Resumos
Este estudo tematiza a Educação Superior em enfermagem, tendo em vista: as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), a adequação da formação profissional às necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS) e a construção de práticas cuidadoras na atenção integral à saúde. A reflexão se dá no âmbito da pedagogia universitária relativa à formação de quaisquer das profissões superiores regulamentadas no Brasil em sua orientação ao cuidado. O cuidado desponta como produção de atenção integral à saúde; identificação com os usuários da atenção profissional de saúde; compreensão do sistema sanitário como resposta em rede às necessidades sociais em saúde, e formação como ousado processo de subjetivação, desafiador de autonomias inventivas de si e do mundo.
Educação Superior; Pedagogia universitária; Educação em Enfermagem; Diretrizes Curriculares em Enfermagem; Cuidado em saúde
El trabajo tematiza la Educación Superior en enfermería, considerando: las Directrices Curriculares Nacionales (DCN), la adecuación de la formación profesional a las necesidades del Sistema Brasileño de Salud y la construcción de prácticas cuidadoras en la atención integral de la salud. La reflexión se realiza en el ámbito de la pedagogía universitaria relativa a la formación de las profesiones superiores reglamentadas en Brasil en su orientación para el cuidado. El cuidado surge como producción de atención integral de la salud, identificación con los usuarios de la atención profesional de salud, comprensión del sistema sanitario como respuesta en red a las necesidades sociales en salud y formación como un audaz proceso de subjetivación, desafiador de autonomías inventivas de sí y del mundo.
Educación superior; Pedagogía universitaria; Educación en Enfermería; Directrices Curriculares en Enfermería; Cuidado en salud
This study deals with higher education in the field of nursing in the light of the Brazilian National Curriculum Guidelines, adaptation of professional education to the needs of the Brasilian Health System, and construction of care practices for comprehensive healthcare. This reflection is undertaken within the scope of university pedagogy relating to education for any of the professions regulated in Brazil regarding their orientation towards care. Care is seen as production of comprehensive healthcare; identification with the users of professional healthcare; understanding of the health system as a network response to social health needs; and education as a bold process of subjectivation that challenges autonomy that invents itself and the world.
Higher education; University pedagogy; Nursing education; Curriculum guidelines on nursing; Health care
Introdução
Este ensaio nasce da reflexão acerca da formação em enfermagem. Traz como ponto de partida as forças micropolíticas como potência à mudança na graduação em confronto com as formas macropolíticas que estabelecem “parâmetros” e determinam “caminhos” para se proporem projetos de ensino de graduação com vistas às mudanças das práticas de cuidado em saúde e enfermagem. Este texto é parte de um estudo de doutorado onde buscamos compreender as potências do agenciamento micropolítico, aquilo que vivemos cotidianamente nos encontros promovidos pelos processos educativos.
A formação brasileira na área da saúde, ao longo dos tempos, avança no sentido de atender as orientações políticas do setor da saúde, sobretudo se pensarmos as necessidades impostas pela implementação do Sistema Único de Saúde (SUS). Entretanto, a imposição política, mesmo que advinda de movimentos sociais, que marcaram fortemente o campo das políticas públicas no setor, não garante o movimento de mudanças na formação.
Quando propomos um curso de graduação na área da saúde, supomos que sua orientação, desde que obedecidas as regras, normas e protocolos, garanta a formação de profissionais para atuarem frente às necessidades do setor. As formas impostas são sua macropolítica e, em geral, governam as proposições pedagógicas. O fato é que as forças que compõem esta mesma proposição de um curso de graduação em saúde operam numa outra dimensão, contêm forças com outros fluxos e conexões, componentes de micropolíticas que atravessam, cortam, transversalizam a macropolítica.
Fundamentação teórica
Macropolítica: o governo das formas
No campo das políticas públicas de saúde, o movimento da Reforma Sanitária, que, em meados da década de 1980, realizou a VIII Conferência Nacional de Saúde (1986), demarcou um importante momento político ao setor, pois conjugava o rompimento com o pensamento de que a saúde das pessoas se afeta pelas relações políticas e sociais com a urgência de entrarmos num outro momento político (democrático) que inaugurasse uma fase participativa e de escuta social. Se, de um lado, a luta pela Reforma Sanitária trazia um componente de mobilização social na ordem estrutural e na economia de Estado, de outro lado, trazia o componente de participação da população nos serviços de saúde e a mudança na lógica de prestação de cuidados aos usuários, lutando pela derrubada da ditadura1.
Os movimentos populares e sociais assumiram um protagonismo no campo da saúde que trazia, para o centro do debate, as situações do cotidiano da vida. O cotidiano como algo imanente e singular, nunca antes considerado na proposição das políticas públicas na área da saúde. A implementação do Sistema Único de Saúde, expresso na Constituição Federal de 1988, viria determinar, em seu Art. 200, que compete ao Sistema Único de Saúde ordenar a formação dos recursos humanos da saúde, uma maneira de colocar na agenda trabalho e formação, de modo associado e integrado, dando a este tema a dimensão do cotidiano da vida1.
Com a constituição do SUS, o conjunto das políticas públicas do setor passa à necessidade de adequação da formação dos recursos humanos para atendimento das necessidades sociais em saúde, e aos problemas gerenciais do sistema de saúde. Neste sentido, amplia-se a integração ensino-serviço, e as instituições de formação acadêmica para a área da saúde, sobretudo as universidades públicas (pela presença de pós-graduação em saúde coletiva), assumem importante pesquisa e formulação de conceitos sobre as práticas de saúde. De maneira particular no caso da saúde, a educação popular fomenta debates e constrói potência para a ação social de lutas por saúde, e confronta aqueles que, de certa maneira, tinham, nas mãos, a estipulação do cuidado integral à saúde. Agenda política, educação popular e movimento social foram importantes dispositivos para a mudança de orientação da saúde no Brasil. O movimento da Reforma Sanitária e seus desdobramentos impuseram outro modo de pensar a saúde e, consequentemente, de pensar a formação.
Vale destacar que, com a Reforma Sanitária, sobretudo nos anos 1980, vários acontecimentos se constituíram de uma maneira rizomática(b) – um emaranhado de possibilidades influenciava os cenários de saúde. No Brasil, a Constituição de 1988 resgatou a saúde como um direito e processo de cidadania, especificando, no seu Artigo 196, que saúde é “direito de todos e dever do Estado”, o que pode parecer óbvio, mas não é assim em muitos países até hoje, não era assim antes e não está consumada vinte anos depois. A Lei Federal nº 8.080/90 detalhou esse conceito e assegurou que a saúde tem como fatores determinantes e condicionantes: a alimentação, a moradia, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais, entre outros1 , 2.
A garantia de saúde para toda a população, estabelecida na Constituição Federal, está diretamente relacionada à implementação do SUS, cujo cumprimento de seus princípios (universalização, descentralização da gestão, participação da população e integralidade da atenção) e de seu objetivo, a equidade no acesso, demanda profissionais com essa apropriação e formadores de trabalhadores com esta direcionalidade. A constituição do SUS também determina a implementação de conselhos e conferências para o debate, avaliação e tomada de decisão junto com a população. Das políticas públicas de saúde devem participar (com poder deliberativo) os usuários, seus movimentos populares e sindicais, mediante a organização da sociedade civil para opinar sobre a saúde que quer.
Estas realidades passam a exigir dos trabalhadores em saúde compromisso com a integralidade(c). Não são mais suficientes os recursos de diagnóstico e prescrição, há necessidade de trabalhar em equipe de maneira interdisciplinar, de trabalhar mais próximo das culturas populares, de constituir redes cuidadoras entre os serviços de saúde, de estabelecer relações orgânicas entre estruturas de serviço e estruturas de ensino/formação, entre outras condutas políticas e estratégias técnicas.
Neste sentido, o pensamento de Foucault(d) vem à tona de uma maneira micropolítica, “arma” aos movimentos populares e argumento à política. O autor escreve que a medicina no século XIX passa a ser incorporada ao modo como a sociedade se organiza, ou seja, as doenças são problemas políticos e econômicos que devem ser pensados e resolvidos em conjunto. Dos ensinamentos de Foucault, entre outros pensadores, podemos destacar que os atos de saúde não apenas previnem ou tratam, mas influenciam os processos de adoecimento das pessoas e das populações. A saúde compreendida desta forma nos impõe considerar que, por meio da educação dos profissionais de saúde, é possível assumir novos modos de prevenir e tratar (cuidar) e, também, de formar3 , 5.
Sem dúvida, a implantação das políticas de saúde, no SUS, inaugurou um modo singular de pensar os processos e atos que garante a possibilidade de atendimento às necessidades impostas pelo momento. Uma demarcação importante e urgente para a saúde da população emerge dos conceitos e debates científicos que revelam, significativamente, este momento: passamos a falar de integralidade, coletivos organizados, equipes de saúde, rede de cuidados e linha de cuidados, entre outros conceitos. Consequentemente, as definições apontadas com a implementação do SUS, apesar de todas as suas complexas interfaces, determinam um modo de ser frente às situações de adoecimento e de cuidado em saúde.
Passa a ser “moda” atuar sob esta (suposta) orientação. Indiscutivelmente necessária, esta orientação não é um jogo de palavras e nem pode ser implementada como um “programa”. Por si só, não basta, ou melhor, não se esgota em regras, normas e protocolos modelares. A implantação de políticas não gera necessariamente mudança micropolítica(e); podemos nos apropriar dos discursos liberadores e disruptores, podemos adotar novas palavras, podemos “discursar” acerca das novas práticas sem que, com isto, efetivamente, provoquemos, toquemos ou remetamos à produção de novidade na prática do cuidado em saúde.
As demarcações políticas no campo da saúde e no campo da educação representam movimentos fundamentais para a vida, para a saúde, para a política e para a educação, não estando em questão os avanços alcançados neste sentido. Trata-se de recuperar quanto nos sujeitamos às modelizações e convertemos agendas, lutas e movimentos em macropolíticas de identidade, anulando potências disruptoras e potências de inovação. Passa-se a falar e a atuar sob as novas diretrizes sem que se inaugurem pensamentos: assujeitamento, sem singularização6 - 8.
Para ajudar nesta reflexão ou provocação, Guattari e Rolnik7 nos falam sobre as máquinas produtivas – que podem vir de uma orientação macropolítica, e diz que se a política está por toda parte, ela não está em parte alguma, ou seja, as políticas de saúde, expressas pela regulamentação do SUS, nos dão margem à liberdade e à oportunidade da criação, já o seu exercício é produção em ato. Foram movimentos políticos e sociais que passaram a orientar as práticas de saúde, com a indicação de que déssemos conta dos inúmeros problemas que analisamos e tivéssemos autonomia para pensar e propor os modos de trabalhar e formar7.
Conforme Guattari e Rolnik, em sua obra Micropolítica – cartografias do desejo, as ações micropolíticas ocorrem mesmo frente a um cenário de despolitização, como aquele pelo qual passamos quando tudo é convertido, pelas normas, regulamentos e protocolos, em modelos. A expressão usada por Guattari, Capitalismo Mundial Integrado (CMI)(f), nos provoca a pensar que os movimentos disruptores, teoricamente potencializados por ações políticas, não passam de captura social. Vamos sendo “serializados”, vê-se a tentativa de controle social, por meio da produção de subjetividade em escala planetária 7.
A reflexão sobre a micropolítica, tendo como referência este autor, nos remete ao reconhecimento de que temos grandes ações políticas que têm a tendência a controlar tudo em nome de uma hegemonia que normatiza nossos atos: os indivíduos são reduzidos a nada mais do que engrenagens concentradas sobre o valor de seus atos, valor que responde ao mercado capitalista e seus equivalentes gerais6 - 8.
Refletimos sobre a ousadia de singularizar, presente nos movimentos políticos, populares e sociais que culminaram na constituição do SUS; entretanto, mesmo com todo o avanço que uma proposta como esta pode significar, ainda não temos uma efetiva mudança nas práticas de cuidado em saúde. Ainda estamos presos ao modelo essencialmente curativo e as práticas cuidadoras continuam as mesmas, mesmo que revestidas por novos indicadores.
As grandes ações políticas, por si só, não têm potência de agenciar o micropolítico, entendendo a micropolítica como parte dos processos de singularização. Somente quando fragilizados os territórios constituídos é que temos a potência de “micropolitizar”7.
Novamente, com os autores, dizemos de uma maneira de recusar “todos estes modos de codificação preestabelecidos” ou que “os modos de manipulação e de telecomando” devemos recusar a todos, “para construir, de certa forma, modos de sensibilidade, modos de relação com o outro, modos de produção, modos de criatividade que produzam uma subjetividade singular”7.
Neste sentido, ao pensarmos uma proposta de ensino em saúde, em especial na área da enfermagem – arte e ciência do cuidado –, não podemos deixar de refletir sobre quanto os movimentos macropolíticos têm atuado no campo da formação, mas é preciso, para que efetivamente tenhamos alguma novidade no campo do ensino em saúde, atentarmos sensivelmente para a esfera micropolítica: possibilidade de perceber o mundo a partir de outras referências. Perceber, por exemplo, que, na esfera do cuidado em saúde, é mais importante pensar num plano terapêutico a partir daquilo que podemos oferecer ao outro, que nada adianta a proximidade ou construção de vínculo se, na realidade, as limitações do campo da saúde não vão atender àquilo que as pessoas necessitam. Para isto, é preciso fragilizar a “identidade profissional” e abrir-se aos devires: devir(g) enfermeiro, psicólogo, porteiro, carteiro, professor, enfim, de alguma forma, atuar, em si mesmo, o processo de cuidado.
O campo da saúde normatizado e regulado pelas políticas públicas vem avançando no sentido de garantir processos coletivos e integrais, entretanto compete, ao setor acadêmico, compreender estas imposições regulatórias e traduzir estas políticas em processos pedagógicos que permitam novas práticas cuidadoras.
O ensino de graduação em enfermagem tem passado por inúmeras “crises” advindas da “crise” pela qual a profissão tem passado nos últimos tempos. Inicialmente, para se romper com a ênfase essencialmente tecnicista da enfermagem, o ensino de graduação investe fortemente nos processos de gestão e de administração em enfermagem. Elimina-se a prática do cuidado da enfermagem e o contato com os usuários, busca-se, com isto, uma prática profissional voltada para o campo gerencial, a organização geral da assistência, a preservação das condições de possibilidade de cuidado. Processo que terminou na contramão das políticas da área da saúde onde a multiprofissionalidade aposta na constituição de equipes que pensem e atuem na construção de planos de cuidado ou de planos terapêuticos comuns. Há, portanto, uma urgência de se repensar o ensino de graduação na enfermagem, uma mudança no perfil profissional para atender às novas exigências do mundo do trabalho, considerando a importância que a enfermagem ocupa no cuidado em saúde e a necessidade de conquistar papel político no cenário da saúde.
No campo da educação, a implementação das DCN também demarcou um importante avanço no modo de pensar a formação acadêmica em saúde. A implementação das DCN impôs um modo diferente de pensar os cursos de graduação. Os processos de formação em saúde passaram a centrar-se nas realidades locorregionais, considerando as diversidades culturais, políticas e sociais (perfis demográfico, epidemiológico e socioeconômico), limitando a autonomia dos currículos à preservação de três eixos orientadores: trabalho em equipe, apropriação do sistema de saúde vigente e integralidade da atenção. Para Ceccim, Pinheiro e Mattos, as DCN(h), na área da saúde, foram passo importante para que se produzissem mudanças no processo de formação. Para os autores, as DCN indicam um caminho: flexibilizando regras e, mais ainda, favorecendo a construção de maiores compromissos das instituições de Educação Superior como o SUS10 , 11.
Estes aspectos são importantes para que possamos demarcar as interlocuções que se fazem nos campos da saúde e da educação a partir de 2000. Saliento esta questão, porque, quando falamos na implementação das DCN e na própria legislação educacional brasileira – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) –, reconhecemos importantes considerações que justificam uma análise mais profunda e, certamente, outro estudo acadêmico, não contemplado neste texto11.
As mudanças no campo das políticas de educação contribuíram para o (re)desenho nas práticas em saúde e um avanço foi proporcionado pelas DCN para a formação na área. No caso da enfermagem, em especial, contribuindo para que a profissão se autorizasse a assumir outro papel frente às necessidades de saúde da população11.
A implantação das DCN precisa ser considerada a partir de vários aspectos. A possibilidade de autonomia e a flexibilização acadêmica, em todos os sentidos e não apenas na organização curricular, aporta a possibilidade de pensar o ensino de graduação para além do currículo planejado pelos cursos, ou seja, que as propostas pedagógicas estejam abertas e que os percursos de formação possam gerar singularidades, desde que professores e estudantes estejam, efetivamente, implicados na complexidade do ensinar e do aprender. Pensar que a legislação educacional se propõe a ser ampla e geradora de autonomia, para muitos estudiosos, está mascarando suas regras e determinações neoliberais.
Conforme Ceccim e Feuerwerker, tanto o SUS como as DCN colocam a perspectiva da relevância social às instituições de Educação Superior. Para os autores, há necessidade de que as escolas sejam capazes de formar para a integralidade, formar de acordo com as necessidades de saúde; que as escolas estejam comprometidas com a construção do SUS, capazes de produzir conhecimento relevante para a realidade da saúde em suas diferentes áreas, constituindo-se ativas participantes dos processos de educação permanente12.
No ensino de graduação em enfermagem, a partir de 1997, a Associação Brasileira de Enfermagem coordenou o debate da construção das DCN e demarcou as necessidades de mudança no âmbito da formação acadêmica em enfermagem. Fez esse movimento com as Associações de Ensino das demais profissões da área da saúde e com o Conselho Nacional de Saúde, ouvindo as recomendações do Fórum de Entidades Nacionais de Trabalhadores da Área da Saúde (Fentas) e a Comissão Intersetorial de Recursos Humanos da Saúde (Cirh).
As DCN foram promulgadas por meio da Portaria CES/CNE nº 1.518, em agosto de 2001. Mais tarde, em novembro do mesmo ano, foi publicada a Resolução CES/CNE nº 03/2001 – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Graduação em Enfermagem. Neste período, uma corrida às mudanças curriculares provocou imenso debate nos cenários acadêmicos da maioria dos cursos de graduação em enfermagem11.
Um movimento político da Educação Superior propôs uma autonomia ainda não experimentada no âmbito do ensino de graduação em saúde (via passagem à singularização), mas não veio acompanhado das ações demandadas por um processo de mudança cultural, como o ensejado. Um movimento de ruptura com as orientações anteriores foi dado, assim, uma mudança micropolítica, que aposte no movimento de implicação – desejo e singularização –, pode vir brotar em nós.
Mesmo com “movimentos”, poucas novidades apareceram no ensino de graduação em enfermagem; ainda estamos presos a um modo de pensar o ensino universitário e, em especial, o ensino em enfermagem, onde segue vigente o ensino com base nas técnicas, na corporação e no hospital. Cabe salientar que a imposição das DCN de romper a perspectiva medicalizante, biologicista, tecnicista e hospitalocêntrica não está superada, quando as próprias DCN, ao elencarem “competências e habilidades”(i) comuns à área da saúde, pouco inovam. Não há indicação para o desenvolvimento de competências e habilidades que exijam conhecimentos aprofundados no campo da antropologia, filosofia, literatura e arte – ciências humanas e sociais. A proposição da formação generalista indica para a constituição de um “superprofissional”, posto que competente e habilidoso sem aprofundar-se em quaisquer áreas de conhecimento pela escassez de tempo, como, por exemplo, a necessidade de mudança da prática: o estudo sobre integralidade, rede de cuidados progressivos, linhas de cuidado e escuta sensível, entre outras não-competências e habilidades, e o desenvolvimento de modos de gerir o setor da saúde (atenção, gestão, formação e participação) decorrentes do contato vivo e criativo com as culturas locais. A autonomia dada às universidades a partir das DCN não favorece a construção de currículos inovadores, pois há preocupação em garantir uma formação de qualidade e generalista, e, ainda, a empregabilidade e o lugar da capacidade superior ao profissional de enfermagem de nível médio, o Técnico em Enfermagem, distinção que recai em procedimentos “hierarquizados”. Neste sentido, as universidades, sobretudo, as privadas, que precisam garantir o acesso e permanência do aluno, mascaram os currículos dando nome diferente aos componentes curriculares ou disciplinas, mas, na prática, reproduzem os velhos modos de ensino. Há dificuldade dos professores na formulação dos planos de ensino das disciplinas, que ainda trabalham com antigos conceitos e antigas práticas.
Perante estas situações, temos, por um lado, o campo da educação levando as universidades a se repensarem como o lugar que precisa abrir-se ao compromisso com as diversas realidades e, por isso, o exercício da autonomia e da criatividade deve estar presente. Por outro lado, temos o campo da saúde demonstrando os inúmeros desafios para que o cenário e indicadores do processo saúde-doença sejam mais favoráveis, permitindo à população maior acolhimento em suas necessidades. É neste contexto nacional que o ensino de enfermagem enfrenta um possível desafio: preparar trabalhadores que possam responder às rápidas mudanças tecnológicas, mas, também, políticas do setor da saúde que sejam capazes de penetrar o mundo do trabalho com uma inserção técnico-científica, acima de tudo criativa, crítica e humanista, como ator ativo que constrói lugares sociais e políticos.
O setor educacional tem atravessado inúmeras crises, expressas, sobretudo, pelo fato da contraposição entre as concepções hegemônicas, que se apresentam numa pedagogia da transmissão dos conteúdos ou crítico-social dos conteúdos, e as concepções construtivo-interacionistas, sustentadas: na problematização da realidade, na articulação teoria e prática, na interdisciplinaridade, na participação ativa do estudante no processo de ensino e aprendizagem, na valorização da diversidade cultural, na historicidade do indivíduo e na sua inserção no cotidiano da vida.
Quando pensamos, portanto, um curso de graduação em enfermagem, resgatamos estes marcos teóricos, históricos e conceituais. São elementos importantes, do ponto de vista político, que nos colocam, sem dúvida, em um novo cenário no campo da formação em saúde, mas que, do mesmo modo, não nos garantem a solução para os inúmeros problemas que ainda temos nas práticas educativas. A inserção de outros modos novamente exige uma disposição e abertura para um “ainda-não-saber”, uma proposta de ensino de graduação disposta ao ineditismo.
Pensar a proposta de um curso pode dar lugar e possibilidade à formação acadêmica num outro paradigma estético. Como diz Guattari, a possibilidade está implicada numa lógica diferente (campo de virtualidades possíveis). Nesta oportunidade, a lógica das intensidades permite o ineditismo e a novidade num projeto educacional em saúde8.
Esta oportunidade, inevitavelmente, está recheada de possibilidades, não apenas para a graduação em enfermagem, mas para a profissão de enfermagem que precisa ser desafiada a assumir um protagonismo importante no seu modo de fazer ciência.
A intenção deste texto, contudo, está na revelação de outros modos possíveis de fazer educação em enfermagem, localizando a potência de inéditos, a construção de uma terceira margem e o reconhecimento de que uma mestiçagem é possível entre projetos de si, projetos institucionais e amarras legais. A invenção não está impedida, mesmo quando estamos imbricados com a instituição e as normativas. A invenção não é um projeto subjetivista que resulta em um projeto analítico de si, é a ascensão política, ética e estética para com as práticas do ensinar, gerir a educação e avaliar aprendizagens.
Passado o tempo de adequação às DCN e ao SUS, o ensino em enfermagem vive intenso debate na busca de estratégias que possibilitem dar potência na produção de novidade e de capacidade inventiva aos profissionais. Pensar a gestão do ensino em saúde exposta a todas as necessidades do setor da saúde sugere, como necessária, a análise daquilo que tem sido proposto no cenário acadêmico e, também, daquilo que tem sido possível efetivar quanto ao trabalho e à participação social do setor. Quando se trata especificamente do processo de cuidado em saúde, espera-se que aquele em formação aprenda a levar em conta o outro, que o saber científico sirva, sobretudo, para dar conta da singularidade que o momento do encontro cuidador pressupõe (reconhecendo que o ato clínico em saúde reflete uma terapêutica que se efetiva no encontro dos indivíduos). Espera-se a construção de tecnologias apropriadas para dar condição de luta à afirmação à vida. Guattari nos retira de qualquer romantismo quanto à micropolítica:
[...] as relações de formas mais favoráveis, vão ter, mais cedo ou mais tarde, um encontro marcado com uma experiência de burocratização, como uma experiência de poder. E, inversamente, se os processos de revolução molecular, não forem retomados no nível das relações de força reais (relações de força sociais, econômicas e materiais) pode acontecer de eles começarem a girar em torno de si mesmos como processos de subjetivação em implosão, provocando um desespero, que pode levar até ao suicídio, à loucura ou a algo do gênero.7 (p. 132)
É num contexto de mudança e “movimento” que este texto busca refletir. Trata de mostrar as possibilidades de construção para uma proposta de ensino acadêmico na área da enfermagem, tendo como enfrentamento, com as políticas de ensino e de saúde, a suscetibilidade de atores sociais, a vida nestas políticas e a implicação com propostas, de um lado, normativas e, de outro, disruptoras.
Ao longo destes últimos tempos, tempos de vivermos estas rupturas, pouco nos ocupamos em dar conta da preparação dos atores sociais para que pudessem viver este processo. A literatura em questão remete-nos a indicadores, textos, orientações, rotinas, regras, mas pouco nos ensina em como mobilizar a docência, agenciar o ensino-aprendizagem, implicar os atores docentes e discentes, abrir-nos ao inédito do “trabalho em ato” do ensino em saúde.
Micropolítica: estrutura curricular e composição das forças
Mesmo tendo as DCN significado importante avanço nos processos educativos em saúde, não podemos esquecer que o debate didático-pedagógico ainda é preliminar e não tem sido mobilizado de forma intensa pelas instâncias reguladoras da educação. Na reflexão sobre o pedagógico, vou me dando conta de que a singularidade 9 (j) é uma categoria importante de ser analisada e, neste texto, é um conceito que tem como referência Guattari e Rolnik. A singularização pode representar a produção de vida, a produção de práticas pedagógicas que fogem da rotina e da repetição. Estamos subordinados às regulações e vamos sendo capturados, mas sempre há possibilidade de singularização, a potencial liberdade de ação que “escorre”, vaza, mesmo em situações burocratizadas de ensino7.
Quando nos propomos a pensar os “atos” pedagógicos numa possibilidade de singularização, onde a experiência da formação está na dimensão do sensível, cabe pensar que a experiência é algo que nos passa, ou nos acontece, ou nos toca, como afirma Larrosa. O autor propõe-nos pensar que os atos pedagógicos devem ativar a possibilidade de sentir o que não é visto. Diz o autor que “aquilo que apenas passa, ou o que apenas acontece, ou que apenas toca não gera movimento de singularidade, a singularização é vivência de experiência, experiência de si pelo que acontece, passa ou toca em nós”13 (p. 154).
O exercício do pensamento proposto na articulação entre currículo e práticas pedagógicas do currículo trata de atiçar aquilo que não é visto e que está no campo dos sentidos. Tentativa de perceber a educação e, neste caso, o ato pedagógico, numa outra dimensão, que privilegia o que não é formal, regulado e visível. A sensibilidade está em considerar uma educação que permita a experiência por aquilo que nos passa, nos toca ou, melhor dito, aquilo que nos implica/afeta.
Com os pensamentos e conceitos de Larrosa, cabe interrogar o que a sociedade espera da escola, neste caso, da universidade: uma proposta pedagógica com intencionalidades, que despeje informações a todo instante, como se a possibilidade da aprendizagem se desse por esta ferramenta tecnológica ou um ciclo integrado de informação-experiência-cognição-aprendizagem? Problematiza Larrosa que
[...] depois de assistir a uma aula ou a uma conferência, depois de ter lido um livro ou uma informação, depois de ter feito uma viagem ou de ter visitado uma escola, podemos dizer que sabemos coisas que antes não sabíamos, que temos mais informação do que tínhamos antes sobre alguma coisa, mas, ao mesmo tempo, podemos dizer também que nada nos passou, que nada nos tocou. Com tudo o que aprendemos, nada nos sucedeu ou nos aconteceu.13 (p. 154)
Justamente a contraposição que este autor nos indica é de quanto o processo educativo precisa reconhecer que aprender é muito mais do que processar informação. Mais ainda: que o aprender, que ele nos indica como sendo a possibilidade da experiência, está naquilo que efetivamente nos toca, nos passa, nos acontece, ou seja, há algo não visto, não enquadrado, não regulado, que perpassa a proposta de formação acadêmica, que tem a potência de produzir uma aprendizagem que transforma os saberes instituídos.
A intenção, neste momento, é a de apresentar o contraponto entre o que está explicitamente escrito/proposto e o que não está escrito, é apenas sentido nos processos acadêmicos, como, também, retomar o que está presente no mecanismo regulador da Educação Superior, neste caso, as Diretrizes Curriculares Nacionais, nos propondo a fazer, por este viés, certa reflexão daquilo que, muitas vezes, não está presente de modo visível, mas revela, de modo muito especial, qual proposta educativa assumimos.
Para seguirmos a orientação dos instrumentos reguladores, neste caso as DCN, destacamos do documento o que se espera de um profissional da área da enfermagem, iniciando pelo que define a Resolução do CNE/CES nº 03/2001, para o perfil do egresso:
[...] enfermeiro, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, caracterizando um profissional qualificado para o exercício de enfermagem, com base no rigor científico e intelectual e pautado em princípios éticos; sendo capaz de conhecer e intervir sobre os problemas/situações de saúde-doença mais prevalentes no perfil epidemiológico nacional, com ênfase na sua região, identificando as dimensões biopsicossociais dos seus determinantes; com capacidade para atuar, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano.11 (p. 1)
Este documento, em seu artigo 4º, apresenta a descrição das competências e habilidades gerais que precisam ser exploradas em todas as propostas de formação na área da saúde e, por conseguinte, na área da enfermagem. O artigo 4º é o mesmo para o conjunto de cursos de graduação das profissões regulamentadas e reunidas pela área de conhecimento das Ciências da Saúde, exceto a Educação Física. Apresento-as na íntegra por retomar mais adiante, ao longo da texto, suas designações. São competências e habilidades gerais do profissional da saúde: I – Atenção à saúde; II – Tomada de decisões; III – Comunicação; IV – Liderança; V – Administração e gerenciamento; VI – Educação permanente 11.
A descrição das competências gerais no documento das DCN explicita os caminhos que se espera que um curso de graduação na área da saúde percorra para que a formação profissional esteja adequada às necessidades de saúde do país, com vistas ao fortalecimento das políticas públicas11.
Cabe destacar que competências gerais indicam um trabalho em saúde que atenda as diversidades sociais e culturais, além de priorizar ações de promoção e prevenção de saúde. Com isto, abre-se a possibilidade e a necessidade de que o percurso de formação acadêmica proporcione, ao estudante, conhecimento das ciências sociais e humanidades, ou seja, uma proposta que permita o ensino da literatura, arte, música, antropologia, sociologia, filosofia.
No que diz respeito às competências e habilidades específicas, neste caso, então, as competências e habilidades específicas dos profissionais da enfermagem, temos escritas, no artigo 5º das DCN, as referências que devem subsidiar os projetos de formação acadêmica, também com destaque às questões que priorizam o atendimento integral, o trabalho em equipe e o conhecimento do sistema de saúde vigente no país11.
Em todo o texto das DCN, percebemos a intenção de formar um profissional que atenda às necessidades do campo da saúde com iniciativa, reflexão, motivação, liderança, e que atue com competência e profissionalismo em todas as áreas do cuidado em saúde. Espera-se que os profissionais estejam aptos a enfrentar a complexidade, as surpresas e as novidades que o mundo real apresenta cotidianamente; desta forma, precisamos apostar em propostas de aprendizagens que extrapolem o treinamento e a formalidade, temos de gerar condições para a Educação Permanente, no trabalho, na formação continuada, na vida de relações, no exercício do cuidado e no comportamento cidadão11.
Meyer e Kruse, ao debaterem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a graduação em Enfermagem, indicam que o texto do documento pode suscitar variadas leituras. Por exemplo, destacam a expressão “enfermeiro com formação generalista”. Qual é o significado desta expressão? No que ela se diferencia de formação geral? A expressão “generalista” comporta múltiplas interpretações, o que, por si só, determina a liberdade de indicação sobre o tipo de profissional que se deseja formar. O perfil do egresso assinalado no projeto pedagógico deveria ser pactuado com os estudantes e coletivamente com os cenários de prática14.
Precisamos explorar, nos documentos referenciais e reguladores da Educação Superior – e em especial no documento das Diretrizes Curriculares Nacionais para a graduação –, os espaços ou lacunas que possibilitam propostas pedagógicas inovadoras, ou seja, algo, alguma coisa, que indique que é no estranhamento, no pensamento não disciplinado, que a aprendizagem tem sua maior potência: possibilidade de produção de singularidade no saber e no ato profissional. Não necessariamente um documento regulador precisa ter este caráter, é compreensível que seja normativo; o que propomos como exercício de reflexão é conseguirmos perceber as potências de liberdade que nos permitam fazer emergir algo de inédito, não apenas no plano das formas, mas, sobretudo, nos “modos” de tornar-se profissional11 , 14.
Conclusão
Quando se trata de pensarmos numa proposta de ensino na saúde – o que é possível do ponto de vista da macropolítica e o que produz singularidade, micropolítica –, é preciso reconhecer e perceber que tanto num projeto pedagógico de um curso de graduação como num documento regulador, a política de ensino, há uma possibilidade entre possíveis. A questão está em perceber que existem brechas que, conforme Foucault, são os espaços vazios ou programa vazio, referindo-se à imprevisibilidade e processualidade das relações. Ou seja, um espaço aberto que permite novas formas e criação, onde há uma potência de liberdade que permite tanto aos estudantes como aos docentes pensarem, sentirem e viverem a delicadeza do aprender 5.
No confronto entre o macro e o micropolítico, podemos também trazer o pensamento de Larrosa em relação a estas questões, quando este autor nos diz que precisamos preservar o silêncio. Para Larrosa, a falta de silêncio é o que nos impossibilita a experiência. Larrosa fala da “lógica de destruição generalizada da experiência”, dizendo-nos que está “cada vez mais convencido de que os aparatos educacionais também funcionam cada vez mais no sentido de tornar impossível que alguma coisa nos aconteça” Assim, nesta relação entre micro e macropolítico, precisamos criar possibilidades de permitir a escuta ao silêncio. Dar oportunidade para que se sinta aquilo que se faz, estuda, propõe. De nada adianta um acúmulo de conteúdo, disciplina – garantindo-se as indicações macropolíticas – se não damos tempo, oportunidade ou espaço de silêncio para que possamos pensar, sentir e refletir acerca daquilo que ensinamos e aprendemos, que, conforme Larrosa, é pensar que o “currículo quase sempre se organiza em pacotes, cada vez mais numerosos e mais curtos”. Com o que, também em educação, sempre estamos acelerados e nada nos acontece13 (p. 158).
A aceleração constante com que vivemos as atualizações científicas ou tecnológicas necessárias, o papel que se espera da universidade quanto à pesquisa e ao desenvolvimento, e todas as normas que um curso formal nos obriga a cumprir nos levam a uma rotina e velocidade que capturam toda a possibilidade de criação. No cenário de correria e atrapalhação, geralmente somos impedidos de saborear, explorar, rever, deixar percutir... E, assim, detectar potências, acolher possíveis e apropriarmo-nos dos espaços invisíveis dos processos educativos.
Referências
- 1 Constituição (1988) . Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília (DF): Senado Federal; 1988.
- 2 Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União. 19 Set 1990.
- 3 Deleuze G, Guattari F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora 34; 1995.
- 4 Ceccim RB, Feuerwerker LM. O quadrilátero da formação para a área da saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis. 2004; 14(1):41-65.
- 5 Foucault M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal; 2000.
- 6 Guattari F. As três ecologias. Campinas: Papirus; 1999.
- 7 Guattari F, Rolnik S. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes; 1999.
- 8 Guattari F. Linguagem, consciência e sociedade: SaúdeLoucura. São Paulo: Hucitec; 1990.
- 9 Guattari F. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Editora 34; 1992.
- 10 Ceccim RB, Pinheiro R, Mattos RA. Ensinar saúde: a integralidade e o SUS nos cursos de graduação na área da saúde. Rio de Janeiro: Abrasco; 2005.
- 11 Resolução CES/CNE n. 3, de 07 de novembro de 2001. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Graduação em Enfermagem. Brasília (DF): Ministério da Educação; 2001.
- 12 Ceccim RB, Feuerwerker LM. Mudança na graduação das profissões de saúde sob o eixo da integralidade. Cad Saude Publica. 2004; 20(5):1400-10.
- 13 Larrosa J. Linguagem e educação depois de Babel. Farina C, tradutor. Belo Horizonte: Autêntica; 2004.
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14 Meyer DE, Kruse MHL. Acerca das diretrizes curriculares e projetos pedagógicos: um início de reflexão. Rev Bras Enf [Internet]. 2003 [acesso 2012 Jun 11]; 56(4):335-9. Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/61847
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(b)
Deleuze e Guattari fazem uma incursão pelo conceito de rizoma, imagem da rede, como emaranhado que potencializa as múltiplas conexões possíveis da existência. Este conceito ajuda a compreender as redes rizomáticas como processo de “vida social”, um fluxo e emaranhado que, no setor da saúde, coloca como critério a cidadania3.
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(c)
O conceito da Integralidade ganha destaque por inserir, no âmbito do cuidado em saúde, não apenas o entendimento do indivíduo inteiro – sem fragmentos, mas, também, a dimensão de corpo integral, a dimensão afetiva e o saber relacional. Para Ceccim, resta-nos desenvolver tecnologias de tratamento que respondam pela condição da integralidade, pela resolutividade das práticas assistenciais e pelos problemas de saúde, tal como experimentados em situações de vida4.
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(d)
Ao consultar Foucault e seus estudos sobre o nascimento da medicina social, numa rápida reflexão, percebemos que a estruturação da medicina ganhou, na Europa do século XVIII, certa posição, por ser gerida como sistema de pensamento. O início da institucionalização da medicina considerou o corpo como instrumento político e social. Foucault demonstra que “foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista”5 (p. 80).
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(e)
A palavra “micropolítica”, conforme Guattari e Rolnik, se refere ao modo como (re)produzimos a subjetividade. Para o autor, a micropolítica não se situa no nível da representação, mas no nível da produção de subjetividade7.
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(f)
O Capitalismo Mundial Integrado (CMI), de Félix Guattari e Suley Rolnik, contempla a ideia da apropriação da totalidade dos modos de subjetivação a partir das tendências capitalísticas que atuam no mundo. Em linhas gerais, o CMI serve como um controle social coletivo das subjetividades, não importa se em um mundo capitalista ou socialista burocrático7.
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(g)
O devir é potência para aquilo que não está em nós como forma, apenas apelo às sensações. Para Guattari e Deleuze, devir é produção de subjetividade – o que nos permite transgredir, romper: a potência dos processos maquínicos9.
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(h)
No campo das Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação em enfermagem, cabe destacar que intensos debates têm pautado os encontros regionais e nacionais, do Seminário Nacional de Diretrizes para a Educação em Enfermagem (Senaden), que, desde 1994, tem como objetivo discutir os processos de ensino em enfermagem e, desde 2002, coloca a necessidade de aprofundamento deste tema para que, de fato, a proposta das DCN não se configure apenas em palavras novas revestindo velhas propostas, mas que contribua no debate pedagógico nas instituições de Educação Superior, promovendo um ensino em enfermagem com ineditismo11.
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(i)
Observamos, nas DCN, em especial na área da saúde, a indicação de competências e habilidades comuns à formação em saúde e competências e habilidades específicas do núcleo profissional que estão centradas no saber técnico de cada profissão. Caberia inverter esta lógica ou apostar apenas nas “macro” competências e habilidades (gerais para a área da saúde), dando, desta forma, possibilidade efetiva às instituições de flexibilizarem suas propostas de ensino a partir do perfil profissional do egresso que desejam formar, inseridas no contexto regional, em que os cursos se instalam ou “acontecem”.
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(j)
Guattari refere que a singularização da subjetividade se faz emprestando, associando, aglomerando dimensões de diferentes espécies. O que o autor quer dizer é que todo o processo de transformação não é uma mudança individual, mas justamente o contrário, há um permanente entrecruzamento7.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Apr-Jun 2014
Histórico
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Recebido
22 Ago 2013 -
Aceito
18 Fev 2014