Centro Acadêmico da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto: 1953-1954

Centro Académico de la Escuela de Enfermería de Ribeirão Preto: 1953-1954

Resumo

Objetivo

analisar o início do movimento estudantil da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, mediante a criação do Centro Acadêmico da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, órgão representativo do segmento estudantil, e as ações desenvolvidas durante a primeira gestão.

Método

estudo de perspectiva histórica, com abordagem na micro-história e análise documental para tratamento das fontes, e delimitação temporal de 1953 a 1954.

Resultados

constatou-se a criação em 17 de dezembro de 1953. No período investigado, a entidade promoveu atividades de lazer e esportivas, ações para recrutamento e melhor visibilidade da escola, comunicação com outros centros acadêmicos, gestão de finanças, e demonstrou preocupação com questões políticas, estudantis e sociais.

Considerações finais e implicações para a prática

a triangulação de fontes e literatura de aderência corroboram vários assuntos documentados nas atas da primeira gestão, e revelam parte da história do movimento estudantil de enfermagem, na década de 1950, e da própria Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto.

Palavras-chave:
Enfermagem; Escolas de Enfermagem; Estudantes de Enfermagem; História da Enfermagem; Política

Resumen

Objetivo

analizar el inicio del movimiento estudiantil en la EERP-USP, a través de la creación del CAEERP, órgano representativo del segmento estudiantil, y las acciones desarrolladas durante la primera dirección.

Método

estudio de perspectiva histórica, con enfoque de Micro-Historia y análisis documental para el tratamiento de las fuentes, con delimitación temporal de 1953 a 1954.

Resultados

se encontraron fuentes documentales en soporte papel y entrevistas realizadas a egresados ​​del curso. La creación del se constató el 17 de diciembre de 1953. Durante el período investigado, la entidad promovió actividades lúdicas y deportivas, acciones de captación y visibilidad de la escuela, comunicación con otros centros de estudiantes, gestión financiera y mostró preocupación por los intereses políticos, estudiantiles y cuestiones sociales.

Consideraciones finales e implicaciones para la práctica

triangulación de fuentes y literatura corroboran varias cuestiones documentadas en las actas de la primera gestión y contribuyen a revelar parte de la historia del movimiento estudiantil de enfermería en la década de 1950 y de la propia Escuela de Enfermería de Ribeirão Preto.

Palabras clave:
Enfermería; Facultades de Enfermería; Estudiantes de Enfermería; Historia de la Enfermería; Política

Abstract

Objective

to analyze the beginning of the student movement, through the creation of the Academic Center of the School of Nursing of Ribeirão Preto, a representative body of the student segment, and the actions developed during the first board.

Method

study from a historical perspective, with a Micro-History approach and documental analysis to treat the sources, with a temporal delimitation from 1953 to 1954.

Results

documentary sources were found in paper support and interviews carried out with graduates of the course. The creation was founded on December 17, 1953. During the period investigated, the entity promoted leisure and sports activities, actions to recruit and improve the school's visibility, communicated with other student organizations, financial management, and exposed concern for the political, student, and social issues.

Final considerations and implications for practice

triangulation of sources and literature corroborate several issues documented in the minutes of the first administration and contribute to revealing part of the history of the student movement in the 1950s and of Ribeirão Preto School of Nursing itself.

Keywords:
Nursing; Schools, Nursing; Students, Nursing; History of Nursing; Politics

INTRODUÇÃO

O estudo aborda o início do movimento estudantil e sua representação na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (EERP-USP), nos anos de 1953 e 1954, a partir dos estudantes de enfermagem.

Em 1931, o governo provisório de Getúlio Vargas, por meio do Decreto n.º 19.851, de 11 de abril de 1931, instituiu o Estatuto das Universidades Brasileiras. O documento destacava a obrigatoriedade de associações estudantis em cada universidade ou instituição de nível superior, devendo defender os interesses estudantis, criar e possibilitar o desenvolvimento de um espírito de classe, e tornar-se agradável e educativo o convívio entre discentes. Essas associações teriam que dispor de suas próprias diretorias e também eleger um “Directório”, com nove membros imbuídos de autoridade institucional para representar os estudantes. No intuito de centralizar os trabalhos, o decreto propunha a criação de um Diretório Central dos Estudantes, composto por dois representantes de cada diretório institucional, representando a classe em nível nacional.^1,2

Observa-se um significado especial em ser estudante universitário nesse contexto. Em geral, apenas filhos da elite da sociedade brasileira participaram desse projeto de nação idealizado pelo governo Vargas. Era um contexto universitário diferente do atual, no qual filhos da classe média convivem com universitários das classes menos favorecidas economicamente.

Decorridos seis anos do Estatuto das Universidades Brasileiras, às vésperas do Estado Novo, criou-se, em 11 de agosto de 1937, a União Nacional dos Estudantes. Na condição de entidade nacional representativa dos estudantes brasileiros, tornou-se responsável por posicionar-se como órgão de representação estudantil nacional diante de questões políticas da época e organizar congressos anuais, a fim de articular estudantes de todo o Brasil.³

Assim, após centralização nacional, uma grande guerra e a redemocratização política − mais precisamente, em 26 de dezembro de 1951, foi criada a Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, anexa à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (FMRP -USP), por meio do art. 13, da Lei estadual n.º 1.467, para funcionamento dos cursos de Enfermagem e Auxiliar de Enfermagem, devendo seguir o modelo da Escola de Enfermagem da USP (EE-USP).⁴ As aulas tiveram início em 10 de agosto de 1953.⁵

Nesse contexto, o presente estudo compreende o movimento estudantil − iniciado na EERP-USP, na década de 1950 − como atividades organizadas por representantes do grupo discente, com a finalidade de defender os direitos e interesses da classe estudantil.

Em artigo sobre a História da EERP-USP, observa-se menção breve à criação do Centro Acadêmico da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (CAEERP), da Universidade de São Paulo (EERP-USP), ocorrido em 1955, e que, em 1965, passou a ser denominado Centro Acadêmico Marina de Andrade Rezende (CAMAR). O artigo também evidencia as contribuições do CAEERP, dinamizando as atividades estudantis e ampliando a divulgação institucional, no intuito de incentivar o recrutamento de jovens.⁶ O Centro Acadêmico é uma entidade que representa os estudantes de determinado curso dentro de uma universidade.⁷

O presente estudo tem como objetivo analisar o início do movimento estudantil da EERP-USP, por intermédio da criação do CAEERP − órgão representativo do segmento estudantil − e as ações desenvolvidas durante a primeira gestão.

MÉTODO

Investigação na perspectiva histórica, com abordagem na micro-história e análise documental para tratamento das fontes. A micro-história reduz a escala de observação, para que possam ser percebidos aspectos importantes, os quais, de outra forma, não seriam evidenciados. Tal abordagem permite a compreensão de especificidades.⁸ A micro-história tem como problema o acesso ao passado mediante sinais e indícios, apresentando, na particularidade, no microespaço, o seu ponto de partida, buscando significados dentro do contexto em que está inserido.⁹

A análise documental tem como objeto a fonte histórica. Esta, além de promover a análise das fontes, permite a comparação entre os diferentes tipos de discurso. A fonte é todo produto da atividade humana passível de uma análise histórica e que possibilite conhecer o período histórico e social das ações, de modo a reconstruir a interpretação dos fatos ou verificar a verossimilhança destes e de seus antecedentes.¹⁰ Realizou-se, para análise, a triangulação das fontes, sendo comparados os diferentes documentos do estudo, visando alcançar melhor proximidade, entendimento e esclarecimento sobre a temática estudada.¹¹

A delimitação temporal refere-se ao período de 1953 a 1954. O marco temporal inicial concerne ao ano de 1953, quando começaram as aulas EERP-USP, e o marco temporal final, ao ano de 1954, período em que ocorreu a organização e estabelecimento da primeira gestão, segundo a literatura localizada. O acervo selecionado foi o arquivo do CAMAR, cujas fontes, durante a pesquisa, foram doadas ao Centro de Memória da EERP-USP.

Constituíram fontes para a presente pesquisa: documentos administrativos; atas de reuniões; ofícios; cartas; correspondências; registros da USP relacionados ao CAEERP; teses; livros; artigos sobre a história da EERP-USP; e entrevistas realizadas durante o projeto “Origens da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto sob a Ótica de Glete de Alcântara”.

O presente estudo é um recorte do projeto intitulado “Movimento estudantil na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto: 1953-2013”, que recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da EERP-USP, em 2015, sob protocolo CAAE n.º 51001815.0.0000.5393, e incluía a identificação dos participantes, se estes autorizassem, em virtude da natureza do estudo. Todos os entrevistados aceitaram ser identificados.

RESULTADOS

O levantamento de informações sobre o CAEERP a partir do corpus documental permitiu identificar a organização inicial do CAEERP, sob diferentes perspectivas (Tabela 1 e Tabela 2).

Tabela 1
Corpus Documental de análise. Ribeirão Preto, 2022.

Tipo de Fonte/Data	Quantidade	Conteúdo
Categoria 1: Cartões 1953 e 1954	4	2 cartões de boas festas enviados pelo Centro Acadêmico “XXXI de Outubro” da EE-USP e pelo Centro Acadêmico “Dr. Carneiro Leão”, da Faculdade de Farmácia e Odontologia de Ribeirão Preto - USP (FFORP). 2 cartões destinados ao CAEERP, por provável ex-aluna do curso, agradecendo o CAEERP, e menciona sentir saudades das companheiras de estudo.
Categoria 2: Comunicados 1954	1	Comunicado de ciência da posse da nova gestão do CAEERP pelo Centro Acadêmico “Rocha Lima”, da FMRP- USP.
Categoria 3: Convite. 1954	3	1 convite do Centro Acadêmico de Criminologia da Escola de Polícia do Estado de São Paulo, para a XV Semana Paulista de Estudos Policiais, do dia 16 a 19 de novembro; 01 convite para a colação de grau das enfermeiras da Cruz Vermelha Brasileira, e 01 convite de formatura de professores da instituição Moura Lacerda.
Categoria 4: Livros de registro	2	1 Livro de ata, composto por 14 atas, e 1 livro de ponto.
Categoria 5: Entrevistas	5	Entrevistas realizadas com 4 egressas da primeira turma, e 1 docente.

Tabela 2
Registros sobre o CAEERP, em entrevistas com egressas da 1.ª turma e ex-docentes. Ribeirão Preto, 2022.

Data e Fonte	Excerto documental
Entrevista com Carmen Silvia Monteiro de Barros Martinelli, egressa 1.ª turma EERP-USP.12	[...] Eu fui secretária e presidente do {Centro Acadêmico da Escola}. Para atrair alunos, não me lembro muita coisa [...], é a gente ia divulgar, um trabalho desse grupo era, divulgar a Escola. Então a gente ia e falava, porque o pessoal não estava acostumado, com depois do colegial o que ia fazer, ia fazer o quê? Fazer medicina, que estava aberto lá, odontologia, que tinha também em Ribeirão. Então a gente foi para divulgar mesmo, ter outra fonte, outra faculdade para fazer e tal. Tentar colocar o nível da Escola, em um nível semelhante ao da medicina, da odontologia, então a gente fez realmente um trabalho de divulgação [...]. [...] a touquinha branca, que era uma parte assim da frente engomadinha, mas não durou muito tempo não. A gente usou, instituiu a touca, porque a gente era a primeira 1.ª turma [...] [...] os bailinhos que a gente dava no porão {da Rua Visconde de Inhaúma}, eram muito gostosos. Era um ambiente muito gostoso desde o começo, foi assim, por ser a primeira 1.ª turma, uma turma relativamente pequena. Então havia muita união entre todos os alunos, professores, funcionários, então um se apegou ao outro bastante [...].
Entrevista de Geraldina Passeri, egressa da 1.ª turma EERP-USP.13	A egressa afirmou que teria sido a primeira presidente.
Entrevista com Vilma Aquino, egressa da 1.ª turma.14	[...] o trote de calouros era simples, era só o uso da touca na rua, aquela toquinha amarela. E esse foi meu trote, que a “TURMA A” passou na gente, que era da “TURMA B”. Depois eu não vi as outras [...]. [...] A touca de calouro lá era amarela. Era o mesmo modelo, mas amarelo era a do calouro e a de formada era branquinha como a gola do uniforme [...]. [...] o Centro Acadêmico fazia muitas festinhas, gostavam de tirar fotos… gostavam de festejar. Até serenata, assim, eles faziam, às vezes; o baile de formatura organizaram, foi o Centro Acadêmico [...]
Entrevista Luzia Apparecida Urbano, egressa 1.ª turma EERP-USP.15	[...] havia trinta vagas para Escola de Enfermagem, mas, na primeira seleção não foram preenchidas as vagas [...]. [...] os salgadinhos, cada um levava um prato era esse tipo bem familiar de festas, sabe, cada um levava alguma coisa para ajudar o Centro Acadêmico [...].
Entrevista Helena Maria Panizza Nador.16	[...] Quando fui convidada para vir dar aulas de Psicologia em Ribeirão Preto iniciei a formação em Psicanálise com a Dra. Virgínia Bicudo, pois, além das aulas, eu deveria desenvolver um trabalho de aconselhamento com as estudantes[...]. [...] A gente fazia um trabalho de orientação. Isso era um dos fatores que a Glete fazia questão, das enfermeiras terem consciência de si próprias, de autoconhecimento, para poderem trabalhar com seres humanos [...].

Mediante análise do livro de atas e do livro de ponto − nos quais eram registradas as reuniões realizadas pelo CAEERP e o público presente −, verificou-se que a 1.ª gestão organizou 14 encontros, sendo 5 reuniões ordinárias no ano de 1954 (09/03,¹⁷ 23/04,¹⁸ 19/05,¹⁹ 03/08²⁰ e 05/10²¹) e 9 reuniões extraordinárias no mesmo ano (07/04,²² 21/04,²³ 06/08,²⁴ 17/09,²⁵ 20/09,²⁶ 26/09,²⁷ 11/10,²⁸ 13/10²⁹ e 23/10³⁰). No entanto, nem todas as reuniões possuem registros em livro de atas e somente foi possível contabilizá-las com base no registro de presenças no livro de ponto. Ainda em 1954, quanto à 2.ª gestão do CAEERP, foram realizadas mais duas reuniões ordinárias, nos dias 5/11³¹ e 2/12,³² respectivamente. A primeira ocorreu para repasse de funções entre a 1.ª e a 2.ª gestão.³¹

Identificou-se a criação (Figura 1) em 17 de dezembro de 1953, conforme a abertura de ata do CAEERP, mas sua primeira reunião ocorreu em 9 de março de 1954,¹⁷ fato que contradiz a literatura atual sobre a criação do CAEERP, a qual menciona o ano de 1955.⁶ Duas egressas da primeira turma afirmaram que suas turmas foram responsáveis pela criação do CAEERP.

Figura 1
Termo de Abertura do Livro 1.ª gestão do CAEERP. Ribeirão Preto, 2022.

A primeira estrutura administrativa do CAEERP (Figura 2) foi composta de Presidente (Libânea Meirelles), Vice-presidente (Lydia Ferreira), 1.ª Secretária (Carmem Silvia Monteiro de Barros Martinelli), 2.ª Secretária (Odette Aparecida de Carvalho Bocchi), 1.ª Tesoureira (Geraldina Passeri) e 2.ª Tesoureira (Zaíra Benedini). Quanto ao início, data de 9 de março de 1954,¹⁷ e não há registro sobre como ocorreu a seleção da primeira gestão do Centro Acadêmico.

Figura 2
Primeira gestão administrativa do CAEERP, 1954. Ribeirão Preto, 2022.

A egressa Geraldina Passeri afirmou ter sido a primeira presidente do órgão de representação.¹³ Entretanto, segundo documentação do CAEERP, a Sr.ª Geraldina Passeri foi 1.ª Tesoureira na primeira gestão, sob a presidência de Libânea Meirelles, também da primeira turma.

Identificou-se, ainda, a conformação da 2.ª gestão, cujas atividades iniciaram-se no mesmo ano, no dia 5 de novembro de 1954, data em que houve o repasse de informações às alunas que ocupariam os novos cargos, exercidos, em sua maioria, pelas mesmas pessoas da 1.ª gestão.³¹

Não foi identificada regularidade nas reuniões, inferindo-se provável respeito às necessidades e possibilidades dos membros do CAEERP. Alguns encontros foram, inclusive, reuniões aos sábados, domingos e em feriados, com horários entre 9h e 20h30. O livro de ponto contém seis registros de assinaturas. Nas reuniões extraordinárias estavam presentes, em média, 12 estudantes.

Referente às pautas discutidas em reuniões do CAEERP, foi possível identificar diversos temas, sendo comum iniciar todas elas com a leitura da ata anterior para aprovação de todo o grupo. As pautas da 1.ª gestão podem ser agrupadas em 1 - Rituais: Organização do Trote das Calouras, 2 - Integração: Baile dos Calouros, eleição da “Rainha dos Jogos Universitários”, organização de cocktails para comemorações e eleição da nova diretoria, 3- Marketing profissional: entrevistas para Rádio Clube (rádio local) e Jornal A Cidade (jornal municipal), 4 - Política: Eleição de representante de turma, envio de representante do CAEERP ao VI Congresso Estadual de Estudantes, e acompanhamento de greve em São Paulo, 5 - Associativas: criação da Caderneta do Estudante, 6 - Pedagógica: Curso de português e Cursinho preparatório para vestibular. Na 2.ª gestão, observou-se, ainda, ao final de 1954, a organização de uma ação de caridade para o Natal das crianças na Santa Casa de Ribeirão Preto.

As reuniões do CAEERP ocorreram na sede da EERP-USP, nesse período situada à Rua Visconde de Inhaúma, n.º 757, Ribeirão Preto-SP. Não foi possível identificar se havia alguma sala específica destinada ao CAEERP para a realização desses encontros. O livro de atas continha também registros financeiros de entradas e saídas mensais de caixa. Observou-se que o início da 1.ª gestão contou com um saldo de Cr$ 232,00, em dezembro de 1953, e, na transição da gestão, em 5 de novembro de 1954, a quantia disponível era de Cr$ 15.323,00.³¹ Destaca-se ainda a de introdução do Livro Ouro, o qual não foi localizado no arquivo, mas consta em ata o estabelecimento de uma mensalidade a ser paga ao CAEERP por seus associados, no valor de Cr$ 10,00.¹⁷

O CAEERP menciona um Departamento Social e esportivo, além do pedido de colaboração do Centro Acadêmico “Carneiro Leão”, para organização do concurso da “Rainha dos Jogos Universitários”, apresentando uma candidata, que contribuiria na manutenção dos jogos e apoio às instituições filantrópicas. O CAEERP decidiu que sua participação estaria atrelada a “uma porcentagem sobre os votos vendidos a seu favor”. Entretanto, as atas seguintes apresentam desfechos diferentes: a candidata da EERP-USP retirou sua candidatura e o CAEERP agradeceu à 5.ª Circunscrição de Recrutamento e ao 3.º Batalhão de Caçadores de Ribeirão Preto pelo apoio na campanha da “Rainha dos Jogos Universitários”.²²

Encontraram-se evidências da colaboração do CAEERP para o recrutamento institucional, mediante um Cursinho Preparatório para Vestibular, organizado por sua 1.ª gestão, com duração de três meses (agosto a novembro). As aulas aconteciam na EERP-USP, no período noturno, sendo duas por dia, cada qual com duração de 50 minutos, de segunda a sexta-feira (exceto às quintas-feiras). Cobrava-se dos alunos a matrícula de Cr$ 50,00 e mensalidade de Cr$ 200,00. Havia ainda o pagamento das aulas e valor referente à participação dos professores nos lucros excedentes, totalizando Cr$ 2.000,00.²⁰

O curso resultou na formação de cinco alunas, fato que deixou os membros do CAEERP satisfeitos e motivados para planejar a 2.ª edição do Cursinho, prevista para o início de 1955. Na ocasião, cogitou-se criar um filme de divulgação para ser passado em cinemas locais.³²

Um destaque importante entre os assuntos tratados foi a ida de um de representante do CAEERP ao VI Congresso Estadual de Estudantes de São Paulo, entre os dias 24 de abril e 2 de maio de 1954. O envio de representante para acompanhamento de greve em São Paulo também foi divulgado,²¹ o que sugere o interesse da entidade também nas questões estudantis e políticas nacionais.

Houve o término da 1.ª gestão, ocorrendo a organização da nova chapa e da eleição da 2.ª gestão do CAEERP, sendo agendada para dia 23 de outubro de 1954, formando-se uma comissão eleitoral de membros não pertencentes ao CAEERP. A situação foi entendida como festividade, inclusive realizando um cocktail comemorativo, organizado pelos membros da 1.ª gestão.³⁰

DISCUSSÃO

A organização e direção da EERP-USP, de 1953 a 1970 ficou a cargo da Prof.ª Glete de Alcântara, indicada pelo Prof. Dr. Paulo César de Azevedo Antunes, diretor da Faculdade de Higiene e Saúde Pública-USP, à época, e convidada pelo Prof. Dr. Zeferino Vaz, diretor da FMRP-SP, deixando o cargo de docente da EE-USP para tal.³³

Analisar a formação da diretora pode trazer vestígios sobre a conformação do CAEERP. Prof.ª Glete de Alcântara, nesse período, era enfermeira formada pela Escola de Enfermagem da Universidade de Toronto, Canadá (1944), como bolsista da Fundação Rockefeller; Licenciada em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (1951); e com Master of Arts pela Teacher’s College - University of Columbia (1951).³⁴ No início das aulas, a diretora era a presidente nacional da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), posição político-cultural mais significativa no campo da enfermagem brasileira.³⁵

A direção apresentou iniciativas para colaborar no acolhimento e ajustamento dos estudantes. A instituição foi a primeira a aceitar alunos externos, ou seja, que não residissem em regime de internato na EERP-USP. Além disso, foi admitida no corpo docente da escola uma psicóloga, com o intuito de realizar o acompanhamento psíquico dos estudantes.³⁶ Esse fato foi confirmado pela Sra. Vilma Aquino,¹⁴ egressa da 1.ª Turma da EERP-USP, que identificou a psicóloga mencionada como Prof.ª Helena Panizza Nador, posteriormente entrevistada.¹⁶

Estudo sobre o Centro Acadêmico “XXXI de Outubro” identificou, em seu corpus documental, a presença de cartas enviadas pelo CAEERP, a exemplo de um cartão enviado por Carmen Silvia Monteiro de Barros Martinelli em agradecimento ao Centro Acadêmico “XXXI de Outubro” (data: 18/6/1956). Outro documento encontrado foi um telegrama enviado pela Prof.ª Glete de Alcântara parabenizando os formandos de 1956, além de documentações semelhantes às localizadas no presente estudo,³⁷ demonstrando possível comunicação ativa entre os dois Centros Acadêmicos da USP.

O currículo inicial da EERP-USP tinha por filosofia o desenvolvimento do estudante como pessoa, cidadão e enfermeiro. Almejava-se o alcance dos seguintes objetivos principais: preparar enfermeiros e auxiliares de enfermagem, desenvolver e aperfeiçoar o ensino, realizar investigação científica e contribuir para solucionar problemas de saúde da comunidade.⁶

Considerando a criação do CAEERP e o início das atividades em momentos diferentes, fato semelhante ocorreu com o Centro Acadêmico “XXXI de Outubro”, da Escola de Enfermagem da USP (EE-USP), localizada na cidade de São Paulo. Segundo relato de ex-aluna, ele fora criado em março de 1943, mas o estudo identificou a primeira ata de reuniões datada de 1.º março de 1944.³⁷ Dinah Alves Coelho foi a primeira presidente para o mandato de 1944/45, do Centro Acadêmico “XXXI de Outubro”, porém um estudo referiu que, por excesso de atividades acadêmicas da graduação das estudantes ou falta de compreensão das funções de um centro acadêmico, o órgão não desenvolveu atividades, motivo pelo qual um grupo de estudantes solicitou novas eleições para escolha de dirigentes mais atuantes.³⁸

Apesar da criação e início das atividades do CAEERP em diferentes momentos − ao contrário de sua escola-irmã (EE-USP) −, localizada na cidade de São Paulo, o CAEERP realizou várias atividades em sua 1.ª gestão.

Relatos de estudantes da 1.ª turma da escola e algumas estratégias desenvolvidas pelo grupo, permitiram identificar o trabalho do CAEERP na divulgação da EERP-USP, pelo excerto da entrevista de Carmen Silvia Monteiro de Barros Martinelli.¹² A necessidade de investimentos em divulgação e recrutamento da EERP-USP pode estar associada à baixa procura pelo curso naquele período, fato confirmado por Luzia A. Urbano.¹⁵

Nesse sentido, mostram-se evidências de que a 1.ª gestão do Centro Acadêmico trabalhou em conjunto com a Prof.ª Glete de Alcântara para o desenvolvimento da EERP-USP, participando ativamente no recrutamento de novos alunos.

O CAEERP-USP ainda realizou atividades relacionadas ao trote e festividades. O “trote” é definido na literatura como ato de zombaria, em que veteranos (alunos mais velhos) de determinada escola expõem os calouros (alunos novos) a rituais de ridicularização e desdém.³⁹ Entretanto, em relação ao trote da touca de caloura do CAEERP, faz-se necessário analisar o significado do uso da touca em escolas de enfermagem no Brasil, uma vez que tal rito é revestido de valor simbólico de pertencimento. Na EEAN, na década de 1920, por exemplo, sob influência das enfermeiras americanas, a caloura passava por quatro meses de experiência e, se aprovada nesse período, participava de um evento com grande força simbólica − a “Cerimônia de Recepção da Touca” −, sendo-lhe entregue tal símbolo representando a integração efetiva da aluna com o corpo discente. Quanto ao significado atribuído a esse objeto, era reconhecido como o domínio de si e a devoção às causas da profissão. Compreende-se, assim, que o uso da touca significava pertencimento ao grupo e trazia obrigações e privilégios a quem a possuía.⁴⁰

A presença de um Departamento Social e Esportivo, no CAEERP, congregava as atividades de socialização, mas também esportivas, com destaque para os Jogos Universitários. Entretanto, foi noticiada, logo no primeiro dia dos jogos, uma disputa com as seguintes entidades esportivas filiadas à Federação Universitária Paulista de Esportes - FUPE: Alexandre de Gusmão (Santos); Dr. Adhemar de Barros (Bauru); 9 de Julho (Bauru); XXV de Outubro (Campinas); XVI de Abril (Campinas); VII de Maio (São Carlos); Sampaio Vidal (Araraquara); Luiz de Queiroz (Piracicaba); Rocha Lima (Ribeirão Preto); Santos Dumont (São José dos Campos); Dr. Vital Brasil (Sorocaba); e Dr. Carneiro Leão (Ribeirão Preto).⁴¹

Essa notícia permite inferir que a participação do CAEERP fora restrita ao âmbito da organização e presença, ou em conjunto com a Atlética Rocha Lima, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP, à qual a EERP-USP era anexa, à época. Todavia, não foram localizados indícios de possível parceria, uma vez que o CAEERP não configurava como entidade esportiva.

A participação indireta no evento esportivo de grande porte foi destaque em mais de uma ata. Os II Jogos Universitários do interior tiveram repercussão estadual, ocorridos na cidade de Ribeirão Preto-SP, em maio de 1954, sob a “bandeira” da Associação Atlética Acadêmica Carneiro Leão, da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto. Houve presença de bandas musicais, com um Congresso de abertura, desfile, e as modalidades de atletismo, natação, xadrez, futebol, cestobol, tênis, voleibol, saltos ornamentais, encerramento e baile. A modalidade feminina foi mencionada somente no cestobol e voleibol,⁴² aparentando pouco espaço para as mulheres no torneio.

Por outro lado, o incentivo à prática esportiva também foi destaque em outras entidades estudantis da enfermagem, como no Centro Acadêmico “Laís Netto dos Reys”, que possuía em sua gestão uma Comissão de Esportes − promoção de competições esportivas entre os estudantes, − e a escola participava de eventos esportivos estudantis⁴³ e no Centro Acadêmico “XXXI de Outubro” da EE-USP também havia um Departamento Esportivo.³⁷

Considerando as questões de recrutamento, o uso da mídia foi muito importante na cidade de Ribeirão Preto. Outras estratégias eram as propagandas veiculadas em jornais locais e pelas emissoras PRA7 e ZYR-79.²⁰ O grupo foi convidado para participar de um programa, na Rádio Clube Ribeirão Preto (PRA-7), com duração de dez minutos, por entrevista radiofônica, e o objetivo de falar sobre EERP-USP e assuntos referentes à enfermagem. As entrevistas seriam revistas pelo Sr. Antônio C. Guimarães (Professor de Inglês das alunas na EERP-USP), a fim de serem publicadas no jornal A Cidade, de Ribeirão Preto.¹⁹

O rádio tornou-se um meio de comunicação de massa, e na cidade de Ribeirão Preto − tal como nas demais regiões do país − era o veículo de comunicação mais significativo para a produção e divulgação cultural, a ponto de influenciar, inclusive, os hábitos da população do município.⁴⁴ Na sociedade ribeirão-pretana, à época, a ideia do enfermeiro diplomado, praticamente inexistente na cidade, no período da criação da EERP-USP, havendo uma série de estereótipos negativos, que precisavam de intervenção profunda. Esse trabalho, associado aos esforços da direção e docentes, culminou na tese de Cátedra de Prof.ª Dra. Glete de Alcântara, de 1963, que buscava examinar os impactos de dez anos de campanhas de recrutamento da população de Ribeirão Preto.⁵

Ações de propaganda realizadas pelo CAEERP também foram promovidas pelos Centros Acadêmicos “Laís Netto dos Reys” para divulgação de uma “boa imagem” da enfermagem nas escolas.⁴³

A participação do CAEERP em eventos estudantis, que envolviam discussões políticas, demonstrou o interesse da entidade de ultrapassar o âmbito da socialização. Referente ao VI Congresso Estadual de Estudantes de São Paulo, o Centro Acadêmico “Armando Salles de Oliveira”, da USP - São Carlos, fez breve relatório sobre ele, mencionando os seguintes temas discutidos: assistência social ao estudante; representações nos colegiados de congregação e conselhos técnicos-administrativos das instituições; os restaurantes; o ensino em geral e a reforma do ensino; recursos financeiros e aproveitamento das riquezas nacionais; além de destaque crítico para o grande “desinteresse” por parte dos congressistas.⁴⁵ O Centro Acadêmico “XXXI de Outubro”, da EE-USP, estava envolvido na organização desse Congresso.³⁷

O aspecto financeiro também era tema importante para a sobrevivência das representações estudantis e diferentes estratégias foram adotadas. No âmbito da enfermagem, o Centro Acadêmico “XXXI de Outubro”, da EE-USP, contou, em seus primórdios, com maior movimentação financeira, inclusive após a criação de um “BAR”, que gerava lucros e festas. A mais famosa delas foi a Festa de Santo Antônio, que, nas edições de 1946 e 1947, reverteu toda sua arrecadação para impressão da Revista Annaes de Enfermagem, atual Revista Brasileira de Enfermagem (REBEn), a pedido da Prof.ª Glete de Alcântara.³⁸ Os recursos financeiros também foram levantados em estudo sobre o Diretório Acadêmico da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto (EEAP), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), criado em 28 de maio de 1955, relatando que suas gestões iniciais dependiam de doações para manutenção de suas atividades. A entidade foi criada à revelia de sua diretora à época, que dela tomou conhecimento apenas em julho do mesmo ano.⁴⁶

Vale lembrar que, segundo o Decreto n.º 35.450, de 1954, o salário-mínimo ficou estipulado em Cr$ 2.400,00; portanto, o saldo final do CAEERP foi equivalente a 6,4 salários-mínimos − equivalendo, em janeiro de 2022, a R$ 7.756,80. Entretanto, deve-se destacar que esse aumento, de 1954, representou 100% em relação ao salário-mínimo de 1952, que era de Cr$ 1.200,00. Esse aumento suscitou oposições, como do Exército, o qual criticava o valor quase equiparável ao vencimento máximo de um graduado militar. Mesmo assim, em 1.º de maio de 1954, o presidente Getúlio Vargas anunciou o novo salário-mínimo em meio a protestos.^47,48 Portanto, considerando esse cenário, o poder aquisitivo do caixa do CAEERP, seria, em 1954, provavelmente maior do que a previsão acima.

Localizaram-se evidências de atividades semelhantes promovidas por outros Centros Acadêmicos, o que sugere influência mútua entre eles, considerando os indícios de correspondências, principalmente entre o CAEERP e o Centro Acadêmico “XXXI de Outubro”, da EE-USP, onde a Prof.ª Glete de Alcântara fora docente, antes de chegar a Ribeirão Preto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA

Considerando a análise do micro-espaço sem perder as interfaces com seu contexto, a documentação analisada certificou a existência de uma entidade representativa estudantil na EERP-USP, denominada CAEERP, criada no dia 17 de dezembro de 1953.

A entidade empenhou-se na realização de pautas sociais, arrecadação de fundos para atividades, de integração social, recreativas, pedagógicas, políticas estudantis e de marketing. Ademais, buscou a ampliação do recrutamento de estudantes, desenvolvido por meio de propaganda nas escolas de ensino médio, rádio e curso preparatório pré-vestibular, dentre outras.

O presente estudo contribui para revelar parte da história da EERP-USP, do início da organização do movimento estudantil na enfermagem, na década de 1950. Destacou também a importância de muitos Centros Acadêmicos no desenvolvimento organizativo político-estudantil, além de importante papel no recrutamento de estudantes, evidenciado em diferentes órgãos de representação estudantil.

Essas estratégias apontavam as dificuldades de recrutamento enfrentadas, não apenas no município, e, para além, trata-se de tema atual e preocupação da enfermagem mundial até os dias correntes, como pode ser observado nas estratégias de propaganda das entidades de classe de enfermagem no Brasil e a própria campanha Nursing Now, lançada em 2018.

Como potencialidades, a presente pesquisa permite estudos futuros, comparativos entre passado e presente, buscando convergências e divergências no movimento estudantil da enfermagem.

Em relação a lacunas, destaca-se a literatura sobre movimentos estudantis na enfermagem brasileira, que poderiam ampliar as discussões comparativas. Entretanto, acredita-se que o presente estudo seja uma primeira etapa para o aprofundamento da história estudantil na EERP-USP, e possa inspirar outros pesquisadores a contar a história de suas instituições pelo ângulo estudantil.

• FINANCIAMENTO O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Beneficiária: Tatiana de Oliveira Sousa. Apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Código de Financiamento 2008/10170-2.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Set 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  17 Mar 2022
• Aceito
  31 Maio 2022