneck & Boruchovitch, 2016). Esses dados foram corroborados, haja vista que os três fatores da EMAPRE-U foram preditos pelos fatores do QAES-R.

A esse respeito, os fatores Institucional, Estudo e Pessoal-Emocional de adaptação foram preditores de 45% da meta aprender. Isso significa dizer que o uso das oportunidades oferecidas pela IES, aliado a organização das condições de estudo e a saúde mental do estudante frente ao contexto imposto pelo ensino remoto podem predizer um gerenciamento mais autônomo da aprendizagem, mediante o emprego de estratégias adequadas, com foco no desenvolvimento das habilidades e interesse pela absorção dos conteúdos (Bzuneck & Boruchovitch, 2019; Ferraz, Lima et al., 2020). Conforme mencionado por Ambiel et al. (2020), a adaptação à rotina de estudos, mediante aspectos como gestão do tempo, organização das atividades e condições relacionadas ao ambiente físico e tecnológico, podem auxiliar sobremaneira nos processos de ensino e aprendizagem no ensino remoto.

Os fatores de adaptação Institucional, Social, Estudo e Pessoal-Emocional também foram preditores, em 39%, da meta performance-evitação. Tal fato indica que dificuldades relativas à adaptação ao ensino remoto, nesses quatro fatores, podem levar o estudante a uma orientação motivacional mais voltada para a preocupação com as notas e em salvaguardar-se da desvalorização dos colegas e professores. Por conta de suas características, a meta performance-evitação pode interferir negativamente na motivação do estudante universitário, haja vista estar associada à baixa persistência e maiores chances de desistência (Bzuneck & Boruchovitch, 2016; Senko & Hulleman, 2013). Vale ressaltar as especificidades do contexto do ERE, que podem impactar na aderência da meta performance-evitação, sendo mais ou menos aversivo. Desse modo, os formatos avaliativos mais abrangentes, a possibilidade de desligar a câmera durante as aulas, por exemplo, pode fazer com que o aluno se sinta mais seguro, pelo fato de não precisar se expor em demasia. Conforme indicado por Fior e Martins (2020), as mudanças no novo cenário exigem maior autonomia do estudante e trazem consequências aos seus processos de ensino e aprendizagem.

Por conseguinte, os fatores do QAES-R Institucional, Social, Estudo e Planejamento de Carreira mostraram-se preditores de 30% da meta performance-aproximação. Isso significa dizer que, no ensino remoto, os estudantes que conseguem adaptar-se às condutas e serviços ofertados pela IES, gerir e organizar seu tempo com qualidade, tendem a apresentar motivação mais orientada para a comprovação de sua capacidade frente aos demais. O mesmo ocorre em relação à adaptação Social e Pessoal-emocional, caracterizadas pela qualidade das relações estabelecidas com colegas e membros da IES e com as condições inerentes à saúde mental do estudante, respectivamente. A esse respeito, pode-se aventar que, no ensino remoto, mudanças de diferentes ordens incidiram sobre a vida dos universitários (Ambiel et al., 2020; Fior & Martins, 2020), e podem ter afetado a preocupação com o desempenho e em sair-se bem, ou melhor que os demais, o que conduz ao envolvimento com os estudos, perseverança e emprego de estratégias adequadas (Bzuneck & Boruchovitch, 2019; Senko & Hulleman, 2013).

Quanto às aplicações práticas deste estudo, a ampliação das propriedades psicométricas do instrumento, elaborado com o intuito de avaliar a adaptação acadêmica de estudantes submetidos ao ensino remoto emergencial, torna possível a sua aplicação pelas IES a fim de mapear as circunstâncias que permeiam a vida de seus estudantes, submetidos a transformações de diversas ordens em um curto espaço de tempo. Pode, ainda, oportunizar mudanças que proporcionem uma maior adaptação ao contexto de aprendizagem, de modo a abarcar as especificidades inerentes ao ensino remoto e ensino híbrido. Essas mudanças devem considerar a importância das relações entre os pares e com os próprios membros da instituição, os recursos pessoais dos discentes, intrinsecamente relacionados à saúde mental, bem como a qualidade dos recursos disponíveis durante o ensino remoto, que podem afetar substancialmente a apreensão dos conteúdos inerentes à futura profissão e o desejo de permanecer no curso. Vale destacar que grande parte das mudanças mencionadas ocorreu de forma veloz no contexto pandêmico, mas algumas delas podem ser implementadas como método de ensino e/ou propostas pedagógicas a posteriori, corroborando com a relevância do presente estudo ao contexto psicoeducacional diante da pandemia e após o seu período crítico.

No que se refere às limitações do presente estudo, há que se mencionar o tamanho amostral, que mesmo representado por todas as cinco regiões do Brasil, apresentou grupos desbalanceados levando-se em conta as cinco regiões. O mesmo se refere à distribuição das áreas cursadas, com predomínio de cursos em Ciências Humanas e Ciências da Saúde, e ao fato de a maior parte dos estudantes pertencer ao ensino particular. Assim, propõe-se como agenda futura a ampliação da amostra de estudantes universitários e uma maior heterogeneidade de cursos e modalidades de ensino a serem investigados, visto que cada área, bem como as instituições públicas e particulares, possuem desafios específicos que podem afetar de formas distintas a adaptação acadêmica, as intenções de permanência e de abandono do curso e, ainda, a motivação para aprender. Também pretende-se ampliar a abrangência do QAES-R em vias de investiga-la no âmbito do ensino híbrido, visto que essa modalidade de ensino tem sido incorporada nos cursos presenciais, principalmente nas instituições de ensino particulares, em vias de incorporar o ambiente virtual de aprendizagem às práticas pedagógicas realizadas tradicionalmente em sala de aula.

Referências

  • Almeida, L. S., Casanova, J. R., Gutiérrez, A. B. B., Fernández-Castañón, A. C., Santos, A. A. A., & Ambiel, R. A. M. (2019). Construção de um questionário transcultural de motivos de abandono do ensino superior. Avaliação Psicológica, 18(2), 201-209. https://doi.org/10.15689/ap.2019.1802.17694.11
    » https://doi.org/10.15689/ap.2019.1802.17694.11
  • Amaral, E., & Polydoro, S. (2020). Os Desafios da mudança para o Ensino Remoto Emergencial na graduação na Unicamp - Brasil. Linha Mestra, 41, 52-62. https://doi.org/10.34112/1980-9026a2020n41ap52-62
    » https://doi.org/10.34112/1980-9026a2020n41ap52-62
  • Ambiel, R. A. M., Santos, A. A. A. dos, Soares, A. B., Lima, T. H. de, Barros, L. de O., Inácio, A. L. M., Ferraz, A. S., Salvador, A. P., Martins, G. H., & Bathaus, J. K. O. B. (2020). Adaptação e permanência no Ensino Superior em tempos de pandemia. Força Tarefa PsicoVida. https://doi.org/10.13140/RG.2.2.32401.86886
    » https://doi.org/10.13140/RG.2.2.32401.86886
  • American Educational Research Association, American Psychological Association, & National Council on Measurement in Education. (2014). Standards for educational and psychological testing. American Educational Research Association.
  • Appenzeller, S., Menezes, F. H., Santos, G. G. dos, Padilha, R. F., Graça, H. S., & Bragança, J. F. (2020). Novos tempos, novos desafios: estratégias para equidade de acesso ao Ensino Remoto Emergencial. Revista Brasileira de Educação Médica, 44(1), 1-6. https://doi.org/10.1590/1981-5271v44.supl.1-20200420
    » https://doi.org/10.1590/1981-5271v44.supl.1-20200420
  • Araújo, A., Almeida, L. S., Ferreira, J. A., Santos, A. A. A., Noronha, A. P., & Zanon, C. (2014). Questionário de Adaptação ao Ensino Superior (QAES): Construção e validação de um novo questionário. Psicologia, Educação e Cultura, 18(1), 131-145. Recuperado de https://www.researchgate.net/publication/268148778_Questionario_de_Adaptacao_ao_Ensino_Superior_QAES_Construcao_e_validacao_de_um_novo_questionario
    » https://www.researchgate.net/publication/268148778_Questionario_de_Adaptacao_ao_Ensino_Superior_QAES_Construcao_e_validacao_de_um_novo_questionario
  • Bardach, L., Oczlon, S., Pietschnig, J., & Lüftenegger, M. (2020). Has achievement goal theory been right? A meta-analysis of the relation between goal structures and personal achievement goals. Journal of Educational Psychology, 112(6), 1197-1220. https://doi.org/10.1037/edu0000419
    » https://doi.org/10.1037/edu0000419
  • Bzuneck, J. A., & Boruchovitch, E. (2016). Motivação e autorregulação da motivação no contexto educativo. Psicologia Ensino & Formação, 7(2), 73-84. https://doi.org/10.21826/2179-58002016727384
    » https://doi.org/10.21826/2179-58002016727384
  • Bzuneck, J. A., & Boruchovitch, E. (2019). Motivação de estudantes no Ensino Superior: Como fortalecê-la? Em L. S. Almeida (Org.), Estudantes do Ensino Superior: desafios e oportunidades (p. 137-158). Associação para o Desenvolvimento da Investigação em Psicologia da Educação.
  • Correia, M. S., Araújo, N. A., & Marques, B. G. (2020). A ausência do diálogo no processo de formação profissional em saúde no Ensino Remoto: impactos na aprendizagem e na saúde mental de acadêmicos. Temas em Educação e Saúde, 16(2), 648-663. https://doi.org/10.26673/tes.v16i2.14403
    » https://doi.org/10.26673/tes.v16i2.14403
  • Elliot, E. S., & Dweck, C. S. (1988). Goals: An approach to motivation and achievement. Journal of Personality and Social Psychology, 54(1), 5-12. https://doi.org/10.1037/0022-3514.54.1.5
    » https://doi.org/10.1037/0022-3514.54.1.5
  • Ferraz, A. S., Inácio, A. L. M., Bathaus, J. K. O. B., & Santos, A. A. A. (manuscrito submetido). Questionário de Adaptação ao Ensino Superior-Ensino Remoto: adaptação e Propriedades Psicométricas. Paidéia.
  • Ferraz, A. S., Lima, T. H. de, & Santos, A. A. A. (2020). O papel da adaptação ao ensino superior na motivação para aprendizagem. Revista Educação: Teoria e Prática, 30(63), 1-18. https://doi.org/10.18675/1981-8106.v30.n.63.s14692
    » https://doi.org/10.18675/1981-8106.v30.n.63.s14692
  • Ferraz, A. S., Santos, A. A. A., & Ambiel, R. A. M. (2020). Mapeando las razones del abandono de la Educación superior en Brasil: Conceptualización y direnciación de otras construcciones. Em A. B. Bernardo, E. Tuero, L. S. Almeida, & J. C. Nuñez (Orgs.), Motivos y factores explicativos del abandono de los estudios: claves y estrategias pra superarlo (p. 152-169). Editora Pirâmide.
  • Fior, C. A., & Martins, M. J. (2020). A docência universitária no contexto de pandemia e o ingresso no ensino superior. Revista Docência do Ensino Superior, 10, 1-20. https://doi.org/10.35699/2237-5864.2020.24742
    » https://doi.org/10.35699/2237-5864.2020.24742
  • Fossa, R. S., Benedetti, A. C., Esteves, P. E. C. C., & Silva, R. H. A. (2020). Ensino Remoto Emergencial em um curso de Medicina: Avaliação do trabalho docente na perspectiva discente. Revista Docência do Ensino Superior , 10, 1-21. https://doi.org/10.35699/2237-5864.2020.24654
    » https://doi.org/10.35699/2237-5864.2020.24654
  • Gagno, A. P., Inácio, A. L. M., Martins, J. B., Silva, M. B., & Carneiro, P. B. (2020). Reflexões sobre educação no contexto de pandemia. Em B. Kestring, G. B. Horn, L. C. P. Rocha, & S. D. Santarosa (Orgs.), Aulas não presenciais em tempos de pandemia: improviso, exclusão e precarização do ensino no Paraná (pp. 133-137). Platô Editorial.
  • Marôco, J. (2014). Análise de equações estruturais: fundamentos teóricos, software & aplicações. ReportNumber.
  • Ministério da Educação (2020). Portaria no 343, de 17 de março de 2020. Recuperado de https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-343-de-17-de-marco-de-2020-248564376
    » https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-343-de-17-de-marco-de-2020-248564376
  • Porto, A. M. S., & Soares, A. B. (2017). Diferenças entre expectativas e adaptação acadêmica de universitários de diversas áreas do conhecimento. Análise Psicológica, 34(1), 13-24. https://doi.org/10.14417/ap.1170
    » https://doi.org/10.14417/ap.1170
  • Rabaiolli, J., & Hansen, F. (2020). Experiências em Ensino Remoto de publicidade e propaganda na pandemia da Covid-19. Comunicação & Educação, 25(2), 169-183. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9125.v25i2p169-183
    » https://doi.org/10.11606/issn.2316-9125.v25i2p169-183
  • Rondini, C. A., Pedro, K. M., & Duarte, C. dos S. (2020). Pandemia da COVID-19 e o ensino remoto emergencial: mudanças na práxis docente. Interfaces Científicas - Educação, 10(1), 41-57. https://doi.org/10.17564/2316-3828.2020v10n1p41-57
    » https://doi.org/10.17564/2316-3828.2020v10n1p41-57
  • Sanchez Júnior, S. L., & Silva, M. C. da. (2020). Impactos do Ensino Remoto na vida acadêmica de estudantes da Educação Superior: Revisão de conceitos da Educação a Distância e o modelo de Ensino Remoto. Revista de Ciências Humanas, 20(2), 73-92. Recuperado de https://periodicos.ufv.br/RCH/article/view/11654
    » https://periodicos.ufv.br/RCH/article/view/11654
  • Santos, A. A. A., Alcará, A. R., & Zenorini, R. P. C. (2013). Estudos psicométricos da escala de motivação para a aprendizagem de universitários. Fractal: Revista de Psicologia, 25, 531-546. https://doi.org/10.1590/S1984-02922013000300008
    » https://doi.org/10.1590/S1984-02922013000300008
  • Santos, A. A. A., Ferraz, A. S., & Inácio, A. L. M. (2019). Adaptação ao ensino superior: Estudos no Brasil. Em L. S. Almeida (Org.), Estudantes do Ensino Superior: desafios e oportunidades (p. 65-98). Associação para o Desenvolvimento da Investigação em Psicologia da Educação.
  • Schunk, D. H., Meece, J. R., & Pintrich, P. R. (2014). Motivation in Education: theory, Research, and Applications. Pearson.
  • Senko, C., & Hulleman, C. S. (2013). The role of goal attainment expectancies in achievement goal pursuit. Journal of Educational Psychology , 105(2), 504-521. https://doi.org/10.1037/a0031136
    » https://doi.org/10.1037/a0031136
  • Soares, T. L. F. de S., Santana, Í. S. de, & Comper, M. L. C. (2020). Ensino remoto na pandemia de COVID-19: lições aprendidas em um projeto de extensão universitário. Dialogia, 36, 35-48. https://doi.org/10.5585/dialogia.n36.18396
    » https://doi.org/10.5585/dialogia.n36.18396
  • Tinto, V. (2006). Research and practice of student retention: what next? Journal of college student retention: Research, Theory & Practice, 8(1), 1-19. https://doi.org/10.2190/4YNU-4TMB-22DJ-AN4W
    » https://doi.org/10.2190/4YNU-4TMB-22DJ-AN4W
  • Valentini, F., & Hauck Filho, N. (2020). O impacto da aquiescência na estimação de coeficientes de validade. Avaliação Psicológica , 19(1), 1-3. https://doi.org/10.15689/ap.2020.1901.ed
    » https://doi.org/10.15689/ap.2020.1901.ed
  • Vieira, K. M., Postiglioni, G. F., Donaduzzi, G., Porto, C. dos S., & Klein, L. L. (2020). Vida de estudante durante a pandemia: isolamento social, ensino remoto e satisfação com a vida. EaD em Foco, 10(3), 1-15. https://doi.org/10.18264/eadf.v10i3.1147
    » https://doi.org/10.18264/eadf.v10i3.1147
  • Zenorini, R. P. C., & Santos, A. A. A. (2010). Escala de Metas de Realização como medida da motivação para a aprendizagem. Interamerican Journal of Psychology, 44(2), 291-298. Recuperado de http://www.redalyc.org/pdf/284/28420641010.pdf
    » http://www.redalyc.org/pdf/284/28420641010.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2023

Histórico

  • Recebido
    01 Nov 2021
  • Revisado
    30 Dez 2022
  • Aceito
    13 Fev 2023
location_on
Universidade de São Francisco, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia R. Waldemar César da Silveira, 105, Vl. Cura D'Ars (SWIFT), Campinas - São Paulo, CEP 13045-510, Telefone: (19)3779-3771 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: revistapsico@usf.edu.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro