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Abordagem ecobiossocial e promoção da saúde na escola: tecendo saberes para a vigilância comunitária no controle do Aedes aegypti

Abordaje eco-bio-social y promoción de la salud en la escuela: cómo tejer saberes para la vigilancia comunitaria en el control del Aedes aegypti

Resumos

Este estudo objetiva implementar ações de vigilância comunitária no controle do vetor Aedes aegypti em ambiente escolar à luz da promoção da saúde e da abordagem ecobiossocial. Trata-se de uma análise qualitativa que versa sobre os pressupostos de uma pesquisa-ação. Para a produção de dados, utilizou-se um minicurso agregado à técnica Photovoice, concluído com grupos focais. Os dados empíricos foram processados pelo software Iramuteq® e submetidos à análise de conteúdo de Minayo. A pesquisa foi realizada em duas escolas municipais de Fortaleza, Ceará, Brasil, com a participação de 55 estudantes. Os resultados mostraram o incentivo à reflexão das práticas de participação e corresponsabilidade social nas ações de vigilância comunitária e cuidado com o meio ambiente como aliados do controle vetorial. O Photovoice mostra-se propulsor no alinhavo dessas temáticas, desperta o espírito cooperativo e integrativo, possibilitando sua difusão e continuação em outras escolas.

Palavras-chave
Promoção da saúde; Ecobiossocial; Saúde na escola; Photovoice; Vigilância comunitária


El objetivo de este estudio es implementar acciones de vigilancia comunitaria en el control del vector Aedes aegypti en el ambiente escolar bajo la óptica de la promoción de la salud y de un abordaje eco-bio-social. Se trata de un estudio cualitativo que trata sobre las presuposiciones de una investigación-acción. Para la producción de datos, se utilizó un minicurso agregado a la técnica Photovoice, concluido con grupos focales. Los datos empíricos fueron procesados por el software Iramuteq® y sometidos al análisis de contenido de Minayo. El estudio se realizó en dos escuelas municipales de Fortaleza, Ceará, Brasil, con la participación de 55 estudiantes. Los resultados mostraron el incentivo a la reflexión de las prácticas de participación y corresponsabilidad en las acciones de vigilancia comunitaria y cuidado con el medio ambiente como aliados del control vectorial. El Photovoice se muestra propulsor en el esbozo de esas temáticas, despierta el espíritu cooperativo e integrador y sugiere su difusión y continuación en otras escuelas.

Palabras-chave
Promoción de la salud; Eco-bio-social; Salud en la escuela; Photovoice; Vigilancia comunitaria


This study aims to implement community surveillance actions for Aedes aegypti vector control in the school environment in the light of health promotion and the eco-bio-social approach. This qualitative study addresses the assumptions of action research. Data was collected through a short course coupled with the Photovoice technique, and the collection was completed with focus groups. The empirical data were processed by Iramuteq® software and submitted to Minayo’s content analysis. The research was conducted in two municipal schools of Fortaleza, Ceará, Brazil, with the participation of 55 students. The results showed the incentive to reflect participation and socially-shared accountability practices in the community surveillance and environmental care actions as vector control allies. Photovoice proves to be a driver in the alignment of these themes, awakening the cooperative and integrative spirit, and its dissemination and continuation are suggested in other schools.

Keywords
Health promotion; Ecobiosocial; School health; Photovoice; Community surveillance


Introdução

As arboviroses dengue (DENV), chikungunya (CHIKV) e zika (ZIKV) subsistem como um dos mais importantes problemas de saúde pública no Brasil. Os três arbovírus circulantes resultam em problemas de grande relevância na sociedade, que vão do adoecimento à evolução da doença com complicações que se estendem da cronicidade à letalidade. A transmissão se dá pelo vetor Aedes aegypti e multifatores estão associados ao surgimento e à permanência dele: a urbanização desordenada, os aspectos biológicos relacionados ao mosquito, a resistência aos inseticidas, os fatores relacionados às políticas públicas, a organização dos serviços de saúde e os programas verticais de controle vetorial, entre outros11 Lima Neto AS, Nascimento OJ, Souza GS. Dengue, zika e chikungunya: desafios do controle vetorial frente à ocorrência das três arboviroses. Rev Bras Promoç Saude. 2016; 29(3):305-8..

O Aedes aegypti é um mosquito que também vive em zonas urbanas, abriga-se nos domicílios ou eventualmente em ambiente peridomiciliar para repousar após o repasto. Apenas as fêmeas se alimentam de sangue e têm um comportamento fundamentalmente antropofílico e endofílico22 World Health Organization. Handbook for integrated vector management. Outlooks Pest Manage. 2012; 24(3):1-78.. As responsabilidades de ações de prevenção e controle das arboviroses DENV, CHIKV e ZIKV suscitam observar e responder às condições ambientais que afetam a reprodução e os ciclos de vida do vetor, bem como a exposição ao vírus e sua transmissão. Para impedir a proliferação do mosquito, é fundamental eliminar todos os potenciais focos. É importante ressaltar que o tratamento da água não substitui a necessidade de remoção e proteção dos potenciais criadouros.

Associada aos vários métodos mecânicos de controle de vetores, a abordagem ecobiossocial apresenta-se como uma outra forma de combate, a qual se apoia na informação à população por meio de ações de educação e promoção em saúde33 World Health Organization. TDR: Special Programme for Research and Training in Tropical Diseases. Dengue control support through eco-bio-social approach. Geneva: WHO; 2013 [citado 21 Out 2017]. Disponível em: http://www.who.int/tdr/news/2013/dengue_control/en/
http://www.who.int/tdr/news/2013/dengue_...
. Recomendada como tecnologia inovadora para o controle do vetor no Brasil, exerce papel importante e é uma proposta promissora na sustentabilidade do combate ao vetor Aedes aegypti44 Zara ALSA, Santos SM, Fernandes-Oliveira ES, Carvalho RG, Coelho GE. Estratégias de controle do Aedes aegypti: uma revisão. Epidemiol Serv Saude. 2016; 25(2):391-404. e às doenças transmitidas por ele. Nesse sentido, a vigilância comunitária deve atuar intensamente, sobretudo nos períodos de baixa transmissão, intentando manter o alerta sobre a doença, detectar precocemente as alterações no padrão e intervir no controle55 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Saúde Brasil 2015/2016: uma análise da situação de saúde e da epidemia pelo vírus Zika e por outras doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. Brasília: Ministério da Saúde; 2016. em momento oportuno.

A abordagem ecobiossocial pauta-se na teoria ecossistêmica e nas conferências internacionais e nacionais de promoção da saúde. Permite a reflexão sobre conscientização e empoderamento, participação social, equidade, sustentabilidade e transdisciplinaridade. Traz como proposta prática a elaboração de estratégias de intervenção que vão ao encontro das políticas voltadas para a melhoria da qualidade de vida das populações urbanas. São seis os princípios que a fundamentam, a saber: Pensamento Sistêmico, Transdisciplinaridade, Participação Social, Sustentabilidade, Equidade Social e de Gênero e Conhecimento para Ação66 Charron DF, editor. La investigación de ecosalud en la práctica: aplicaciones innovadoras de um enfoque ecossistêmico para la salud. Ottawa: Plaza y Valdés Editores; 2014..

A promoção da saúde concede à população os meios para assegurar um processo de maior controle e melhoria de sua própria saúde, não se restringindo a ações de responsabilidade do setor Saúde22 World Health Organization. Handbook for integrated vector management. Outlooks Pest Manage. 2012; 24(3):1-78.. Nessa perspectiva, dois grupos de enfoques são identificados: o desenvolvimento de atividades direcionadas à mudança comportamental dos indivíduos, concentrando-se em componentes educativos; e a compreensão de que a saúde resulta de um amplo conjunto de fatores (determinantes múltiplos) relacionados a qualidade de vida, boas condições de trabalho, oportunidades de educação, ambiente físico limpo, apoio social às famílias e aos indivíduos, estilo de vida responsável e cuidados de saúde adequados para os grupos.

O reconhecimento da diversidade propõe diferentes visões de mundo que auxiliam no processo de construção coletiva, sobretudo no processo de autonomia do sujeito em sua coletividade. A educação está imersa em ações intersetoriais, impulsionando a promoção da saúde em uma interlocução com a cultura. A abordagem dessa linha de investigação relacionada às arboviroses foi motivada pelo reconhecimento da relevância do tema, com a possibilidade de compartilhar conhecimentos capazes de subsidiar intervenções baseadas em práticas integrativas, participativas e sustentáveis no contexto ecossistêmico coadunado com o ambiente escolar, cenário que contextualiza e correlaciona os processos histórico-culturais que contribuem em ações de promoção da saúde.

Sob essa perspectiva, este estudo acredita na implementação da abordagem ecobiossocial nas ações e relações que configuram o dia a dia no âmbito escolar, em especial dos estudantes; e assim as questões da saúde podem ser problematizadas no cotidiano de diferentes espaços sociais e de maneiras distintas como práticas sociais. A educação e a saúde sempre estiveram articuladas nas escolas públicas de ensino e questões referentes à saúde surgem nas salas de aula com diferentes representações, de professores, estudantes e familiares, expressando preocupações com melhores condições de saúde, ambiente e qualidade de vida.

As escolas representam, historicamente, espaços importantes para vivências e práticas presentes nas relações entre os sujeitos que convivem nesse cenário. Fatores determinantes das condições de saúde e doença podem ser problematizados e analisados nesse espaço em que o tema é recorrente e fomenta a aprendizagem77 Silva CS, Bodstein RCA. Referencial teórico sobre práticas intersetoriais em Promoção da Saúde na Escola. Cienc Saude Colet. 2016; 21(6):1777-88.. Em um cenário em que as campanhas de controle e prevenção de doenças apresentam caráter emergencial e paliativo, aliadas às ações antes fiscalizadoras que educativas, faz-se necessário compreender o ponto de vista dos atores sociais na perspectiva da vigilância comunitária.

Esse é um dos sentidos deste estudo, a promoção reflexiva das práticas de participação e corresponsabilidade social nas ações e a potencialização do protagonismo de estudantes na perspectiva da promoção da saúde por meio de um enfoque ecossistêmico. Ante tais considerações, esta pesquisa-ação segue os pressupostos teóricos da abordagem ecobiossocial, cujo objetivo foi implementar ações de vigilância comunitária no controle do vetor Aedes aegypti em ambiente escolar à luz da abordagem ecobiossocial.

Percurso metodológico

Trata-se de um estudo de intervenção com abordagem metodológica qualitativa. Escolheu-se um recorte da dissertação de mestrado desenvolvida entre 2017 e 2018, que versa sobre os pressupostos de uma pesquisa-ação, a qual, além da busca em compreender, visa intervir na realidade com vistas a modificá-la. A pesquisa-ação, ao mesmo tempo em que realiza um diagnóstico e uma análise de uma determinada situação, propõe, ao conjunto de sujeitos envolvidos, mudanças que levam a um aprimoramento dessas práticas investigadas por meio de uma estreita associação entre ação e resolução de um problema coletivo88 Thiollent M. Metodologia da pesquisa-ação. 18a ed. São Paulo: Cortez; 2011..

A dissertação representa um trecho partícipe oriundo do projeto intitulado Prevención de la Enfermedad del Zika mediante Nuevos Abordajes de Control Vectorial”. Pesquisa multicêntrica realizada em três países (Brasil, Colômbia e México) e conta com o financiamento do International Development Research Centre (IDRC-Canadá), que desde o início do século 21 implementa iniciativas contra as doenças transmitidas por vetores baseadas nos princípios da abordagem ecobiossocial, tencionada a melhor compreensão dos determinantes da saúde, além da melhoria da saúde da população por meio de ações que propiciem mudanças ambientais sustentáveis, com parceria da Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (Sesa), Prefeitura Municipal de Fortaleza (PMF) e Universidade Estadual do Ceará (Uece).

Estabeleceu-se desenvolver, durante o período de 2017 a 2020, uma intervenção comunitária, um estudo de caso-controle em quatro bairros de Fortaleza, sendo dois de intervenção e dois de controle. Previamente, foi realizado de 15/09/2017 a 27/10/2017 o primeiro levantamento entomológico, um inquérito para identificar potenciais criadouros do mosquito Aedes aegypti, como parte inicial da intervenção da pesquisa. Agentes de Controle de Endemias (ACE) da PMF estiveram presentes em cada agregado domiciliar dos quatro bairros para a efetivação do inquérito.

Foram definidos como áreas da intervenção os bairros Conjunto Ceará I e Vila Manoel Sátiro, e como áreas de controle os bairros Prefeito José Walter e Granja Portugal. Os critérios para seleção das áreas do estudo foram baseados nos casos notificados com maior incidência de DENV, CHIKV e ZIKV pelo sistema de vigilância regular nos últimos três anos. As áreas de intervenção e de controle foram avaliadas quanto a sua homogeneidade em termos de status socioeconômico, cobertura de saúde, tipo de domicílio, acesso ao abastecimento de água e esgoto e outras características da infraestrutura do bairro, como estradas e espaços de lazer.

O estudo desenvolveu-se em duas escolas municipais localizadas em dois bairros, Vila Manoel Sátiro e Conjunto Ceará I, no território sanitário da Regional de Saúde V, que é constituído por 18 bairros localizados no município de Fortaleza, capital do estado do Ceará. A população dessa extensão está inserida entre as regiões com maior índice de iniquidades sociais e de baixa renda do município, portanto mais exposta às vulnerabilidades sociais e sanitárias. É a regional mais populosa e mais pobre da capital, como também é uma das regionais com perfil populacional mais jovem de Fortaleza, sendo 44% da população com até 20 anos. É ainda a área da cidade com segundo maior índice de analfabetismo (17,83%). A escolha deu-se conforme suas localizações, por estarem dentro da área de intervenção e pela gerência municipal. Nos dois locais foram realizadas as mesmas atividades, diferindo somente pela faixa etária e pelas séries escolares dos participantes99 Barakat RDM. Lagarta Pintada, quem foi que te picou? A implementação da abordagem eco-bio-social em ambiente escolar para a vigilância ativa no controle do Aedes aegypti [dissertação]. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará; 2019..

Os participantes do estudo foram 55 estudantes regularmente matriculados e cursando o Ensino Fundamental I (4º e 5º anos) na escola 1 e Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano) na escola 2 dos períodos manhã e tarde. A escolha desses sujeitos se justificou pela faixa etária apropriada à aplicação das técnicas de produção de dados, em específico o Photovoice. O critério de inclusão fundamentou-se no desenvolvimento cognitivo e crítico para as discussões e a capacidade de saber manusear a câmera do aparelho celular ou a máquina fotográfica propriamente dita, além do interesse e da disponibilidade dos participantes em contribuir com a pesquisa.

O processo de seleção dos estudantes iniciou-se por meio de reuniões com os professores, as coordenações pedagógicas e os escolares, nas quais foi apresentado o projeto de pesquisa, desvelando-se um ciclo de planejamento e implementação de ações, produção e análise dos dados. Entre os estudantes que manifestaram interesse e concordaram em participar, foram selecionados pelos professores, na modalidade de amostra por conveniência, pelo menos três representantes de cada turma, considerando o critério de maior participação nas aulas. Os estudantes escolhidos tiveram a permissão dos pais ou responsáveis para participar do estudo mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

A tessitura das ações apresentou-se como processo dinâmico e participativo dos diferentes sujeitos envolvidos, com representação significativa das diversidades no processo de desenvolvimento do que foi proposto, conforme apresentado sinteticamente na Figura 1.

Figura 1
Representação do ciclo da pesquisa

A participação dos estudantes foi voluntária mediante a assinatura do TCLE, sem qualquer influência externa. Eles foram divididos em blocos de cinco por vez para as assinaturas dos termos e a aplicação do questionário semiestruturado. O preenchimento dos questionários favoreceu a caracterização dos perfis sociodemográficos dos participantes, haja vista a presença de outros dados como as questões relacionadas aos conhecimentos prévios sobre o Aedes aegypti, a morbimortalidade por ele produzida e as formas de controle e combate ao vetor na perspectiva da promoção da saúde, permitindo o reconhecimento do problema sob a ótica do sujeito que o vivencia.

Para alcançar os objetivos propostos do estudo, utilizaram-se os seguintes instrumentos e técnicas de produção de dados: mostra educativa e minicurso, Photovoice e grupos focais. As mostras educativas aconteceram nas duas escolas com a duração de dois dias e a exposição de maquetes e material educativo em espaço coletivo com acesso à visitação de toda a escola e da comunidade. Contou-se com a parceria da Sesa e da PMF, que contribuíram com os stands e as maquetes simbolizando os criadouros e ciclos de reprodução do vetor, ciclo larvário com o vetor vivo, materiais impressos de divulgação (cartazes, folders, adesivos), um profissional fantasiado de mosquito e três profissionais para orientar sobre o material exposto. As atividades realizadas pela mostra educativa estenderam-se a todos os estudantes, professores, funcionários e comunidade, com livre acesso ao evento.

No minicurso com duração de oito horas, discorreu-se sobre a implementação da abordagem ecobiossocial em um ambiente escolar para a promoção da saúde e controle do vetor Aedes aegypti. Todo o conteúdo foi explanado com ludicidade e dialogicidade, contemplando temas relacionados aos meios de transmissão, ao ciclo de vida do vetor, à forma de armazenamento de água em suas casas e na escola, ao controle e à prevenção das arboviroses (DENV, CHIKV e ZIKV) e vigilância comunitária, tendo como referência a abordagem ecobiossocial. Ressalte-se que, entre as ações realizadas no minicurso, algumas foram pensadas com base nos resultados dos questionários semiestruturados aplicados aos participantes da pesquisa, destacando-se o processo de “ação reflexão ação” concernente de uma pesquisa-ação. Os participantes, facilitadores e apoio, receberam certificação como curso de extensão pela Pró-Reitoria de Extensão da Uece.

O Photovoice foi realizado pelos estudantes selecionados no perímetro escolar como a principal atividade prática da produção dos dados. Adotado e adaptado para esta pesquisa, possui uma abordagem teórica e metodológica utilizada em vários contextos e perspectivas, sendo bastante empregado em projetos de pesquisa-ação participativos. Desenvolvido em meados dos anos 1990 por Caroline Wang, professora e investigadora da Escola de Saúde Pública da Universidade de Michigan, e Mary Ann Burris, investigadora associada da Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres, o método propõe a inserção de atividades de base comunitária no processo investigativo com a finalidade de capacitar conjuntamente membros de grupos sociais em situação de vulnerabilidade e identificar, representar e reforçar os recursos dessas comunidades por meio de técnicas e representações fotográficas1010 Wang CC, Burris MA. Photovoice: concept, methodology, and use for participartory needs assessment. Health Educ Behavior. 1997; 24(3):369-87..

O método utiliza como instrumento fotos e, no contexto desta pesquisa, versou sobre os referenciais teóricos da promoção da saúde e da abordagem ecobiossocial para a vigilância comunitária e o controle vetorial. Por meio dos enquadramentos visuais, a fotografia revelou-se ferramenta de trabalho “que serviu de instrumento” para criar relações, informar e organizar indivíduos da comunidade, permitindo-lhes dar prioridade às suas preocupações e discutir seus problemas e soluções coletivamente.

Norteados pelas temáticas que foram abordadas na mostra educativa e no minicurso, os estudantes tiraram fotografias originais explorando o cenário escolar, traduzindo em imagem o conhecimento assimilado por eles. Para a realização dessas fotografias, a diretoria da escola autorizou que cada participante trouxesse um celular ou câmera fotográfica digital no dia da aplicação do Photovoice, tendo em vista que há uma Lei Estadual1111 Lei nº 14.146, de 25 de Junho de 2008. Dispõe sobre a proibição do uso de equipamentos de comunicação, eletrônicos e outros aparelhos similares, nos estabelecimentos de ensino do Estado do Ceará, durante o horário das aulas. Diário Oficial do Estado do Ceará. 20 jun 2008. que proíbe o uso de aparelhos celulares nas escolas.

Os registros originados pelo Photovoice caracterizaram-se como principal material produzido na pesquisa e estão na íntegra, ou seja, não foram submetidos a nenhum tipo de filtro, corte, ajuste ou qualquer outro procedimento. Para a discussão sobre as fotos, foram realizados quatro grupos focais, dois pela manhã e dois à tarde. Os relatos que acompanharam as exposições de ideias e dos significados atribuídos às fotos foram gravados e transcritos integralmente.

Após a transcrição das falas originadas pelos grupos focais com os estudantes, procedeu-se à organização dos volumes transcritos, que de início foram processados no programa computacional Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (Iramuteq®), 0.7, Alpha 2. O software Iramuteq® é uma ferramenta que viabiliza diferentes modos de organização de dados, como a lexicografia básica, que abrange sobretudo a lematização e o cálculo de frequência de palavras. Por meio dele, a distribuição do vocabulário pode ser organizada de forma facilmente compreensível e visualmente clara com representações gráficas pautadas nas análises lexicográficas1212 Souza MAR, Wall ML, Thuler ACMC, Lowen IMV, Peres AM. The use of IRAMUTEQ software for data analysis in qualitative research. Rev Esc Enferm USP. 2018; 52:e03353. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2017015003353.
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Iniciou-se a análise dos dados pela etapa de pré-análise dos conteúdos das transcrições. Consistiu na escolha do material a ser estudado por meio de uma leitura flutuante seguida da constituição do corpus. Segundo Minayo, o corpus compreende o número de entrevistas a serem trabalhadas, nesse caso, a qualidade da análise substitui a quantidade do material. O pesquisador considera a questão central e objetiva da pesquisa para delinear as dimensões do corpus e dos desdobramentos para, se for necessário, fazer divisões em subconjuntos que se integram no conjunto (corpus)1313 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14a ed. São Paulo: Hucitec; 2013..

Por meio da formação do corpus se deu a organização do material analisado. Definiram-se a unidade de registro, a unidade de contexto, os recortes, a forma de categorização, a modalidade de codificação e os conceitos teóricos mais gerais. O tratamento do material obtido, a saber, as falas dos participantes, foi submetido à análise lexical realizada pelo Iramuteq® seguida e correlacionada à análise temática de conteúdo de Minayo1313 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14a ed. São Paulo: Hucitec; 2013..

Foram estabelecidas a relação entre as fotos, as falas dos participantes e os referenciais teóricos sobre o assunto em estudo a fim de responder aos questionamentos e aos objetivos da pesquisa. A finalização do processo transcorreu da análise temática de conteúdo1313 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14a ed. São Paulo: Hucitec; 2013.. Primeiramente, buscou-se ler as transcrições das narrativas e somá-las à análise lexical do Iramuteq® na busca de ordenar em categorias que possam organizar os resultados a fim de interpretá-los. Após a classificação em categorias temáticas, o material, elencado pela pesquisadora, foi organizado em relação a esses temas prevalentes e classificados nas categorias pré-estipuladas. Por fim, realizaram-se as interpretações, ampliando a compreensão por meio dos dados empíricos articulados com o referencial teórico.

Os participantes foram informados de que o aceite é voluntário, a saída não acarretaria nenhum prejuízo, podendo ocorrer a qualquer momento no percurso da pesquisa, sendo-lhes assegurado confidencialidade, privacidade e anonimato. A concordância com os termos de participação foi documentada mediante assinatura do TCLEs pelos estudantes, pais ou responsáveis. Para os estudantes, que por ventura pudessem aparecer em fotografias, foi necessário o preenchimento de um consentimento informado. O projeto foi submetido à apreciação pelo Comitê de Ética da Uece (CEP) e aprovado conforme resolução de n. 466/12 com parecer positivo de n. 2248326/CAAE: 70826017.8.0000.5534, emitido em 30 de agosto de 2017.

Resultados e discussão

Categorização das palavras: pré-análise

Dos 55 estudantes, 43 participaram dos grupos focais, porém o corpus foi formado por meio das falas de 29 participantes respondentes. As perguntas disparadoras foram: “O que te motivou a tirar essas fotos? Por que você as tirou?”. Registraram-se, pelas falas, cinco classes semânticas associadas às devolutivas dos participantes que responderam referenciando-se às fotos. A correlação entre as classes pode ser visualizada na Figura 2. Mediante essas análises, o software Iramuteq® organizou o estudo dos dados pela Classificação Hierárquica Descendente (CHD), que consiste em uma análise multivariada dividida em classes. As unidades temáticas surgiram por meio do movimento da seguinte ordenação:

Figura 2
CHD provenientes dos estudantes participantes dos grupos focais. Fortaleza, 2018.

A categorização do corpus em análise facultou a composição de duas categorias por meio das palavras-chave representantes dos achados. Identificaram-se cinco classes de palavras. Dessas, observa-se que da classe 5 se origina a classe 1 e, dessa, as classes 2 e 4. A classe 3 não teve desdobramentos. Considerando a semelhança conceitual entre elas, reduziram-se a duas categorias principais.

As categorias pertencem a conceitos classificatórios e não são entidades, e encontram-se nas construções históricas que atravessam o desenvolvimento do conhecimento e da prática social. Em geral, a palavra categoria refere-se a um conceito que abrange elementos ou aspectos com características comuns carregados de significação ou que se relacionam entre si. O pesquisador cria sistemas de categorias empenhando-se em encontrar significados na diversidade das generalizações, e essa palavra está ligada à ideia de classe ou série1414 Minayo MCS. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Rev Pesqui Qual. 2017; 5(7):1-12.,1515 Gaskell G, Bauer MW. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 13a ed. Petrópolis: Rio de Janeiro: Vozes; 2015..

Fotos, vozes e palavras: Photovoice

Estabeleceu-se, nas análises dos dados, uma conexão com os temas referentes à fundamentação teórica do estudo, às fotos e às falas transcritas. Desse modo, logrou-se perceber elementos consentâneos com o pensamento sistêmico, a participação social, a equidade social e de gênero, o conhecimento para a ação, a transdisciplinaridade e a sustentabilidade, princípios da abordagem ecobiossocial.

O desenvolvimento das discussões pautou-se no método da análise de conteúdo, que em uma pesquisa qualitativa, como método de organização e análise dos dados, possui características que compreendem aceitar em seu foco a qualidade das vivências dos sujeitos, bem como suas percepções sobre determinados objetos e seus fenômenos. Para preservar a identidade dos participantes, omitiram-se os nomes dos estudantes que contribuíram com o estudo. Para distinção das falas, optou-se por utilizar os termos “A1”, “A2” e assim por diante.

Busca-se, na análise de conteúdo, descobrir núcleos de sentido que compõem a comunicação, e a presença de determinados temas revela estruturas de relevância e modelos de comportamento presentes no discurso. Nessa, por ora apresentada, a pesquisadora propõe inferências e realiza interpretações inter-relacionando-as com as categorias estabelecidas1313 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14a ed. São Paulo: Hucitec; 2013..

As narrativas sobre as fotografias produzidas pelos jovens foram classificadas em duas categorias. A primeira inclui fotos que retratam o senso de vigilância ativa participativa para prevenção e controle dos criadouros do mosquito Aedes aegypti. A segunda consiste em fotos que indicam a (inter)ação para a promoção da saúde na escola. Ambas retratam o ambiente escolar e a interação entre os estudantes, o meio ambiente e a promoção da saúde. Em seguida, recortes de alguns dos relatos que elucidam e justificam as categorias definidas.

Vigilância ativa participativa

A aplicação do Photovoice na pesquisa resultou na potencialização do protagonismo dos escolares para o enfrentamento ao Aedes aegypti. A literatura descreve a metodologia e analisa seu valor para a avaliação de necessidades participativas, corroborando com a promoção da saúde pública. A força da imagem revela-se um pujante instrumento para o empoderamento de grupos populacionais marginalizados socialmente, e permite um processo de criação que facilita a representação da diversidade de suas vivências como membros de um grupo ou comunidade1616 Latz AO. Photovoice research in education and beyond: a practical guide from theory to exhibition. New York: Taylor & Francis; 2017..

O minicurso também possibilitou aos participantes conhecer a origem, os princípios e as aplicações do Photovoice. Verificou-se, nos relatos oriundos das análises, a expressão, em sua maioria, de ações que referenciam a corresponsabilidade e a reflexão sobre as práticas. Nota-se nas falas que a vigilância ativa participativa pressupõe não somente ações pontuais e individuais, mas implica atuações coletivas para a prevenção e o controle de fatores de riscos em relação às doenças transmitidas pelo Aedes aegypti.

Figura 3
Photovoice. Fortaleza, 2018.

A foto do telhado, como eu vi, tinham garrafas, essas garrafas não por não estar tampadas, sim, pode ser um criadouro. Como eu disse anteriormente que todo tipo de objeto que pode acumular água, pode procriar mosquitos. No telhado, pode ter calhas, só que esse em observação não tem calhas aí. [...] E isso também pode acumular todo tipo de água, então não jogue garrafas no meio do telhado que isso também é meio estranho, também é feio, também pode acumular água. [...].

(A2, 12 anos)

Percebe-se, nas narrativas dos estudantes, a surpresa em relação a um fato que faz parte do seu cotidiano: as garrafas são jogadas nos telhados e o coletivo não as vê. De acordo com Tana1717 Tana S, Abeyewickreme W, Arunachalam N, Espino F, Kittayapong P, Wai KT, et al. Investigación eco-bio-social sobre en Ásia: princípios generales y um estúdio de caso de Indonesia. In: Charrón D, editor. La investigación de ecosalud en la práctica: aplicaciones innovadoras de um enfoque ecossistêmico para la salud. Ottawa: Plaza y Valdés Editores; 2014. p. 253-68., a sustentabilidade de um programa baseado na comunidade não pode ser alcançada sem o envolvimento dos indivíduos. O nível de satisfação e respeito às práticas de prevenção são mudanças sustentáveis importantes no comportamento, e a criação de uma rede de apoio é imprescindível para o sucesso das ações. Um dos princípios da abordagem ecobiossocial é o Conhecimento para a Ação. A noção de que o conhecimento é usado para melhorar a saúde e o bem-estar por meio de um ambiente melhorado é essencial para uma abordagem ecossistêmica em saúde. Nesse contexto, o conhecimento é preferido à ação em vez da tradução de conhecimento mais comumente usada. A participação dos sujeitos envolvidos nos problemas em análise, seja porque realizam seja porque sofrem com as intervenções ambientais e sociais, ecoa na saúde e provoca efeitos decorrentes positivos66 Charron DF, editor. La investigación de ecosalud en la práctica: aplicaciones innovadoras de um enfoque ecossistêmico para la salud. Ottawa: Plaza y Valdés Editores; 2014.,1414 Minayo MCS. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Rev Pesqui Qual. 2017; 5(7):1-12..

Figura 4
Photovoice. Fortaleza, 2018.

[...] a água tava suja e a gente aprendeu aqui que o mosquito já pode se reproduzir em água suja. A gente também aprendeu que o mosquito pode se reproduzir com pouca água [...]. É que aí pode acumular água da chuva.

(A6, 14 anos)

A implementação das atividades de vigilância comunitária na escola apontou quão os estudantes estão atentos aos insólitos e inusitados possíveis locais de criadouro do vetor. Narrativas e imagens deram elementos novos à discussão, pois fugiram dos locais tradicionais mencionados na maioria das pesquisas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estipulou dez prioridades para o ano de 2019, entre elas o enfrentamento da DENV, considerada como infecção que tem sido uma crescente ameaça à saúde nas últimas décadas e por vezes letal1818 World Health Organization. WHO Director-General summarizes the outcome of the Emergency Committee regarding clusters of microcephaly and Guillain-Barré syndrome. Geneva: WHO; 2016 [citado 15 Set 2017]. Disponível em: http://www.who.int/mediacentre/news/statements/2016/emergency-committee-zikamicrocephaly/en/
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Outro princípio da abordagem ecobiossocial é a participação social, em que se considera o engajamento tanto de representantes da comunidade como de todos aqueles que coabitam na realidade estudada. O comprometimento desses participantes aumenta a possibilidade de encontrar e superar os novos desafios, como também partilhar novos conhecimentos. A vigilância comunitária pode ser considerada, nesse contexto, como sendo a observação contínua e permanente, a consolidação do conhecimento adquirido durante o processo, a integração de sujeitos e comunidades para um propósito comum: a saúde de todos.

A incorporação de vários saberes e os significados das práticas dos atores locais referem-se à participação social para o engajamento de todos aqueles que compartilham daquele cenário. Ações individuais e coletivas de vigilância e participação social são essenciais para repensar estratégias de controle do vetor, e as políticas de combate devem estar integradas e extrapolar os limites territoriais1919 Caprara A, Lima JW, Peixoto AC, Motta CM, Nobre JM, Sommerfeld J, et al. Entomological impact and social participation in dengue control: a cluster randomized trial in Fortaleza, Brazil. Trans R Soc Trop Med Hyg. 2015; 109(2):99-105.. Necessitamos nos apropriar do conhecimento sobre o tema em seus diferentes níveis para a formulação de estratégias inovadoras e inteligentes, adaptadas à realidade, no combate ao Aedes aegypti2020 Medronho RA. Dengue no Brasil: desafios para o seu controle. Cad Saude Publica. 2008; 24(5):948-9..

A (inter)ação para a promoção da saúde na escola

O prefixo “inter”, derivado do latim, expressa reciprocidade ou posição intermediária, simultaneamente a inter-relação. A concepção dessa categoria resultou da reciprocidade e da pluralidade de conceitos, espaços, palavras e sujeitos na convergência de ações para a promoção da saúde no controle do Aedes aegypti no cenário escolar. Retrata as relações dos participantes entre si e de suas interações com o meio. As palavras escola, aprender, gostar, combater e foto foram citadas várias vezes; consoante a elas, as dimensões subjetivas e objetivas dos estudantes no propósito da promoção de ambientes saudáveis.

Nas imagens e narrativas que seguem, os participantes mencionam o novo olhar, agora atento, para a escola e o que acontece em seu entorno. Lembram igualmente da importância do que é público e do papel significativo do ACE. Iniciam a discussão sobre o cuidado com aquele espaço (escola) na perspectiva da promoção da saúde.

Figura 5
Photovoice. Fortaleza, 2018.

[...] fica localizada em uma área onde a gente não tem acesso, por estar interditada por motivos que não vêm ao caso agora. [...] tem um ar-condicionado que está responsável pela secretaria. Se a cadeira não tivesse exatamente naquele local inclinada daquele jeito, provavelmente a água escoaria e entraria na terra, e não teria tanto problema. Mas a cadeira está em forma diagonal, ela está em formato “v”, isso faz um acúmulo de água. E a água você pode notar que ela não está tão suja, a sujeira se depositou no fundo, e aquilo ali fica muito propício à entrada. Tanto é que ele está ao relento, se tivesse coberto, a chance do mosquito entrar seria bem menor. [...]. Então eu acho o seguinte, que a gente aqui na escola, se eu passar de relance na hora do recreio, eu não noto aquilo. Aquilo ali é uma coisa que se você não olhar atentamente, com a correria do dia a dia, ou então ao passar do tempo, você acaba não notando [...] mas aquilo ali é uma área onde não somente aquela cadeira tá propícia, tem exatamente um outro quarto ao lado que também já tem um grande acumulo de água. Então eu fico pensando, se numa escola pública já tem aqui, imagina no meio da rua. Se numa escola que era pra tecnicamente ter o zelo das autoridades públicas, do pessoal, eles já têm aqui, imagina fora, dentro, em terrenos baldios. Onde a gente não tem um olhar, uma análise. Por isso que eu acho muito interessante, agentes de endemias analisarem esses terrenos, porque essas doenças não estão pra brincadeira.

(A7, 13 anos)

A escola é conceituada como o lugar por excelência onde se realiza a educação por meio da transmissão de informações em sala de aula e que funciona como uma agência sistematizadora de uma cultura complexa2121 Mizukami MGN. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: E.P.U.; 2016.. A promoção da saúde envolve educação, práticas e planos de ação, estratégias e formas de intervenção. Busca resgatar a concepção de saúde como produção social e alça desenvolver políticas públicas e ações no âmbito coletivo. Intimamente relacionada à vigilância e à educação, é um movimento de crítica em que a concepção de saúde atua nos determinantes relacionados à prevenção e ao controle dos agravos.

Em estudo recente proveniente da sua tese de doutorado, Lima Neto11 Lima Neto AS, Nascimento OJ, Souza GS. Dengue, zika e chikungunya: desafios do controle vetorial frente à ocorrência das três arboviroses. Rev Bras Promoç Saude. 2016; 29(3):305-8. acrescenta em suas discussões que o cenário epidemiológico da área de intervenção onde foi realizada a sua pesquisa reforça o retorno diário de um número relevante de crianças e adultos que contraíram o vírus nas escolas ou em seus locais de trabalho. Evidencia a possibilidade de muitas das transmissões terem ocorrido fora das residências, considerando duas características do Aedes aegypti descritas em Fortaleza, quais sejam: uma longevidade acima da média e uma alta competência vetorial demonstrada em epidemias sucessivas.

A abordagem ecobiossocial aponta para a aplicação de conceitos e práticas relacionados à educação ambiental e social como aliados ao controle do mosquito. Os estudantes participantes desta pesquisa tiveram a oportunidade de vivenciar as duas experiências: os conceitos discutidos no minicurso, seguidos da prática propiciada pelo Photovoice. O relato seguinte faz menção ao espaço estrutural da escola, exemplifica o certo e o errado dos seus pontos de vista sobre a promoção da saúde no controle do Aedes aegypti.

Figura 6
Photovoice. Fortaleza, 2018

Aí é uma cena que mostra o que está correto, que a caixa d’água está vedada, está limpa e é uma cena muito correta.

(A5, 12 anos)

Constata-se que os participantes da pesquisa atentaram para os mínimos detalhes quando se trata de possíveis criadouros do mosquito. Um dos seis princípios norteadores da abordagem ecobiossocial é a sustentabilidade, que se constitui na proteção dos ecossistemas e na melhoria dos ambientes em degradação, reconhecendo esses requisitos como de extrema importância para a saúde humana, para o bem-estar na atualidade e nas gerações futuras. Como pesquisa para o desenvolvimento, visa a realização de mudanças éticas, positivas e duradouras. A sustentabilidade implica que essas mudanças estejam ambientalmente corretas e socialmente sustentáveis66 Charron DF, editor. La investigación de ecosalud en la práctica: aplicaciones innovadoras de um enfoque ecossistêmico para la salud. Ottawa: Plaza y Valdés Editores; 2014..

O princípio do Pensamento Sistêmico propicia a ordenação da complexidade da realidade considerando os sistemas socioecológicos e as relações entre os elementos ecológicos, socioculturais, econômicos e políticos de um determinado problema, corroborando na compreensão de seus limites, níveis e dinâmicas. A implicação das pessoas e a forma de interação são primordiais para modelar sistemas complexos e entender essas dimensões, e tencionam um processo de pesquisa mais rico e eficaz no qual as investigações poderão repercutir em mudanças de práticas e políticas.

Considerações finais

Evidencia-se que a Educação e a Saúde andaram de “mãos dadas” neste estudo, e reverberaram entre os participantes; o entendimento de que temos sempre muito a descobrir quando aprendemos a escutar, ouvir e ver atentamente o outro e o seu meio. Pelos relatos, foi possível perceber as descobertas sobre uma escola ainda “desconhecida”, em todos os aspectos, positivos e negativos, bem como o empoderamento para intervir nessa realidade com o imperativo do respeito à diversidade e à dialogicidade.

Destaca-se que todo e qualquer movimento ou política que apresente o propósito de combater ou eliminar o ciclo de reprodução do vetor Aedes aegypti é bem-vindo para a saúde pública. Nenhuma ação de controle terá êxito sem a efetiva participação de cada sujeito. O poder público não tem como estar presente em todas essas ações com a frequência ideal, por isso é importante a informação, o conhecimento, a formação para a ação, a fim de alçar as mudanças de atitude necessárias.

Pensar em vigilância comunitária e promoção da saúde é pensar no individual e no coletivo. O enfoque ecossistêmico por meio da abordagem ecobiossocial traduz em seus seis princípios formas de enfrentamento a situações de desigualdade e incentiva a adoção de iniciativas propulsoras de saúde. Para tanto, faz-se necessária a integração de vários saberes, de pesquisadores e de atores locais (comunidades), no intuito de compreender os determinantes da saúde para a melhoria da sociedade por meio de ambientes saudáveis e sustentáveis.

A implementação deste estudo aponta o registro das impressões visuais e orais dos estudantes sobre as temáticas implicadas nos princípios da abordagem ecobiossocial por meio da vigilância comunitária direcionada ao controle do Aedes aegypti. A oportunidade de trabalhar o Photovoice no alinhavo dessas temáticas, com crianças e adolescentes em ambiente escolar, despertou em todos os envolvidos, inclusive na pesquisadora, a essência e o espírito de cooperação e integração para estas ações. Aponta-se que a proposta inovadora do Photovoice neste estudo fortaleceu o sentido de difundir e aplicar em outras escolas a continuação destas ações educativas, o que permite crer na possibilidade de cidadãos conscientes com capacidade de dialogar e educar uma nova geração que seja atenta à saúde individual, coletiva e respeitosa do meio ambiente.

  • Financiamento

    Pesquisa financiada pelo International Development Research Centre (IDRC-Canadá).
  • Barakat RDM, Caprara A. Abordagem ecobiossocial e promoção da saúde na escola: tecendo saberes para a vigilância comunitária no controle do Aedes aegypti. Interface (Botucatu). 2021; 25: e190805 https://doi.org/10.1590/interface.190805

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Editado por

Editora
Denise Martin
Editor associado
Sérgio Resende Carvalho

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    02 Dez 2019
  • Aceito
    23 Out 2020
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