Resumos
Este artigo objetivou identificar estratégias de atendimento a situações de violência contra a mulher por profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS). Trata-se de uma pesquisa qualitativa que articula fontes documentais de prontuários e entrevistas. As informações primárias foram obtidas por meio de entrevistas com 16 mulheres e as secundárias foram levantadas de 14 prontuários dos serviços de saúde de referência das mulheres. Os resultados deste estudo revelaram que os profissionais de saúde reiteraram a violência por parceiro íntimo como fenômeno doméstico restrito ao ambiente privado e/ou a medicalizaram com anti-inflamatórios e benzodiazepínicos. Desse modo, a violência contra a mulher ou foi invisibilizada, ou foi medicalizada, sem nunca ser considerada uma abordagem integral do conceito de saúde e doença.
Palavras-chave Violência contra a mulher; Atenção primária à saúde; Medicalização
The aim of this study was to identify care strategies used by primary health care professionals in situations of violence against women. We conducted a qualitative study using primary data obtained from interviews with 16 women and secondary data from 14 patient medical records in women’s health services. The findings reveal that health professionals reaffirmed intimate partner violence as a domestic phenomenon limited to private settings and/or medicalized the problem with anti-inflammatory drugs and benzodiazepines. Violence against women was therefore either rendered invisible or medicalized, without ever considering a comprehensive approach to the concept of health and disease.
Keywords Violence against women; Primary health care; Medicalization
El objetivo de este artículo es la identificación de estrategias de atención a situaciones de violencia contra la mujer por parte de profesionales de la Atención Primaria de la Salud (APS). Se trata de una investigación cualitativa que articula fuentes documentales de fichas y entrevistas. Las informaciones primarias se obtuvieron por medio de entrevistas con 16 mujeres y las secundarias tuvieron origen en 14 fichas de los servicios de salud de referencia de las mujeres. Los resultados de este estudio revelaron que los profesionales de la salud reiteraron la violencia por parte de un compañero íntimo como un fenómeno doméstico limitado al ambiente privado y/o la medicalizaron con antiinflamatorios o benzodiazepinas. De tal forma, la violencia contra la mujer o fue invisibilizada, o fue medicalizada, sin nunca haberse considerado un abordaje integral del concepto de salud y enfermedad.
Palabras clave Violencia contra la mujer; Atención primaria de la sSalud; Medicalización
Introdução
Historicamente outorgada ao âmbito privado, invisível e naturalizada no ambiente público, a violência contra a mulher por parceiro íntimo passou a ser tema de enfrentamento, nos diferentes setores da sociedade, a partir do movimento feminista. Desde então, os serviços de saúde, especificamente os da Atenção Primária, procuram superar obstáculos, ainda presentes, para enfrentar este problema e têm significativo impacto no processo saúde e doença de mulheres que vivenciam ou vivenciaram uma situação de violência1-4.
A Atenção Primária à Saúde (APS) é a porta de entrada no Sistema Único de Saúde (SUS) e um espaço privilegiado para identificar e prestar cuidados aos casos de violência contra a mulher, além de facilitar a articulação com redes intersetoriais. Vale ressaltar que a APS é frequentemente o primeiro serviço de saúde procurado por mulheres que buscam cuidados em saúde5.
Os estudos que abordam a violência contra a mulher por parceiro íntimo na APS revelam duas dimensões transversais do problema: a dificuldade de entendimento da violência enquanto um fenômeno sociocultural que impacta no processo saúde doença; e a invisibilidade e naturalização do tema para os profissionais desses serviços6,7. Estudo recente evidenciou avanços significativos quanto à compreensão da violência contra a mulher como um problema de saúde por parte dos profissionais da APS. Porém, ao reconhecer o problema como parte da sua atuação profissional, esses profissionais se sentem despreparados para dar seguimento aos casos. Entretanto, cabe ressaltar que esse processo não é homogêneo em todos os contextos e regiões, dadas as peculiaridades culturais e geográficas do país4,7.
A literatura aponta que mulheres em situação de violência que procuraram pelos serviços de APS apresentam algumas especificidades clínicas, como buscas constantes por atendimento; queixas de dores abdominais e na pelve; queixa de insônia; ansiedade; tristeza; choro fácil; e desânimo. Contudo, muitas vezes essas demandas não são associadas pelos profissionais a uma situação de violência, por estes não terem sido formados para essa abordagem ou por considerarem que esse não é um tema a ser tratado no serviço de saúde4-7.
Esse contexto evidencia a resistência e o despreparo dos profissionais, tendo em vista a racionalidade biomédica, em considerar os diferentes aspectos que envolvem o processo saúde-doença, delegando os problemas da violência a setores que consideram tecnicamente preparados para acolher os casos, como a segurança pública e assistência social4. Nessa perspectiva, os profissionais da APS distanciam-se da origem do adoecimento, orientados por uma prática que reflete o conservadorismo dos costumes e a desigualdade de gênero8; e por uma formação patriarcal9,10.
A organização sociocultural patriarcal legitima a desigualdade de poder entre homem e mulher no espaço privado e orienta costumes, normas e práticas no espaço público, as quais acabam favorecendo, na sociedade, o domínio e a superioridade do homem sobre a mulher9.
As relações de gênero são intrínsecas ao processo de socialização, definindo valores e normas socioculturais que prescrevem os papéis esperados de mulheres e homens na sociedade10. Nesse sentido, as práticas profissionais nos serviços de saúde tendem a ser influenciadas por essa organização sociocultural da sociedade, possibilitando aos profissionais se isentar da responsabilidade pelos conflitos que ocorrem no espaço privado, facilitando assim a medicalização dos casos de violência contra a mulher9,10.
A medicalização se dá quando há incorporação de um problema que não é médico ao campo da Medicina, sendo esta entendida aqui como uma instituição de controle social que sentencia juízos por meio de especialistas com suposta objetividade e neutralidade moral. Nessa lógica, os problemas de saúde assumem uma ordem moral e que por vezes imputa responsabilidade e culpa ao próprio indivíduo pelo seu adoecimento8,9.
Esse contexto possibilita que problemas sociais sejam cada vez mais medicalizados, sendo apreendidos e tratados como problemas médicos11. A transformação de fenômenos socioculturais em questões médicas permite controlar e vigiar a população sob a ótica do saber e da intervenção médica, sendo cada vez mais necessárias problematizações que articulem o impacto de fenômenos sociais – como a violência tratada neste estudo – no processo saúde e doença, buscando ampliar assim a visão dos profissionais de saúde para totalidade da ordem societária vigente12,13.
Desse modo, este estudo objetivou identificar estratégias de atendimento a situações de violência contra a mulher por profissionais da APS, encarando-a como um fenômeno sociocultural.
Métodos
O estudo é parte de uma pesquisa realizada em município de médio porte, na região centro-sul do estado de São Paulo, e desenvolvida em três etapas, com método misto. No presente recorte, foram associados os dados de entrevistas e fontes documentais, respectivamente, às etapas 2 e 3 de uma pesquisa mais ampla realizada com mulheres com idade igual ou acima de 18 anos e que registraram Boletins de Ocorrência (BO) de violência de gênero perpetrada por parceiro íntimo em Delegacias de Defesa da Mulher (DDM) no período de um ano (etapa 1).
Na segunda etapa, com abordagem qualitativa, foram consideradas para a entrevista todas as mulheres que relataram no BO ter mantido relacionamento com o agressor há mais de cinco anos e cujas informações de contato (endereço e/ou telefone) estivessem presentes em tal documento, o que totalizou 54 mulheres. Destas, 16 mulheres foram entrevistadas, sendo excluídas 15 mulheres que não aceitaram participar logo no primeiro contato. 13 mulheres recusaram participar da entrevista no segundo contato e dez não compareceram para a entrevista, mesmo remarcando duas vezes. Cabe mencionar que o elevado número de recusa se explica, em parte, por ser um tema delicado e sensível5 provavelmente, as mulheres não desejavam relembrar a situação de violência vivida.
As entrevistas foram individuais; orientadas por um roteiro semiestruturado; gravadas e transcritas integralmente; e conferidas. Eram iniciadas com questões que permitiam não apenas estabelecer uma ligação entre a participante e a pesquisadora, mas também aprofundar o entendimento sobre essas mulheres a partir de dados sociodemográficos, tais como idade, nível de instrução, presença ou ausência de ocupação remunerada e renda familiar. Com base nessa coleta preliminar, a entrevista seguia um roteiro semiestruturado abordando questões da dinâmica familiar de origem; da dinâmica familiar pós-união/casamento; e a utilização e o apoio dos serviços de atenção primária de referência para a situação de violência sofrida pelo parceiro íntimo, sendo que essas informações compõem parte dos resultados do presente estudo.
Diante da necessidade de esclarecer com maior precisão a violência vivida e, considerando a terceira fase da pesquisa (estudo dos prontuários) ao final das entrevistas gravadas (segunda fase), as participantes foram questionadas se receberam auxílio das unidades de saúde de referência para enfrentar a violência sofrida pelo parceiro íntimo. Em outras palavras, perguntava-se se a entrevistada, ao passar por atendimentos nas unidades de saúde que frequentavam, tinham sido abordadas sobre a vivência de algum tipo de violência e quais tipos de auxílio receberam por parte da equipe (quadro 1).
Detecção da violência e/ou acompanhamento ofertados pelos profissionais das unidades de saúde da APS e por outros equipamentos sociais referidos pelas participantes do estudo.
Na terceira etapa referente ao presente estudo, foram consideradas todas as mulheres entrevistadas; contudo, ao final, foram incluídos os prontuários de 14 mulheres. Não foi possível acessar dois prontuários, pois um deles não foi encontrado na unidade de saúde e o outro fazia parte da rede particular, sendo negado seu acesso. O levantamento realizado compreendeu um período retrospectivo de 10 anos de atendimentos realizados nas unidades de saúde.
A coleta de dados dessa terceira fase foi realizada no período de julho a setembro de 2016, sendo que, após análise das informações, foi necessário retornar ao campo para complementar algumas informações. Esse retorno ocorreu no período de julho a setembro de 2017.
Por meio de formulário próprio, elaborado pela pesquisadora, foram levantadas as seguintes informações dos prontuários: idade, tempo de agressão sofrida, tempo de referência da mulher no serviço, busca pelo serviço por parte da mulher motivada pela agressão sofrida, identificação da agressão por parte do serviço mesmo sem seu relato, atendimento da mulher por outro serviço da rede de apoio, especificação deste serviço e serviços da rede intersetorial que fizeram parte do caso. As informações dos atendimentos foram anotadas de acordo com o seguinte padrão: data do atendimento, histórico do atendimento e conduta; e buscou-se identificar sinais e sintomas ocultos por trás das queixas clínicas.
O processo de análise compreendeu, inicialmente, a construção de dois quadros-síntese, sendo o primeiro com informações dadas pelas mulheres nas entrevistas realizadas na segunda fase sobre os tipos de assistência recebida nas unidades de saúde. Já o segundo foi composto por informações retiradas dos prontuários dessas mulheres. A exploração dos dados foi realizada à luz da análise de conteúdo de Bardin14 na modalidade de análise temática, sendo orientado pelo referencial teórico de gênero15, patriarcado8 e medicalização11-13. Cabe ressaltar, ainda, que foram seguidas as fases de análise de conteúdo 1) pré-análise, 2) exploração do material e 3) tratamento dos resultados.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Foi solicitada uma autorização previamente para a Secretaria de Saúde do Município referente ao acesso aos prontuários e à utilização de uma sala em uma Unidade Básica de Saúde para a realização da entrevista. Foi também garantido às entrevistadas todos os requisitos presentes no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Todas as entrevistas foram realizadas pela pesquisadora principal, em sala individual localizada em um Centro de Saúde Escola, visando, além da discrição, oferecer a elas um ambiente seguro e protegido. Nos casos em que a entrevista mobilizou emoção na mulher, a pesquisadora a acolhia e se disponibilizava a ajudá-la, na ocorrência de demanda, a entrar em contato com os serviços da rede de apoio. Além disso, as entrevistadas foram representadas ao longo do artigo por números, no intuito de preservar suas identidades.
Resultados
As mulheres deste estudo tinham idade média de 44,06 anos, sendo que seis delas tinham concluído o Ensino Fundamental; sete, o Ensino Médio; e três tinham o superior incompleto, superior completo ou já estavam cursando mestrado acadêmico.
A maioria exercia atividade remunerada, uma era dona de casa e duas estavam desempregadas. Observou-se que o nível de escolaridade das participantes era compatível com as atividades laborais exercidas: as mulheres que possuíam nível fundamental e médio exerciam atividades de menor status social – eram, por exemplo, diaristas, empregadas domésticas e serviços gerais –, enquanto as que possuíam nível superior completo ou incompleto exerciam atividades como dentista, analista fiscal e bolsista de mestrado.
Essas mulheres apresentaram uma renda familiar total R$ 45.730,00, sendo a mediana mensal de R$ 1.500,00 indicando que metade das famílias das participantes viviam com uma renda inferior a esse valor, abaixo de dois salários-mínimos vigente na época. A renda familiar das participantes perfazia R$ 2.858,12 em média, porém, nesse valor foi considerada a renda de uma mulher com carreira profissional consolidada,o que aumentou a média final. Contudo, ao retirar a renda dela desta última contagem, o valor médio diminuiu para R$ 1.715,33.
Após análise dos dados, foi possível identificar as seguintes categorias reveladoras da medicalização da violência nos serviços de APS: 1) Reiterando a violência como fenômeno doméstico restrito ao ambiente privado e 2) Medicalizando sintomas da violência contra a mulher por parceiro íntimo.
1) Reiterando a violência como fenômeno doméstico restrito aoambiente privado
No quadro 1, é possível observar que cinco das entrevistadas (5, 9, 12, 15 e 16) relataram as agressões aos profissionais que atuavam na unidade de saúde, demonstrando assim que a violência não fazia parte da abordagem de rotinas dos profissionais. Além disso, as entrevistadas 10 e 14 tiveram acompanhamento específico para a situação de violência e foram encaminhadas para outros serviços quando a situação envolveu a segurança dos filhos, pelo risco de infanticídio, ou delas mesmas, pelo risco de suicídio.
Além disso, seis participantes (1, 2, 5, 6, 10 e 14) revelaram que os profissionais das unidades tinham conhecimento sobre as ocorrências de violência sofrida por elas e, mesmo assim, não as ofertaram nenhum tipo de assistência.
As entrevistadas 3 e 6 procuraram ajuda, por conta própria, em serviços de psicologia particular e na DDM. A entrevistada 13 não considerava que a situação de violência poderia ser abordada e acompanhada na unidade de saúde principalmente por medo de julgamentos; e a entrevistada 16 optou por não expor a situação de violência durante os atendimentos por sentir vergonha de estar em uma situação de violência.
A medicação como forma de desestressar, controlar a ansiedade, dormir e até mesmo evitar um suicídio foram citadas pelas entrevistadas 2, 4, 7, 8, 9, 10 e 14. Inclusive, a entrevistada 7 deixou claro que não queria tomar medicação, mas sim receber ajuda para cessar a violência. Os relatos da maioria das mulheres reafirmaram a lógica patriarcal que ordena a dinâmica familiar, devendo elas permanecerem protegidas e silenciadas. O medo, a vergonha e a dificuldade de revelar a situação de violência nos serviços de saúde demonstraram que, provavelmente, elas não enxergavam esses locais como passíveis de acolher a demanda sem rótulos e julgamentos.
2) Medicalizando sintomas da violência contra a mulher por parceiro íntimo
Dos 14 prontuários analisados (quadro 2), observou-se que as demandas que levaram as mulheres a procurar pela unidade de saúde foram biológicas, devido a demandas físicas – como dor de cabeça; dor no baixo ventre; dor no corpo; dor abdominal; sangramento vaginal; corrimento vaginal; infecção no trato urinário; privação do sono; ânsias e vômitos; e atraso menstrual – e emocionais – como tristeza, desejo de desaparecer, ansiedade, choro fácil, irritabilidade, estresse, baixa autoestima, sentimento de desvalia, ideação suicida, insônia e medo de engravidar.
Distribuição dos registros realizados nos prontuários das mulheres em situação de violência.
Apesar de a busca por atendimento se dar nos serviços de APS, a maioria dos atendimentos foi realizada por meio de consulta eventual, sendo as mulheres tratadas com analgésicos e anti-inflamatórios nas queixas fisiológicas e com benzodiazepínicos nas queixas emocionais. Médicos e enfermeiros foram os profissionais que realizaram a maioria dos atendimentos. As prescrições medicamentosas anotadas nos prontuários das participantes como estratégia de aliviar os sintomas foram unânimes, corroborando as narrativas das participantes.
Dos 14 prontuários, cinco tinham encaminhamentos das mulheres para o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), Centro de Apoio Psicossocial (CAPS) e hospital psiquiátrico. Em cinco situações, foram solicitados exames de papanicolau, ultrassom transvaginal, mamografia, raio X e colocação de dispositivo intrauterino (DIU).
As poucas tentativas de se atuar com outros equipamentos sociais e com diferentes categorias profissionais foram incipientes, pois permaneceram no setor saúde e não envolveram a rede intersetorial. Em dois prontuários, o encaminhamento para o hospital psiquiátrico se deu por conta de as participantes terem tentado o suicídio, em um dos casos suicídio e o infanticídio dos filhos. Chamou atenção ainda que nenhum profissional (ou seja, não apenas os médicos) avançou para outras estratégias de acompanhamento intersetorial na abordagem dos casos.
Discussão
A invisibilidade da violência contra a mulher por parceiro íntimo na APS é citada por inúmeros estudos, principalmente pela dificuldade de detecção do problema, pelo não reconhecimento do fenômeno como problema de saúde e o desconhecimento da rede de enfrentamento da violência contra a mulher13,16,17.
Dois aspectos podem explicar a situação supracitada: o primeiro está relacionado à falta de formação para acompanhar e propor estratégias de enfrentamento para o problema, ou seja, os profissionais não tiveram em sua formação conteúdo para dar resposta a essas situações de cunho sociocultural que impactam no processo de saúde e doença. Desse modo, mesmo a mulher declarando a violência vivenciada, os profissionais ignoram e não dão respostas que possam cessá-la, por terem uma formação orientada para causas biológicas, setoriais e imediatistas17,18.
A segunda hipótese explicativa baseia-se na ótica sociocultural do patriarcado, que orienta as práticas profissionais com base no ideário de que a violência contra a mulher por parceiro íntimo é um problema restrito ao âmbito privado e deve ser solucionado nesse âmbito, e não nos serviços de saúde. Essa perspectiva contribui para a naturalização e legitimação da violência contra a mulher nos serviços de saúde e ainda possibilita o silenciamento e a revitimização da mulher, que passa a entender a situação como imutável, cabendo a ela aceitar sem questionar17-19.
Tais contextos indicam a importância da intersetorialidade na abordagem de casos de violência contra a mulher para atendê-las integralmente, sendo essa abordagem, inclusive, prevista nas políticas de saúde, de assistência social e na Lei Maria da Penha (lei n. 11.340/2006)17,20,21. Entretanto, na maioria das vezes, apesar de existir uma rede de equipamentos sociais composta para o enfrentamento dos casos de violência contra a mulher, não há articulação intersetorial e a rede se efetiva apenas no âmbito multisetorial7.
Esse cenário contradiz o importante papel da APS como propositora da integralidade do acesso e do cuidado; e como porta de entrada para o sistema de saúde, o que a tornam um ponto estratégico para rede de cuidados, sendo um espaço importante para os casos de violência contra a mulher. Assim, a APS deveria ser um lócus privilegiado de detecção, prevenção e coordenação dos casos, na medida em que esses equipamentos sociais estão localizados no próprio território em que vivem essas mulheres22.
Portanto, a violência contra a mulher é um problema que claramente ultrapassa a capacidade resolutiva do setor saúde, exigindo a intersetorialidade como prática assistencial, que é reconhecidamente uma das dimensões da integralidade do cuidado em saúde. Ao incluir a intersetorialidade como estratégia de ação de enfrentamento dos casos de violência, os profissionais terão condições de atingir o contexto sócio-histórico e sociocultural que permeia a vida dessas mulheres, ampliando a prática assistencial para além da medicação e identificando o patriarcado como uma ordem societária que orienta comportamento, regras e normas sociais de submissão e controle das mulheres22,23
Nesse sentido, compreender o fenômeno como do âmbito da saúde exige uma visão holística, para além da ausência de doença e dos sintomas biológicos, fato que remete à concepção de saúde trazida pela 8ª Conferência Mundial de Saúde: “A saúde é o mais completo bem-estar, físico, mental e social”21-25. Dessa forma, a atuação dos profissionais de saúde deve ter como premissa a lógica sociocultural e econômica em que estão inseridos. Assim, a compreensão do patriarcado como um eixo estruturante da sociedade pressupõe se enxergar também como indivíduo propenso a reproduzir as regras e condicionamentos morais no cotidiano de suas práticas em saúde9.
Ao ser formado para ter uma visão crítica do contexto social, o profissional de saúde tem o entendimento de que esse tipo de violência também está associado a outros tipos de iniquidades sociais, na medida em que mulheres negras, pobres e com baixa escolaridade estão mais propensas a situações de violência pelo parceiro. Essas condições colocam o campo de saúde pública como lócus estratégico de compreensão e enfrentamento desse fenômeno que interfere diretamente no processo saúde-doença24-26.
Contudo, incorporar essa lógica nas práticas de saúde da APS, especificamente para o caso da violência contra a mulher, significa ter que reverter o paradigma vigente centrado no médico e nos sintomas biológicos; e enxergar os contextos socioculturais que influenciam no processo saúde-doença e que estes necessitam de respostas e práticas intersetoriais para um acompanhamento completo10.
Além disso, os sintomas físicos e psicológicos decorrentes das situações de violência por parte do parceiro íntimo induzem a medicalização. A literatura aponta que as queixas físicas – como dores no corpo, tremores, cansaço, tontura, privação do sono e má digestão – podem estar relacionadas à situação de violência por parceiro íntimo26,27. De acordo com estudos realizados em Madri, na Espanha, os casos de violência contra a mulher são comumente tratados com antibióticos e anti-inflamatórios e os profissionais fazem uso desmedido de terapia medicamentosa28-31. Tais achados denunciam a medicalização da violência contra a mulher em diferentes territórios e evidenciam que os profissionais de saúde estão cada vez mais medicalizando fenômenos sociais e a explicação para tais práticas podem ser observadas sob três perspectivas de análise: a primeira está relacionada ao limite dos saberes e das práticas biomédicas para promover a autonomia das mulheres em situação de violência. A segunda está relacionada ao déficit da formação de um profissional crítico, capacitado para a leitura e análise da realidade socioeconômica e cultural e sua interlocução com a saúde e doença; e a terceira, à falta de uma prática interprofissional e intersetorial7,29-32.
Sob a ótica da promoção da autonomia das mulheres em situação de violência por parceiro íntimo, a medicalização do fenômeno tem se dado primeiramente por causa da dificuldade dos profissionais de saúde, que atuam na APS, em detectar a violência e posteriormente reconhecê-la como um problema de saúde. Portanto, não se pode trabalhar a autonomia sem antes detectar e reconhecer o problema como sendo de sua prática profissional7,29-32.
Tais resultados são frutos de uma formação médico centrada e tecnicista que prioriza a terapêutica. Para ressignificar o saber biomédico, é necessário compreender que, especialmente na APS, as demandas são advindas de uma estrutura social de ordem machista, classista e racista. Sem esse olhar ampliado para a totalidade da formação socioeconômica e cultural, dificilmente os profissionais terão arcabouço e estratégias para trabalhar a autonomia das mulheres em situação de violência por parceiro íntimo. Além disso, ao medicalizar o social, o profissional diminui a autonomia das mulheres em relação aos seus processos de saúde e de adoecimento e automaticamente produz doenças9,11.
Não se trata de tornar as práticas médicas indispensáveis, mas sim, sobretudo, de barrar os perigos de um processo de medicalização que favoreça a iatrogenia cultural30,31. Além disso, é importante reconhecer o poder medicalizante da APS, inclusive quando se trata da Estratégia de Saúde da Família, que, ao possibilitar a aproximação do território, da família e, portanto, da cultura de determinada comunidade, pode se tornar uma poderosa força medicalizadora ou uma oportunidade de reconstrução da autonomia8.
A medicalização é um processo que se enraizou na sociedade ocidental, configurada por um sistema complexo burocrático e tecnológico que colocou os especialistas como detentores do saber, delegando a eles o poder sobre qualquer conduta e deixando a população refém dos seus saberes e relutante a qualquer explicação não médica33. Nesse sentido, o modelo biomédico toma para si o indivíduo, retirando-lhe o poder de escolha e de cidadania, e a Medicina se apresenta como uma oficina de manutenção e reparo, com o objetivo de perpetuar a mulher como um produto, e não como humana34.
Sob essa ótica, as contribuições de Foucault sobre o último estágio da medicalização podem auxiliar no entendimento da violência contra a mulher. O autor, ao analisar a exclusão da população empobrecida da Inglaterra em meados do século XIX, denunciou o processo higienizador das cidades e a alteração da função dos hospitais que eram de isolamento e exclusão dos pobres para a cura das pessoas. Essa nova função higienizadora dos hospitais voltada para a cura cunhou o conceito da nosopolítica, que, segundo Foucault, trata-se de uma política de cunho social que compreende a saúde como responsabilidade de todos35.
Na nosopolítica, a família, a infância e as mulheres são foco de medicalização e as práticas médicas assumem as esferas de cerceamento social e moral. O saber/poder médico orienta diferentes instâncias de controle de grupos que apresentam sintomas e comportamentos associados a doenças pelas formas e maneiras de agir35.
Em pesquisa qualitativa realizada em 201836 com profissionais da APS do mesmo município em que se deu o presente estudo, foram reveladas circunstâncias de não detecção da violência justificada pela falta de tempo e disposição em ouvir as mulheres, o que, além de não diminuir o problema, o invisibiliza e impede de repensar em outras maneiras de cuidar. Ao recortar previamente o que se deve ouvir e dar atenção, os profissionais já direcionam as demandas para determinadas respostas, enviesando assim a análise da totalidade36. Nesse estudo, os profissionais também reconheceram que acabam diminuindo e discriminando as demandas de violência contra as mulheres, que ainda é vista como um tabu nas unidades de saúde. Além disso, eles delegaram o problema unicamente à esfera judicial e demonstraram desconhecimento da rede intersetorial existente no município. Outra importante descoberta da pesquisa foi a associação feita pelos profissionais entre a violência psicológica e as demandas emocionais; contudo, tais demandas foram unanimemente psicologizadas e medicadas36. Por fim, o estudo concluiu que os profissionais que atuavam na APS, ao olharem para as causas da violência em vez de olhar para as mulheres, contribuíram para a naturalização das desigualdades de gênero, legitimando situações de violência que somente são visíveis sob um olhar crítico do patriarcado36.
Considerações finais
Este estudo evidenciou que os profissionais de saúde não reconhecem a violência contra a mulher por parceiro íntimo como um problema de saúde pública e que a medicalização tem sido uma estratégia adotada com objetivo de amenizar os agravos e prestar acompanhamento às mulheres em situação de violência por parceiro íntimo em unidades de APS.
Sendo assim, cada vez mais se faz necessária uma abordagem intersetorial nos casos de violência contra a mulher. Além disso, os profissionais necessitam de formação profissional para compreender as normas e diretrizes socioculturais que permeiam os casos de violência contra a mulher.
É importante ressaltar que o presente estudo tem o limite de ser realizado em apenas um município e não tem o poder de generalização.
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Financiamento
Bolsa de Pós-Doutorado – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES)
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Editado por
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Editora
Stela Nazareth Meneghel
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Editora associada
Mariana Hasse
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
29 Nov 2024 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
06 Jun 2024 -
Aceito
27 Ago 2024