Resumos
Trata-se de estudo sobre sentidos e significados atribuídos ao Apoio Institucional na Atenção Básica em dois municípios do oeste baiano, Nordeste do Brasil. Participaram 22 profissionais, entre gestores, apoiadores e trabalhadores de equipes de Saúde da Família. A entrevista e a observação foram utilizadas como técnicas de coleta de dados, e o material empírico analisado na perspectiva da análise de conteúdo. Os resultados revelam que todos os participantes reconhecem positivamente o trabalho do Apoio Institucional. Contudo, há desafios relacionados ao número insuficiente de apoiadores, aos limites da concepção do trabalho pelos gestores e às expectativas de atuação relatadas pelas equipes. Conclui-se que há necessidade de espaços de análise que envolvam o gestor, os apoiadores e as equipes, uma condição para que a prática de apoiar e de ser apoiado se consolide como uma estratégia de fortalecimento da cogestão nas redes de Saúde.
Apoio institucional; Atenção básica; Gestão em saúde
This is a study on the senses and meanings given to the Institutional Support in Primary Care of two municipalities in the west of the state of Bahia, Northeast region of Brazil, with the participation of 22 professionals, namely family health managers, supporters and workers. Data were collected through interviews and observation, and the empirical material was analyzed according to the content analysis framework. Results revealed that all the participants have a positive perception of the work developed by the Institutional Support. Nevertheless, there are challenges related to the insufficient number of supporters, the limits of the conception of work from the perspective of managers and the work expectations reported by the teams. It is necessary to create analysis spaces involving managers, supporters and teams, which is a condition for consolidating the practice of supporting and being supported as a strategy to strengthen co-management in healthcare networks.
Institutional support; Primary care; Health management
Estudio sobre sentidos y significados atribuidos al Apoyo Institucional en la Atención Básica en dos municipios del oeste del estado de Bahia, en la región Nordeste de Brasil. Participaron 22 profesionales, entre gestores, apoyadores y trabajadores de equipos de Salud de la Familia. La entrevista y la observación se utilizaron como técnicas de colecta de datos y el material empírico analizado bajo la perspectiva de contenido. Los resultados revelan que todos los participantes reconocen positivamente el trabajo del Apoyo Institucional. Sin embargo, hay desafíos relacionados al número insuficiente de apoyadores, a los límites de la concepción del trabajo por parte de los gestores y a las expectativas de actuación relatadas por los equipos. Se concluye que hay necesidad de espacios de análisis que envuelvan al gestor, a los apoyadores y a los equipos, una condición para que la práctica de apoyar y de ser apoyado se consolide como una estrategia de fortalecimiento de la co-gestión en las redes de Salud.
Apoyo institucional; Atención básica; Gestión en salud
Introdução
O Apoio Institucional (AI) é compreendido como “um dos recursos metodológicos que compõem o método Paidéia, desenvolvido por Campos 11. Campos GWS. Saúde Paidéia. São Paulo: Hucitec; 2007. para reformular os tradicionais mecanismos de gestão” 22. Fernandes JA, Figueiredo MD. Apoio institucional e cogestão: uma reflexão sobre o trabalho dos apoiadores do SUS Campinas. Physis. 2015 [citado 07 Jan 2016]; 25(1):287-306. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312015000100016.
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(p. 288). Tem como característica transformar as práticas gerenciais, ao modificar a forma tradicional de coordenação, supervisão e avaliação do trabalho, na medida em que propõe um modo analítico, operacional e interativo de trabalho, conformando, assim, um modelo de trabalho em cogestão 11. Campos GWS. Saúde Paidéia. São Paulo: Hucitec; 2007.
2. Fernandes JA, Figueiredo MD. Apoio institucional e cogestão: uma reflexão sobre o trabalho dos apoiadores do SUS Campinas. Physis. 2015 [citado 07 Jan 2016]; 25(1):287-306. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312015000100016.
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-33. Campos GWS. Cogestão e neoartesanato: elementos conceituais para repensar o trabalho em saúde combinando responsabilidade e autonomia. Cienc Saude Colet. 2010 [citado 22 Ago 2014]; 15(5):2337-44. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232010000500009.
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O método Paidéia é também considerado como uma postura metodológica que se apresenta como um dispositivo para ampliar a capacidade de reflexão e análise de coletivos. Por meio da cogestão, busca-se instituir e fortalecer a democracia institucional, ao se afirmar e ampliar o protagonismo dos trabalhadores 44. Barros MEB, Roza MMR, Guedes CR, Oliveira GN. O apoio institucional como dispositivo para a implantação do acolhimento nos serviços de saúde. Interface (Botucatu). 2014 [citado 07 Jan 2016]; 18 Supl 1:1107-17. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0238.
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A novidade do método Paidéia para a gestão dos serviços de saúde é buscar atingir o efeito Paidéia, que pressupõe ampliação da capacidade das pessoas para lidarem com informações, bem como interpretá-las; de compreenderem o contexto, os outros e a si mesmas. Pretende, assim, aumentar a participação dos trabalhadores na tomada de decisão, na definição de compromissos e contratos, e na habilidade de lidarem com conflitos 55. Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira JN, Castro CP. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu). 2014 [citado 07 Jan 2016]; 18 Suppl 1:983-95. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0324.
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. Como resultado, o método busca contribuir para a ampliação das possibilidades de ação desses sujeitos e das relações que eles estabelecem.
Para provocar o ‘efeito Paidéia’, se faz necessário ultrapassar a tendência comum das várias escolas de administração que defendem a intervenção sobre os trabalhadores, e alcançar uma forma de se fazer gestão baseada na inclusão e interação dos trabalhadores e usuários no processo de decisão. Ou seja, é necessário superar a tendência predominante de dominação dos que gerenciam sobre os que executam, ressignificando o lugar de cada sujeito no processo.
Portanto, temos a clareza de que, para se provocarem mudanças significativas na forma de operar dos serviços de saúde, é visível a necessidade da apreensão crítica dos gestores e trabalhadores sobre a forma de gestão adotada, e da disposição de se promoverem mudanças na direção de práticas de cogestão. O apoio institucional, nesse contexto, é pensado como um potente dispositivo de apoio e acompanhamento dos coletivos nessa perspectiva.
Este artigo analisou os sentidos e significados que as equipes de Saúde da Família (EqSF), os gestores e os apoiadores atribuem ao processo de trabalho do Apoio Institucional municipal em dois municípios da Bahia.
Caminhos metodológicos
Estudo qualitativo, no sentido de se compreenderem, a partir da ótica dos participantes, os sentidos e significados do concreto vivenciado dialeticamente, ao articularem a subjetividade à materialidade por meio de análises críticas reflexivas.
O cenário do estudo foram dois municípios (M1 e M2) da região Oeste da Bahia. M1 possui população estimada de 68.922 habitantes, Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de 0,633 e 23,24% da população em extrema pobreza; com 19 EqSF implantadas, 12 delas com equipes de Saúde Bucal (ESB) representando 100% de cobertura da AB e 63,95% de Saúde Bucal 66. Ministério da Saúde (BR). Sistemas de Nota Técnica do Ministério da Saúde. Brasília; 2015 [citado 26 Dez 2015]. Disponível em: http://dab2.saude.gov.br/sistemas/notatecnica/frmListaMunic.php
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. M2 tem 152.208 habitantes, IDHM de 0,721 e 7,67% da população em extrema pobreza; 19 EqSF, 11 delas com EqSB, apresentando cobertura de 46% da ESF e 26,9% das EqSB 66. Ministério da Saúde (BR). Sistemas de Nota Técnica do Ministério da Saúde. Brasília; 2015 [citado 26 Dez 2015]. Disponível em: http://dab2.saude.gov.br/sistemas/notatecnica/frmListaMunic.php
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Os critérios utilizados para a inclusão dos municípios estudados foram: ter AI na AB implantado há mais de seis meses e dispor de três ou mais apoiadores para as EqSF.
A coleta de dados foi realizada no período de maio a junho de 2015, com 22 participantes distribuídos em três grupos: GI - Apoiadores municipais para as EqSF; GII - Gestores municipais da AB – representados pelos Coordenadores da AB e Coordenadores de Saúde Bucal; GIII - Trabalhadores das EqSF.
Elegemos, como critério de inclusão, tempo mínimo de quatro meses de atuação para os representantes do grupo I e de seis meses nos grupos II e III. No grupo III, selecionamos as equipes com a diversidade de categorias profissionais.
No grupo I, o tempo de atuação dos participantes variou entre quatro meses até sete anos; quatro desses com dois anos de atuação como Apoiadores Institucionais. No grupo II, todos os Gestores atuavam há dois anos na coordenação atual, e com experiência na gestão entre dois e cinco anos.
O grupo III, representado por 12 trabalhadores de quatro EqSF, equipes essas selecionadas na zona urbana e rural, representado por diferentes categorias: quatro ACS; quatro enfermeiros; um dentista, um médico; um técnico de enfermagem e um Agente de Combate às Endemias. O tempo de atuação na EqSF variou entre seis meses a sete anos.
Em virtude do estudo qualitativo, a escolha dos participantes foi intencional devido à possibilidade de se contemplar a totalidade do problema investigado em suas múltiplas dimensões e identificar indivíduos que possuem vinculação com o fenômeno em estudo 77. Minayo MCS. O Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14a ed. São Paulo: Hucitec; 2014. . Tal quantitativo não foi baseado no critério numérico, e a amostra final obedeceu à saturação das informações.
O método e análise de dados foi a Análise de Conteúdo revisitada por Minayo 77. Minayo MCS. O Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14a ed. São Paulo: Hucitec; 2014. como: “técnicas de pesquisa que permite tornar replicáveis e válidas inferências sobre dados de um determinado contexto, por meio de procedimentos especializados e científicos”. (p. 303)
Utilizamos, na coleta de dados, as técnicas de entrevista semiestruturada 77. Minayo MCS. O Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14a ed. São Paulo: Hucitec; 2014. , pelo fato de possibilitar uma maior liberdade de informação do entrevistado; e a observação sistemática, que possibilita examinar, de forma natural, os fenômenos e situações que ocorrem no campo de estudo 88. Gil AC. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5a ed. São Paulo: Atlas; 1999. .
Após a transcrição do material escrito, fizemos a leitura flutuante, permitindo-nos saturar o seu conteúdo, tendo, na oportunidade, identificado os núcleos de sentidos reunidos no conteúdo das falas e das observações 77. Minayo MCS. O Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14a ed. São Paulo: Hucitec; 2014.,99. Assis MMA, Jorge MSB. Métodos de análise em pesquisa qualitativa. In: Nascimento MAA, Santana JSS, organizadoras. Pesquisa: métodos e técnicas de conhecimento da realidade social. Feira de Santana: UEFS; 2010. p 139-57. . Realizamos a análise horizontal e transversal dos conteúdos e consideramos as convergências e as diferenças, sem desconsiderar as divergências e as complementaridades dos dados empíricos. Por fim, obtivemos quatro categorias de análises que serão descritas a seguir.
O projeto foi aprovado por meio do parecer nº 1.058.735, em conformidade com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde 1010. Ministério da Saúde (BR). Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012 [Internet]. Brasília (DF): Conselho Nacional de Saúde; 2012 [citado 27 Abr 2014]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.htm
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Resultados e discussão
“O apoiador tem que sair para conhecer a realidade”
A perspectiva da atuação do AI é de que o apoio deve articular os objetivos institucionais aos saberes e interesses dos usuários e trabalhadores – diferente de várias escolas de gerência que imprimem sua intervenção sobre os trabalhadores, ao não atuarem de forma interativa com eles 11. Campos GWS. Saúde Paidéia. São Paulo: Hucitec; 2007. .
Neste cenário, uma compreensão sobre o AI apresentada pelo grupo de Gestores e Apoiadores está associada ao apoio e suporte da gestão, sendo o apoiador uma referência para as EqSF.
“[...] é realmente você ser suporte, no sentido de que você [o apoiador] não vai dar conta de responder tudo, mas você vai ser uma pessoa de referência [...] para orientar a desenvolver o trabalho da melhor forma.” (GI, A1, M1)
O mesmo significado foi dado pelos trabalhadores, destacando a importância do Apoiador na resolução dos problemas das equipes e como “colaboradores” do processo de trabalho, numa visão mais ampliada de trabalho interativo .
Os trabalhadores complementam ainda a ideia de AI como “ponte”, “mediador”, “pessoa que fica entre a gestão e equipe”, numa relação de maior “acesso”, revelando o quanto a aproximação do Apoiador com a equipe permite um maior conhecimento da realidade, maior acesso à gestão e possibilidade de diálogo e comunicação.
[...] como ponte mesmo pra gente alcançar os nossos objetivos [...] para colaborar com o trabalho, e para nos apoiar no que for preciso. (GIII, T10, M2)
Ainda, um participante do grupo III traz de forma clara a necessidade da aproximação da gestão com as equipes, ao relatar que o Apoiador “tem que sair para conhecer a realidade”. Situação essa que nos remete a um dos elementos essenciais do apoio que deve estar pautado na interação e encontro entre sujeitos numa expectativa de produzir “efeitos” entre eles.
Nessa perspectiva defendemos também a ideia de que o AI pressupõe uma forma de gestão que se exerce entre sujeitos, mesmo considerando os distintos graus de poder e de saber entre eles 55. Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira JN, Castro CP. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu). 2014 [citado 07 Jan 2016]; 18 Suppl 1:983-95. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0324.
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. A relação entre gestores e equipes de saúde deve ser fluída, e, para isso, se faz necessário que os encontros entre os sujeitos aconteçam em diversos espaços 55. Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira JN, Castro CP. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu). 2014 [citado 07 Jan 2016]; 18 Suppl 1:983-95. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0324.
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No método Paidéia Campos 11. Campos GWS. Saúde Paidéia. São Paulo: Hucitec; 2007. propõe a ampliação dos espaços de atuação do Apoiador, para não só estimular reflexões com os atores, mas, também, poder ‘ofertar’, ‘experimentar’; ‘misturar’ seu modo de fazer com o modo de fazer do grupo. Todavia, exige-se que o Apoiador saia do espaço burocrático de trabalho da gestão tradicional e ocupe novos lugares.
Diante de tal direção, os três grupos reconhecem o AI como agente de mudança do processo de trabalho das equipes a partir dos processos de Educação Permanente à Saúde (EPS).
“[...] o apoio compreende ações que envolvem o processo de educação permanente, a qualificação do profissional, até a qualificação do seu trabalho nas unidades.” (G1, A1, M1)
Compreensão que se coaduna com o entendimento sobre a possibilidade de ampliação de novos horizontes a partir da metodologia do AI, na medida em que o método deverá estimular a transformação das práticas de coletivos, incluindo a Educação Permanente como potencializadora para a qualificação do trabalho em saúde 1111. Maerschner RL, Bastos ENE, Gomes AMA, Jorge MSB, Diniz SAN. Apoio institucional – reordenamento dos processos de trabalho: sementes lançadas para uma gestão indutora de reflexões. Interface (Botucatu). 2014 [citado 07 Jan 2016]; 18 Suppl 1:1089-98. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0365.
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Outras ideias do grupo de trabalhadores, que, apesar de considerarem a importância do AI para o desenvolvimento do trabalho da equipe, são contraditórias ao explicitarem um sentimento de distanciamento do trabalho deste apoiador no território.
“[...] antes eu tinha uma apoiadora fixa, então isso também facilitava bastante, né?” (GIII, T10, M2)
“[...] eu sinto muita falta dessa parte do apoio [...] nós ficamos muito largadas. Eu sinto essa necessidade delas mais perto da gente aqui.” (GIII, T12, M1)
As falas desses trabalhadores revelam as expectativas sobre o trabalho do AI, demonstrando o entendimento da necessidade de referência de um apoiador para equipe, bem como participação ativa desse ator no processo de trabalho da equipe com a proximidade com o território.
Encontramos, nas falas dos trabalhadores, referência sobre a necessidade de uma maior aproximação da gestão com as equipes, com a possibilidade de construção de vínculo. Entretanto, uma dificuldade referida é a rotatividade do Apoiador, o que interfere no trabalho, além de atribuí-lo uma possibilidade de maior segurança no trabalho a partir dessa aproximação.
O número reduzido de Apoiadores também foi citado como limite para o avanço da proposta. Entretanto, um desafio a ser superado é a perspectiva de que o AI ‘esteja junto com as equipes’, apoiando, construindo e ocupando lugares estratégicos para a conformação de espaços de encontro e discussão como revelado nas falas a seguir.
“[...] tem uma certa dificuldade no número de apoiadores aqui [...] hoje o principal desafio [...] é atender todas nossas equipes. [...]” (GI, A4, M1)
“[...]o que está limitando hoje é, realmente, o número de apoiadores. Eu preciso de mais.” (GII, C1, M1)
No decorrer do processo de observação, foi possível percebermos, na visita de uma Unidade de Saúde da Família na zona rural, a expectativa da equipe com a chegada do Apoiador, inclusive, aproveitaram o encontro para colocarem as ‘angústias’ e demandas na roda. Observamos quanto a presença de um representante da gestão é significativa para esses Trabalhadores.
Tais observações foram reforçadas pelos próprios Trabalhadores ao relatarem uma maior satisfação no trabalho, desencadeada pela possibilidade de sentir-se apoiado. Revelam, ainda, que a aproximação da gestão proporciona mais segurança e direcionamento do trabalho a partir da presença do Apoiador junto com a equipe, aqui destacada nesta fala a seguir.
“A gente tem mais segurança, né? Tem alguém que a gente busca pra está orientando, pra gente saber por onde caminhar [risos]. Eu vejo dessa forma.” (GIII, T1, M1)
Entendemos que o trabalho não deve ser considerado como lugar apenas de produção, mas, também, de transformação dos sujeitos, ou seja, “é uma ocasião oferecida à subjetividade para se testar, até mesmo para realizar-se” 1212. Dejours C. Subjetividade, trabalho e ação. Tradução de Eliete Karam e Júlia Abrahão. Rev Produção. 2004; 4(13):27-34. (p. 30). Por meio do trabalho, o homem poderá transformar e ser transformado.
Compreendemos que o trabalho ocupa um lugar de importância na vida das pessoas, mas pode gerar frustração e impotência, ao se depararem com situações-limite no processo de atuação, o que talvez venha a interferir na autoestima e na forma de se relacionarem, como, também, potência e satisfação quando produzem sentido para o trabalhador.
O trabalho não é neutro em relação ao que provoca nos sujeitos. Nos serviços de saúde, o trabalho é potencialmente produtor de sentido, quando é inventivo e participativo; e pode ser também produtor de sofrimento e desgaste, quando é burocratizado, fragmentado e centralizado 1313. Ministério da Saúde (BR). Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Documento Base para Gestores e Trabalhadores do SUS. 3a ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2006. (p. 8).
Percebemos, na fala anterior (T1), uma valorização que é atribuída ao trabalho do AI, o que poderá refletir, de forma positiva, no modo com que o sujeito se relaciona com o trabalho. Ademais, a satisfação profissional é considerada um resultado a ser almejado a partir da metodologia do AI, na medida em que possibilita, ao trabalhador, participar de espaços mais democráticos na instituição 11. Campos GWS. Saúde Paidéia. São Paulo: Hucitec; 2007. .
Produção de autonomia como potencialidade do apoio e a desconstrução de práticas verticais
Diferentemente dos demais participantes, um dos Apoiadores tem a compreensão do seu trabalho relacionada com a possibilidade de desenvolver a produção de autonomia dos sujeitos; e a destaca como a maior potencialidade do AI. Assim, não se limita na compreensão [de apoio] enquanto ‘ajuda’ e ‘suporte’ para os problemas e dificuldades das equipes/unidades, como em destaque na fala a seguir.
“[...] instrumentalizar a equipe e desenvolver a autonomia dos trabalhadores [...]. Com o desenvolvimento da autonomia do trabalhador, ele começa a ser mais crítico e ser mais autônomo para estar tomando as suas decisões.” (G1, A1, M1)
Neste aspecto, aparentemente é visível que os demais Apoiadores possuem uma compreensão do AI com o objetivo e foco na mudança das organizações, não visualizando o potencial dessas transformações a partir das mudanças de sujeitos implicados com o seu fazer, com o seu processo de trabalho.
Diante da análise de Campos 11. Campos GWS. Saúde Paidéia. São Paulo: Hucitec; 2007. sobre o trabalho do AI, ele remete à discussão dessa prática ao expor que só é possível alcançar o efeito Paidéia quando se trabalha com a duplicidade de objetivos, sendo eles a produção de valores de uso para outros (produção de cuidado) e a ampliação da compreensão e da capacidade operacional dos coletivos (a produção de subjetividades entre os sujeitos).
Ao confrontarmos o trecho da fala (G1, A1, M1) com as ideias de Campos 11. Campos GWS. Saúde Paidéia. São Paulo: Hucitec; 2007. e Barros et al. 44. Barros MEB, Roza MMR, Guedes CR, Oliveira GN. O apoio institucional como dispositivo para a implantação do acolhimento nos serviços de saúde. Interface (Botucatu). 2014 [citado 07 Jan 2016]; 18 Supl 1:1107-17. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0238.
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, eles têm uma compreensão convergente de que o Apoio Institucional tem como ação primordial a oferta de suporte para produzir mudanças em sujeitos coletivos, na perspectiva de fortalecê-los no próprio exercício da produção de sujeitos em seus processos de mudança.
Por conseguinte, concordamos com Campos 1414. Campos GWS. O anti-Taylor: sobre a invenção de um método para co-governar instituições de saúde produzindo liberdade e compromisso. Cad Saude Publica. 1998 [citado 22 Ago 2014]; 14(4):863-70. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X1998000400029.
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,1515. Campos GWS. Um método para análise e cogestão de coletivos. São Paulo: Hucitec; 2000. , Onocko Campos e Campos 1616. Campos RTO, Campos GWS. Co-construção de autonomia: o sujeito em questão. In: Campos GWS, Minayo MC, Akerman M, Drumond MJ, Carvalho YM, organizadores. Tratado de saúde coletiva. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Fiocruz; 2006. p. 669-88. que a coconstrução da autonomia deve ser uma das finalidades do trabalho em saúde, tanto na relação com o usuário, como na relação da gestão com os trabalhadores de saúde.
Além do participante do grupo I inferir sobre essa possibilidade de atuação do Apoiador – desenvolver a autonomia do trabalhador – vimos, também, nas falas de outros Trabalhadores, a valorização que atribuem pela possibilidade de criação de espaços mais autônomos em seu processo de trabalho, a partir da experiência do apoio, reforçada pelo T2, a seguir.
“[...] é uma líder que participa, que dá abertura pra você participar. [...] dá autonomia. [...] E aí, assim, colegas nossas que eram fechadinhas lá no canto, hoje dão ideias maravilhosas.” (GIII, T2, M1)
Entretanto, essa busca para alcançar a democracia institucional é possível na medida em que se opera com o coletivo, direcionando a viabilização de mudanças na grupalidade, no sentido de transformar o modo como o grupo se organiza, numa perspectiva de produção de espaços de cogestão 44. Barros MEB, Roza MMR, Guedes CR, Oliveira GN. O apoio institucional como dispositivo para a implantação do acolhimento nos serviços de saúde. Interface (Botucatu). 2014 [citado 07 Jan 2016]; 18 Supl 1:1107-17. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0238.
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A criação dos espaços coletivos de decisão é defendida como uma forma de exercitar a democracia institucional, pois eles têm como possibilidades: o favorecimento da ampliação do conhecimento do trabalhador sobre seu fazer, a ampliação do poder de agir dos coletivos, o que pode contribuir para a formação e exercício de graus maiores de protagonismo e autonomia dos sujeitos 1717. Silva FH, Barros MEB, Martins CP. Experimentações e reflexões sobre o apoio institucional em saúde: trabalho a partir do HumanizaSUS. Interface (Botucatu). 2015 [citado 20 Maio 2016]; 19(55):1157-68. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0280.
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Um gestor também tem uma fala convergente sobre essa característica de prática no espaço de trabalho da gestão.
“[...] a equipe ela tem autonomia. Por exemplo, os modelos de marcação para a consulta odontológica, a gente tem modelos diferenciados nas equipes. [...] tem o diálogo com a equipe: ‘o que vocês acham que é melhor?’” (GII, C1, M1)
Em divergência à concretude de tal prática, um participante do grupo de Trabalhadores e outro do grupo de Gestores revelam claramente uma postura mais vertical e autoritária da gestão no espaço de reunião de equipe, uma contradição à forma de atuação do Apoiador.
“[...] as informações são exclusivamente de forma vertical, não tem nenhuma mesa redonda. Tem reuniões simplesmente para dizer o que tem que fazer. [...] é um diálogo muito curto que quando a gente discorda de alguma coisa, a gente não consegue chegar num consenso final.” (GIII, T4, M1)
“[...] pedi que trouxessem contribuição de como fazer esse material educativo, ninguém trouxe. Então, vai valer, o que a cabeça aqui pensar! [...] e ninguém tem o direito de dizer nada na hora que tiver pronto.” (GII, C2, M1)
Na fala do Gestor (GII, C2, M1) é visível, no conteúdo manifesto, uma ausência de habilidade para atuar na construção coletiva com as equipes, e no fomento de ‘novas’ práticas e estímulo às equipes.
O trabalho da gestão deve estar direcionado para o estímulo e a ação de provocar, nos trabalhadores, a liberdade, mas, também, ser capaz de escutar, interagir, construir, distribuir responsabilidades, respeitando as necessidades, apresentadas no território, dos trabalhadores e da instituição 1414. Campos GWS. O anti-Taylor: sobre a invenção de um método para co-governar instituições de saúde produzindo liberdade e compromisso. Cad Saude Publica. 1998 [citado 22 Ago 2014]; 14(4):863-70. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X1998000400029.
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A cogestão é um ‘potente’ modelo para lidar com as polaridades presentes nos serviços de saúde. Assim, o exercício da liberdade deverá estar alinhado aos objetivos institucionais – autonomia esta que preserve não apenas o desejo do trabalhador, mas que esteja em constante diálogo com os compromissos da instituição.
Com base na fala do Trabalhador (GIII, T4, M1), consideramos que a forma de expressar o descontentamento do trabalho realizado pela gestão, desvela, assim, a expectativa que esse trabalhador tem sobre o trabalho do Apoiador, ou seja, revela o desejo de construção de espaços mais democráticos para o diálogo entre gestão e trabalhadores, para enfrentamento dos problemas e pactuações de acordos que respeitem também os interesses dos trabalhadores.
Refere, inclusive, a expressão “mesa redonda”, sendo essa a sua expectativa em contraponto ao que acontece, como: imposição de ordens, culpabilização do trabalhador, diálogo curto (vertical), falta de consenso (pactos entre os sujeitos). Sua expectativa relacionada ao trabalho do AI permeia uma compreensão sobre o processo de trabalho de uma gestão compartilhada, convergindo, assim, com outros sujeitos do estudo.
Segundo Campos 11. Campos GWS. Saúde Paidéia. São Paulo: Hucitec; 2007. , o trabalho do apoiador deve caminhar numa lógica aparentemente paradoxal, e defende que estes devem atuar nas ofertas de controle, diretrizes e critérios, como, também, estímulo à autonomia relativa das equipes. No entanto, reconhece que o trabalho do apoiador exige fluidez e se configura em ato, a partir da análise de cada cenário. Nesta compreensão, reflete sobre modelos de gestão que promovam a autonomia para os trabalhadores, mas também sendo necessário o compromisso e responsabilização com a integralidade da atenção e das redes de serviços.
Outrossim, compreendemos que modelos de gestão mais participativos oportunizam o envolvimento e a participação da gestão nos contratos e acordos junto com o grupo. Por conseguinte, o apoio se apresenta como dispositivo para ampliar a capacidade de reflexão e análise de coletivos.
Mediante as falas destacadas neste estudo, consideramos que se faz necessário superar a dicotomia entre Gestores e os Trabalhadores. O Ministério da Saúde 1818. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização (PNH). Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2004. também reconhece que os modos verticalizados de gestão e a dissociação entre a forma de cuidar (modelos de atenção) e a forma de gerir (modelos de gestão) são ainda desafios enfrentados no cotidiano das práticas de saúde. Complementa que esta dicotomia reduz a gestão às práticas de administração do sistema, com centralização na figura do gestor.
Ao reduzir o espaço para reflexão e decisão do trabalhador, reduz-se o sujeito do trabalho a um objeto. Para tanto, Campos 1919. Campos GWS. A mediação entre conhecimento e práticas sociais: a racionalidade da tecnologia leve, da práxis e da arte. Cienc Saude Colet. 2011 [citado 07 Ago 2014]; 16(7):3033-40. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011000800002
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reforça a democratização institucional por meio da cogestão e do agir comunicativo, como forma de mediar e atenuar o poder nas instituições e nas pessoas, para que não prevaleça o abuso de poder tanto para os trabalhadores no exercício de sua autonomia, como para os gestores no ato de gerenciarem os serviços.
Com tal entendimento, o exercício da liberdade deve estar alinhado aos objetivos institucionais, em um movimento que preserve a autonomia e o desejo do trabalhador, mas sempre em constante diálogo com os compromissos da instituição, devendo o trabalhador, no seu exercício de liberdade e criatividade, estar aberto para incluir os compromissos pactuados relacionados à missão da instituição.
Segundo Benevides 2020. Benevides RB. Grupo: a afirmação de um simulacro [tese]. São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica; 1994. , o apoiador não deve ser associado a apenas um consultor, que identifica problemas, dá palpite e diz o que pensa sobre o grupo; e nem se resume à assessoria, que indica direcionamentos a partir de seu suposto conhecimento externo, atuando sobre o grupo, levando respostas prontas. O apoiador deve penetrar no grupo e acioná-lo como dispositivo, ou seja, deve “atravessar o grupo não para feri-lo, ou para anunciar suas debilidades, mas para operar junto com o grupo em um processo de transformação na própria grupalidade e nos modos de organizar o trabalho” 2020. Benevides RB. Grupo: a afirmação de um simulacro [tese]. São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica; 1994. (p. 195).
Com base nas ideias de Benevides, compreendemos que o Apoio Institucional pode operar com os grupos, e não sobre eles. Ademais destacamos, também, que, para se alcançar a democracia institucional, deve-se operar com o coletivo, direcionando a viabilização de mudanças na grupalidade, no sentido de transformar o modo como o grupo se organiza, numa perspectiva de produção de espaços de cogestão 44. Barros MEB, Roza MMR, Guedes CR, Oliveira GN. O apoio institucional como dispositivo para a implantação do acolhimento nos serviços de saúde. Interface (Botucatu). 2014 [citado 07 Jan 2016]; 18 Supl 1:1107-17. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0238.
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.
Diante deste entendimento, participantes do grupo de Apoiadores e Trabalhadores das equipes divergem sobre o posicionamento do participante anterior (GII), com a compreensão de que o apoiador faz parte do grupo e deve estar inserido no contexto.
“[...] eu vejo como colaboradoras, como membros da equipe [...] como responsáveis também pelo nosso trabalho [...]. Se deu certo foi porque nós lutamos pra dar certo.” (GIII, T10, M2)
Além da compreensão de grupalidade, de “se sentir parte”, vemos a necessidade de uma construção coletiva que provoque mudanças na forma de atuação do grupo. Assim, o Método da Roda ou Paidéia proposto por Campos 11. Campos GWS. Saúde Paidéia. São Paulo: Hucitec; 2007.,1515. Campos GWS. Um método para análise e cogestão de coletivos. São Paulo: Hucitec; 2000. é uma importante estratégia para a produção de agenciamentos, ao integrar as dimensões política, administrativa, pedagógica e analítica; ao utilizar o espaço da roda, as grupalidades e a análise de processo de trabalho para a condução desses agenciamentos 44. Barros MEB, Roza MMR, Guedes CR, Oliveira GN. O apoio institucional como dispositivo para a implantação do acolhimento nos serviços de saúde. Interface (Botucatu). 2014 [citado 07 Jan 2016]; 18 Supl 1:1107-17. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0238.
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. Outrossim, acreditamos que tal entendimento poderá ampliar o protagonismo dos trabalhadores para uma aproximação da democracia institucional, efeito esperado no exercício do AI.
Apoio e a gerência das unidades
Numa visão mais centrada no processo de trabalho da gestão, encontramos, no grupo de Gestores e Apoiadores, a compreensão sobre o apoio como um auxílio para o trabalho da Gestão.
“[...] esse meu apoio poderia estar fazendo aquela agenda minha [...] porque elas seriam nossos braços para poder estar trazendo os problemas e a gente tentando resolver, indo resolver junto.” (G2, C4, M2)
Outro significado dado pelos participantes dos três grupos se relaciona ao entendimento do apoio como sujeito responsável pelo gerenciamento e administração logística da unidade. Percebemos que essa atribuição foi designada para o apoiador numa necessidade de suprir a ausência de gerentes na unidade de saúde, fazendo com que as questões administrativas fiquem na responsabilidade deste.
“[...] e sendo um suporte, também, para as questões administrativas, né, que envolvem essa organização do serviço.” (GI, A1, M1)
“[...] e também tem um pouco dessa área gerencial da gestão. Não tem como fugir disso, como gestora eu vejo a minha necessidade de ter neles esse ator também.” (GII, C1, M1)
Observamos, nas unidades pesquisadas, que não existe um profissional específico para gerenciamento da unidade, e que, na maioria das vezes, o enfermeiro da equipe assume essa atividade com o auxílio do Apoiador.
Neste aspecto, a compreensão do grupo de Apoiadores convergiu no sentido de que a atribuição de dar suporte administrativo às unidades se configura como uma dificuldade e limitação do trabalho do AI, pois demanda muito tempo, descaracterizando o trabalho do apoio, na medida em que esse Apoiador necessita se ocupar para as questões logísticas e administrativas da unidade.
“[...] a dificuldade maior é que as unidades acham [...] que o papel do apoio maior é nessa questão (gerência da unidade).” (GI, A3, M1)
“[...] alguns trabalhadores veem como não sendo a prioridade [...] essa lógica de trabalho de educação permanente. Pensam que poderiam ter alguém mais mecanizado pra logística, reparo, outras situações [...] que nos desvia do foco, de estar trabalhando essa parte de reparo, de logísticas, de RH, sabe?” (GII, C1, M1)
Concretamente, uma das dificuldades do AI está relacionada com a compreensão que as equipes têm sobre o trabalho do Apoiador, uma vez que possuem uma expectativa de que o Apoiador resolva as dificuldades de desabastecimento da unidade (insumos e materiais), como revelada nas falas do grupo I e II.
Ademais, compreendemos que o trabalho da gestão em saúde deve envolver-se necessariamente com sujeitos, processos de trabalho, poder e políticas públicas, sendo interpretado como a intercessão desses elementos para a produção da vida 2121. Barros MEB, Guedes CR, Roza MMR. O apoio institucional como método de análise-intervenção no âmbito das políticas públicas de saúde: a experiência em um hospital geral. Cienc Saude Colet. 2011 [citado 10 Jul 2014]; 16(12):4803-14. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011001300029.
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, e reforçado, por Campos 11. Campos GWS. Saúde Paidéia. São Paulo: Hucitec; 2007., como uma atividade gerencial, política, pedagógica e terapêutica em uma relação permanente, entre gestores, trabalhadores e usuários, para a produção de saúde.
Um dos desafios encontrados neste estudo foi o envolvimento dos Apoiadores na administração das unidades saúde da família como uma necessidade urgente a ser priorizada. No entanto, não pretendemos distanciar o envolvimento do apoiador nas ações gerenciais da unidade, apesar das falas remeterem para uma compreensão de que, quando o Apoiador se envolve de forma direta com estas questões, tem menores possibilidades de atuação junto à equipe, foco do seu trabalho. Assim, refletimos sobre outras possibilidades de gerência das unidades que não sobrecarreguem o trabalho do AI.
Apoio como “os olhos da gestão”
Ainda encontramos falas dos três grupos sobre a supervisão como atribuição do Apoio Institucional, representada pela fala de um Apoiador.
“[...] eu vejo o apoio institucional como uma forma [...] de supervisionar, de avaliar, de ter esse andamento de supervisão mesmo [...]” (GI, A4, M1)
Entendemos que o trabalho do AI se diferencia da supervisão – a qual estaria num lugar com “super-visão” dos processos e grupalidades, “fora do grupo” pois o apoiador deve operar numa perspectiva de atuação para ampliação das capacidades de os sujeitos colocarem em análise seus processos de trabalho e suas instituições, bem como possibilitar a oferta de ferramentas e dispositivos, sendo que estas ofertas devem ir além da escuta, da observação para uma análise e captação, inclusive dos “não ditos”, e das implicações dos sujeitos 2222. Pavan C, Trajano ARC. Apoio institucional e a experiência da Política Nacional de Humanização (PNH) na Freguesia do Ó, Brasilândia, São Paulo, Brasil. Interface (Botucatu). 2014 [citado 15 Jan 2016]; 18 Suppl 1:1027-40. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0229.
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Ainda encontramos uma fala que revela a visão “distorcida” relacionada com o trabalho do AI pelos próprios apoiadores, sendo esta compreensão relacionada com a forma de condução e entendimento da gestão.
“[...] muitas [apoiadoras] achavam que era supervisão, confundiam apoio com supervisão. Mas também a secretária fazia acreditar que era isso mesmo. [...] Ligava para nós: – ‘quero que você vá agora em tais e tais unidades e anote o nome de quem está trabalhando, qual horário, se está chegando’.” (GI, A5, M1)
Outrossim, mesmo que alguns membros da equipe compreendam o trabalho do AI, ele pode não se sustentar, uma vez que ainda predominam práticas hegemônicas tradicionais de gestão, aquela que utiliza do poder para a indução de práticas de fiscalização e controle como elementos do fazer do Apoiador Institucional, descaracterizando o trabalho
Participantes do grupo de Apoiadores e Trabalhadores consideram, como desafio para o AI, a compreensão da gestão, dando destaque ao secretário de saúde, como na fala a seguir.
“[...] sensibilizar os gestores, eu não sei de que maneira, sensibilizar o porquê desse apoio.” (GI, A6, M2)
Mediante tal fala, se faz necessário ampliar a discussão da metodologia do apoio para além da equipe de AB, sendo evidenciado, neste estudo, quanto é importante a compreensão e apoio do gestor, secretário de saúde, para que o AI, de fato, se concretize.
A fala seguinte tem um entendimento convergente com os sujeitos do mesmo grupo sobre a necessidade e importância da gestão em conhecer o trabalho do apoiador, atribuindo a continuidade do AI pela compreensão e importância que é dada a partir do olhar do gestor.
“[...] desde a época que a gente começou a implantar, nessa transição de secretários, [...] eles sempre valorizaram, sempre priorizaram essa questão do apoio institucional na Atenção Básica. Por isso que a gente ainda está até hoje, nessa questão da figura do apoio institucional.” (GI, A1, M1)
Entretanto fica evidente a divergência da postura do Gestor na fala deste Apoiador (A1) em relação à não compreensão do trabalho do AI pelo secretário de saúde, revelada anteriormente pelo apoiador A5, sendo essa compreensão (ou não) traduzida como elemento que facilita (quando a gestão reconhece o trabalho do AI) ou dificulta (quando a gestão não reconhece o trabalho do AI) a consolidação do AI no município.
Compreender novas formas de gerir o sistema de saúde, não deve ser tarefa apenas de quem está no lugar da gestão. Esta compreensão é essencial para a desconstrução e ressignificação da forma de operar com as equipes. Uma melhor percepção também pelos trabalhadores das equipes sobre o trabalho do AI pode facilitar a inserção do apoiador na equipe, bem como uma maior possibilidade de atuação e vinculação.
“[...] eu só acho que ainda existe essa questão de distorcer o que é o apoio institucional, e que isso tem que ficar muito bem claro, tanto para as equipes, quanto para os gestores.” (GI, T10, M2)
Outras falas a seguir revelaram que a desconstrução de como as equipes percebem a gestão (antes como supervisão e, agora, como colaboradores, equipe, unidade) foi essencial para o processo de implantação do AI.
Participantes do grupo de Trabalhadores e Gestores chamam a atenção para esse acontecimento e reforçam a necessidade de um maior diálogo com as equipes sobre a forma de operar do apoiador, o que pode refletir como a equipe recebe e compreende a prática desses sujeitos.
“[...] Muitas vezes, a visão do apoio é distorcida, como alguém que está aos olhos da gestão, para vigiar trabalho [...] até que as meninas vieram e explicaram direitinho qual era realmente o papel delas, que é nos ajudar e colaborar para que o trabalho flua.” (GIII, T10, M2)
“[...] nós conseguimos sensibilizar as equipes do papel importante do apoiador. E aí, conseguimos mudar a imagem do apoiador como supervisor, como espião da gestão, que muitos profissionais tinham a impressão.” (GII, C2, M1)
Tais falas nos remetem à discussão sobre a forma de inserção do apoiador no trabalho junto às equipes, e como foi se constituindo o AI no município, abordagem que pode dar subsídio na compreensão do AI a partir de como esse sujeito foi introduzido no trabalho junto às equipes.
Considerações finais
Este estudo, ao focar a experiência do AI em municípios do Oeste da Bahia, portanto, de uma realidade do interior do Brasil, compartilha questões e análises que podem contribuir com gestores envolvidos com processos de implantação do AI em cenários semelhantes.
Tanto as equipes de Saúde da Família, como os Gestores e Apoiadores atribuíram um valor positivo associado ao processo de trabalho do Apoio Institucional municipal, relacionando o AI como suporte e referência para as equipes de Saúde da Família e, também, para a gestão. Os Trabalhadores revelaram maior segurança e autonomia no trabalho, bem como satisfação profissional, quando se sentem apoiados. Os Apoiadores compreendem que sua atuação poderá provocar maior autonomia das equipes. Revelam, ainda, a importância da compreensão do trabalho do AI tanto pelos Gestores quanto pelos Trabalhadores, o que pode estar relacionado com o sucesso ou fracasso da proposta.
Contudo, ainda há desafios que precisam ser enfrentados como: número insuficiente de Apoiadores para desenvolver o trabalho com as equipes; necessidade de o apoiador ficar mais próximo do território; concepção limitada do trabalho do Apoio Institucional, que ainda é visto, pela gestão, como uma atividade restrita à supervisão, bem como é visto pelas equipes como um trabalhador que deveria responder por questões gerenciais e administrativas da unidade, não potencializando aquelas relacionadas com a melhoria do processo de trabalho na Unidade.
Ainda assim, o AI se apresenta como uma possibilidade de cogestão, numa tentativa de diminuir os ruídos, conhecer os limites, respeitar o lugar do outro, compreender a si, compreender os outros e construir um ambiente de trabalho e de cuidado de forma mais saudável e prazerosa.
Estudos que avaliem resultados de outras experiências que adotaram o AI, bem como investigação de outras estratégias que buscam fortalecer a cogestão, são temas que podem adensar teoricamente a temática nesse campo de investigação e oferecer subsídios para a mudança do modelo clássico de gestão.
Consideramos que há necessidade de espaços de discussão, aprofundamento e análise do AI, que envolvam o gestor, os apoiadores e as equipes; condição para que a prática de apoiar e de ser apoiado se consolide como uma estratégia de fortalecimento da cogestão nas redes de saúde.
Referências
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5Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira JN, Castro CP. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu). 2014 [citado 07 Jan 2016]; 18 Suppl 1:983-95. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0324
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22Pavan C, Trajano ARC. Apoio institucional e a experiência da Política Nacional de Humanização (PNH) na Freguesia do Ó, Brasilândia, São Paulo, Brasil. Interface (Botucatu). 2014 [citado 15 Jan 2016]; 18 Suppl 1:1027-40. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0229
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
21 Maio 2018 -
Data do Fascículo
Jul-Sept 2018
Histórico
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Recebido
03 Out 2016 -
Aceito
03 Jul 2017