Sono e funcionalidade familiar de idosos cuidadores em alta vulnerabilidade social: um estudo transversal

Sueño y funcionalidad familiar de ancianos cuidadores en alta vulnerabilidad social: un estudio transversal

Resumo

Objetivo

analisar a relação entre qualidade do sono e funcionalidade familiar de idosos cuidadores de idosos em contexto de alta vulnerabilidade social.

Método

estudo transversal, quantitativo, realizado com 65 idosos que cuidavam de idosos, no período de julho de 2019 a março de 2020, a partir dos seguintes instrumentos: questionário de caracterização, Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh para avaliar a qualidade do sono e APGAR de Família para avaliar a funcionalidade familiar. Os testes qui-quadrado de Pearson e exato de Fisher foram utilizados, com nível de significância de 5%.

Resultados

a maioria dos idosos cuidadores era do sexo feminino, com média de 69,1±6,4 anos, casada, que cuidava do cônjuge, não possuía treinamento prévio tampouco ajuda de terceiros para cuidar. Cerca de 50,8% dos participantes referiram sono ruim e 66,2% apresentaram boa funcionalidade familiar, 16,9%, moderada disfunção e 16,9%, elevada disfunção familiar. Não houve relação estatisticamente significante entre os escores totais dos instrumentos sobre sono e funcionalidade familiar. Houve significância estatística apenas entre a funcionalidade familiar e outros distúrbios do sono causados por preocupação (p=0,019).

Conclusão e implicações para a prática

houve maior proporção de disfunção familiar entre idosos cuidadores que apresentavam distúrbios do sono em função de preocupação muito frequente quando comparados aos demais.

Palavras-chave:
Cuidadores; Enfermagem Geriátrica; Idoso; Relações Familiares; Sono

Resumen

Objetivo

analizar la relación entre la calidad del sueño y la funcionalidad familiar de los cuidadores de ancianos en un contexto de alta vulnerabilidad social.

Método

estudio transversal, cuantitativo, realizado con 65 ancianos que cuidaban de ancianos, de julio de 2019 a marzo de 2020, utilizando los siguientes instrumentos: cuestionario de caracterización, Índice de Calidad del Sueño de Pittsburgh para evaluar la calidad del sueño y APGAR de Familia para evaluar la funcionalidad familiar. Se utilizaron las pruebas de chi-cuadrado de Pearson y exacta de Fisher, con un nivel de significación del 5%.

Resultados

la mayoría de los cuidadores de ancianos fueron mujeres, con una edad promedio de 69,1 ± 6,4 años, casadas, que cuidaban de su cónyuge, no contaban con formación previa ni ayuda de otras personas para cuidarlos. Aproximadamente del 50,8% de los participantes informaron que no dormían bien y el 66,2% tenía una buena funcionalidad familiar, el 16,9% disfunción moderada y el 16,9% disfunción familiar alta. No hubo relación estadísticamente significativa entre las puntuaciones totales de los instrumentos sobre el sueño y la funcionalidad familiar. Solo hubo significación estadística entre la funcionalidad familiar y otros trastornos del sueño causados por la preocupación (p = 0,019).

Conclusión e implicaciones para la práctica

hubo una mayor proporción de disfunción familiar entre los cuidadores ancianos que tenían trastornos del sueño debido a una preocupación muy frecuente en comparación con los demás.

Palabras clave:
Cuidadores; Enfermería Geriátrica; Ancianos; Relaciones familiares; Sueño

Abstract

Objective

to analyze the relationship between quality of sleep and family functioning of older caregivers in a context of high social vulnerability.

Method

a cross-sectional, quantitative study, carried out with 65 older caregivers, in the period from July 2019 to March 2020, from the following instruments: characterization questionnaire, Pittsburgh Sleep Quality Index to assess sleep quality and Family APGAR to assess family functionality. Pearson's chi-square and Fisher's exact tests were used, with a significance level of 5%.

Results

most of the older caregivers were female, with a mean age of 69.1±6.4 years, married, caring for their spouse, with no previous training or help from third parties. About 50.8% of the participants reported bad sleep, and 66.2% had good family functioning, 16.9% moderate dysfunction, and 16.9% high family dysfunction. There was no statistically significant relationship between the total scores of the instruments on sleep and family functioning. There was statistical significance only between family functioning and other sleep disturbances caused by worry (p=0.019).

Conclusion and implications for practice

there was a higher proportion of family dysfunction among older caregivers who had sleep disturbances as a function of very frequent worrying compared to the others.

Keywords:
Caregivers; Geriatric Nursing; Aged; Family Relations; Sleep

INTRODUÇÃO

O envelhecimento populacional é uma conquista mundial que alcançou um crescimento expressivo.¹ Doenças crônicas não transmissíveis são comuns entre os idosos, os quais convivem ou conviverão com elas por um longo período de tempo. Dessa maneira, pode haver sequelas e incapacidade, fazendo com que os idosos apresentem limitações no desempenho de suas atividades de vida diária, tornando-se dependentes de um cuidador.^1,2

No contexto brasileiro, o cuidado ao idoso, geralmente, é exercido por um membro familiar no próprio domicílio.¹ Em virtude do envelhecimento populacional, de novos arranjos familiares e da inserção das mulheres mais jovens no mercado de trabalho, observa-se, na literatura, um maior número de pessoas idosas que estão cuidando de outros idosos.^2,3

Muitas vezes, esse cuidado é assumido de maneira repentina por ser o idoso a única opção de cuidador dentre os membros familiares disponíveis. Além disso, não recebe o apoio de outras pessoas para a tarefa de cuidar, além de não apresentar preparo psicológico tampouco técnico para desempenhar seu novo papel, o que pode culminar em uma situação de extrema ansiedade.⁴

Idosos cuidadores inseridos em ambientes de alta vulnerabilidade social estão mais vulneráveis a estressores, os quais podem estar acometidos por multimorbidades, resultando em prejuízo ao cuidado oferecido.⁵ Diante do exposto, fatores como a disfunção familiar e queixas relacionadas ao sono podem surgir frente a essa nova realidade e, assim, interferir na qualidade do cuidado oferecido.

Foram encontrados, na literatura, estudos que buscaram analisar a relação entre funcionalidade familiar e queixas de sono entre idosos,^6,7 porém, são escassos. Tais estudos demonstraram que a disfunção familiar está associada às queixas de sono entre os idosos,^6,7 no entanto, lacunas devem ser investigadas. Diante disso, questiona-se se essa relação existe em idosos cuidadores inseridos em contexto de pobreza. Compreender a relação entre funcionalidade familiar e sono de idosos cuidadores mostra-se importante e pertinente, principalmente em cenários de alta vulnerabilidade social, pois tanto a disfunção familiar quanto as queixas de sono podem comprometer a saúde, a qualidade de vida e o bem-estar dos idosos.⁷ É de fundamental importância que tanto a saúde física quanto a saúde mental dos idosos cuidadores estejam preservadas para que eles ofereçam cuidados de boa qualidade.⁸ O objetivo deste estudo foi analisar a relação entre qualidade do sono e funcionalidade familiar de idosos cuidadores de idosos em contexto de alta vulnerabilidade social.

MÉTODO

Estudo observacional, de corte transversal, baseado nos pressupostos quantitativos de investigação. Trata-se de um recorte de um estudo maior intitulado “Fatores associados à má qualidade do sono de idosos cuidadores”. Foi realizado no município de São Carlos (SP) com idosos atendidos em cinco Unidades de Saúde da Família (USFs) inseridas em contexto de alta vulnerabilidade social. Atualmente, o município de São Carlos dispõe de 21 USFs, as quais estão inseridas em distintas áreas de vulnerabilidade social de acordo com o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS) elaborado segundo os aspectos socioeconômicos e demográficos dos indivíduos residentes no Estado de São Paulo. Há sete níveis de vulnerabilidade captados pelo IPVS: Grupo 1 (baixíssima); Grupo 2 (muito baixa); Grupo 3 (baixa); Grupo 4 (média); Grupo 5 (alta – setores urbanos); Grupo 6 (muito alta) e Grupo 7 (alta – setores rurais).

A população foi constituída por idosos com 60 anos de idade ou mais, cadastrados e que residiam na área urbana de abrangência das USFs e que cuidavam de idosos. Os critérios de inclusão foram: possuir idade mínima de 60 anos; estar cadastrado em uma USF inserida em contexto de alta vulnerabilidade social (IPVS 5); ser o cuidador primário do idoso e residir no mesmo domicílio que o idoso que recebe os cuidados, o qual estivesse dependente para, pelo menos, uma Atividade Básica de Vida Diária (ABVD - avaliada pelo Índice de Katz) ou Instrumental de Vida Diária (AIVD - avaliada pela Escala de Lawton e Brody). Os critérios de exclusão foram: graves dificuldades auditivas e/ou visuais percebidas no momento da coleta de dados, as quais pudessem dificultar a comunicação; classificação como independentes de todos os idosos do domicílio, tanto para ABVD quanto AIVD; óbito de um dos idosos da díade; mudança de endereço; não ser encontrado depois de três tentativas em dias e horários distintos.

Por meio de uma lista fornecida pelos profissionais das cinco USFs, com 168 domicílios, os quais eram compostos por, pelo menos, dois idosos, a amostra foi selecionada. Todos foram visitados. Dentre eles, 49 não indicaram interesse em participar do estudo, 32 não foram encontrados pelos pesquisadores após três tentativas em dias e horários distintos, 18 não residiam mais no endereço informado, três haviam falecido e um dos domicílios apresentava idosos independentes para ABVD e AIVD. Diante disso, a amostra final deste estudo foi composta por 65 idosos cuidadores. Ao considerar como população os 168 idosos cuidadores de idosos cadastrados nas referidas USFs, os 65 participantes deste estudo constituíram uma amostra com grau de confiança de 95% e margem de erro de 10% - cálculo realizado por meio da plataforma Survey Monkey®.

Primeiramente, foi realizado contato com as referidas USFs para identificar os potenciais participantes da pesquisa. Com o auxílio dos agentes comunitários de saúde, foi elaborada uma lista com os nomes e endereços dos idosos cuidadores. Em seguida, foram realizadas visitas domiciliárias a todos os idosos cuidadores para a verificação dos critérios de inclusão e exclusão dos participantes. Os idosos que atenderam aos critérios de inclusão foram convidados a participar da pesquisa. Nessa visita, foram informados quanto aos objetivos do estudo e demais questões éticas e, em seguida, foram convidados a participar do referido estudo. Em caso de aceite, foi agendada nova visita domiciliária para a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e realização da entrevista. A coleta de dados teve duração aproximada de duas horas e foi realizada no domicílio dos idosos cuidadores, individualmente, em espaço disponibilizado pelo participante. Oito estudantes de graduação e pós-graduação previamente treinados realizaram as entrevistas no período de julho de 2019 a março de 2020.

Para a caracterização dos participantes e do contexto de cuidado, foi elaborado um questionário com os seguintes dados sociodemográficos e de saúde: sexo; idade; situação conjugal; escolaridade; renda familiar e individual; número de medicamentos em uso; multimorbidades; dor; grau de parentesco; há quanto tempo o cuidado é exercido; quantas horas e dias na semana são destinados a esse cuidado; se realizou algum curso preparatório para cuidar de um idoso; se recebe ajuda para a tarefa de cuidar.

O Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh, validado para o Brasil, foi adotado para avaliar a qualidade do sono. É constituído por 19 questões agrupadas em sete componentes, sendo: qualidade subjetiva do sono; latência para o sono; eficiência habitual do sono; duração do sono; distúrbios do sono; uso de medicação para dormir; disfunção diurna. A pontuação total do instrumento pode variar de zero a 21 pontos, sendo que quanto maior a pontuação obtida, pior a avaliação da qualidade do sono. O escore global permite diferenciar a qualidade do sono dos indivíduos, ou seja, sono de boa qualidade (< 5 pontos), sono de má qualidade (5 a 10 pontos) e presença de distúrbios do sono (11 a 21 pontos).^9,10

O APGAR de Família foi utilizado para avaliar a funcionalidade familiar. Esse instrumento foi validado no contexto brasileiro, sendo composto por cinco questões que permitem a mensuração da satisfação dos membros da família em relação a cinco componentes considerados básicos na unidade e funcionalidade de qualquer família, ou seja, adaptação, companheirismo, desenvolvimento, afetividade e capacidade resolutiva. Seu escore final pode variar de zero a 20 pontos diante da somatória de todas as questões respondidas. Assim, a funcionalidade familiar pode ser classificada como: elevada disfunção familiar (0 – 8 pontos); moderada disfunção familiar (9 – 12 pontos) e boa funcionalidade familiar (13–20 pontos).^11,12

A Escala Katz foi usada para avaliar a capacidade funcional para ABVD, tais como: banho; capacidade para vestir-se e usar o banheiro; transferência; continência e alimentação. O instrumento é composto por duas opções de respostas, a depender do nível de dependência do entrevistado, podendo ser independente ou dependente. Ao final, o entrevistador pode verificar em quantas atividades o idoso é independente e em quantas atividades ele demonstra ser dependente.^13,14

A Escala de Lawton e Brody foi utilizada para a avaliação da capacidade funcional em AIVD, tais como: uso de telefone; uso de meios de transporte; realizar compras; trabalho doméstico; preparar refeições; usar medicamentos e manejar o dinheiro. Para cada uma destas atividades, o idoso poderá pontuar um para a dependência completa, dois para a dependência parcial ou três para a independência. Ao final, a pontuação pode variar entre sete e 21 pontos, isto é, sete pontos significam dependência total, de oito a 20 pontos, dependência parcial e 21 pontos, independência.^15,16

Na análise descritiva dos dados, foram estimadas as proporções e as diferenças entre os grupos foram analisadas utilizando-se os testes qui-quadrado de Pearson e exato de Fisher. Adotou-se o nível de significância de 5%. Os dados obtidos foram codificados e digitados em planilha eletrônica por dois digitadores distintos e analisados com o apoio do pacote estatístico Stata, versão 13.

Todas as normas éticas estabelecidas na Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde foram respeitadas e somente após a autorização da Secretaria Municipal de Saúde e aprovação do Comitê de Ética as entrevistas foram iniciadas. Destaca-se ainda que foi elaborado o TCLE com informações relevantes sobre a pesquisa e, após a leitura e assinatura do TCLE, a coleta de dados teve início.

RESULTADOS

A amostra deste estudo foi constituída por 65 idosos cuidadores. A Tabela 1 apresenta as características sociodemográficas dos idosos cuidadores participantes.

Tabela 1
Distribuição dos idosos que cuidam de outros idosos em contexto de alta vulnerabilidade social segundo aspectos sociodemográficos. São Carlos, SP, Brasil, 2019-2020 (n=65).

Variáveis	n (%)	média (DP)
Sexo
Masculino	28 (43,1)
Feminino	37 (56,9)
Idade (anos)		69,1 (6,4)
Faixa etária
60 a 74 anos	51 (78,5)
75 anos ou mais	14 (21,5)
Situação conjugal
Com companheiro	61 (93,9)
Sem companheiro	4 (6,1)
Anos de estudo		3,1 (2,8)
Renda pessoal (em reais)		1.240,44 (1.006,70)
Renda familiar (em reais)		2.390,49 (1.162,54)

• Fonte: Elaborada pelas autoras. DP – Desvio-Padrão.

A Tabela 2 apresenta os aspectos de saúde dos idosos cuidadores em contexto de alta vulnerabilidade social.

Tabela 2
Distribuição dos idosos que cuidam de outros idosos em contexto de alta vulnerabilidade social segundo aspectos de saúde, qualidade do sono e capacidade funcional. São Carlos, SP, Brasil, 2019-2020 (n=65).

Variáveis	n (%)	média (DP)
Multimorbidade
Não	3 (4,6)
Sim	62 (95,4)
Uso de medicamentos
Dois ou mais	47 (72,3)
Um	10 (15,4)
Nenhum	8 (12,3)
Dor
Sim	59 (90,8)
Não	6 (9,2)
Qualidade do sono
Ruim	33 (50,8)
Boa	17 (26,1)
Presença de distúrbios do sono	15 (23,1)
Escore total de qualidade do sono		7,3 (4,1)
ABVD
Independência	48 (73,9)
Dependência em uma atividade	16 (24,6)
Dependência em duas atividades	1 (1,5)
AIVD
Dependência parcial	41 (63,1)
Independência	24 (36,9)

• Fonte: Elaborada pelas autoras. ABVD – Atividades Básicas de Vida Diária; AIVD – Atividades Instrumentais de Vida Diária; DP – Desvio-Padrão.

Em relação ao contexto de cuidado, observou-se que 89,3% dos idosos cuidadores eram cônjuges do idoso receptor de cuidados. Cuidavam, em média, há 11,1±12,8 anos, por 17,9±8,3 horas diárias e 6,9±0,4 dias na semana. A maioria não possuía treinamento prévio (96,9%) e não recebia ajuda para com a tarefa de cuidar (58,5%).

Quanto à funcionalidade familiar, 66,2% dos idosos cuidadores apresentaram boa funcionalidade familiar, 16,9%, moderada disfunção e 16,9%, elevada disfunção familiar. A Tabela 3 apresenta a relação entre a funcionalidade familiar e o sono de idosos cuidadores.

Tabela 3
Distribuição percentual dos idosos cuidadores segundo características do sono e funcionalidade familiar. São Carlos, SP, Brasil, 2019-2020 (n=65).

Variáveis	n (%)	Funcionalidade Familiar			p
		Elevada disfunção n (%)	Moderada disfunção n (%)	Boa funcionalidade n (%)
Escore total de qualidade do sono
Boa	17(26,1)	3(17,7)	4(23,5)	10(58,8)	0,7751
Ruim	33(50,8)	5(15,2)	4(12,1)	24(72,7)
Presença de distúrbio do sono	15(23,1)	3(20,0)	3(20,0)	9(60,0)
Qualidade subjetiva do sono
Boa	43(66,1)	7(16,3)	8(18,6)	28(65,1)	0,9301
Má	22(33,9)	4(18,2)	3(13,6)	15(68,2)
Latência do sono
Curta	46(70,8)	8(17,4)	8(17,4)	30(65,2)	1,0001
Longa	19(29,2)	3(15,8)	3(15,8)	13(68,4)
Duração do sono
Recomendada	37(56,9)	6(16,2)	8(21,6)	23(62,2)	0,5711
Não recomendada	28(43,1)	5(17,9)	3(10,7)	20(71,4)
Eficiência do sono
Eficiente	32(49,2)	6(18,8)	5(15,6)	21(65,6)	1,0002
Não eficiente	33(50,8)	5(15,1)	6(18,2)	22(66,7)
Uso de medicação para dormir
Pouco frequente ou nulo	53(81,5)	9(17,0)	11(20,8)	33(62,2)	0,2341
Muito frequente	12(18,5)	2(16,7)	0(0,0)	10(83,3)
Disfunção diurna
Pouca indisposição diurna	45(69,2)	6(13,3)	8(17,8)	31(68,9)	0,5281
Muita indisposição diurna	20(30,8)	5(25,0)	3(15,0)	12(60,0)

• Fonte: Elaborada pelas autoras.
• ¹
  Exato de Fisher;
• ²
  qui-quadrado de Pearson.

Não foram encontrados resultados estatisticamente significativos entre as variáveis sono e funcionalidade familiar. A Tabela 4 apresenta a distribuição percentual dos idosos cuidadores em relação aos distúrbios do sono apontados no instrumento PSQI e à funcionalidade familiar.

Tabela 4
Distribuição percentual dos idosos cuidadores segundo distúrbios do sono e funcionalidade familiar. São Carlos, SP, Brasil, 2019-2020 (n=65).

Variável	n (%)	Funcionalidade Familiar			p*
		Elevada disfunção n (%)	Moderada disfunção n (%)	Boa funcionalidade n (%)
Acordar no meio da noite ou de manhã muito cedo
Pouco frequente	29(44,6)	5(17,2)	5(17,2)	19(65,6)	1,0002
Muito frequente	36(55,4)	6(16,7)	6(16,7)	24(66,7)
Levantar-se para ir ao banheiro
Pouco frequente	35(53,8)	6(17,1)	8(22,9)	21(60,0)	0,4141
Muito frequente	30(46,2)	5(16,7)	3(10,0)	22(73,3)
Ter dificuldade para respirar
Pouco frequente	60(92,3)	10(16,7)	10(16,7)	40(66,6)	1,0001
Muito frequente	5(7,7)	1(20,0)	1(20,0)	3(60,0)
Tossir/roncar muitas vezes
Pouco frequente	54(83,1)	8(14,8)	9(16,7)	37(68,5)	0,4881
Muito frequente	11(16,9)	3(27,3)	2(18,2)	6(54,5)
Sentir muito frio
Pouco frequente	61(93,8)	11(18,0)	10(16,4)	40(65,6)	1,0001
Muito frequente	4(6,2)	0(0,0)	1(25,0)	3(75,0)
Sentir muito calor
Pouco frequente	49(75,4)	8(16,3)	10(20,4)	31(63,3)	0,4851
Muito frequente	16(24,6)	3(18,8)	1(6,2)	12(75,0)
Ter sonhos ruins/pesadelos
Pouco frequente	58(89,2)	10(17,2)	8(13,8)	40(69,0)	0,1741
Muito frequente	7(10,8)	1(14,2)	3(42,9)	3(42,9)
Sentir dores
Pouco frequente	47(72,3)	8(17,0)	9(19,2)	30(63,8)	0,9161
Muito frequente	18(27,7)	3(16,7)	2(11,1)	13(72,2)
Outros (preocupação)
Pouco frequente	55(84,6)	6(10,9)	10(18,2)	39(70,9)	0,019 1
Muito frequente	10(15,4)	5(50,0)	1(10,0)	4(40,0)

• Fonte: Elaborada pelas autoras.
• ¹
  Exato de Fisher;
• ²
  qui-quadrado de Pearson.

Resultados estatisticamente significantes foram encontrados entre funcionalidade familiar e outros distúrbios do sono causados por preocupação (p=0,019). Houve maior proporção de disfunção familiar entre os idosos cuidadores que apresentavam distúrbios do sono em função de preocupação muito frequente quando comparados aos demais.

DISCUSSÃO

Esse estudo investigou a relação entre qualidade do sono e funcionalidade familiar de idosos cuidadores de outros idosos. Não houve relação significativa entre o escore total de qualidade do sono e a funcionalidade familiar. Resultados estatisticamente significantes foram encontrados apenas entre funcionalidade familiar e outros distúrbios do sono causados por preocupação (p=0,019). Houve maior proporção de disfunção familiar entre os idosos cuidadores que apresentavam distúrbios do sono em decorrência de preocupação de muito frequente quando comparados aos demais.

A maioria dos idosos cuidadores deste estudo pontuou para má qualidade do sono. Dados divergentes foram identificados na literatura internacional.¹⁷ Talvez essa discrepância tenha sido encontrada em virtude do contexto em que os cuidadores deste estudo estão inseridos. Acredita-se que o contexto de alta vulnerabilidade social, marcado pela escassez de recursos culturais, recreativos, financeiros, sociais e de saúde, possa expor os indivíduos a danos relacionados à saúde,^5,18,19 incluindo o comprometimento do sono noturno.

Por outro lado, o desempenho da tarefa de cuidar também pode culminar nessa insatisfação em relação ao sono noturno. À medida que os idosos cuidadores exercem, solitariamente, o cuidado, sem apoio de outras pessoas e sem preparo prévio, podem manifestar angústias emocionais, ansiedade, sintomas depressivos, o que, consequentemente, afetaria a qualidade do sono noturno.²⁰ Isso vai ao encontro das características do contexto de cuidado identificadas neste estudo, o qual revelou predomínio de cuidadores sem capacitação para o cuidado, que não recebiam ajuda de terceiros, que desenvolviam o cuidado por longos anos, durante várias horas por dia.

Em relação à funcionalidade familiar, a maioria dos idosos cuidadores deste estudo apresentou boa funcionalidade. Uma pesquisa realizada com 148 idosos cuidadores identificou que a maioria dos idosos cuidadores também pontuou para boa funcionalidade familiar e os fatores associados à alta satisfação com as relações familiares foram: reciprocidade e suficiência do apoio emocional e ausência de ônus no oferecimento de ajuda instrumental. Destacou-se que a qualidade do apoio é mais importante do que a quantidade e que o apoio emocional é o tipo mais considerável quando se trata da satisfação dos idosos cuidadores em relação à funcionalidade familiar.²¹ Outro estudo nacional, realizado com 298 idosos cuidadores de seus cônjuges, mostrou que a maioria dos idosos pontuou para boa funcionalidade familiar. Altos níveis de estresse, sintomas depressivos e presença de comprometimento cognitivo são preditores de baixos níveis de funcionamento familiar e ter um número maior de filhos previa níveis mais altos de funcionamento familiar.²²

O predomínio de boa funcionalidade familiar pode ser identificado entre idosos que vivem com seu cônjuge e estão inseridos em arranjos domiciliares mistos. A percepção de que há pessoas disponíveis para auxiliar nas atividades cotidianas é um fator importante que pode proporcionar redução do estresse, aumento do bem-estar psicológico e uma visão positiva sobre o funcionamento familiar. Relações conjugais duradouras trazem tranquilidade para os idosos e estar inserido no contexto domiciliar, em meio a entes queridos, repercute em uma percepção positiva da vida, sendo que a avaliação positiva da funcionalidade familiar pode significar sucesso e elevado senso de autorrealização.^23,24

Bom funcionamento familiar também pode ser verificado em contextos em que os idosos estejam mais ativos fisicamente, ou seja, independentes em relação às ABVD e AIVD. A demanda reduzida por parte do idoso que recebe cuidados também influencia a percepção do funcionamento familiar. A dependência é considerada um fator estressor que pode superar os mecanismos de enfrentamento dos familiares desse idoso.²³ Esse aspecto também vai ao encontro do contexto de cuidado da amostra deste estudo, tendo em vista que a maioria dos idosos que recebe cuidado estava independente para as ABVD.

Neste estudo, não houve significância estatística entre as variáveis qualidade do sono e funcionalidade familiar. Esse fenômeno pode ser explicado em virtude do reduzido tamanho amostral. De acordo com pesquisa realizada nos Estados Unidos, adultos e idosos que apresentavam má qualidade do sono referiram insatisfação em relação à funcionalidade familiar. As relações familiares harmoniosas, baseadas no oferecimento de apoio emocional e conforto, podem minimizar os danos decorrentes de eventos estressantes que influenciam o sono. Por outro lado, conflitos familiares podem gerar emoções negativas e impactar, direta e negativamente, o sono noturno.⁷ Esses dados divergem dos descritos, embora tenham sido levantados com idosos que não são cuidadores.

Estudiosos apontaram que fatores sociais e familiares também modificam a qualidade do sono.²⁵ Além disso, referiram que relações familiares conflituosas podem exercer um impacto negativo sobre a saúde física, social e emocional dos indivíduos. Nesse sentido, o sono dos idosos pode estar prejudicado diante de um contexto disfuncional.⁷

Neste estudo, a única variável do sono que demonstrou significância estatística em relação à funcionalidade familiar foi a existência de preocupação. Houve maior proporção de disfunção familiar entre os idosos cuidadores que apresentavam sono prejudicado em decorrência de preocupação muito frequente quando comparados aos demais. A literatura aponta que sentimentos de preocupação em virtude de desentendimentos familiares e problemas financeiros são comuns no contexto em que esses idosos estão inseridos, os quais podem gerar ansiedade e, como consequência, danos ao sono noturno. A escassez de recursos financeiros, recorrente em um cenário de alta vulnerabilidade social, é uma das principais causas de preocupação entre os indivíduos. O estresse advindo dessas condições pode ser capaz de prejudicar tanto a funcionalidade familiar quanto o sono noturno.⁸

CONCLUSÃO E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA

Este estudo permitiu analisar a relação entre qualidade do sono e funcionalidade familiar de idosos cuidadores de idosos em contexto de alta vulnerabilidade social. Não foi encontrada relação estatisticamente significante entre tais variáveis, rejeitando-se a hipótese norteadora do estudo. Embora os achados não tenham confirmado a hipótese, os dados trazem contribuições relevantes para a Enfermagem Geriátrica, as quais poderão fomentar políticas públicas e fundamentar o planejamento de ações de melhorias que compreendam este público em específico, visando a melhorar as condições sociais e de saúde destes idosos.

Atividades educacionais como campanhas, palestras, reuniões e a entrega de material informativo com o objetivo de sensibilizar sobre a importância do sono noturno de qualidade e seus benefícios para a saúde são estratégias que podem ser utilizadas por profissionais da Atenção Primária à Saúde. Além disso, grupos de apoio e visitas domiciliárias multiprofissionais também podem ser empregados.

O estudo realizado apresentou limitações. O desenho de pesquisa adotado – estudo transversal – não permite a atribuição de causalidade entre as variáveis. Além disso, o reduzido tamanho amostral e o contexto social dos idosos cuidadores participantes da pesquisa foram muito específicos, impossibilitando, dessa forma, a generalização dos achados. A escassez de literatura que envolve as variáveis também foi um fator limitante, dificultando a comparação dos achados. Como pontos fortes, destacam-se o caráter inovador da temática estudada e o fato de a avaliação ser realizada com idosos da comunidade não selecionados a partir de queixas específicas sobre sono ou insatisfação quanto à funcionalidade familiar.

Estudos de intervenção visando a melhorias nos aspectos de saúde voltados ao sono e à funcionalidade familiar e estudos longitudinais para verificar a direção da relação entre as variáveis são sugestões para estudos futuros, visando a compreender, em um contexto mais ampliado, como tais variáveis impactam a saúde e a qualidade de vida destes indivíduos. Ainda há que se considerar que a inserção de variáveis, como estresse percebido, sobrecarga do cuidador e apoio social, também pode contribuir para uma análise mais aprofundada sobre essa relação em estudos posteriores.

• FINANCIAMENTO Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq - Processo nº 429310/2018-8 e bolsa de iniciação científica para Isabela Bonifácio de Almeida Ferreira, Processo nº 160292/2020-4).

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  11 Mar 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  05 Dez 2021
• Aceito
  04 Fev 2022