RESUMO
Objetivo
Quantificar a prevalência da negligência contra a criança e identificar seus fatores associados, a partir dos casos notificados no estado do Espírito Santo no período entre 2011 e 2018.
Métodos
Estudo transversal com dados notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) com todos os casos notificados de negligência contra a criança no período de 2011 a 2018 no Espírito Santo, Brasil. Foram estudadas as características da vítima, do autor e da agressão e as associações foram analisadas por meio da Regressão de Poisson.
Resultados
A frequência de negligência foi 31,3%, sendo mais prevalente no sexo masculino (RP: 1,48; IC95%: 1,34-1,63); na faixa etária de 0 a 2 anos (RP: 3,05; IC95%: 2,65-3,51); entre agressores do sexo feminino (RP: 16,20; IC95%: 9,98-26,32), e, em relação ao vínculo nota-se a maior prevalência de pais/padrastos (RP: 6,69; IC95%: 4,16-10,74), ambos os pais (RP: 4,41; IC95%: 2,84-6,85) e mães/madrastas (RP: 2,94; IC95%: 2,20-3,93).
Conclusões e Implicações para a prática
A magnitude de negligência contra crianças no Espírito Santo foi expressiva, demonstrando a necessidade de avançar no entendimento deste fenômeno e na implementação de políticas públicas intersetoriais ampliadas que visem garantir condições adequadas para o crescimento e desenvolvimento na infância.
Palavras-chave:
Criança; Estudos transversais; Notificação de Abuso; Prevalência; Violência
RESUMEN
Objetivo
Cuantificar la prevalencia del abandono infantil e identificar sus factores asociados, a partir de los casos notificados en el estado de Espírito Santo entre 2011 y 2018.
Métodos
Estudio transversal con datos notificados en el Sistema de Información de Enfermedades de Declaración Notificable (SINAN) con todos los casos reportados de negligencia infantil entre 2011 y 2018 en Espírito Santo, Brasil. Se estudiaron las características de la víctima, del agresor y de la agresión y se analizaron las asociaciones mediante Regresión de Poisson.
Resultados
La frecuencia de abandono fue del 31,3%, siendo más prevalente en el sexo masculine (RP: 1,48; IC95%: 1,34-1,63); en el grupo de edad de 0 a 2 años (RP: 3,05; IC95%: 2,65-3,51); entre las mujeres agresoras (RP: 16,20; IC95%: 9,98-26,32), y en relación al vínculo hay mayor prevalencia de padres/padrastros (RP: 6,69; IC95%: 4,16-10,74), ambos padres (RP: 4,41; IC95%: 2,84-6,85) y madres/madrastras (RP: 2,94; IC95%: 2,20-3,93).
Conclusiones e Implicaciones para la práctica
La magnitud del abandono de los niños fue expresiva, demostrando la necesidad de avanzar en la comprensión de este fenómeno y en la implementación de políticas públicas intersectoriales ampliadas que tengam como objetivo garantizar condiciones adecuadas para el crecimiento y desarrollo en la infancia.
Palabras clave:
Niño; Estudios Transversales; Notificación Obligatoria; Prevalencia; Violencia
ABSTRACT
Objective
To quantify the prevalence of neglect against the child and identify its associated factors, based on the cases reported in the state of Espírito Santo between 2011 and 2018.
Methods
Cross-sectional study with data reported in the Notifiable Diseases Information System (SINAN) with all reported cases of child neglect from 2011 to 2018 in the state of Espírito Santo, Brazil. The characteristics of the victim, author, and aggression were studied, and the associations were analyzed by Poisson regression.
Results
The frequency of neglect was 31.3%, being more prevalent in males (PR: 1.48; 95%CI: 1.34-1.63); for the age group of zero to two years (PR: 3.05; 95%CI: 2.65-3.51); among female aggressors (PR: 16.20; 95%CI: 9.98-26.32), and regarding the bond to the victim, we note the highest prevalence of parents/stepfathers (PR: 6.69; 95%CI: 4.16-10.74), both parents (PR: 4.41; 95%CI: 2.84-6.85) and mothers/stepmothers (PR: 2.94; 95%CI: 2.20-3.93).
Conclusions and Implications for the practice
The magnitude of child neglect in Espírito Santo was significant, showing the need to advance in the understanding of this phenomenon and in the implementation of expanded intersectoral public policies aimed at ensuring adequate conditions for growth and development in childhood.
Keywords:
Child; Cross-Sectional Studies; Mandatory Reporting; Prevalence; Violence
INTRODUÇÃO
Segundo a Convenção dos Direitos da Criança, todo infante é considerado sujeito de direitos, que necessita de cuidado e assistência especial e, para que possa se desenvolver adequadamente, precisa de um ambiente familiar, de felicidade, amor e compreensão.11 United Nations. Convention on the rights of the child. New York: United Nations; 1989. Concernente a isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) defende que o bem-estar na infância é dependente de alguns fatores como: uma boa saúde e nutrição; relacionamentos adequados; um ambiente seguro, limpo e solidário; educação; e realização da autonomia e resiliência pessoal.22 World Health Organization. (2020). Investing in our future: A comprehensive agenda for the health and well-being of children and adolescents. Geneva: WHO; 2020.
Porém, nem sempre as crianças têm suas necessidades atendidas, caracterizando a situação de negligência. Este tipo de violência pode ser conceituado como a omissão dos cuidadores em prover as necessidades básicas para o crescimento e desenvolvimento saudáveis da criança, perpassando por atender suas necessidades em áreas como saúde, educação, desenvolvimento emocional, nutrição e condições de vida seguras.33 Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R. editores. World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002.
4 Ministério da Saúde (BR). Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2010.-55 United Nations Children’s Fund. Hidden in plain sight: a statistical analysis of violence against children. New York: UNICEF; 2014. Atos negligentes podem se manifestar na privação de alimentação, na falta de cuidados com a higiene e saúde, no absenteísmo escolar, na falta de supervisão e cuidado perante as intempéries do meio ambiente, na exposição a situações violentas e drogas, entre outros, podendo culminar no total abandono.33 Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R. editores. World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002.,44 Ministério da Saúde (BR). Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2010.
As situações de negligência podem se constituir em situações isoladas ou em um padrão de falha contínuo no atendimento das necessidades da criança.66 Dubowitz H, Black M, Starr Jr RH, Zuravin S. A conceptual definition of child neglect. Crim Justice Behav. 1993;20(1):8-26. http://dx.doi.org/10.1177/0093854893020001003.
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7 World Health Organization. Preventing child maltreatment: a guide to taking action and generating evidence. Geneva: WHO; 2006.-88 Avdibegovic E, Brkic M. Child neglect - causes and consequences. Psychiatr Danub. 2020;32(Suppl 3):337-42. PMID: 33030448. Independente da sua intensidade e constância, este agravo impacta negativamente o crescimento e desenvolvimento da criança, envolvendo não só aspectos físicos, mas também psicológicos e emocionais, com manifestações inclusive na vida adulta. Crianças negligenciadas têm maiores de chance de apresentarem déficits em seu desenvolvimento cerebral, dificuldades em se relacionar com o meio externo, comportamento agressivo e antissocial, problemas de ansiedade e depressão, dificuldades de aprendizados e comportamento violento e delinquente na vida adulta.33 Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R. editores. World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002.,88 Avdibegovic E, Brkic M. Child neglect - causes and consequences. Psychiatr Danub. 2020;32(Suppl 3):337-42. PMID: 33030448.
9 Spratt EG, Friedenberg S, LaRosa A, Bellis MDD, Macias MM, Summer AP et al. The effects of early neglect on cognitive, language, and behavioral functioning in childhood. Psychology. 2012;3(2):175-82. http://dx.doi.org/10.4236/psych.2012.32026.
http://dx.doi.org/10.4236/psych.2012.320...
10 Manly JT, Oshri A, Lynch M, Herzog M, Wortel S. Child neglect and the development of externalizing behavior problems: associations with maternal drug dependence and neighborhood crime. Child Maltreat. 2013;18(1):17-29. http://dx.doi.org/10.1177/1077559512464119. PMid:23136210.
http://dx.doi.org/10.1177/10775595124641...
11 Widom CS. Long-term impact of childhood abuse and neglect on crime and violence. J Clin Psychol 2017;24(2):186-202. https://doi.org/10.1111/cpsp.12194.
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-1212 Herruzo C, Raya Trenas A, Pino MJ, Herruzo J. Study of the differential consequences of neglect and poverty on adaptative and maldaptative behavior in children. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(3):739. http://dx.doi.org/10.3390/ijerph17030739. PMid:31979263.
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A pobreza é apontada como o principal fator associado à negligência, afetando o acesso das famílias à direitos sociais básicos como saúde, educação, transporte e moradia adequada, que acabam por influenciar na capacidade dos pais fornecerem os cuidados necessários à criança.33 Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R. editores. World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002.,66 Dubowitz H, Black M, Starr Jr RH, Zuravin S. A conceptual definition of child neglect. Crim Justice Behav. 1993;20(1):8-26. http://dx.doi.org/10.1177/0093854893020001003.
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,88 Avdibegovic E, Brkic M. Child neglect - causes and consequences. Psychiatr Danub. 2020;32(Suppl 3):337-42. PMID: 33030448.,1313 Slack KS, Holl J, Altenbernd L, McDaniel M, Stevens AB. Improving the measurement of child neglect for survey research: issues and recommendations. Child Maltreat. 2003;8(2):98-111. http://dx.doi.org/10.1177/1077559502250827. PMid:12735712.
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14 Mata NT, Silveira LMB, Deslandes SF. Família e negligência: uma análise do conceito de negligência na infância. Cien Saude Colet. 2017 set;22(9):2881-8. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017229.13032017. PMid:28954139.
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-1515 van IJzendoorn MH, Bakermans-Kranenburg MJ, Coughlan B, Reijman S. Annual Research Review: umbrella synthesis of meta-analyses on child maltreatment antecedents and interventions: differential suscptibility perspective on risk and resilience. J Child Psychol Psychiatry. 2020;61(3):272-90. http://dx.doi.org/10.1111/jcpp.13147. PMid:31667862.
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Outros fatores associados relacionados às características parentais são a baixa autoestima, dificuldade de socialização e de utilização de recursos de apoio social, passividade, uso de substâncias ilícitas, problemas mentais e dificuldades relacionadas ao planejamento de sua vida.33 Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R. editores. World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002.,1616 Kelleher K, Chaffin M, Hollenberg J, Fischer E. Alcohol and drug disorders among physically abusive and neglectful parents in a community-based sample. Am J Public Health. 1994;84(10):1586-90. http://dx.doi.org/10.2105/AJPH.84.10.1586. PMid:7943475.
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17 Scherer EA, Scherer ZAP. A criança maltratada: uma revisão da literatura. Rev Lat Am Enfermagem. 2000 ago;8(4):22-9. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692000000400004. PMid:11235234.
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18 Kudagammana ST. Defining and comprehending child abuse at present times - an appraisal. Sri Lanka Journal of Forensic Medicine. Science and Law. 2010;1(2):28-32.-1919 Hornor G. Child neglect: assessment and intervention. J Pediatr Health Care. 2014;28(2):186-92, quiz 193-4. http://dx.doi.org/10.1016/j.pedhc.2013.10.002. PMid:24559807.
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Pais adolescentes e aqueles que sofreram experiências adversas durante sua infância também apresentam maiores chances de serem negligentes com seus filhos.88 Avdibegovic E, Brkic M. Child neglect - causes and consequences. Psychiatr Danub. 2020;32(Suppl 3):337-42. PMID: 33030448.,1818 Kudagammana ST. Defining and comprehending child abuse at present times - an appraisal. Sri Lanka Journal of Forensic Medicine. Science and Law. 2010;1(2):28-32.
Com relação à magnitude deste agravo, Moody et al.2020 Moody G, Cannings-John R, Hood K, Kemp A, Robling M. Establishing the international prevalence of self-reported child maltreatment: a systematic review by maltreatment type and gender. BMC Public Health. 2018;18(1):1164. http://dx.doi.org/10.1186/s12889-018-6044-y. PMid:30305071.
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a partir de uma revisão sistemática, encontraram poucos estudos abordando a negligência, principalmente para as regiões da América do Sul, África e Oceania. A mediana de prevalência de negligência ao longo da vida para a região da América do Sul foi 6,6% (a partir de dados de dois estudos), enquanto para a Europa e América do Norte foram 30,1 e 27%, respectivamente. Para o Brasil, Rates et al.2121 Rates SM, de Melo EM, Mascarenhas MD, Malta DC. Violence against children: an analysis of mandatory reporting of violence, Brazil 2011. Cien Saude Colet. 2015;20(3):655-65. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015203.15242014. PMid:25760107.
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analisando dados dos casos notificados pelo setor saúde no ano de 2011 encontraram uma prevalência de 47,5%, sendo a negligência o principal tipo de violência contra a criança notificada, o que também foi encontrado por Malta et al.2222 Malta DC, Bernal RTI, Teixeira BSM, Silva MMA, Freitas MIF. Fatores associados a violências contra crianças em Serviços Sentinela de Urgência nas capitais brasileiras. Cien Saude Colet. 2017 set;22(9):2889-98. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017229.12752017. PMid:28954140.
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a partir dos dados do Viva Inquérito de 2014.
Salienta-se que a falta de dados sobre a negligência pode ser devido à dificuldade de conceituar e, portanto, identificar.55 United Nations Children’s Fund. Hidden in plain sight: a statistical analysis of violence against children. New York: UNICEF; 2014.,2323 Dubowitz H, Klockner A, Starr Jr RH, Black MM. Community and professional definitions of child neglect. Child Maltreat. 1998;3(3):235-43. http://dx.doi.org/10.1177/1077559598003003003.
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Neste sentido, se torna mais evidente a importância de políticas públicas intersetoriais que garantam os direitos da criança, sendo que o setor saúde ganha um destaque fundamental. Além da saúde ser uma das áreas em que os cuidados com a criança são negligenciados, a atuação dos profissionais de saúde, principalmente aqueles da Atenção Básica, junto às famílias possibilita conhecer as dinâmicas familiares e identificar precocemente situações de risco para a ocorrência de situações violentas.44 Ministério da Saúde (BR). Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2010.
Além do atendimento à criança e sua família, o setor saúde é um dos responsáveis pela notificação de casos de violência, entre eles a negligência. A notificação é um poderoso instrumento para acionar a rede de cuidados, além de ser uma importante fonte de dados para a compreensão do fenômeno e para o desenvolvimento de políticas públicas efetivas.44 Ministério da Saúde (BR). Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2010.,2424 Ministério da Saúde (BR). Viva: instrutivo notificação de violência interpessoal e autoprovocada. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2016. Diante disso, o objetivo deste trabalho foi quantificar a prevalência da negligência contra a criança e identificar seus fatores associados, a partir dos casos notificados no estado do Espírito Santo no período entre 2011 e 2018.
MÉTODOS
Esta pesquisa trata-se de um estudo epidemiológico, analítico do tipo transversal, onde foram analisados os dados das notificações de violência contra a criança ocorridos no estado do Espírito Santo no período de 2011 a 2018.
Localizado na região sudeste brasileira, o estado do Espírito Santo conta com uma população estimada para 2019 de 4.018.650 habitantes, sendo que 509.336 são crianças de 0 a 9 anos de idade (14,5%). Está dividido em 78 municípios e três regiões de saúde. Possui um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,740, considerado alto, e uma renda média per capita de R$1.477,00.2525 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades: panorama Espírito Santo [Internet]. Rio de Janeiro (RJ): IBGE; 2021 [citado 2021 Nov 23]. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/es/panorama
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No período estudado, houveram 439.422 nascimentos no estado, o que corresponde a uma taxa de natalidade de 125,02 nascimentos por 1000 habitantes.2626 Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. [Internet]. [citado 2022 Jul 5]. Brasília (DF): DATASUS; 2022. Disponível em: https://datasus.saude.gov.br/
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Os dados foram gerados pelos serviços de saúde a partir da Ficha de Notificação de Violência Interpessoal e Autoprovocada, registrada no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e parte integrante do componente contínuo do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA-Contínuo).2424 Ministério da Saúde (BR). Viva: instrutivo notificação de violência interpessoal e autoprovocada. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2016. O período de estudo escolhido levou em consideração a inclusão da violência como um agravo de notificação compulsória em 2011, a partir da promulgação da portaria nº 104.2727 Portaria n. 104, de 25 de janeiro de 2011 (BR). Define as terminologias adotadas em legislação nacional, conforme o disposto no Regulamento Sanitário Internacional 2005 (RSI 2005), a relação de doenças, agravos e eventos em saúde pública de notificação compulsória em todo o território nacional e estabelece o fluxo, critérios, responsabilidades e atribuições aos profissionais e serviços de saúde. Diário Oficial da União [periódico na internet], Brasília (DF), 26 jan. 2011 [citado 13 dez 2021]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt0104_25_01_2011.html
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A base de dados foi fornecida pelo setor de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Saúde estadual.
Foram incluídos todos os dados de indivíduos com idade entre 0 e 9 anos e que tinham a identificação do tipo de violência sofrida. Esta faixa etária foi a escolhida por ser a adotada pelo Ministério da Saúde.2424 Ministério da Saúde (BR). Viva: instrutivo notificação de violência interpessoal e autoprovocada. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2016. Antes da análise, foi realizado processo de qualificação dos dados a fim de minimizar possíveis erros e inconsistências, seguindo as orientações do Instrutivo de Notificação Interpessoal e Autoprovocada.2424 Ministério da Saúde (BR). Viva: instrutivo notificação de violência interpessoal e autoprovocada. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2016.
O desfecho analisado neste trabalho foram os casos de violência do tipo negligência (não; sim), sendo que a categoria “não” é constituída dos casos que sofreram outros tipos de violência. As variáveis independentes foram agrupadas da seguinte forma: a) características da vítima: sexo (masculino; feminino); faixa etária (0 a 2 anos; 3 a 5 anos; 6 a 9 anos); raça/cor (branca; preta/parda); presença de deficiências e/ou transtornos (não; sim); e zona de residência (urbana/periurbana; rural); b) características do agressor: faixa etária (0 a 19 anos; 20 anos ou mais); sexo (masculino; feminino; ambos); vínculo com a vítima (pai/padrasto; mãe/madrasta; ambos os pais; conhecido); e suspeita de uso de álcool (não; sim); c) características do evento: número de envolvidos (um; dois ou mais); ocorrência na residência (não; sim); turno de ocorrência (manhã/tarde; noite/madrugada); histórico de repetição (não; sim); e encaminhamento para outros serviços (não; sim). Os dados em branco ou ignorados em cada uma das variáveis foram desconsiderados, assim o número total de indivíduos pode variar.
Todas as análises foram realizadas no software Stata 14.1. Foram calculadas as frequências relativas e absolutas e seus intervalos de confiança de 95%. Na análise bivariada foi utilizado o Teste Qui-Quadrado de Pearson; as variáveis que obtiveram valor de p menor que 0,20 nesta análise foram incluídas no modelo multivariado, exceto a variável ‘encaminhamento’ por considerarmos que este ocorreu após o desfecho. Foi utilizada a regressão de Poisson com estimativa das Razões de Prevalência (RPs) na análise multivariada. A entrada das variáveis do modelo foi realizada em dois níveis: no primeiro foram incluídas as características da vítima e no segundo nível as características do agressor e evento; a permanência das variáveis no modelo respeitou o critério de valor de p menor que 0,05.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo sob CAAE nº 88138618.0.0000.5060 e parecer número 2.819.597 de 14 de agosto de 2018.
RESULTADOS
No período de 2011 a 2018, foram notificados 968 casos de negligência contra crianças no Espírito Santo, o que corresponde a 31,3% do total de 3.127 casos notificados (IC95%: 29,7-33,0). A prevalência nos meninos foi 39,1% (IC95%: 36,5-41,7) e nas meninas foi 25,4% (IC95%: 23,4-27,5).
Os dados demonstram que as vítimas são em sua maioria do sexo masculino (54%), de idade entre 0 e 2 anos (57,7%), da raça/cor preta ou parda (74,2%), sem deficiências e/ou transtornos (97,1%) e residentes da zona urbana (91,7%). Com relação ao agressor, 90,5% tinham mais de 20 anos de idade, 50,7% eram mulheres, 47,5% eram mães ou madrastas das vítimas e não houve suspeita de uso de álcool em 76% dos casos. A negligência, em geral, envolveu somente um agressor (54,4%), ocorreu na residência (80,4%), nos turnos da manhã ou da tarde (67,4%) e de forma recorrente (53,5%). O encaminhamento para outros serviços foi realizado em 78% dos casos notificados (Tabela 1).
Características dos casos notificados de negligência contra a criança segundo características da vítima, do agressor e da agressão. Espírito Santo, 2011 a 2018.
Com base na análise bivariada, verificou-se que a negligência esteve relacionada ao sexo e faixa etária da criança, à faixa etária e sexo do agressor, ao vínculo do agressor com a vítima, ao número de envolvidos na agressão e ao encaminhamento (p < 0,05) (Tabela 2).
Análise bivariada entre a negligência e as características da vítima, do agressor e da agressão. Espírito Santo, 2011 a 2018.
Na análise multivariada, a negligência associou-se ao sexo e à idade da vítima, ao sexo do perpetrador e ao seu vínculo com a criança. Os meninos tiveram uma frequência 48% maior de serem vítimas de negligência (RP:1,48; IC95%: 1,34-1,63). Crianças da faixa etária de 0 a 2 anos sofreram 3,05 vezes mais negligência que aquelas com idade entre 6 e 9 anos (IC95%: 2,65-3,51); já entre as crianças de 3 a 5 anos a frequência foi 50% maior (RP: 1,50; IC95%: 1,26-1,78). A frequência de perpetradores do sexo feminino foi 16,20 vezes maior (IC95%: 9,98-26,32) quando comparada à do sexo masculino; para a categoria de ambos os sexos, a frequência foi 11,97 vezes superior (IC95%: 7,23-19,81). De forma geral, os agressores foram principalmente aqueles com vínculo materno/paterno com as crianças: as frequências foram 2,94 vezes maior para a mãe ou madrasta (IC95%: 2,20-3,93), 4,41 vezes maior para ambos os pais (IC95%: 2,84-6,85) e 6,69 vezes maior para o pai ou padrasto (IC95%: 4,16-10,74), quando comparadas às pessoas conhecidas da vítima (p < 0,05) (Tabela 3).
Análise bruta e ajustada dos efeitos das características da vítima, do agressor e da agressão com a negligência perpetrada contra crianças. Espírito Santo, 2011 a 2018.
DISCUSSÃO
Aproximadamente um terço das notificações de violência contra crianças no Espírito Santo foram por negligência. Esse agravo foi cometido principalmente contra os meninos, com idade menor que 5 anos, e teve como principal perpetrado aqueles com vínculo materno/paterno.
No Brasil, a violência do tipo negligência se apresenta com prevalências variadas entre os estudos, conforme a abrangência e localização dos dados. Este agravo foi o mais notificado no estado da Paraíba entre 2010 e 2013, atingindo a frequência de 81%.2828 Sousa RP, Oliveira FB, Bezerra MLO, Leite ES, Maciel EJS. Caracterização dos maus-tratos contra a criança: Avaliação das notificações compulsórias na Paraíba. Espac Saude. 2015;16(4):20-8. http://dx.doi.org/10.22421/1517-7130.2015v16n4p20.
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Nas cidades de Porto Alegre, Rio Grande do Sul,2929 Dornelles TM, Macedo ABT, Antoniolli L, Vega EAU, Damaceno AN, Souza SBC. Características da violência contra crianças no município de Porto Alegre: análise das notificações obrigatórias. Esc Anna Nery. 2021;25(2):e20200206. http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2020-0206.
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e em Rio das Ostras, Rio de Janeiro,3030 Barcellos TMT, Góes FGB, Silva ACSS, Souza AN, Camilo LA, Goulart MCL. Violência contra crianças: descrição dos casos em município da baixada litorânea do Rio de Janeiro. Esc Anna Nery. 2021;25(4):e20200485. http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2020-0485.
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a negligência atingiu frequências de 41% e 36,8%, respectivamente, tendo magnitudes inferiores somente à violência sexual. Estas prevalências foram mais próximas à encontrada para o estado do Espírito Santo. Já em cidades do norte do estado de Minas Gerais3131 Souto DF, Zanin L, Ambrosano GMB, Flório FM. Violence against children and adolescents: profile and tendencies resulting from Law 13.010. Rev Bras Enferm. 2018;71(Suppl 3):1237-46. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0048. PMid:29972520.
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e na cidade de Ribeirão Preto, São Paulo,3232 Farias MS, Souza CS, Carneseca EC, Passos ADC, Vieira EM. Caracterização das notificações de violência em crianças no município de Ribeirão Preto, São Paulo, no período 2006-2008. Epidemiol Serv Saude. 2016 out;25(4):799-806. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742016000400013. PMid:27869973.
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este foi o tipo de violência contra a infância menos notificado.
No presente estudo, a prevalência da negligência contra os meninos foi maior do que nas meninas, o que também foi encontrado em outra pesquisa.3333 Egry EY, Apostólico MR, Albuquerque LM, Gessner R, Fonseca RMGS. Understanding child neglect in a gender context: a study performed in a Brazilian city. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(4):556-63. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420150000400004. PMid:26353091.
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Alternativamente, uma revisão sistemática encontrou que este agravo era mais frequente em crianças do sexo feminino na América do Norte, porém não havia diferença na Europa e Ásia.2020 Moody G, Cannings-John R, Hood K, Kemp A, Robling M. Establishing the international prevalence of self-reported child maltreatment: a systematic review by maltreatment type and gender. BMC Public Health. 2018;18(1):1164. http://dx.doi.org/10.1186/s12889-018-6044-y. PMid:30305071.
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Acredita-se que esta diferença encontrada se deve à violência de gênero enraizada na sociedade brasileira.3434 Fornari LF, Sakata-So KN, Egry EY, Fonseca RMGS. Gender and generation perspectives in the narratives of sexually abused women in childhood. Rev Lat Am Enfermagem. 2018;26:e3078. http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.2771.3078. PMid:30517573.
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Neste sentido, entende-se que as mulheres são o “gênero frágil” e, portanto, necessitariam de mais cuidados, e que a vivência de situações adversas durante a infância seria uma preparação para a vida adulta no sexo masculino.33 Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R. editores. World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002.,3535 Araújo G, Ramos M, Zaleski T, Rozin L, Sanches LC. Determinantes da violência sexual infantil no estado do Paraná - Brasil. Espaço Saúde (Online). 2019;20(2):42-54. http://dx.doi.org/10.22421/15177130-2019v20n2p42.
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Quanto menor a idade da criança, maior a sua dependência para o atendimento de suas necessidades físicas, psicológicas e emocionais, o que a torna mais vulnerável às situações de negligência, como demonstrado neste estudo onde as prevalências foram maiores conforme menor a idade da criança. Egry et al. (2015)3333 Egry EY, Apostólico MR, Albuquerque LM, Gessner R, Fonseca RMGS. Understanding child neglect in a gender context: a study performed in a Brazilian city. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(4):556-63. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420150000400004. PMid:26353091.
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analisando dados de notificação da cidade de Curitiba, Paraná, encontraram que 27,3% das notificações ocorreram em crianças menores de um ano. Importante destacar que a infância é um período essencial do crescimento e desenvolvimento humano e que a criança precisa de um adulto que possa garantir as condições e os estímulos adequados, considerando também que nessa faixa etária há dificuldade de verbalização de suas necessidades.88 Avdibegovic E, Brkic M. Child neglect - causes and consequences. Psychiatr Danub. 2020;32(Suppl 3):337-42. PMID: 33030448.,2121 Rates SM, de Melo EM, Mascarenhas MD, Malta DC. Violence against children: an analysis of mandatory reporting of violence, Brazil 2011. Cien Saude Colet. 2015;20(3):655-65. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015203.15242014. PMid:25760107.
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Além disso, durante o período entre a concepção e os dois anos de idade, conhecido como janela dos 1000 dias, é essencial que sejam garantidas as melhores condições de vida para a criança, visto que as alterações ocorridas neste momento do desenvolvimento podem influenciar na qualidade de vida e na predisposição de doenças na vida adulta, o que pode impactar a sociedade e as gerações futuras.3636 Daelmans B, Darmstadt GL, Lombardi J, Black MM, Britto PR, Lye S et al. Early childhood development: the foundation of sustainable development. Lancet. 2017;389(10064):9-11. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(16)31659-2. PMid:27717607.
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37 Lo S, Das P, Horton R. A good start in life will ensure a sustainable future for all. Lancet. 2017;389(10064):8-9. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(16)31774-3. PMid:27717611.
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-3838 Schwarzenberg SJ, Georgieff MK, Daniels S, Corkins M, Golden NH, Kim JH et al. Advocacy for improving nutrition in the first 1000 days to support childhood development and adult health. Pediatrics. 2018;141(2):e20173716. http://dx.doi.org/10.1542/peds.2017-3716. PMid:29358479.
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Histórica e culturalmente as mulheres são as principais cuidadoras das crianças e, portanto, uma das principais perpetradoras de negligência, situação também encontrada neste estudo quando da análise da variável sexo do agressor. Na sociedade atual, a mulher além de assumir o papel de responsável pelo lar e pela família, também tem inserção cada vez maior no mercado de trabalho, configurando uma dupla jornada que pode ser difícil e estressante.3939 Ferreira CLS, Côrtes MCJW, Gontijo ED. Promoção dos direitos da criança e prevenção de maus tratos infantis. Cien Saude Colet. 2019 nov;24(11):3997-4008. http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182411.04352018. PMid:31664373.
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Segundo dados do último censo brasileiro, realizado em 2010, 37,3% dos domicílios tinham a mulher como principal responsável.4040 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatísticas de gênero - uma análise dos resultados do censo demográfico 2010 [Internet]. Rio de Janeiro (RJ): IBGE; 2014 [citado 2022 Jul 5]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv88941.pdf
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Essa nova conformação pode propiciar a ocorrência de situações negligentes, principalmente se ela não conta com o apoio de um companheiro ou de outras pessoas, situação agravada pela cultura de que o trabalho doméstico deve ser exclusivamente feminino.3333 Egry EY, Apostólico MR, Albuquerque LM, Gessner R, Fonseca RMGS. Understanding child neglect in a gender context: a study performed in a Brazilian city. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(4):556-63. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420150000400004. PMid:26353091.
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Também, segundo os dados da presente pesquisa, os pais ou padrastos foram os principais perpetradores da negligência, com prevalências superiores às mães e a ambos os pais. Muitos pais, mesmo estando presentes, não fornecem a atenção e o apoio necessário à companheira no cuidado com as crianças e com a casa; em situações mais extremas os pais abandonam suas famílias e os filhos são criadas somente pela mãe. Culturalmente, aos pais cabe o papel de provedor de condições financeiras da casa, sendo este papel considerado suficiente na dinâmica familiar.3333 Egry EY, Apostólico MR, Albuquerque LM, Gessner R, Fonseca RMGS. Understanding child neglect in a gender context: a study performed in a Brazilian city. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(4):556-63. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420150000400004. PMid:26353091.
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Dubowitz et al.4141 Dubowitz H, Black MM, Kerr MA, Starr Jr RH, Harrington D. Fathers and child neglect. Arch Pediatr Adolesc Med. 2000;154(2):135-41. http://dx.doi.org/10.1001/archpedi.154.2.135. PMid:10665599.
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encontraram em seu estudo que um maior envolvimento dos pais na vida familiar diminui o risco para a negligência contra a criança. Essa negligência dos homens no cuidado com os filhos é ratificada pela sociedade que considera natural a sua ausência em cuidados relacionados à saúde e educação, situação reforçada pela postura dos serviços que acabam por não envolver os pais nas situações concernentes às crianças, como, por exemplo, consultas médicas e reunião de pais e mestres.3333 Egry EY, Apostólico MR, Albuquerque LM, Gessner R, Fonseca RMGS. Understanding child neglect in a gender context: a study performed in a Brazilian city. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(4):556-63. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420150000400004. PMid:26353091.
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,4141 Dubowitz H, Black MM, Kerr MA, Starr Jr RH, Harrington D. Fathers and child neglect. Arch Pediatr Adolesc Med. 2000;154(2):135-41. http://dx.doi.org/10.1001/archpedi.154.2.135. PMid:10665599.
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Importante refletir a dificuldade em se definir a intencionalidade do ato de negligência como em outros tipos de violência.66 Dubowitz H, Black M, Starr Jr RH, Zuravin S. A conceptual definition of child neglect. Crim Justice Behav. 1993;20(1):8-26. http://dx.doi.org/10.1177/0093854893020001003.
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Muitas vezes os pais são negligentes por não terem escolha ou por terem um conhecimento inadequado das necessidades da criança e não compreenderem que tais situações constituem uma negligência, como por exemplo, deixar os filhos sozinhos em casa para ir trabalhar por não terem acesso à creche, escola ou outros cuidadores.33 Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R. editores. World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002.,55 United Nations Children’s Fund. Hidden in plain sight: a statistical analysis of violence against children. New York: UNICEF; 2014. Ao olharmos para a problemática da negligência infantil temos também que levar em considerações os diferentes padrões culturais do que deve ser o comportamento dos pais perante seus filhos e quais são os princípios que devem reger os cuidados para com as crianças.33 Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R. editores. World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002.,1414 Mata NT, Silveira LMB, Deslandes SF. Família e negligência: uma análise do conceito de negligência na infância. Cien Saude Colet. 2017 set;22(9):2881-8. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017229.13032017. PMid:28954139.
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Outra questão a destacar é o papel significativo que o setor saúde possui na prevenção e rastreio da negligência, considerando a sua proximidade com as famílias e comunidades, o que facilita a compreensão das diferentes dinâmicas sociais, econômicas e culturais que as envolvem, propiciando mecanismos não só para a identificação de situações desencadeadoras de violência, mas também daqueles necessários à sua superação.44 Ministério da Saúde (BR). Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2010.
Durante as consultas de pediatria e puericultura podem ser identificadas situações que podem ser consequências da negligência sofrida pela criança: baixo peso ou baixa estatura, maus cuidados com a higiene, não atendimento ao calendário de vacinas, ausência nas consultas, entre outras.44 Ministério da Saúde (BR). Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2010. Portanto, os profissionais de saúde devem estar atentos e investigar as causas dessas situações e realizar a notificação a fim de acionar a rede de serviços de proteção, mesmo diante da suspeita de violência.2424 Ministério da Saúde (BR). Viva: instrutivo notificação de violência interpessoal e autoprovocada. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2016. Essa simples atitude contribuirá para a quebra do ciclo de violência e para minimizar os impactos negativos da negligência que a criança possa estar sofrendo. Nesse contexto, é fundamental a ampliação da visão dos profissionais de saúde para além da questão biológica e o fortalecimento da rede de articulação intersetorial para que as ações sejam realmente efetivas no que tange à garantia de direitos e proteção da infância e da família brasileira.3939 Ferreira CLS, Côrtes MCJW, Gontijo ED. Promoção dos direitos da criança e prevenção de maus tratos infantis. Cien Saude Colet. 2019 nov;24(11):3997-4008. http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182411.04352018. PMid:31664373.
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Como limitações do presente trabalho destaca-se aqueles relacionados à subnotificação de casos e ao uso de dados secundários. Como os dados utilizados neste estudo são provenientes do setor saúde, os casos registrados referem-se aos indivíduos que têm acesso a estes serviços e que são identificados e notificados pelos profissionais de saúde; portanto, casos de negligência que não chegaram até o serviço de saúde não fazem parte do universo analisado. Além disso, destaca-se as lacunas que envolvem a qualidade e a completude do preenchimento das fichas de notificação; essa limitação foi minimizada com o processo de qualificação do banco de dados. Neste sentido, torna-se evidente a necessidade de políticas de educação permanente na temática da violência para os profissionais de saúde, qualificando assim o processo de identificação e notificação dos casos de violência contra a criança.
CONCLUSÃO
A negligência se mostrou um agravo com uma magnitude significativa entre as crianças do Espírito Santo, atingindo principalmente aquelas do sexo masculino e com idades inferiores a cinco anos. Aqueles com vínculos maternos/paternos que deveriam ser os principais cuidadores, se apresentaram como os principais perpetradores deste tipo de violência.
Este estudo permitiu incluir elementos para um maior conhecimento da negligência, visto as lacunas presentes na literatura. Dessa forma, é importante destacar o papel dos profissionais de saúde, incluindo os enfermeiros, na identificação e monitoramento das vítimas e de suas famílias. A informação coletada neste estudo fornece subsídios para que estas situações sejam identificadas na prática clínica e no dia-a-dia das equipes multiprofissionais.
Importante destacar que o contexto em que ocorre a negligência é fundamental para sua compreensão, identificação e planejamento de intervenções. Não podemos estigmatizar as famílias como boas ou ruins, mas auxiliá-las a encontrar soluções. Somente com um olhar ampliado para este fenômeno e com o envolvimento de diversos setores, principalmente aqueles relacionados ao combate à pobreza e às desigualdades sociais, conseguiremos garantir as condições necessárias para o crescimento e desenvolvimento de todas as crianças, a fim de protegê-las das situações de negligência. Essa é uma responsabilidade que deve ser compartilhada com toda a sociedade e com o Estado.
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EDITOR CIENTÍFICO
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Dez 2022 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
08 Abr 2022 -
Aceito
20 Ago 2022