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A população indígena Xavante em Mato Grosso: características sociodemográficas relacionadas à saúde

La población indígena Xavante en Mato Grosso: características sociodemográficas relacionadas con la salud

RESUMO

Objetivo

Comparar indicadores sociodemográficos dos Xavante de seis terras indígenas com a população não indígena residente em áreas rurais de quatro microrregiões adjacentes.

Método

Estudo seccional, do tipo ecológico, com análises comparativas entre indígenas e não indígenas residentes no estado de Mato Grosso, Brasil. Compararam-se os seguintes indicadores: estrutura etária e por sexo, taxa de alfabetização, renda, condições de saneamento dos domicílios e mortalidade.

Resultados

Foram caracterizadas 14.905 pessoas Xavante e 78.106 pessoas não indígenas (brancas, pretas, amarelas e pardas) residentes em domicílios de área rural. A estrutura etária revelou padrões divergentes, 40,0% dos Xavantes tinham menos de 10 anos de idade, contra 15,0% dos não indígenas na mesma faixa etária. Em relação aos não indígenas, os Xavantes apresentaram maior taxa de analfabetismo (31,3% vs. 9,9%) e 84,1% dos domicílios não possuíam banheiro ou sanitário, 39,6% das pessoas Xavante não declararam renda, contra 6,5% para os não indígenas.

Conclusão e implicação para a prática

Os dados sobre etnia, coletados pela primeira vez por um censo, são essenciais para análises demográficas de segmentos específicos da população, e, no caso dos Xavante, revelam desigualdades em relação aos não indígenas.

Palavras-chave:
Povos indígenas; Xavante; Censo Demográfico; Saúde

RESUMEN

Objetivo

Comparar los indicadores sociodemográficos del Xavante pertenecientes a seis tierras indígenas con la población no indígena residente en áreas rurales de cuatro microrregiones adyacentes.

Método

Estudio seccional, tipo ecológico, con análisis comparativo entre indígenas y no indígenas residentes del estado de Mato Grosso, Brasil. Se compararon los siguientes indicadores: estructura de edad y sexo, tasa de alfabetización, ingresos, condiciones de saneamiento y mortalidad inadecuadas.

Resultados

La muestra estuvo conformada por 14.905 personas Xavante y 78.106 personas no indígenas (blancos, negros, amarillos y morenos) que viven en hogares rurales. La estructura por edades reveló patrones divergentes, siendo el 40,0% de los xavante menores de 10 años, frente al 15,0% de los no indígenas del mismo grupo de edad. En comparación con los no indígenas, los Xavante tenían una tasa de analfabetismo más alta (31,3% vs.9,9%) y el 84,1% de los hogares no tenían baño ni inodoro, el 39,6% de los Xavante no declaraban sus ingresos frente a 6,5% para personas no indígenas.

Conclusión e implicación para la práctica

Los datos sobre etnicidad, recopilados por primera vez mediante un censo, son fundamentales para el análisis demográfico de segmentos específicos de la población y, en el caso de los xavante, revelan desigualdades en relación con los no indígenas.

Palabras chave: Población Indígena; Xavante; Censos Demográficos; Salud

ABSTRACT

Objective

To compare Xavante sociodemographic indicators from six indigenous lands with the non-indigenous population residing in rural areas of four adjacent microregions.

Method

This is an ecological cross-sectional study, with comparative analyzes between indigenous and non-indigenous residents in the state of Mato Grosso, Brazil. Age and sex structure, literacy rate, income, household sanitation conditions and mortality were compared.

Results

A total of 14,905 Xavante people and 78,106 non-indigenous people (white, black, yellow and brown) residing in rural areas were characterized. The age structure revealed divergent patterns, 40.0% of Xavante were under 10 years old, against 15.0% of non-indigenous people in the same age group. Regarding non-indigenous people, the Xavante had a higher illiteracy rate (31.3% vs. 9.9%), and 84.1% of the households did not have a bathroom or toilet, 39.6% of Xavante people did not declare an income against 6.5% for the non-indigenous.

Conclusion and implication for practice

Data on ethnicity, collected for the first time by a census, are essential for demographic analyzes of specific segments of the population, and in the case of the Xavante, they reveal inequalities in relation to non-indigenous people.

Keywords:
Indigenous Peoples; Xavante; Demographic Census; Health

INTRODUÇÃO

Características sociodemográficas de uma população podem ser compreendidas por meio de indicadores que sintetizem aspectos relativos à estrutura e dinâmica demográficas, padrões de espacialização nos diversos territórios, além das condições de vida, incluindo condições de saúde. Em muitos contextos − como no caso dos indígenas residentes no Brasil −, a compreensão das principais características sociodemográficas é relativamente recente e envolve inúmeras particularidades, especialmente quanto à sociodiversidade étnica, presente em todo o território nacional.11 Pagliaro H, Azevedo MM, Santos RV, organizadores. Demografia dos povos indígenas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005.,22 Pereira NOM. Avanços na captação de dados sobre a população indígena no Censo Demográfico 2010. Rev Bras Estud Popul. 2016;33(2):423-30. https://dx.doi.org/10.20947/S0102-30982016a0040.

Dentre as fontes de dados que buscam subsidiar políticas públicas nas diversas áreas de interesse coletivo − inclusive no campo da saúde −, os recenseamentos populacionais são, inequivocadamente, uma das ferramentas de maior relevância. No caso dos últimos censos brasileiros, houve inclusão de itens relacionados à sociodiversidade étnica e racial da população, contemplando toda a extensão territorial e alcançando locais que somente os censos investigam.33 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Metodologia do Censo Demográfico 2010 [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2013 [citado 2021 nov 26]. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv81634.pdf
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,44 Simon P, Piché V. Accounting for ethnic and racial diversity: the challenge of enumeration. Ethn Racial Stud. 2012;35(8):1357-65. https://dx.doi.org/10.1080/01419870.2011.634508.

Os três últimos censos realizados no Brasil (1991, 2000 e 2010) investiram progressivamente na coleta de dados específicos sobre os indígenas. Algumas análises demonstraram que, ao longo das últimas décadas, houve importantes variações nos contingentes populacionais dos indígenas, com destaque para o aumento do volume em contextos urbanos.55 Bastos JL, Santos RV, Cruz OG, Longo LAFB, Silva LO. Características sociodemográficas de indígenas nos censos brasileiros de 2000 e 2010: uma abordagem comparativa. Cad Saude Publica. 2017;33(33, suppl 1):e00085516. https://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00085516. PMid:28562699. Em relação ao recenseamento de 2010, pela primeira vez foram investigadas características sobre pertencimento étnico específico, revelando que no Brasil residem mais de três centenas de povos indígenas, incluindo os Xavante, presentes majoritariamente na região Centro-Oeste do Brasil.66 Souza LG, Gugelmin SA, Cunha BCB, Atanaka M. Os indígenas Xavante no Censo Demográfico de 2010. Rev Bras Estud Popul. 2016;33(2):327-47. https://dx.doi.org/10.20947/S0102-30982016a0025.

O povo indígena Xavante é reconhecidamente uma das etnias com diversos relatos e estudos nos campos da antropologia, demografia e saúde, em especial a população da Terra Indígena (TI) Pimentel Barbosa, que possui investigações realizadas desde a década de 1950, sendo acompanhada por intermédio de estudos nos campos citados até o presente momento.77 Coimbra Jr CEA, Flowers NM, Salzano FM, Santos RV. The Xavante in Transition Health, Ecology, and Bioanthropology in Central Brazil. Ann Arbor: University of Michigan Press; 2002. https://dx.doi.org/10.3998/mpub.17125.

8 Santos RV, Flowers NM, Coimbra Jr CEA. Demografia, epidemias e Organização Social: os Xavante de Pimentel Barbosa (Etéñitepa), Mato Grosso. In: Pagliaro H, Azevedo MM, Santos RV, organizadores. Demografia do Povos Indígenas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005. p. 59-78. https://dx.doi.org/10.7476/9788575412541.0004.

9 Pereira NOM, Santos RV, Coimbra Jr CEA, Welch JR. Demografia, território e identidades: Os Xavante e o Censo Demográfico de 2000. In: Coimbra Jr CEA, Welch JR, organizadores. Antropologia e História Xavante em perspectiva. Rio de Janeiro: Museu do Índio – FUNAI; 2014. p. 181-99.

10 Ferreira AA, Welch JR, Cunha GM, Coimbra Jr CEA. Physical growth curves of indigenous Xavante children in Central Brazil: results from a longitudinal study (2009-2012). Ann Hum Biol. 2016;43(4):293-303. https://dx.doi.org/10.1080/03014460.2016.1195445. PMid:27239686.
-1111 Welch JR, Ferreira AA, Tavares FG, Lucena JRM, Oliveira MVG, Santos RV et al. The Xavante Longitudinal Health Study in Brazil: objectives, design, and key results. Am J Hum Biol. 2020;32(2):e23339. https://doi.org/10.1002/ajhb.23339. PMid:31654538.
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A partir dos resultados do Censo 2000, observados para a população Xavante de seis terras indígenas, comparados aos mesmos dados de uma segunda fonte (Sistema de Informação a Saúde Indígena - SIASI), os autores consideraram consistentes o tamanho populacional e sua distribuição em faixas etárias e sexo, estando localizados prioritariamente em reservas indígenas, na área rural dos municípios abrangentes.99 Pereira NOM, Santos RV, Coimbra Jr CEA, Welch JR. Demografia, território e identidades: Os Xavante e o Censo Demográfico de 2000. In: Coimbra Jr CEA, Welch JR, organizadores. Antropologia e História Xavante em perspectiva. Rio de Janeiro: Museu do Índio – FUNAI; 2014. p. 181-99.,1212 Pereira NOM, Santos RV, Welch JR, Souza LG, Coimbra Jr CEA. Demography, territory, and identity of indigenous peoples in Brazil: The Xavante Indians and the 2000 Brazilian National Census. Hum Organ. 2009;68(2):166-80. https://dx.doi.org/10.17730/humo.68.2.x717g781t57101k8.

A dinâmica demográfica dos Xavante envolve reconhecido crescimento populacional, em contextos de elevadas taxas de mortalidade infantil. Em comparação a outros contextos indígenas presentes no Brasil, processos de migração e aumento do autorreconhecimento étnico têm pouca relação com elevação das taxas de crescimento populacional.1313 Souza LG, Santos RV, Pagliaro H, Carvalho MS, Flowers NM, Coimbra Jr CEA. Demography and health of the Xavante Indians of Central Brazil. Cad Saude Publica. 2011;27(10):1891-905. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2011001000003. PMid:22031194.

Dessa forma, estudos populacionais que descrevam características de grupos étnicos específicos a partir de grandes bancos nacionais permanecem escassos no Brasil, aspecto que se relaciona, em grande parte, à exiguidade de dados coletados por órgãos estatais que garantam relativa legitimidade nas comparações com o restante da população.

A partir dos dados do Censo 2010, o objetivo deste estudo foi comparar características demográficas e socioeconômicas da população de seis Terras Indígenas Xavante com a população rural não indígena de quatro microrregiões (conforme classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE), situadas nas adjacências dessas terras indígenas Xavante, no leste de Mato Grosso, Brasil.

MÉTODO

Realizou-se estudo seccional, do tipo ecológico, com análises comparativas entre indígenas e não indígenas (brancos, pretos, pardos e amarelos, considerados em conjunto) residentes na porção leste do estado de Mato Grosso, região Centro-Oeste do Brasil. Foram selecionadas seis terras indígenas habitadas exclusivamente pela etnia Xavante: Parabubure, São Marcos, Pimentel Barbosa, Areões, Sangradouro/Volta Grande e Maraiwãtsédé.

Os dados analisados são oriundos do universo do Censo 2010, realizado pelo IBGE, e foram acessados por meio do Banco Multidimensional de Estatística (BME/IBGE) (www.bme.ibge.gov.br). Trata-se de uma ferramenta que disponibiliza dados agrupados − portanto, não identificados − para a maior parte das pesquisas conduzidas pelo Instituto. Dentre as inúmeras estratificações permitidas por essa ferramenta, os dados podem ser agregados para contextos geográficos específicos − grandes regiões, unidades da federação, microrregiões.

De acordo com o IBGE, no âmbito do Censo 2010, foram consideradas terras indígenas “[...] o conjunto de terras que estava na situação fundiária de declarada, homologada, regularizada e em processo de aquisição como reserva indígena até a data de 31 de dezembro de 2010 [...]”33 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Metodologia do Censo Demográfico 2010 [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2013 [citado 2021 nov 26]. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv81634.pdf
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:301. A totalidade das seis terras indígenas incluídas neste estudo estavam integralmente localizadas em áreas rurais.

As terras indígenas Xavante, incluídas neste estudo, estavam sobrepostas ou adjacentes a quatro microrregiões em Mato Grosso: Canarana, Norte Araguaia, Tesouro e Médio Araguaia; em 2010, havia 22 microrregiões nesse estado. Assim informa o documento que descreve a metodologia adotada pelo IBGE33 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Metodologia do Censo Demográfico 2010 [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2013 [citado 2021 nov 26]. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv81634.pdf
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:299:

As microrregiões geográficas são conjuntos de municípios contíguos, definidas como partes das mesorregiões que apresentam especificidades quanto à organização do espaço. Sua delimitação leva em conta, além das dimensões formadoras das mesorregiões, a vida de relações em nível local, pela possibilidade de atendimento às suas populações, por parte dos setores sociais básicos [...].

A Figura 1 demonstra as unidades de análise do estudo, destacando as seis terras indígenas Xavante e os locais de área rural com moradores não indígenas. Apesar de serem reconhecidas e homologadas nove terras indígenas Xavante (em 2010), por razões de sigilo das informações, o BME permite acesso somente a 6 delas, nas quais residiam 83,2% do total de pessoas da etnia Xavante residentes em Mato Grosso. Como critério de inclusão, foram selecionadas pessoas autoclassificadas como “indígenas” na pergunta sobre cor ou raça, e como “Xavante”, no quesito sobre etnia, com a seguinte distribuição: Parabubure (N = 7.539 pessoas ou 50,6%), São Marcos-MT (N = 3.013 ou 20,2%), Pimentel Barbosa (N = 1.740 ou 11,7%), Areões (N = 965 ou 6,5%), Sangradouro/Volta Grande (N = 882 ou 5,9%) e Maraiwãtsédé (N = 766 ou 5,1%), totalizando 14.905 pessoas (Figura 1). Dentre os “não indígenas”, incluíram-se pessoas classificadas como “parda” (N = 45.309 ou 58,0%), “branca” (N = 26.100 ou 33,4%), “preta” (N = 5.676 ou 7,3%) e “amarela” (N = 1.021 ou 1,3%), totalizando 78.106 pessoas residentes em domicílios fora de terras indígenas, situados em áreas rurais das 4 microrregiões que delimitam a área indicada na Figura 1.

Figura 1
- Localização das terras indígenas Xavante e localidades de áreas rurais inseridas no conjunto das microrregiões Canarana, Norte Araguaia, Tesouro e Médio Araguaia, Mato Grosso, Brasil, 2010.

Os dois segmentos populacionais (indígenas e não indígenas) foram comparados segundo indicadores sociodemográficos – estruturas etárias e composição por sexo (pirâmides etárias); taxas de alfabetização (investigação sobre pessoas com 5 anos e mais de idade que sabiam ler e escrever um simples bilhete – incluindo línguas indígenas);33 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Metodologia do Censo Demográfico 2010 [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2013 [citado 2021 nov 26]. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv81634.pdf
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rendimento per capita (derivada do rendimento total, considerando moradores de, pelo menos, 10 anos de idade.33 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Metodologia do Censo Demográfico 2010 [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2013 [citado 2021 nov 26]. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv81634.pdf
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Selecionaram-se pessoas para as quais não foram declarados rendimentos – sem renda).33 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Metodologia do Censo Demográfico 2010 [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2013 [citado 2021 nov 26]. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv81634.pdf
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Caracterizaram-se os domicílios segundo proporções daqueles sem banheiro ou sanitário, sem coleta de lixo, sem abastecimento de água tratada, sem energia elétrica. A partir dos dados censitários, foram descritas as frequências de óbitos segundo sexo e faixas de idade segundo etnia Xavante e não indígena. Os denominadores relativos aos óbitos correspondem à frequência de domicílios de acordo com a cor ou raça e etnia (Xavante) declarada pelas pessoas identificadas como responsáveis pelos domicílios.

Armazenaram-se os dados em planilhas eletrônicas e analisados no programa SPSS versão 23.0,1414 IBM Corp. IBM SPSS. Statistical Package for the Social Sciences. SPSS for Windows, Version 23.0. New York, NY, USA: IBM Corp.; 2015. e os mapas foram confeccionados com apoio do TerraView versão 3.2.1.1515 Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. INPE TerraView. TerraView, TerraLib 3.2.1. TerraView, TerraLib 3.2.1. São José dos Campos: INPE/Divisão de Processamento de Imagens (DPI/INPE); 2008. A comparação entre os indicadores socioeconômicos verificou-se mediante o cálculo de estatísticas paramétricas (Qui-quadrado e Teste Anova) e medidas de efeito (Razão de Prevalência – RP), considerando significativos resultados com probabilidade de erro inferior a 5% (p-valor < 0,05).

A fonte dos dados utilizada neste estudo foi o Censo Demográfico 2010, realizado pelo IBGE, cujo acesso é gratuito, sendo permitida somente utilização de dados agregados de acordo com estratos geográficos de interesse (grandes regiões, microrregiões, município, bairro, entre outros).33 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Metodologia do Censo Demográfico 2010 [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2013 [citado 2021 nov 26]. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv81634.pdf
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Assim, a realização deste estudo decorreu por meio do uso de dados de natureza secundária, coletados e disponibilizados por órgão governamental. A condução das análises ocorreu em consonância com a Resolução n.º 466, de 2012, do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, que dispõe sobre a não obrigatoriedade e apreciação por Comitê de Ética em Pesquisa no caso do uso de dados públicos.

RESULTADOS

A estrutura etária e por sexo (pirâmides etárias) dos segmentos populacionais descritos revela características distintas por intermédio dos formatos delineados para os indígenas Xavante e demais pessoas residentes em área rural (Figura 2). Metade da população das seis terras indígenas Xavante é composta por crianças e adolescentes; pessoas acima de 50 anos correspondem a aproximadamente 7,1%. Apresentando valores invertidos, aproximadamente 25% da população não indígena rural dos 12 municípios é composta por crianças e adolescentes, e mais de 20% possuem idade acima dos 50 anos (Figura 2). As diferenças representadas pela base e topo da pirâmide etária também são percebidas em seu tronco ou corpo ao comparar as duas populações investigadas, em que a população não indígena apresenta, aproximadamente, o dobro de pessoas acima de 25 anos e acima de 50 anos para ambos os sexos (Figura 2).

Figura 2
- Composição etária e por sexo da população Xavante residente em seis terras indígenas selecionadas (N = 14.905) e população não indígena residente em domicílios situados em áreas rurais (N = 78.106) de quatro microrregiões, Mato Grosso, Brasil, 2010.

As desigualdades entre indígenas Xavante e os demais segmentos de cor ou raça podem ser observadas na Figura 3, que apresenta indicadores relativos a taxas de analfabetismo e frequências de pessoas para as quais não foram declarados rendimentos domiciliares (renda domiciliar per capita). Para tais resultados, incluíram-se somente pessoas com idades entre 15 e 59 anos (controle etário), e a categoria “não indígena” representa o conjunto das demais categorias de cor ou raça, todos residentes em área rural. Desigualdades mais expressivas foram descritas para os indígenas Xavante, sendo a taxa de analfabetismo (15-59 anos) cinco vezes maior do que a de brancos de domicílios rurais, e quase o dobro para residentes de cor ou raça preta (Figura 3).

Figura 3
- Taxas de analfabetismo e frequências de pessoas que não declararam rendimentos (15 a 59 anos de idade), segundo categorias de cor ou raça e indígenas da etnia Xavante, residentes em domicílios situados em áreas rurais e terras indígenas, Mato Grosso, Brasil, 2010.

No caso das pessoas sem rendimento, consulta realizada para a variável rendimento domiciliar per capita, verificou que aproximadamente quatro em cada dez indígenas adultos Xavante (15-59 anos) não declararam rendimentos. Para as demais categorias de cor ou raça, os valores foram inferiores a 10% (Figura 3).

As informações sobre características domiciliares captadas pelo Censo 2010 estão detalhadas na Tabela 1. Compararam-se 1.973 domicílios nas 6 terras indígenas Xavante com 8.462 não indígenas, localizados em área rural, nas 4 microrregiões selecionadas, onde os residentes foram classificados em outras categorias de cor ou raça. Notou-se que domicílios sem infraestrutura básica − água tratada, banheiro, coleta de lixo e energia elétrica − foram expressivamente mais frequentes nas terras indígenas, além das magnitudes superelevadas, conforme demonstrado pelas medidas de efeito (razão de prevalência). Nos domicílios Xavante, havia maior número de moradores (> 4), e pouco mais da metade tinham abastecimento de água oriunda de rede de encanamento fornecido por serviço público de abastecimento. Quase a totalidade dos domicílios Xavante não possuíam banheiros ou sanitários e não havia coleta de lixo. Seis em cada dez domicílios Xavante não dispunham de energia elétrica (Tabela 1).

Tabela 1
Razão de Prevalência de características domiciliares das seis terras indígena Xavante e domicílios não indígenas de área rural, Mato Grosso, Brasil, 2010

A frequência dos óbitos ocorridos nos domicílios para as duas populações deste estudo, por sexo e faixas de idade, é apresentada na Tabela 2. Na população indígena Xavante, o sexo masculino obteve o dobro de óbitos (68,3%) em relação ao sexo feminino; na população não indígena rural, o sexo masculino superou em aproximadamente 15% o feminino quanto a frequência de óbitos.

Tabela 2
Frequências de óbitos (%) ocorridos nos domicílios indígenas Xavante e em domicílios não indígenas de área rural, Mato Grosso, Brasil, 2010.

Ao analisar o total de óbitos por faixas de idade (Tabela 2), percebem-se grandes diferenças entre as duas populações, nas quais mais da metade (56,1%) dos óbitos ocorridos nos domicílios Xavante pertenciam a faixa de idade de 0 a 14 anos, contrapondo-se a 9,1% para a população não indígena rural na mesma faixa de idade. Outra expressiva diferença está na faixa de idade de 50 anos ou mais. A população não indígena rural possuía aproximadamente 60% dos óbitos nessa faixa de idade e a população Xavante, somente 12,2%.

DISCUSSÃO

Os censos demográficos são considerados fundamentais para formular e implementar políticas públicas, servindo como base para alocação de recursos e investimentos governamentais em setores considerados prioritários ou de maior fragilidade.1616 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Tendências demográficas: uma análise dos resultados da amostra do censo demográfico 2000. Rio de Janeiro: IBGE; 2004. O Censo Demográfico de 1991foi um marco na demografia indígena por ter sido o primeiro a incluir a categoria “indígena” no quesito “qual a sua cor ou raça”. O Censo 2000 revelou grande crescimento populacional indígena e a necessidade de aprimoramento na investigação sobre “raça/cor” (inclusão da pergunta no questionário Universo e identificação de pertencimento étnico).1717 Santos RV, Guimarães BN, Simoni AT, Silva LO, Oliveira AM, Souza DF et al. The identification of the Indigenous population in Brazil’s official statistics, with an emphasis on demographic censuses. Stat J IAOS. 2019;35(1):29-46. https://dx.doi.org/10.3233/SJI-180471.

Os dados captados pelo Censo 2010 possibilitaram aos povos indígenas maior visibilidade em relação às seguintes questões: pertencimento étnico, língua falada no domicílio, localização geográfica das Terras Indígenas e características sociodemográficas.1717 Santos RV, Guimarães BN, Simoni AT, Silva LO, Oliveira AM, Souza DF et al. The identification of the Indigenous population in Brazil’s official statistics, with an emphasis on demographic censuses. Stat J IAOS. 2019;35(1):29-46. https://dx.doi.org/10.3233/SJI-180471. Pereira22 Pereira NOM. Avanços na captação de dados sobre a população indígena no Censo Demográfico 2010. Rev Bras Estud Popul. 2016;33(2):423-30. https://dx.doi.org/10.20947/S0102-30982016a0040.:427 destaca que “[...] a coleta das informações para os indígenas foi semelhante aos não indígenas, não havendo privilégio a nenhum segmento populacional”. A análise dos resultados do Censo 2010, referente aos povos indígenas, faz-se necessária para o avanço e conhecimento de um cenário marcado por uma “danosa invisibilidade demográfica e epidemiológica”.1818 Coimbra Jr CEA, Santos RV. Saúde, minorias e desigualdade: algumas teias de inter-relações, com ênfase nos povos indígenas no Brasil. Cien Saude Colet. 2000;5(1):125-32. https://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232000000100011.:131

Dentre os povos indígenas no Brasil, os Xavante têm sido um dos mais estudados do ponto de vista demográfico, permitindo rara profundidade histórica graças a sucessivas pesquisas antropológicas e censos realizados desde a década de 1950. Segundo Coimbra Jr. et al.,77 Coimbra Jr CEA, Flowers NM, Salzano FM, Santos RV. The Xavante in Transition Health, Ecology, and Bioanthropology in Central Brazil. Ann Arbor: University of Michigan Press; 2002. https://dx.doi.org/10.3998/mpub.17125.:120 “[...] a dinâmica da população Xavante ao longo dos últimos três séculos tem sido afetada pela expansão da sociedade ocidental rumo ao Brasil Central”. Fontes históricas revelam que, pelo menos desde o século XVIII, a população Xavante que habita a região entre os estados de Mato Grosso, Goiás e Tocantins sofreu sucessivos deslocamentos e migrações devido a epidemias de doenças contagiosas, que ocasionaram importante depopulação.77 Coimbra Jr CEA, Flowers NM, Salzano FM, Santos RV. The Xavante in Transition Health, Ecology, and Bioanthropology in Central Brazil. Ann Arbor: University of Michigan Press; 2002. https://dx.doi.org/10.3998/mpub.17125.,1919 Welch JR, Santos RV, Flowers NM, organizadores. Na primeira margem do rio: território e ecologia do povo Xavante de Wedezé. Rio de Janeiro: Museu do Índio-FUNAI; 2013.

Nos anos 1960, como parte de estudos em genética de populações, foram sistematizados dados populacionais, incluindo composição por sexo e idade, em diversas comunidades Xavante.2020 Neel JV, Salzano FM, Junqueira PC, Keiter F, Maybury-Lewis D. Studies on the Xavante Indians of the Brazilian Mato Grosso. Am J Hum Genet. 1964;16(1):52-140. PMid:14131874.,2121 Salzano FM, Franco MH, Weimer TA, Callegari-Jacques SM, Mestriner MA, Hutz MH et al. The Brazilian Xavante Indians revisited: new protein genetic studies. Am J Phys Anthropol. 1997;104(1):23-34. http://dx.doi.org/10.1002/(SICI)1096-8644(199709)104:1<23::AID-AJPA2>3.0.CO;2-E. PMid:9331451.
http://dx.doi.org/10.1002/(SICI)1096-864...
Em populações Xavante específicas − aquela hoje situada na Terra Indígena Pimentel Barbosa −, geraram-se análises detalhadas sobre os perfis de crescimento, mortalidade e natalidade, incluindo inter-relações com aspectos da organização social.77 Coimbra Jr CEA, Flowers NM, Salzano FM, Santos RV. The Xavante in Transition Health, Ecology, and Bioanthropology in Central Brazil. Ann Arbor: University of Michigan Press; 2002. https://dx.doi.org/10.3998/mpub.17125.,2222 Flowers N. Demographic crisis and recovery: a case study of the Xavante of Pimentel Barbosa. South Am Indian Stud. 1994;(4):18-36. PMid:12319064. Com base em dados dos serviços de saúde, complementados por levantamentos nas comunidades, produziram-se, nos anos 1990 e no início dos anos 2000, análises sobre indicadores demográficos da totalidade da população Xavante.88 Santos RV, Flowers NM, Coimbra Jr CEA. Demografia, epidemias e Organização Social: os Xavante de Pimentel Barbosa (Etéñitepa), Mato Grosso. In: Pagliaro H, Azevedo MM, Santos RV, organizadores. Demografia do Povos Indígenas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005. p. 59-78. https://dx.doi.org/10.7476/9788575412541.0004. ,1313 Souza LG, Santos RV, Pagliaro H, Carvalho MS, Flowers NM, Coimbra Jr CEA. Demography and health of the Xavante Indians of Central Brazil. Cad Saude Publica. 2011;27(10):1891-905. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2011001000003. PMid:22031194.,2222 Flowers N. Demographic crisis and recovery: a case study of the Xavante of Pimentel Barbosa. South Am Indian Stud. 1994;(4):18-36. PMid:12319064. Dados sobre os Xavante, obtidos a partir dos censos demográficos nacionais, também foram utilizados em análises populacionais, com foco principalmente em questões relativas ao domicílio e também à distribuição geográfica por municípios, dentro e fora de terras indígenas, entre outras.22 Pereira NOM. Avanços na captação de dados sobre a população indígena no Censo Demográfico 2010. Rev Bras Estud Popul. 2016;33(2):423-30. https://dx.doi.org/10.20947/S0102-30982016a0040.,66 Souza LG, Gugelmin SA, Cunha BCB, Atanaka M. Os indígenas Xavante no Censo Demográfico de 2010. Rev Bras Estud Popul. 2016;33(2):327-47. https://dx.doi.org/10.20947/S0102-30982016a0025.,1212 Pereira NOM, Santos RV, Welch JR, Souza LG, Coimbra Jr CEA. Demography, territory, and identity of indigenous peoples in Brazil: The Xavante Indians and the 2000 Brazilian National Census. Hum Organ. 2009;68(2):166-80. https://dx.doi.org/10.17730/humo.68.2.x717g781t57101k8.

Para o total da população Xavante nas seis terras indígenas analisadas, a estrutura etária se assemelhou ao que foi constatado a partir dos resultados do Censo 2000, em que aproximadamente metade da população era composta por crianças com menos de 15 anos de idade.1212 Pereira NOM, Santos RV, Welch JR, Souza LG, Coimbra Jr CEA. Demography, territory, and identity of indigenous peoples in Brazil: The Xavante Indians and the 2000 Brazilian National Census. Hum Organ. 2009;68(2):166-80. https://dx.doi.org/10.17730/humo.68.2.x717g781t57101k8. O formato de uma estrutura etária pode informar sobre melhores condições de vida e saúde de determinada população. Esse fato foi percebido na população não indígena residente em área rural quando comparada com a população das seis terras Xavante. A partir de uma pirâmide etária que remete ao baixo nível de fecundidade, maior nível de envelhecimento e um corpo largo (pessoas entre 20 e 50 anos e mais), pode-se interpretar como menor razão de dependência, evidenciando, ao final, distintos processos de transição demográfica e epidemiológica.2323 Vasconcelos AMN, Gomes MMF. Transição demográfica: a experiência brasileira. Epidemiol Serv Saude. 2012;21(4):539-48.,2424 Rigotti JIR. Transição demográfica. Educ Real. 2012;37(2):467-90. https://dx.doi.org/10.1590/S2175-62362012000200008.

As informações sobre renda para as populações indígenas, a partir de comparação entre os dados do Censo 2000 e 2010, indicam dificuldade em compreender e captar essa informação, além de revelar que a grande maioria recebe menos de um salário-mínimo.55 Bastos JL, Santos RV, Cruz OG, Longo LAFB, Silva LO. Características sociodemográficas de indígenas nos censos brasileiros de 2000 e 2010: uma abordagem comparativa. Cad Saude Publica. 2017;33(33, suppl 1):e00085516. https://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00085516. PMid:28562699. No presente estudo, os resultados revelaram elevada frequência de domicílios indígenas Xavante sem rendimento (39,6%), em comparação aos não indígenas (6,5%). Nesse sentido, vale sinalizar que o Censo 2010 captou rendimentos oriundos de diversas fontes, inclusive programas governamentais de transferência de renda.33 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Metodologia do Censo Demográfico 2010 [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2013 [citado 2021 nov 26]. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv81634.pdf
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A alfabetização indígena na língua materna e portuguesa é garantida por lei mediante a Constituição Federal de 1988 (art. 210 e 231) e pela Lei de Diretrizes e Bases (ano 1996). O ensino ocorre por meio de escolas localizadas nas aldeias e, em sua maioria, professores indígenas bilingues ou multilíngues.2525 Bergamaschi MA, Medeiros JS. História, memória e tradição na educação escolar indígena: o caso de uma escola Kaingang. Rev Bras Hist. 2010;30(60):55-75. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-01882010000200004.,2626 Vilanova R, Fenerich C, Russo K. Direitos individuais e direitos de minorias: o Estado brasileiro e o desafio da educação escolar indígena. Rev Lusof Educ. 2011;17:31-47.

O IBGE, ao realizar o Censo 2010, pesquisou sobre a taxa de alfabetização verificando a capacidade de a pessoa saber ler e escrever um bilhete simples, incluindo as línguas indígenas.33 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Metodologia do Censo Demográfico 2010 [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2013 [citado 2021 nov 26]. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv81634.pdf
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Os resultados encontrados neste estudo indicam uma significativa diferença na taxa de alfabetização entre as populações analisadas, sendo menor para os Xavante, principalmente para o sexo feminino. Taxas de alfabetização calculadas a partir dos dados do Censo 2010 para a população indígena de diferentes grupos de idade (5 a 14 anos, 15 a 19 anos, e 20 a 39 anos) residente nas cinco regiões do Brasil, indicaram expressivas desvantagens, quando comparadas aos não indígenas.1717 Santos RV, Guimarães BN, Simoni AT, Silva LO, Oliveira AM, Souza DF et al. The identification of the Indigenous population in Brazil’s official statistics, with an emphasis on demographic censuses. Stat J IAOS. 2019;35(1):29-46. https://dx.doi.org/10.3233/SJI-180471.

Um indicador importante na avaliação das condições de saúde e influenciador nos perfis de morbimortalidade de uma população é o saneamento básico, sendo um direito garantido pela Constituição Federal de 1988. Ele é reforçado por outros pactos internacionais, em que o Brasil é signatário, e que visam garantir saneamento e desenvolvimento sustentável.2727 Moisés M, Kligerman DC, Cohen SC, Monteiro SCF. A política federal de saneamento básico e as iniciativas de participação, mobilização, controle social, educação em saúde e ambiental nos programas governamentais de saneamento. Cien Saude Colet. 2010;15(5):2581-91. https://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232010000500032. PMid:20802890.,2828 Neves-Silva P, Heller L. O direito humano à água e ao esgotamento sanitário como instrumento para promoção da saúde de populações vulneráveis. Cien Saude Colet. 2016;21(6):1861-70. https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015216.03422016. PMid:27281669.

O presente estudo indicou que a população das seis terras indígenas Xavante reside em domicílios cujas condições de saneamento são consideradas não adequadas. Em comparação aos domicílios de áreas rurais onde não residiam indígenas, as características domiciliares dos Xavante apresentaram elevadas magnitudes quanto à ausência de instalações sanitárias. A associação entre condições inadequadas de saneamento e ocorrências de doenças que causam diarreias e infecções de pele é amplamente reconhecida e foi verificada em níveis endêmicos entre os Xakriabá, povo indígena do interior de Minas Gerais.2929 Pena JL, Heller L. Saneamento e saúde indígena: uma avaliação na população Xakriabá, Minas Gerais. Eng Sanit Ambient. 2008;13(1):63-72. https://dx.doi.org/10.1590/S1413-41522008000100009. De acordo o I Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas, cerca de 63% dos domicílios localizados nas terras indígenas existentes no Brasil possuíam fossa rudimentar para coleta dos dejetos, ressaltando ausência de saneamento básico.3030 Coimbra Jr CEA. Saúde e povos indígenas no Brasil: reflexões a partir do I Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição Indígena. Cad Saude Publica. 2014;30(4):855-9. https://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00031214. PMid:24896060.

Reconhece-se que questões étnicas, culturais e sociais estão envolvidas na explicação de alguns resultados sobre características domiciliares e de saneamento; por exemplo, o número mais elevado de moradores e ausência de banheiros ou sanitários. As ocorrências extrapolam interpretações de fenômenos demográficos e epidemiológicos (chances acima de 20 e 100, respectivamente), e podem ser apoiadas em hipóteses relacionadas aos arranjos sociais historicamente observados para os Xavante e outras etnias do grupo Jê.3131 Marinho GL, Santos RV, Pereira NOM. Classificação dos domicílios “indígenas” no Censo Demográfico 2000: subsídios para a análise de condições de saúde. Rev Bras Estud Popul. 2011;28(2):449-66. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-30982011000200012. São situações que não podem ser identificadas em formulários quantitativos, como os questionários dos recenseamentos, uma vez que não são investigados arranjos domiciliares específicos, em contextos de diversidade sociocultural presente no território nacional.3131 Marinho GL, Santos RV, Pereira NOM. Classificação dos domicílios “indígenas” no Censo Demográfico 2000: subsídios para a análise de condições de saúde. Rev Bras Estud Popul. 2011;28(2):449-66. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-30982011000200012.,3232 Marinho GL, Caldas ADR, Santos RV. Indígenas residentes em domicílios “improvisados” segundo o Censo Demográfico 2010. Physis Rev Saúde Coletiva. 2017;27(1):79-102. https://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312017000100005.

Indicadores de mortalidade são relevantes fontes de informação sobre o estado de saúde de uma população, com importante e vasto uso na área da saúde pública. O Censo 2010, ao avaliar os óbitos ocorridos nos domicílios (indígenas e não indígenas), possui a vantagem de a informação ser proveniente da mesma base populacional, ao invés de utilizar diferentes fontes, a exemplo do que ocorre com análises que recorrem ao Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e ao Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), para o estudo da mortalidade infantil.3333 Queiroz BL, Sawyer DOT. O que os dados de mortalidade do Censo de 2010 podem nos dizer? Rev Bras Estud Popul. 2012;29(2):225-38. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-30982012000200002.,3434 Campos MB, Borges GM, Queiroz BL, Santos RV. Diferenciais de mortalidade entre indígenas e não indígenas no Brasil com base no Censo Demográfico de 2010. Cad Saude Publica. 2017;33(5):e00015017. https://dx.doi.org/10.1590/10.1590/0102-311X00015017. PMid:28614445.

As informações sobre registro de óbitos oriundas do Censo 2010 coadunam com indicadores sobre mortalidade gerados a partir do SIM, segundo composição etária e por sexo.3333 Queiroz BL, Sawyer DOT. O que os dados de mortalidade do Censo de 2010 podem nos dizer? Rev Bras Estud Popul. 2012;29(2):225-38. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-30982012000200002. Os dados de mortalidade deste estudo − com maior proporção de óbitos (cinco vezes mais) para a população Xavante na faixa etária de 0 a 14 anos, comparada com a população não indígena − corroboram achados de outras investigações envolvendo o segmento indígena e o Censo 2010.3434 Campos MB, Borges GM, Queiroz BL, Santos RV. Diferenciais de mortalidade entre indígenas e não indígenas no Brasil com base no Censo Demográfico de 2010. Cad Saude Publica. 2017;33(5):e00015017. https://dx.doi.org/10.1590/10.1590/0102-311X00015017. PMid:28614445.,3535 Santos RV, Borges GM, Campos MB, Queiroz BL, Coimbra Jr. CEA, Welch JR. Indigenous children and adolescent mortality inequity in Brazil: what can we learn from the 2010 National Demographic Census? SSM - Popul Health. 2020;10:100537. https://doi.org/10.1016/j.ssmph.2020.100537.
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Considerando os domicílios recenseados no Brasil em 2010, a ocorrência de óbitos infantis (0 a 4 anos) entre os indígenas foi o dobro daquela registrada nos demais domicílios.3434 Campos MB, Borges GM, Queiroz BL, Santos RV. Diferenciais de mortalidade entre indígenas e não indígenas no Brasil com base no Censo Demográfico de 2010. Cad Saude Publica. 2017;33(5):e00015017. https://dx.doi.org/10.1590/10.1590/0102-311X00015017. PMid:28614445. Do mesmo modo, para os indígenas (todas as etnias) com menos de 20 anos de idade, os níveis de mortalidade foram superiores àqueles registrados para os não indígenas na mesma faixa de idade, independentemente de sexo, idade, localização dos domicílios (em áreas urbanas ou rurais) e região geopolítica.3535 Santos RV, Borges GM, Campos MB, Queiroz BL, Coimbra Jr. CEA, Welch JR. Indigenous children and adolescent mortality inequity in Brazil: what can we learn from the 2010 National Demographic Census? SSM - Popul Health. 2020;10:100537. https://doi.org/10.1016/j.ssmph.2020.100537.
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LIMITAÇÕES DO ESTUDO

As análises das características sociodemográficas não investigaram possíveis diferenças, de maneira independente, em outras categorias de autoclassificação de cor na população rural não indígena − como brancos, pardos e pretos. Apesar de reconhecidos avanços na captação das informações para a população indígena que reside no Brasil, os censos necessitam aprimorar a coleta de dados quanto à diversidade de habitações, relações de parentesco, padrões de nupcialidade, atividades produtivas e processos de escolarização, dentre outros aspectos.3636 Campos MB, Estanislau BR. Demografia dos povos indígenas: os Censos Demográficos como ponto de vista. Rev Bras Estud Popul. 2016;33(2):441-9. https://dx.doi.org/10.20947/S0102-30982016a0042.

CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA

Os dados produzidos pelo IBGE, por meio da realização dos censos demográficos, permitem análises sociodemográficas e de saúde mediante diversos extratos ou segmentos populacionais. A partir dos Censos 1991, 2000 e 2010, a captação de informações para a população indígena brasileira evoluiu e se ampliou.

As duas populações investigadas estão situadas em área rural, porém vivenciam distintos processos de dinâmica demográfica observados por intermédio das pirâmides etárias, caracterizando diferenças nos padrões de natalidade, fecundidade, mortalidade e envelhecimento.

As comparações demográficas e socioeconômicas, evidenciadas neste estudo para a população Xavante, representada por seis terras indígenas, ressalta as desigualdades em saúde, sociais, econômicas e étnicas vivenciadas por muitos povos indígenas no Brasil. Tal fato demonstra que, não obstante estando no mesmo ambiente ou área considerada rural, duas populações − indígenas e não indígenas − possuem verdadeiros abismos separando condições de vida e saúde.

Os resultados sociodemográficos produzidos neste estudo retratam uma realidade de 83,2%, do total da população Xavante, vivendo em área rural no estado de Mato Grosso. A análise populacional abrangida pelas seis terras indígenas fornece melhor caracterização geral sobre essa etnia na compreensão de questões demográficas, bem como base para o delineamento de ações em saúde e políticas públicas, por meio de construção de indicadores de saúde que utilizem informações sociodemográficas. Além disso, os dados aqui apresentados possibilitam que gestores e equipes multidisciplinares da saúde indígena, responsáveis por essa população, possam realizar um planejamento e intervenções na saúde, pautados em ações que considerem o perfil demográfico e socioeconômico, a partir de prioridades ou fragilidades, e mais assertivas, de modo a reduzir as inequidades existentes.

AGRADECIMENTO

Aos professores Carlos Coimbra Jr, Ricardo Ventura Santos e James Welch, pela leitura atentiva e sugestões editoriais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Nov 2021
  • Aceito
    29 Maio 2022
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