Open-access Atividade física e qualidade de vida de professores universitários

Physical activity and life quality of university professors

Resumo

Introdução  A qualidade de vida é um tema que tem sido investigado em diversas áreas do conhecimento e sob diversos enfoques.

Objetivo  Investigar a prática de atividade física de lazer em professores universitários e analisar sua associação com a qualidade de vida.

Método  A população-alvo foram os professores da Universidade Federal do Rio Grande, RS, Brasil, que estavam em atividade e atuavam nos campi da cidade de Rio Grande no segundo semestre de 2015. A coleta se deu por meio do preenchimento de um questionário eletrônico. A qualidade de vida foi avaliada pelo instrumento The Medical Outcomes Study 36-item Short Form Health Survey (SF-36). Os dados foram analisados mediante análise de variância ou teste não paramétrico de Kruskal-Wallis.

Resultados  A amostra contou com 270 participantes, correspondendo a 40% dos professores elegíveis. Relataram praticar alguma atividade física no tempo livre 70,4% dos professores, sendo que 43,0% (IC95% 37,0 a 48,9) foram considerados fisicamente ativos no lazer (≥150 min/sem). Este grupo obteve maior escore de qualidade de vida, sendo verificada associação linear positiva entre atividade física e o escore de qualidade de vida (p<0,01).

Conclusão  Menos da metade dos professores universitários foi considerada fisicamente ativa. Observou-se associação linear positiva entre prática de atividade física no lazer com maior qualidade de vida.

Palavras-chave:  qualidade de vida; atividade motora; docentes; estilo de vida; epidemiologia

Abstract

Background  The quality of life is a subject that has been investigated in several areas of knowledge and under many approaches.

Objective  To investigate the practice of leisure time physical activity among university professors and to analyze its association with quality of life.

Method  The target population was professors of the Federal University of the Rio Grande, Brazil, who were active and worked on campus in the city of the Rio Grande in the second half of 2015. The collection was carried out by completing an electronic questionnaire. The quality of life was assessed by the instrument The Medical Outcomes Study 36- item Short Form Health Survey (SF-36). Data were analyzed by analysis of variance test or nonparametric Kruskal-Wallis test.

Results  The sample included 270 participants, representing 40% of eligible professors. There were 70.4% that reported performing some physical activity in leisure time, and 43.0% (95%CI 37.0 to 48.9) were considered physically active (≥150 min/week). This group obtained the highest score for quality of life, suggesting a linear positive association between physical activity and the score of quality of life (p<0.01).

Conclusions  Less than half of college professors were considered physically active. There was a positive linear association of physical activity practice with higher scores of quality of life.

Keywords:  quality of life; motor activity; professors; life style; epidemiology

INTRODUÇÃO

A qualidade de vida é um tema que tem sido investigado em diversas áreas do conhecimento e sob diversos enfoques. Estudo de revisão sistemática apontou que o número de artigos sobre qualidade de vida, como descritor no portal SciELO, aumentou de sete em 2001 para 54 em 20061. Esse dado demonstra que este tema vem ganhando grande importância no campo acadêmico-científico.

Acredita-se que o estilo de vida exerça influência sobre a qualidade de vida2. Estudos internacionais evidenciaram que existe uma associação positiva entre qualidade de vida e atividade física3. Em 2010, foi realizada uma revisão sistemática, que abrangeu 38 publicações sobre a relação entre atividade física e qualidade de vida, e constatou-se que a maioria desses estudos foram conduzidos com idosos ou com portadores de alguma doença/enfermidade4. Apenas nove deles foram conduzidos com adultos aparentemente saudáveis. Aproximadamente quatro quintos (81%) destes estudos foram conduzidos na América do Norte (42%), Europa (21%) e Ásia (18%). O instrumento mais utilizado para avaliar qualidade de vida foi o The Medical Outcomes Study 36-item Short Form Health Survey (SF-36), que apareceu em 27 publicações (71% do total)4.

Um público, em particular, que merece especial atenção, devido a sua característica peculiar de potenciais formadores de opinião e de profissionais capacitados, são os professores. Em 2015, foi publicada uma revisão sistemática sobre estudos brasileiros que avaliaram a qualidade de vida em professores entre 2000 e 20145. Neste estudo, os autores encontraram 12 artigos, sendo que sete deles foram feitos com professores do ensino superior5. Houve preponderância de estudos quantitativos, transversais, com instrumentos padronizados, e uma maior concentração de artigos publicados a partir de 20125.

Ainda existem poucos estudos no Brasil que tenham traçado as características dos professores fisicamente ativos, e menos estudos ainda que tenham relacionado o estilo de vida ativo com a qualidade de vida em docentes. Sendo assim, conhecer quais são as características dos professores fisicamente inativos poderá contribuir para intervir sobre tais grupos, mesmo que no âmbito universitário. Ainda que seja esperada uma associação positiva do nível de atividade física com a qualidade de vida, a confirmação deste achado poderá trazer mais uma evidência sobre os benefícios de se ter um estilo de vida fisicamente ativo, e uma motivação a mais para os docentes inativos começarem a praticar atividade física.

Em vista disso, o presente artigo foi concebido e delineado com os seguintes objetivos: i) investigar a prática de atividade física e os fatores associados em professores universitários; ii) analisar a associação da prática de atividade física com a qualidade de vida destes professores.

MÉTODO

Este estudo teve caráter observacional do tipo transversal com abordagem quantitativa. Foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa na Área da Saúde (CEPAS) da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) sob número 72/2015 (CAAE: 48819115.1.0000.5324). Todos os professores da FURG que estavam em atividade e atuavam nos campi da cidade de Rio Grande (Campus Carreiros e Campus Saúde) no segundo semestre de 2015 foram convidados a participar da pesquisa.

A coleta dos dados ocorreu durante os meses de outubro e novembro de 2015. Todos os professores elegíveis receberam por e-mail um convite para participar da pesquisa. Neste mesmo e-mail constava o link que remetia ao questionário empregado na pesquisa. Este questionário foi gerado pelo Google Docs e deveria ser preenchido no próprio computador, bastando ter conexão com internet para abrir e enviar. Antes de responder o questionário, os professores deveriam assinalar que consentiam em fazer parte do estudo. Não foi coletada nenhuma informação referente a nome, nem número de matrícula, sendo as respostas anônimas.

A qualidade de vida dos indivíduos foi analisada por meio do questionário denominado SF-36, o qual é um questionário padronizado, genérico de avaliação de qualidade de vida, de fácil entendimento e aplicabilidade. Ele é formado por 36 itens, englobados em oito domínios: capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral da saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental. Apresenta um escore final de 0 a 100, em que o zero corresponde ao pior estado geral de saúde e 100 equivale ao melhor estado de saúde, podendo ser aplicado de forma autoadministrada, informatizada, por entrevista ou por telefone6. Foi traduzido pelo método de back translation em 1999 e é aplicado em diversas pesquisas, abrangendo múltiplas populações, em condições distintas7. Neste estudo, o coeficiente alfa de Cronbach para as 36 questões do SF-36 foi de 0,92, indicando consistência interna excelente8.

O nível de atividade física de lazer referiu-se a uma semana habitual e foi adaptado do questionário do inquérito denominado Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL)9. Os professores foram questionados acerca da frequência (em dias) e do tempo diário (em minutos) destas atividades. Assim, multiplicando-se a frequência semanal pelo tempo diário, obteve-se a quantidade total de atividade física no lazer em minutos por semana (min/sem). Aqueles que atingiram 150 min/sem ou mais foram classificados como fisicamente ativos10. O nível de atividade física (em min/sem) foi também dividido em tercis e quartis, a fim de permitir testar se havia um gradiente de dose resposta com a qualidade de vida.

As demais variáveis foram: sexo (masculino e feminino); faixa etária (em décadas); estado civil (casado e não casado); instituto em que trabalha (Saúde e outros); tempo de trabalho na instituição (<5 anos, 5 a 9, 10 a 19 e 20 ou mais); doutorado (não e sim); contrato com dedicação exclusiva (não e sim); tabagismo (não fumante, fumante e ex-fumante); hábito de tomar café da manhã (não e sim); consumo diário de frutas (não e sim); consumo de refrigerante (não e sim); estado nutricional, mensurado pelo índice de massa corporal (IMC) a partir do peso e estatura autorreferidos (eutrófico: IMC<25 kg/m2, sobrepeso: IMC entre 25,0 e 29,9 kg/m2 e obeso: IMC≥30 kg/m2); diagnóstico médico autorreferido de hipertensão arterial (não ou sim); autopercepção da saúde (excelente ou muito boa, boa, regular ou ruim). Todas as opções de respostas às perguntas foram fechadas, devendo o respondente assinalar uma das opções de resposta.

Os dados foram exportados para um arquivo em Excel, que posteriormente foi transferido para o pacote estatístico Stata, versão 11.1, e realizada a limpeza do banco de dados, criação das variáveis e análise dos dados. Para a descrição dos dados, empregou-se frequência absoluta (N) e relativa (%). A análise bivariada entre a prevalência de professores fisicamente ativos no lazer com as demais variáveis foi conduzida pelo teste exato de Fisher. Para a análise bruta e ajustada, usou-se regressão de Poisson com ajuste robusto para variância para estimar as Razões de Prevalências (RP) e os Intervalos de Confiança a 95% (IC95%)11.

A análise ajustada foi realizada seguindo um modelo de análise em níveis com regressão para trás, isto é, as variáveis eram controladas para aquelas do mesmo nível ou de níveis acima12. No primeiro nível, entraram sexo, faixa etária e estado civil; no segundo, instituto, tempo de trabalho, titulação de doutorado e contrato com dedicação exclusiva; no terceiro, foram incluídos tabagismo, hábito de tomar café da manhã, consumo de frutas e consumo de refrigerante; e no quarto nível, colocou-se estado nutricional, hipertensão arterial e autopercepção da saúde. Foram mantidas no modelo final as variáveis que obtiveram valor p<0,20 na análise ajustada.

Procedeu-se a uma análise de componentes principais13 com o intuito de extrair uma única variável de qualidade de vida a partir do escore obtido em cada um dos oito domínios. Nessa análise, extraiu-se o primeiro componente, que explicou 48% da variabilidade de todos os componentes (Eigenvalue =3,9). Esse componente de qualidade de vida foi gerado em escore-z, com média teórica igual a zero e desvio-padrão igual a um. Essa variável foi analisada na sua forma contínua (em escore-z) por meio da regressão linear simples e múltipla. A interpretação é de que, quanto maior o escore-z, maior o nível de qualidade de vida. Tal variável foi comparada com a atividade física, na sua forma dicotômica, em tercis e em quartis. Na análise ajustada do escore-z de qualidade de vida com atividade física, controlou-se para aquelas variáveis que tiveram valor p<0,20 na associação com atividade física.

A análise da associação entre atividade física (em tercis) e os domínios de qualidade de vida foi testada pela análise de variância (ANOVA), com teste post-hoc de Bonferroni, ou teste de Kruskal-Wallis, quando o teste de homogeneidade das variâncias de Bartlett’s atingia valor p<0,10. O nível de significância estatístico utilizado foi de 5% para testes bicaudais, e para manutenção das variáveis no modelo ajustado empregou-se o valor p de 0,20. Para variáveis categóricas ordinais, reportou-se o valor p do teste de tendência linear.

RESULTADOS

De um total de 680 professores atuantes nos campi da FURG em Rio Grande, RS, a amostra contou com 270 participantes, correspondendo a 40% dos professores elegíveis. Destes, pouco mais da metade (52,2%) foi do sexo feminino, um quarto (25,9%) tinha 50 anos ou mais, dois terços (65,0%) eram casados, 11,5% estavam lotados no campus Saúde, um terço (32,6%) estava há menos de cinco anos na instituição, três quartos (75,0%) possuíam doutorado, 84,1% tinham dedicação exclusiva, 6,3% foram fumantes, 14,8% não tomavam café da manhã regularmente, 63,0% não consumiam frutas diariamente, 60,7% consumiam refrigerante, quase metade (48,2%) estava acima do peso (sobrepeso ou obesidade), 17,4% referiram diagnóstico médico de hipertensão arterial e 13% percebiam sua saúde como regular ou ruim.

Relataram praticar alguma atividade física no tempo livre 70,4% dos professores, sendo que 43,0% (IC95% 37,0 a 48,9) foram considerados fisicamente ativos (≥150 min/sem). A mediana de atividade física de lazer foi de 90 min/sem, variando de 0 a 420 min/sem. A prevalência de atividade física no lazer oscilou de 20,0%, para aqueles que não costumavam tomar café da manhã, até 61,7%, para aqueles que referiram diagnóstico médico de hipertensão arterial.

Na Tabela 1 são apresentadas a análise bruta e ajustada da atividade física no lazer e as características estudadas dos professores. Percebe-se que houve uma associação diretamente proporcional com a faixa etária, ou seja, quanto maior a idade, maior foi a prevalência de indivíduos fisicamente ativos no lazer (p<0,01). O tempo de trabalho na instituição, que também teve uma associação diretamente proporcional com atividade física na análise bruta (p=0,02), perdeu associação na análise ajustada (p=0,60) devido ao efeito confundidor imposto pela idade do professor. Possuir título de doutor ficou no limiar da significância estatística (p=0,05) após ajuste para possíveis fatores de confusão. Os ex-fumantes foram mais ativos que o grupo não fumante na análise bruta (p=0,03), perdendo a associação na análise ajustada (p=0,09). Tomar café da manhã regularmente e consumir frutas diariamente se mantiveram associados com maior prevalência de atividade física. Professores que não consumiam refrigerantes foram mais ativos na análise bruta (p=0,02), com perda de significância após controle para confusão (p=0,60). Professores com sobrepeso e com hipertensão arterial foram mais ativos fisicamente do que seus pares. A autopercepção da saúde teve uma associação positiva com atividade física na análise bruta (p=0,03), perdendo a associação na ajustada (p=0,09).

Tabela 1
Análise da prática de atividade física de lazer (≥150 min/sem) com características dos professores da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Rio Grande, RS, 2015 (N=270)

Na análise entre atividade física e qualidade de vida (Tabela 2), verificou-se que professores fisicamente ativos (≥150 min/sem) tiveram maior escore de qualidade de vida, tanto na análise bruta, quanto na ajustada. Foi observada também um associação linear positiva entre atividade física em tercis e em quartis e escore de qualidade de vida (p<0,01). Salienta-se que as maiores diferenças foram encontradas entre os grupos extremos (menos e mais ativos fisicamente).

Tabela 2
Associação da prática de atividade física no lazer com nível de qualidade de vida (em escore-z) dos professores da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Rio Grande, RS, 2015 (N=270)

Na Tabela 3 é mostrada a associação da atividade física (em tercis) com os escores de qualidade de vida para cada domínio. Nota-se que, para os seguintes domínios: capacidade funcional, estado geral de saúde, vitalidade e saúde mental, houve uma associação linear positiva com o nível de atividade física (todos com valor p de tendência<0,01). No domínio capacidade funcional, houve diferença entre o grupo mais ativo e o menos ativo (p<0,01). Nos domínios vitalidade (p<0,01) e saúde mental (p=0,01), a diferença encontrada foi para o grupo mais ativo versus os demais. No domínio estado geral de saúde, houve diferença estatisticamente significativa entre os três grupos (p<0,01). Já no domínio aspectos físicos, verificou-se uma associação limítrofe, sendo que o grupo menos ativo apresentou a maior pontuação. Os domínios dor, aspectos sociais e aspectos emocionais não demonstraram associação com o nível de atividade física.

Tabela 3
Associação da prática de atividade física no lazer (em tercis) com os domínios de qualidade de vida (pontuação de 0 a 100) entre os professores da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Rio Grande, RS, 2015 (N=270)

DISCUSSÃO

Este estudo teve como objetivo investigar a prática de atividade física e sua associação com qualidade de vida em professores universitários. A prevalência de atividade física encontrada (43%; IC95%: 37 a 49) foi semelhante à de um estudo feito em 2008 com 293 professores da Universidade Estadual de Maringá, mostrando que 43,4% dos professores foram classificados como ativos ou muito ativos14. Essa prevalência não variou conforme situação conjugal, tempo de carreira nem instituto, assim como no presente trabalho. Já um estudo conduzido em 2010, com 24 docentes do curso superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas, apontou que 66,7% foram considerados suficiente ativos no lazer15. Provavelmente essa prevalência tenha sido mais elevada devido à área de atuação destes professores ser direcionada à atividade física.

Em relação aos fatores associados, verificou-se que professores com idade mais avançada foram mais ativos no lazer, diferentemente do que aponta a literatura16. Atribui-se essa divergência às particularidades da profissão do professor, que precisa de alguns anos para consolidar sua carreira e conseguir encontrar mais tempo para o lazer. Supõe-se também que professores com idades mais avançadas se preocupem mais com sua saúde, contribuindo para a adoção de um estilo de vida fisicamente ativo. Verificou-se associação entre o consumo regular de frutas e o hábito de tomar café da manhã com maior prevalência de atividade física no lazer. Estudos mostraram que hábitos saudáveis podem induzir a outros comportamentos benéficos à saúde, havendo um efeito de clustering entre os fatores comportamentais17,18.

No que se refere à qualidade de vida, observou-se que professores fisicamente ativos atingiram maior escore para este desfecho em saúde, demonstrando gradiente dose-resposta significativo. Com relação aos mecanismos biológicos pelos quais a atividade física atua melhorando a qualidade de vida, acreditamos ser uma relação mediada pelos efeitos da atividade física sobre a aptidão muscular e cardiorrespiratória, composição corporal, proteção contra doenças crônicas e depressão10.

Um estudo feito com professores, funcionários e alunos da Universidade Católica de Pelotas indicou que os indivíduos mais ativos fisicamente tiveram maior nível de qualidade de vida19. Outro estudo, feito com funcionários da Universidade Estadual de Londrina, com indivíduos entre 60 e 70 anos, apontou que a qualidade de vida esteve associada ao maior nível de atividade física20.

Tratando-se da associação da atividade física com cada domínio de qualidade de vida, uma pesquisa conduzida com funcionários públicos da Universidade Estadual do Piauí, usando o SF-36, mostrou que indivíduos mais ativos atingiram maior pontuação nos domínios capacidade funcional e saúde mental21. Em estudo de base populacional com adultos da zona urbana de Montes Claros (Minas Gerais), os autores verificaram maior escore de qualidade de vida para os indivíduos fisicamente ativos nos seguintes domínios: capacidade funcional (p=0,01), aspectos físicos (p=0,02), vitalidade (p=0,05) e aspectos emocionais (p=0,04)22.

Ainda sobre os domínios de qualidade de vida, estudo de revisão sistemática, com 38 artigos publicados entre 1980 e 2010, concluiu que os domínios mais consistentemente associados à atividade física foram: funcional (em 100% dos estudos), vitalidade e saúde mental (em 80% dos estudos)4. O domínio social não mostrou associação (apenas um estudo encontrou) e, para o domínio dor, a associação ficou inconclusiva, apesar de a maioria dos estudos não ter encontrado associação4.

No presente estudo, apenas os domínios dor, aspectos sociais e aspectos emocionais não apresentaram associação estatisticamente significativa com a prática de atividade física. Salienta-se que, no domínio aspectos físicos, os indivíduos menos ativos alcançaram maior escore de qualidade de vida. Esse mesmo achado foi obtido em um estudo experimental randomizado, com mulheres saudáveis entre 40 e 74 anos da Nova Zelândia, que apontou redução na pontuação do domínio físico para o grupo intervenção23. Os autores atribuem esse resultado a um possível aumento no número de quedas e lesões no grupo fisicamente ativo.

Como limitações, citam-se a baixa taxa de resposta (40%) e o tipo de estudo (transversal). Quanto à taxa de resposta, o método empregado de questionários autoaplicáveis pode ter explicado, em parte, a baixa adesão. Estudo de revisão sistemática, envolvendo artigos sobre qualidade de vida em professores brasileiros, mostrou que a taxa de resposta foi inferior a 50% em todos os estudos cuja amostra não tenha sido por conveniência5. Acredita-se que os professores que não tenham preenchido o questionário tenham um perfil menos saudável, podendo apresentar menores níveis de atividade física e menor escore de qualidade vida, o que agiria subestimando as associações reportadas no presente estudo.

Vale salientar que a baixa taxa de resposta pode ter prejudicado também o poder (precisão) do estudo. Por ter sido uma pesquisa censitária, não foi necessário cálculo de tamanho amostral. Cabe, no entanto, destacar que foi possível detectar, como estatisticamente significativas, razões de prevalência (RP) maiores do que 1,4, bem como coeficientes beta acima de 0,5 escores-z e diferenças no escore de qualidade de vida de pelo menos 10 pontos entre os terços de nível de atividade física.

Sobre o delineamento do estudo, como todas as variáveis foram coletadas no mesmo momento, sabe-se que algumas delas podem ter sido afetadas pelo viés de causalidade reversa. Por exemplo, pode ser que a prevalência de atividade física tenha sido maior para os indivíduos hipertensos por eles terem se tornado ativos em decorrência da sua condição de saúde. O mesmo pode ter acontecido para aqueles indivíduos com sobrepeso e os ex-fumantes.

Este estudo pode trazer algumas implicações práticas. Primeiro, observou-se que professores que apresentam um comportamento saudável tendem também a apresentar outros, denotando maior preocupação e cuidado com a sua saúde (o que se conhece como efeito de “cluster”). Logo, se se conseguir fazer com que os professores se tornem fisicamente ativos, isso poderá repercutir positivamente sobre outros comportamentos saudáveis.

Segundo, ao se demonstrar que o nível de atividade física esteve associado, de forma diretamente proporcional, ao escore de qualidade de vida, cria-se mais um argumento em favor da promoção e incentivo à prática de atividade física no ambiente universitário. Seria também uma forma interessante de integrar e aproximar os professores dos alunos e criar uma rede de apoio social.

Com os dados levantados, conclui-se que os professores devem dar mais atenção a ter um estilo de vida saudável. Menos da metade dos professores foram considerados fisicamente ativos no tempo de lazer. Além disso, demonstrou-se que, quanto maior o nível de atividade física de lazer, maiores foram os escores de qualidade de vida. Essa associação ocorreu principalmente para os seguintes domínios: capacidade funcional, estado geral de saúde e vitalidade. Portanto, intervenções, sejam no âmbito universitário ou comunitário, visando à promoção da prática de atividade física, poderão repercutir em melhorias à qualidade de vida deste público.

AGRADECIMENTOS

SCD é bolsista de produtividade em pesquisa do CNPQ.

  • Como citar: Dumith SC. Atividade física e qualidade de vida de professores universitários. Cad Saúde Colet, 2020; Ahead of Print. https://doi.org/10.1590/1414-462X202028030593
  • Trabalho realizado na Universidade Federal do Rio Grande (FURG) – Rio Grande (RS), Brasil.
  • Fonte de financiamento: nenhuma.
  • Erratum
    No artigo “ATIVIDADE FÍSICA E QUALIDADE DE VIDA DE PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS”, DOI https://doi.org/10.1590/1414-462X202028030593, publicado no periódico Cadernos Saúde Coletiva, vol.28, no. 3, pp. 438-446, na página 438 e no cabeçalho das páginas pares seguintes:
    Onde se lia:
    “Aprovado em: Dez. 02, 2019”
    Leia-se:
    “Aprovado em: Out. 02, 2019”

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Set 2020

Histórico

  • Recebido
    29 Out 2017
  • Aceito
    02 Out 2019
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