Resumos
Um relato de experiência que visa apresentar a sistematização de atendimento para o manejo de crises psíquicas desenvolvida pelo Núcleo de Saúde Mental do Samu-DF. A metodologia, fundamentada nos passos do arco de Maguerez, permitiu desde a identificação das dificuldades dos profissionais no manejo das crises psíquicas até a construção da sistematização denominada “Circuito de Cuidados Psicossociais” para orientar a assistência no serviço pré-hospitalar móvel. O circuito tem como mnemônico “AEIOU”, e cada letra corresponde a um elemento avaliado como necessário na intervenção de crise psíquica. Assim, é possível afirmar que a Educação Permanente em Saúde possibilita uma ação transformadora dos profissionais e da realidade na qual estão inseridos, e a sistematização tem acelerado a consolidação das habilidades necessárias ao atendimento das crises psíquicas.
Palavras-chave
Atenção à saúde mental; Intervenção na crise; Atendimento pré-hospitalar; Educação permanente em saúde
Un relato de experiencia cuyo objetivo es presentar la sistematización de atención para el manejo de crisis psíquicas desarrollada por el Núcleo de Salud Mental del SAMU-DF. La metodología, fundamentada en los pasos del arco de Maguerez, permitió desde la identificación de las dificultades de los profesionales en el manejo de las crisis psíquicas hasta la construcción de la sistematización denominada “Circuito de Cuidados Psicosociales” para orientar la asistencia en el servicio pre-hospitalario móvil. El circuito tiene como iniciales mnemónicas “AEIOU” y cada letra corresponde a un elemento evaluado como necesario en la intervención de crisis psíquica. De tal forma, es posible afirmar que la educación permanente en salud posibilita una acción transformadora de los profesionales y de la realidad en la cual están inseridos y que la sistematización ha acelerado la consolidación de las habilidades necesarias para la atención de las crisis psíquicas.
Palabras clave
Atención a la salud mental; Intervención en la crisis; Atención pre-hospitalaria; Educación permanente en salud
An experience report that aims to present the systematization of care for the management of psychic crises developed by the SAMU-DF Mental Health Center. The methodology, based on the steps of the Maguerez’s Arch, allowed both the identification of professionals’ difficulties regarding psychic crises management and the construction of the system called “Psychosocial Care Circuit’’ to guide the assistance of the mobile pre-hospital care. The Circuit has as mnemonic AEIOU, and each letter corresponds to an element evaluated as necessary for the psychic crisis intervention. Therefore, it is possible to affirm that the permanent education in health enables the transformative action of professionals, in addition to transforming the reality in which they are inserted, and that the systematization has accelerated the consolidation of the necessary skills for psychic crises care.
Keywords
Mental health care; Crisis intervention; Pre-hospital care; Permanent health education
Introdução
No campo da Saúde Mental, a expressão “crise” é polissêmica, e as concepções teórico-práticas acerca do fenômeno determinam as abordagens na atenção prestada, bem como os tipos de serviço acessados11 Dias MK, Ferigato SH, Fernandes ADSA. Atenção à crise em saúde mental: centralização e descentralização das práticas. Cienc Saude Colet. 2020; 25(2):595-602. doi: 10.1590/1413-81232020252.09182018.
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. Dias et al.11 Dias MK, Ferigato SH, Fernandes ADSA. Atenção à crise em saúde mental: centralização e descentralização das práticas. Cienc Saude Colet. 2020; 25(2):595-602. doi: 10.1590/1413-81232020252.09182018.
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discutem que nem toda crise é uma urgência ou emergência psiquiátrica, portanto as intervenções não devem ser conduzidas de maneira acrítica.
Almeida et al.22 Almeida AB, Nascimento ERP, Rodrigues J, Zeferino MT, Souza AIJ, Hermida PMV. Atendimento móvel de urgência na crise psíquica e o paradigma psicossocial. Texto Contexto Enferm. 2015; 24(4):1035-43. doi: 10.1590/0104-0707201500003580014.
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discutem que a rede de atenção de urgência e emergência é baseada predominantemente no paradigma biomédico e as crises psíquicas são compreendidas como urgências psiquiátricas devido ao agravo à saúde e à instabilidade comportamental e emocional dos sujeitos.
Moura et al.33 Moura BR, Amorim MF, Reis AOA, Matsukura TS. Da crise psiquiátrica à crise psicossocial: noções presentes nos Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenis. Cad Saude Publica. 2022; 38(11):e00087522. doi: 10.1590/0102-311XPT087522.
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consideram que a noção de crise psiquiátrica é historicamente hegemônica no campo da Saúde Mental, mas o paradigma psicossocial propõe um rompimento dessa simplificação, compreendendo a crise como um fenômeno complexo e multifacetado, que inclui os contextos de vida e a rede de relações das pessoas em sofrimento psíquico.
A Organização Pan-Americana da Saúde44 Organização Pan-Americana da Saúde. Primeiros cuidados psicológicos: guia para trabalhadores de campo. Brasília: Opas; 2015. compreende que o trabalho de intervenção em situações de crise, auxiliando indivíduos que viveram situações de extrema angústia, inclui apoio tanto psíquico quanto social. Assim, fundamentado nas referências do modelo psicossocial, utiliza-se o termo “crise psíquica” em substituição à “crise psiquiátrica” para nomear processos de sofrimento mental grave.
O contexto pós-pandemia da Covid-19 está causando um impacto devastador na Saúde Mental das populações, um número crescente de pessoas tem vivenciado episódios de crises psíquicas e transtornos mentais graves. Diante disso, vários estudos têm destacado a necessidade de os países fortalecerem suas respostas às demandas de Saúde Mental da população, exigindo maior articulação dos serviços de saúde para garantir resolutividade na assistência prestada55 Covid-19 Mental Disorders Collaborators. Global prevalence and burden of depressive and anxiety disorders in 204 countries and territories in 2020 due to the Covid-19 pandemic. Lancet. 2021; 398(10312):1700-12. doi: 10.1016/S0140-6736(21)02143-7.
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,66 Tausch A, Souza RO, Viciana CM, Caytano C, Barbosa J, Hennis AJM. Strengthening mental health responses to Covid-19 in the Americas: a health policy analysis and recommendations. Lancet Reg Health Am. 2022; 5:100118. doi: 10.1016/j.lana.2021.100118.
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.
O conhecimento dos pontos críticos para a implementação de uma linha de cuidado em Saúde Mental torna-se necessário, bem como a responsabilidade compartilhada de ações e serviços dentro da Rede de Atenção à Saúde (RAS). A Portaria n. 4.279, de 30 de dezembro de 201077 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria do MS/GM nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: Ministério da Saúde; 2010., que estabelece as diretrizes para a organização da RAS no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), reconhece a necessidade de superar a fragmentação da atenção com vistas a assegurar ao usuário a integralidade do cuidado. Assim, essa portaria destaca a importância de construir relações horizontais entre os pontos de atenção, desde os cuidados primários até os cuidados de urgência e emergência.
Por meio da compreensão de que o modelo de Atenção à Saúde vigente se mostrou insuficiente para responder aos desafios sanitários de que existiam fragilidades na Rede de Atenção Psicossocial (Raps) e da necessidade de ampliação da atenção às situações de crise e urgência em Saúde Mental, a Portaria de Consolidação n. 3, de 28 de setembro de 201788 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria de Consolidação do MS/GM nº 3, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as redes do Sistema Único de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2017., que redefine as diretrizes para a implantação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), reforça que a atenção às “crises psiquiátricas” também é competência desse serviço99 Oliveira GC, Cavalcante RA, Vaz SBV, Oliveira BK, Costa RV, Oliveira OMA. Urgências e emergências em saúde mental: a experiência do Núcleo de Saúde Mental do SAMU/DF. Com Cienc Saude. 2018; 29 Suppl 1:75-8..
No Brasil, contraditoriamente, várias portarias que estruturaram a política de Saúde Mental do país, baseadas na concepção de um modelo aberto e de base comunitária, foram revogadas nos últimos quatro anos1010 Cruz NFO, Gonçalves RW, Delgado PGG. Retrocesso da reforma psiquiátrica: o desmonte da política nacional de saúde mental brasileira de 2016 a 2019. Trab Educ Saude. 2020; 18(3):e00285117. doi: 10.1590/1981-7746-sol00285.
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. O novo projeto incentiva a internação psiquiátrica, o financiamento de comunidades terapêuticas e o reforço de uma abordagem proibicionista e punitivista das questões advindas do uso de álcool e outras drogas. Essas mudanças representam um desmonte para a Política Nacional de Saúde Mental e um retrocesso das conquistas do campo da atenção psicossocial e da consolidação da Raps.
Almeida et al.1111 Almeida AB, Nascimento ERP, Rodrigues J, Schweitzer G. Intervenção em situações de crise psíquica: desafios e sugestões de uma equipe de atendimento pré-hospitalar. Rev Bras Enferm. 2014; 67(5):708-14. doi: 10.1590/0034-7167.2014670506.
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explicam que episódios de crise exigem um cuidado profissional imediato, a ser pautado por conhecimento teórico-prático “coerente com os processos transformadores que impactam a prática interdisciplinar profissional e alinhado às atuais políticas públicas de Saúde Mental” (p. 709). Logo, é possível afirmar que a intervenção em situações de crise psíquica requer habilidades técnicas e competências relacionais dos profissionais de saúde, como a escuta atenta, a avaliação precisa de fatores de proteção e a efetividade na busca de soluções visando à autoeficácia do sujeito, entre outras1212 Ferigato SH, Campos RTO, Ballarin MLGS. O atendimento à crise em saúde mental: ampliando conceitos. Rev Psicol Unesp. 2007; 6(1):31-44..
Rosa et al.1313 Rosa NM, Agnolo CMD, Oliveira RR, Mathias TAF, Oliveira MLF. Tentativas de suicídio e suicídios na atenção pré-hospitalar. J Bras Psiquiatr. 2016; 65(3):231-8. doi: 10.1590/0047-2085000000129.
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mencionam que o serviço pré-hospitalar móvel é, frequentemente, uma das primeiras equipes de saúde a contatar e acolher a pessoa que necessita de atendimento imediato, e a atenção prestada pode influenciar o prognóstico do paciente em crise.
Os atendimentos de Saúde Mental são recorrentes no cotidiano de trabalho dos profissionais do Samu. Vários estudos sinalizam a importância de processos de Educação Permanente quando se referem a esses atendimentos, pois muitos profissionais reconhecem fragilidade e duvidam que tenham conhecimentos e habilidades suficientes para intervir nos casos22 Almeida AB, Nascimento ERP, Rodrigues J, Zeferino MT, Souza AIJ, Hermida PMV. Atendimento móvel de urgência na crise psíquica e o paradigma psicossocial. Texto Contexto Enferm. 2015; 24(4):1035-43. doi: 10.1590/0104-0707201500003580014.
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,1111 Almeida AB, Nascimento ERP, Rodrigues J, Schweitzer G. Intervenção em situações de crise psíquica: desafios e sugestões de uma equipe de atendimento pré-hospitalar. Rev Bras Enferm. 2014; 67(5):708-14. doi: 10.1590/0034-7167.2014670506.
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,1414 Gask L, Dixon C, Morriss R, Appleby L, Green G. Evaluating STORM skills training for managing people at risk of suicide. J Adv Nurs. 2006; 54(6):739-50. doi: 10.1111/j.1365-2648.2006.03875.x.
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15 Petrik ML, Gutierrez PM, Berlin JS, Saunders SM. Barriers and facilitators of suicide risk assessment in emergency departments: a qualitative study of provider perspectives. Gen Hosp Psychiatry. 2015; 37(6):581-6. doi: 10.1016/j.genhosppsych.2015.06.018.
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16 Brito AAC, Bongada D, Guimarães J. Onde a reforma ainda não chegou: ecos da assistência às urgências psiquiátricas. Physis. 2015; 25(4):1293-312. 10.1590/S0103-73312015000400013.
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17 Nebhinani N, Kuppili PP, Mamta, Paul K. Effectiveness of brief educational training on medical students’ attitude toward suicide prevention. J Neurosci Rural Pract. 2020; 11(4):609-15. doi: 10.1055/s-0040-1716769.
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18 Oliveira LC, Menezes HF, Oliveira RL, Lima DM, Fernandes SF, Silva RAR. Atendimento móvel às urgências e emergências psiquiátricas: percepção de trabalhadores de enfermagem. Rev Bras Enferm. 2020; 73(1):e20180214. doi: 10.1590/0034-7167-2018-0214.
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-1919 Bonfada D, Guimarães J. Serviço de atendimento móvel de urgência e as urgências psiquiátricas. Psicol Estud. 2012; 17(2):227-36..
No Distrito Federal (DF), diante do número expressivo de atendimentos a pacientes em sofrimento mental pelo Samu-DF, foi implementado o Núcleo de Saúde Mental (Nusam), com dois componentes de atendimento: fixo (teleatendimento) e móvel (atendimento in loco)99 Oliveira GC, Cavalcante RA, Vaz SBV, Oliveira BK, Costa RV, Oliveira OMA. Urgências e emergências em saúde mental: a experiência do Núcleo de Saúde Mental do SAMU/DF. Com Cienc Saude. 2018; 29 Suppl 1:75-8.. O Nusam é um serviço de intervenção em crise no âmbito do serviço pré-hospitalar móvel e considerado pioneiro no Brasil devido ao trabalho interdisciplinar, com equipe composta por assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras, enfermeiros e condutores emergencistas99 Oliveira GC, Cavalcante RA, Vaz SBV, Oliveira BK, Costa RV, Oliveira OMA. Urgências e emergências em saúde mental: a experiência do Núcleo de Saúde Mental do SAMU/DF. Com Cienc Saude. 2018; 29 Suppl 1:75-8.,2020 Machado DM, Veras IS, Flausino LHFC, Silva JL. Serviço de emergência psiquiátrica no Distrito Federal: interdisciplinaridade, pioneirismo e inovação. Rev Bras Enferm. 2021; 74(4):e20190519. doi: 10.1590/0034-7167-2019-0519.
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.
O componente fixo é uma base posicionada na Central de Regulação Médica do Samu, onde um assistente social ou psicólogo da equipe de Saúde Mental realiza acolhimento e escuta das demandas, seguidos de orientações, de encaminhamentos e das demais condutas avaliadas como pertinentes em atenção psicossocial. Essas condutas são dialogadas com um médico regulador, autoridade sanitária responsável por reconhecer as urgências e as emergências e gerir os recursos disponíveis do serviço99 Oliveira GC, Cavalcante RA, Vaz SBV, Oliveira BK, Costa RV, Oliveira OMA. Urgências e emergências em saúde mental: a experiência do Núcleo de Saúde Mental do SAMU/DF. Com Cienc Saude. 2018; 29 Suppl 1:75-8..
O componente móvel é uma viatura tripulada por equipe multiprofissional que faz intervenção ao paciente em crise em locais privados ou públicos e garante os primeiros cuidados psicossociais. Essa intervenção visa auxiliar o paciente e sua rede nas estratégias de superação da crise vivenciada e na busca por serviços e suportes sociais99 Oliveira GC, Cavalcante RA, Vaz SBV, Oliveira BK, Costa RV, Oliveira OMA. Urgências e emergências em saúde mental: a experiência do Núcleo de Saúde Mental do SAMU/DF. Com Cienc Saude. 2018; 29 Suppl 1:75-8.,2020 Machado DM, Veras IS, Flausino LHFC, Silva JL. Serviço de emergência psiquiátrica no Distrito Federal: interdisciplinaridade, pioneirismo e inovação. Rev Bras Enferm. 2021; 74(4):e20190519. doi: 10.1590/0034-7167-2019-0519.
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.
Além disso, o Nusam assumiu os processos de Educação Permanente em Saúde Mental como uma frente de trabalho e desenvolveu uma sistematização de atendimento para manejo de crises psíquicas. Desde 2016, o núcleo desenvolve formações e treinamentos em intervenção na crise psíquica para profissionais de saúde e demais políticas setoriais do DF e de outros estados, bem como para estudantes de diversas áreas de formação99 Oliveira GC, Cavalcante RA, Vaz SBV, Oliveira BK, Costa RV, Oliveira OMA. Urgências e emergências em saúde mental: a experiência do Núcleo de Saúde Mental do SAMU/DF. Com Cienc Saude. 2018; 29 Suppl 1:75-8.,2121 Brasil. Ministério da Saúde. Atendimento pré-hospitalar em saúde mental: noções das urgências e emergências em saúde mental. Brasília: Ministério da Saúde; 2021..
Pelo reconhecimento da demanda das urgências em Saúde Mental e da expertise do Samu-DF no atendimento de crises psíquicas, o Ministério da Saúde do Brasil (MS) promoveu, no ano de 2021, junto ao Núcleo de Educação em Urgências do Samu-DF (Nuedu), o I Curso de Formação de Multiplicadores em Urgências e Emergências em Saúde Mental, com a finalidade de treinar profissionais do Samu de todos os estados do Brasil no manejo das crises psíquicas, fundamentado na sistematização de atendimento desenvolvida pelo Nusam. No ano de 2022, foi realizada a segunda edição do referido curso. Em ambas as edições, mais de 500 profissionais foram capacitados.
Nesse sentido, o presente estudo visa apresentar a sistematização de atendimento para o manejo de crises psíquicas desenvolvida pelo Nusam, denominada “Circuito dos Cuidados Psicossociais”.
Metodologia e contexto da sistematização
Trata-se de um relato de experiência fundamentado nos passos da metodologia ativa com o arco de Maguerez, nos moldes propostos por Colombo e Berbel2222 Colombo AA, Berbel NAN. A Metodologia da Problematização com o Arco de Maguerez e sua relação com os saberes de professores. Semina Cienc Soc Hum. 2007; 28(2):121-46. doi: 10.5433/1679-0383.2007v28n2p121.
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(Figura 1). Este relato retrata o processo de construção da sistematização de atendimento para manejo de crises psíquicas, o qual se deu no desenvolvimento dos treinamentos de Saúde Mental realizados pelo Nuedu em parceria com o Nusam no período entre 2016 e 2022, envolvendo aproximadamente cinquenta edições do treinamento e mais de quatro mil profissionais participantes, dos quais cerca de 47% eram profissionais do Samu.
Os treinamentos de intervenção na crise psíquica foram elaborados e operacionalizados por servidores do Samu-DF para orientar as equipes do atendimento pré-hospitalar móvel de urgência. Adiante, devido às frequentes solicitações externas de capacitação profissional em emergências em Saúde Mental, esses treinamentos foram ampliados para os trabalhadores de outros serviços de saúde, bem como para os profissionais de outras políticas setoriais.
O método do arco de Maguerez possui cinco etapas: observação da realidade, pontos-chave, teorização, hipóteses de solução e aplicação à realidade2222 Colombo AA, Berbel NAN. A Metodologia da Problematização com o Arco de Maguerez e sua relação com os saberes de professores. Semina Cienc Soc Hum. 2007; 28(2):121-46. doi: 10.5433/1679-0383.2007v28n2p121.
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A observação da realidade é a etapa em que se analisa uma parcela da realidade que está sendo vivida a fim de se identificar um problema e buscar uma resposta para ele2323 Berbel NAN. As metodologias ativas e a promoção da autonomia de estudantes. Semina Cienc Soc Hum. 2011; 32(1):25-40. doi: 10.5433/1679-0383.2011v32n1p25.
https://doi.org/10.5433/1679-0383.2011v3...
. O Nusam implementou treinamentos para profissionais do Samu-DF por haver uma demanda crescente das emergências em Saúde Mental no contexto do Samu 192 e os profissionais apresentarem dificuldades na condução desses atendimentos. Depois, os treinamentos foram ampliados para os profissionais de diferentes serviços de saúde – da Atenção Primária à Saúde, dos centros de atenção psicossocial, da atenção hospitalar – bem como para profissionais de outras políticas públicas – educação, assistência social, segurança pública, crianças e juventude. Essa ampliação do público se deu devido ao acionamento frequente do Samu por parte dos profissionais de outros serviços e políticas.
O público estratégico dos cursos envolveu médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, terapeutas ocupacionais, entre outras categorias profissionais da saúde, sem delimitação na proporção dessas categorias. A participação se dava por meio de processo de inscrição por demanda espontânea, com prioridade para servidores do Samu e vagas limitadas. A fim de contemplar o maior número possível de serviços, não foram adotados critérios rígidos de seleção. As atividades aconteceram de maneira interprofissional, com o intuito de garantir um processo interativo capaz de refletir sobre o cuidado colaborativo em saúde e, consequentemente, melhorar a qualidade da atenção prestada.
Os cursos eram ofertados na modalidade presencial, de natureza teórico-prática, com 16 horas atribuídas às explanações dialogadas e a estudos de caso, e quatro horas destinadas à atividade de prática monitorada. Os seguintes temas eram abordados: Comunicação terapêutica e primeiros socorros psicossociais; Transtornos mentais e transtornos associados ao uso de álcool e drogas; Comportamento suicida; Comunicação de notícias difíceis; Crise psicótica e agitação psicomotora; e Violência e transtornos mentais. Na prática monitorada, eram discutidas e aplicadas as técnicas de contenção terapêutica.
Após diversas edições do curso, percebeu-se que os profissionais, mesmo após explanações teóricas, permaneciam com dificuldade no manejo das crises psíquicas, e elementos considerados fundamentais nas intervenções práticas das equipes não eram relembrados nos atendimentos. Esse entendimento foi possível por meio da observação de cenários de simulação realística para intervenção nas crises psíquicas e com base em relatos realizados em rodas de avaliação ao final dos treinamentos. Portanto, algumas estratégias precisavam ser (re)pensadas para se aperfeiçoar o processo de educação em saúde. Os relatos eram registrados por escrito pelos participantes de maneira anônima ao final de cada treinamento e, posteriormente, categorizados pelos instrutores do curso em aspectos facilitadores, dificultadores e em sugestões. Ainda, vários registros foram garantidos em diário de campo.
A fim de se compreender a complexidade da problemática, foram levantados alguns pontos-chave relacionados aos possíveis fatores que a estavam influenciando. A observação empírica, o diálogo com os participantes dos treinamentos e a discussão desses aspectos com os instrutores levou à identificação destes pontos-chave: em primeiro lugar, a fragilidade no processo de formação e Educação Permanente dos profissionais do Samu no que se refere aos temas de Saúde Mental, o que faz muitos profissionais reconhecerem a própria insegurança e duvidarem de que tenham conhecimentos suficientes para intervir nos casos de crise psíquica; em segundo lugar, a falta de uma sistematização para realizar os atendimentos a crises psíquicas, pois os processos de atenção dos serviços de emergência, especialmente nas ocorrências clínicas e traumáticas, comumente desenvolvem a formalização técnica de suas práticas na forma de protocolos2424 Mantovani C, Migon MN, Alheira FV, Del-Ben CM. Manejo de paciente agitado ou agressivo. Braz J Psychiatry. 2010; 32 Suppl 2:S96-S103. doi: 10.1590/S1516-44462010000600006.
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Na etapa da teorização, buscaram-se respostas mais elaboradas para o problema por meio de estudos exploratórios na literatura científica. Assim, foi feita uma revisão de literatura em periódicos indexados nas bases científicas SciELO e BVS. Essa busca encontrou vários estudos que apontam a necessidade de processos de Educação Permanente. Em estudo realizado com profissionais de atenção pré-hospitalar, Almeida et al.1111 Almeida AB, Nascimento ERP, Rodrigues J, Schweitzer G. Intervenção em situações de crise psíquica: desafios e sugestões de uma equipe de atendimento pré-hospitalar. Rev Bras Enferm. 2014; 67(5):708-14. doi: 10.1590/0034-7167.2014670506.
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chegaram a dois resultados:
[...] o primeiro, que as dificuldades no atendimento à pessoa em crise em Saúde Mental estão atreladas à falta de conhecimento da equipe de como prestar o atendimento; e, o segundo, são as sugestões dos participantes na busca por um atendimento mais próximo do desejado, como a capacitação e a necessidade da sistematização ao atendimento1111 Almeida AB, Nascimento ERP, Rodrigues J, Schweitzer G. Intervenção em situações de crise psíquica: desafios e sugestões de uma equipe de atendimento pré-hospitalar. Rev Bras Enferm. 2014; 67(5):708-14. doi: 10.1590/0034-7167.2014670506.
https://doi.org/10.1590/0034-7167.201467... . (p. 713)
Nesse momento, apoiado no diálogo com a literatura internacional de periódicos indexados no PubMed, refletiu-se acerca das possibilidades como “hipóteses de solução” para responder satisfatoriamente ao problema apresentado e planejar estratégias resolutivas, de modo que pudessem ser aplicadas à realidade.
Em um projeto-piloto sueco, com uma equipe de resposta a emergências psiquiátricas formada por enfermeiros, identificou-se que conhecimento e habilidades especializadas em transtornos mentais e opções de atendimento iniciais são fundamentais para uma assistência especializada2525 Crisanti AS, Earheart JA, Rosenbaum NA, Tinney M, Duhigg DJ. Beyond crisis intervention team (CIT) classroom training: Videoconference continuing education for law enforcement. Int J Law Psychiatry. 2019; 62:104-10. doi: 10.1016/j.ijlp.2018.12.003.
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Outros autores mencionam que os programas de educação para abordagens em crises psíquicas não podem ser voltados apenas para o controle da “cena” e o diálogo e a experiência do paciente devem ser considerados para se garantir uma boa assistência2626 Stigter-Outshoven C, Van de Sande R, Kuiper M, Braam A. Using the police cell as intervention in mental health crises: qualitative approach to an interdisciplinary practice and its possible consequences. Perspec Psychiatr Care. 2021; 57(4):1735-42. doi: 10.1111/ppc.12743.
https://doi.org/10.1111/ppc.12743...
. Por fim, a equipe multiprofissional de Saúde Mental que frequenta regularmente processos de educação continuada tem níveis de confiança e conhecimento aumentados, principalmente em situações com alto risco para o paciente2727 Todorova L, Johansson A, Ivarsson B. A prehospital emergency psychiatric unit in an ambulance care service from the perspective of prehospital emergency nurses: a qualitative study. Healthcare (Basel). 2021; 10(1):50. doi: 10.3390/healthcare10010050.
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Logo, firmou-se o entendimento da importância de promover processos de Educação Permanente com base em metodologias ativas de ensino-aprendizagem, como a simulação realística e a problematização, e da necessidade de construir uma sistematização de atendimento. Villela et al.2828 Villela JC, Maftum MA, Paes MR. O ensino de saúde mental na graduação de enfermagem: um estudo de caso. Texto Contexto Enferm. 2013; 22(2):397-406. doi: 10.1590/S0104-07072013000200016.
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apontam que “a adoção de metodologias ativas se mostra um caminho viável para atingir a proposta pedagógica no ensino de Saúde Mental e na formação de profissionais competentes” (p. 397).
Em vista disso, no ano de 2020, uma nova proposta metodológica do curso de intervenção nas crises psíquicas foi construída pelo Nuedu, inclusive para capacitar os profissionais do Samu de todos os estados do Brasil. O conteúdo programático foi ministrado parte em ensino a distância, utilizando a metodologia de sala de aula invertida por meio de aulas síncronas, e parte em módulo presencial, na sede do núcleo, onde foram realizadas as estações simuladas e as práticas monitoradas2121 Brasil. Ministério da Saúde. Atendimento pré-hospitalar em saúde mental: noções das urgências e emergências em saúde mental. Brasília: Ministério da Saúde; 2021.. No que se refere à carga horária dos conteúdos e das práticas relacionados aos temas das emergências em Saúde Mental, trinta horas foram destinadas ao estudo do material didático, disponibilizado previamente, e as aulas síncronas e dez horas foram destinadas às estações simuladas e às práticas monitoradas. Uma versão desse curso, na modalidade de atualização, acontece mensalmente no Nuedu, com carga horária de dez horas destinadas aos profissionais do Samu-DF.
Por fim, na aplicação à realidade, que consiste em uma intervenção concreta, a primeira autora deste trabalho, assistente social do Nusam, construiu uma sistematização de atendimento às crises psíquicas, denominada “Circuito dos Cuidados Psicossociais”, para orientar os profissionais no atendimento de emergência pré-hospitalar e reorganizar os processos de ensino-aprendizagem fundamentados nas metodologias ativas. Colombo e Berbel2222 Colombo AA, Berbel NAN. A Metodologia da Problematização com o Arco de Maguerez e sua relação com os saberes de professores. Semina Cienc Soc Hum. 2007; 28(2):121-46. doi: 10.5433/1679-0383.2007v28n2p121.
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evidenciam o papel transformador dessa etapa como momento que permite fixar as soluções geradas, além de contemplar o comprometimento dos participantes para voltar à mesma realidade.
Resultados e discussões
O Circuito dos Cuidados Psicossociais foi fundamentado no referencial da atenção psicossocial e das evidências científicas do campo da intervenção em crise2929 Sá SD, Werlang BSG, Paranhos ME. Intervenção em crise. Rev Bras Ter Cogn. 2008; 4(1).,3030 Moreno Rodríguez R, Puente CP, Gutiérrez JLG, Cuadros JA. Intervención psicológica en situaciones de crisis y emergencias. Madrid: Dykinson; 2003., dos primeiros socorros psicossociais44 Organização Pan-Americana da Saúde. Primeiros cuidados psicológicos: guia para trabalhadores de campo. Brasília: Opas; 2015., da comunicação terapêutica3131 Marcolan JF. Técnica terapêutica da contenção física. São Paulo: Roca; 2013. e da Política Nacional de Humanização (PNH)3232 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Humanização. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.,3333 Pasche DF. Política Nacional de Humanização como aposta na produção coletiva de mudanças nos modos de gerir e cuidar. Interface (Botucatu). 2009; 13 Suppl 1:701-8. doi: 10.1590/S1414-32832009000500021.
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, tal como pela experiência dos profissionais do Nusam nos atendimentos das crises psíquicas.
É válido destacar que essas compreensões e conteúdos faziam parte dos treinamentos de intervenção em crise, contudo não eram apresentados de maneira sistematizada ou na forma de protocolo.
No que se refere à escolha dos elementos de análise da sistematização, o acolhimento é trazido a partir das diretrizes da PNH3232 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Humanização. Brasília: Ministério da Saúde; 2013., pois faz parte de todos os atendimentos dos serviços de saúde. A PNH coloca a escuta e as orientações como elementos centrais de acolhida, haja vista entender o acolhimento como uma resposta às demandas dos sujeitos que buscam os serviços de saúde3434 Pelisoli C, Sacco AM, Barbosa ET, Pereira CO, Cecconello AM. Acolhimento em saúde: uma revisão sistemática em periódicos brasileiros. Estud Psicol. 2014; 31(2):225-35. doi: 10.1590/0103-166X2014000200008.
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O elemento “identificação dos fatores de risco e proteção” é amplamente discutido na literatura do campo da intervenção em crise3535 Cardoso HF, Borsa JC, Segabinazi JD. Indicadores de saúde mental em jovens: fatores de risco e de proteção. Est Inter Psicol. 2018; 9(3) Suppl 1:3-25. e dos primeiros socorros psicossociais44 Organização Pan-Americana da Saúde. Primeiros cuidados psicológicos: guia para trabalhadores de campo. Brasília: Opas; 2015., pois a compreensão das condições que envolvem o sujeito é fundamental para garantir um atendimento mais assertivo, de modo que o processo de finalização dessa intervenção (“ultimação”) traga uma perspectiva de resolução para os sujeitos envolvidos no problema44 Organização Pan-Americana da Saúde. Primeiros cuidados psicológicos: guia para trabalhadores de campo. Brasília: Opas; 2015..
Assim, os autores chegaram aos seguintes elementos: Acolhimento; Escuta ativa; Identificação de fatores de risco e proteção; Orientações; e Ultimação. Cada elemento, representado pelas letras iniciais “AEIOU” (Figura 2), tem um conceito e um objetivo, e é avaliado pelos autores como necessário durante as abordagens às pessoas em crise psíquica.
O acolhimento (A) refere-se ao momento de chegada do usuário ao serviço de saúde, e também diz respeito à construção de uma relação de confiança entre as equipes de saúde, o indivíduo e sua rede sociofamiliar, mediante uma abordagem humanizada, caracterizada pelo reconhecimento do usuário como sujeito ativo do processo de produção de saúde3434 Pelisoli C, Sacco AM, Barbosa ET, Pereira CO, Cecconello AM. Acolhimento em saúde: uma revisão sistemática em periódicos brasileiros. Estud Psicol. 2014; 31(2):225-35. doi: 10.1590/0103-166X2014000200008.
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O foco do acolhimento está em oferecer apoio e cuidado prático e ajudar as pessoas a se sentirem mais seguras, respeitadas e atendidas de forma apropriada, considerando a singularidade de cada pessoa44 Organização Pan-Americana da Saúde. Primeiros cuidados psicológicos: guia para trabalhadores de campo. Brasília: Opas; 2015.. Logo, como o atendimento pré-hospitalar é rápido, diretivo e pontual, os profissionais apropriam-se das técnicas de comunicação terapêutica para facilitar o processo de acolhimento: apresentar-se, dirigir-se ao paciente e chamá-lo pelo nome, olhar nos olhos, usar tom de voz calmo, oferecer apoio, verificar sinais vitais, entre outras possibilidades.
A escuta ativa (E) tem como objetivo compreender as necessidades das pessoas e ajudá-las a se sentirem mais calmas44 Organização Pan-Americana da Saúde. Primeiros cuidados psicológicos: guia para trabalhadores de campo. Brasília: Opas; 2015., e deve estar isenta de julgamentos moralizantes1212 Ferigato SH, Campos RTO, Ballarin MLGS. O atendimento à crise em saúde mental: ampliando conceitos. Rev Psicol Unesp. 2007; 6(1):31-44.. Maynart et al.3636 Maynart WHC, Albuquerque MCS, Brêda MZ, Jorge JS. A escuta qualificada e o acolhimento na atenção psicossocial. Acta Paul Enferm. 2014; 27(4):300-4. doi: 10.1590/1982-0194201400051.
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apontam a escuta como uma tecnologia leve, que possibilita a compreensão do sofrimento psíquico com base no discurso dos sujeitos; logo, ela valoriza as vivências de cada um, sendo considerada sinônimo de confiança e respeito à singularidade.
No atendimento de emergência, a tarefa do profissional é “escutar como as pessoas em crise visualizam a situação e como se comunicam”3030 Moreno Rodríguez R, Puente CP, Gutiérrez JLG, Cuadros JA. Intervención psicológica en situaciones de crisis y emergencias. Madrid: Dykinson; 2003.. Assim, acredita-se que o profissional deve adotar uma postura de suporte, de ouvir e validar o discurso de dor vivenciado pelo indivíduo, verificar o entendimento, interagir com perguntas abertas/fechadas, auxiliar as pessoas na busca por opções e perspectivas de vida44 Organização Pan-Americana da Saúde. Primeiros cuidados psicológicos: guia para trabalhadores de campo. Brasília: Opas; 2015.,3131 Marcolan JF. Técnica terapêutica da contenção física. São Paulo: Roca; 2013.,3636 Maynart WHC, Albuquerque MCS, Brêda MZ, Jorge JS. A escuta qualificada e o acolhimento na atenção psicossocial. Acta Paul Enferm. 2014; 27(4):300-4. doi: 10.1590/1982-0194201400051.
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A identificação de fatores de risco (I) está relacionada à análise do problema por meio de três momentos: passado imediato, presente e futuro imediato. É preciso compreender os acontecimentos que desencadearam a crise; em seguida, indagar a situação presente: “quem está implicado, o que aconteceu, como, onde, quando”; e, por fim, focar as dificuldades estabelecidas nas pessoas e na família3030 Moreno Rodríguez R, Puente CP, Gutiérrez JLG, Cuadros JA. Intervención psicológica en situaciones de crisis y emergencias. Madrid: Dykinson; 2003.. Existem vários fatores de risco (psicológicos, sociais, de transtornos mentais etc.) que podem influenciar o desenvolvimento de uma crise, sendo a interação entre eles mais relevante para a avaliação do risco do que considerar cada fator isoladamente. Moreno et al.3030 Moreno Rodríguez R, Puente CP, Gutiérrez JLG, Cuadros JA. Intervención psicológica en situaciones de crisis y emergencias. Madrid: Dykinson; 2003. dizem que o objetivo é identificar os conflitos que precisam de manejo imediato e aqueles que podem ser deixados para uma intervenção posterior.
Sobre a identificação dos fatores de proteção (I), devem ser avaliados quais são os recursos (individuais e ambientais) que dão suporte ao indivíduo no enfrentamento de eventos adversos da vida3535 Cardoso HF, Borsa JC, Segabinazi JD. Indicadores de saúde mental em jovens: fatores de risco e de proteção. Est Inter Psicol. 2018; 9(3) Suppl 1:3-25.. Cardoso et al.3535 Cardoso HF, Borsa JC, Segabinazi JD. Indicadores de saúde mental em jovens: fatores de risco e de proteção. Est Inter Psicol. 2018; 9(3) Suppl 1:3-25. destacam vários fatores considerados importantes para os jovens e os adolescentes, por exemplo: estar próximo de pessoas de confiança e ter suporte social.
No contexto do atendimento pré-hospitalar, identificou-se que o suporte sociofamiliar está entre os fatores de proteção mais potentes para o indivíduo, independentemente do seu ciclo de vida, haja vista que uma rede de qualidade poderá auxiliá-lo a enfrentar esse momento de ruptura de modo mais assertivo.
As orientações (O) têm como finalidade auxiliar as pessoas na busca por informações e serviços sociais disponíveis, e devem ser dirigidas aos indivíduos em crise e à sua rede de suporte44 Organização Pan-Americana da Saúde. Primeiros cuidados psicológicos: guia para trabalhadores de campo. Brasília: Opas; 2015.. Entende-se de que se trata de condutas perante possibilidades de manejo da crise, transição de cuidados e encaminhamentos possíveis.
Para tal, o profissional deve conhecer a rede de serviços de saúde e demais políticas setoriais. Ainda que não tenha todas as informações em alguns momentos, é necessário que o profissional saiba buscá-las e se mantenha atualizado, a fim de garantir que as pessoas saibam sobre esses serviços e como acessá-los44 Organização Pan-Americana da Saúde. Primeiros cuidados psicológicos: guia para trabalhadores de campo. Brasília: Opas; 2015..
Muitas vezes, o paciente, a família e a equipe de saúde não vão estar de acordo em relação ao conceito da crise e a determinada intervenção1313 Rosa NM, Agnolo CMD, Oliveira RR, Mathias TAF, Oliveira MLF. Tentativas de suicídio e suicídios na atenção pré-hospitalar. J Bras Psiquiatr. 2016; 65(3):231-8. doi: 10.1590/0047-2085000000129.
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. As pessoas estão angustiadas diante daquele problema e podem ter a percepção de que as expectativas que tinham de apoio não foram alcançadas. Nesses momentos, o papel do profissional também é de psicoeducação. Lemes e Ondere Neto3737 Lemes CB, Ondere Neto J. Aplicações da psicoeducação no contexto da saúde. Temas Psicol. 2017; 25(1):17-28. doi: 10.9788/TP2017.1-02.
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abordam a psicoeducação como um trabalho de conscientização em saúde, que visa ensinar e oferecer informações para o sujeito e sua rede social de confiança sobre o seu estado atual de saúde, os procedimentos a serem adotados, as perspectivas do tratamento, entre outros.
A ultimação (U) remete ao desfecho imediato do atendimento e aos acordos estabelecidos. A maneira como o atendimento será finalizado, o tempo necessário para o manejo adequado da crise, vai depender do contexto da crise, das demandas apresentadas pelas pessoas e da ação do profissional44 Organização Pan-Americana da Saúde. Primeiros cuidados psicológicos: guia para trabalhadores de campo. Brasília: Opas; 2015.. Moreno et al.3030 Moreno Rodríguez R, Puente CP, Gutiérrez JLG, Cuadros JA. Intervención psicológica en situaciones de crisis y emergencias. Madrid: Dykinson; 2003. referem que o responsável por conduzir a intervenção deverá ter uma atitude facilitadora e diretiva para alcançar ações efetivas.
Nessa etapa, o profissional deverá transmitir uma perspectiva otimista, porém realista de melhora. É importante resumir os fatos e as resoluções encontrados, relembrar acordos feitos e, se possível, solicitar que o paciente ou sua rede de suporte repita as orientações3131 Marcolan JF. Técnica terapêutica da contenção física. São Paulo: Roca; 2013.. Ao indicar que procurem algum serviço especializado, o profissional deve reforçar que essa é uma conduta fundamental para obter melhoras, uma vez que as pessoas que recebem acompanhamento adequado tendem a diminuir sua angústia e a ficar bem44 Organização Pan-Americana da Saúde. Primeiros cuidados psicológicos: guia para trabalhadores de campo. Brasília: Opas; 2015..
Por fim, são estabelecidos procedimentos que permitem um acompanhamento breve do indivíduo para verificar seu progresso pessoal e sua inserção na rede de serviços referenciados. O follow-up é realizado por meio de contato telefônico em até 72 horas após o atendimento. Bertolote et al.3838 Bertolote JM, Santos CM, Botega NJ. Detecção do risco de suicídio nos serviços de emergência psiquiátrica. Rev Bras Psiquiatr. 2010; 32 Suppl 2:S87-S95. doi: 10.1590/S1516-44462010000600005.
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apontam que, em um estudo realizado em Campinas com pessoas que compareceram aos serviços de emergência após uma tentativa de suicídio, um seguimento feito por meio de telefonemas periódicos diminuiu em dez vezes os suicídios em comparação ao grupo que não recebeu esse seguimento. Moreno et al.3030 Moreno Rodríguez R, Puente CP, Gutiérrez JLG, Cuadros JA. Intervención psicológica en situaciones de crisis y emergencias. Madrid: Dykinson; 2003. citam que esse procedimento tem objetivo de “completar o circuito de retroalimentação, ou determinar se alcançaram ou não as metas estabelecidas quando do início da intervenção”.
Considerações finais
Diante da compreensão de que as práticas problematizadoras na educação em saúde possibilitam uma ação transformadora dos profissionais e da realidade na qual estão inseridos, é possível inferir que, mediante essas construções de saberes, os componentes da sistematização proposta têm potencial de superar fatores críticos da intervenção e favorecer novas habilidades humanas e técnicas aos profissionais que atuam no serviço pré-hospitalar móvel, permitindo que exerçam um trabalho de atenção humanizado, alternativo às práticas excludentes historicamente postas às pessoas em sofrimento mental.
É necessário destacar que o Circuito dos Cuidados Psicossociais não consiste em uma padronização do atendimento e não deve ser empregado de maneira rígida, dada a compreensão de que cada abordagem é singular e levará em consideração o indivíduo e o contexto no qual ele está inserido.
Sem qualquer pretensão de encerrar essa discussão, compreendemos que, por este estudo ser um relato de experiência, um tipo de produção construída de forma semelhante às pesquisas observacionais, suas limitações advêm da falta de uma análise aprofundada e da produção de evidências da efetividade dos cursos com base na sistematização das avaliações deles.
Em vista disso, a avaliação da efetividade do processo de educação permanente em âmbito nacional será objeto de outra pesquisa. Todavia, os resultados preliminares evidenciam que a sistematização tem facilitado e acelerado a consolidação das habilidades necessárias ao atendimento das crises psíquicas, tanto na visão dos instrutores quanto nos relatos dos participantes do processo de Educação Permanente. Os próximos passos dos autores vão na direção de validar essa sistematização de atendimento.
- Cavalcante RA, Vaz SBV, Vaz TS, Oliveira GC, Rocha DG. Circuito dos Cuidados Psicossociais: sistematização de intervenção na crise psíquica no atendimento pré-hospitalar móvel. Interface (Botucatu). 2024; 28: e230211 https://doi.org/10.1590/interface.230211
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Editado por
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Maio 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
15 Maio 2023 -
Aceito
24 Out 2023