Resumo
Objetivos Descrever os Health Literacy Universal Precautions Toolkits e refletir sobre sua aplicabilidade para promover o letramento em saúde em diferentes contextos.
Método Trata-se de uma reflexão que sintetiza as dimensões e estratégias de ação, além de apresentar uma síntese das implicações para a prática clínica.
Resultados Os kits estão organizados em cinco dimensões: preparação para melhorias, comunicação verbal, comunicação escrita, autogerenciamento e empoderamento, e sistemas de suporte. Cada dimensão é subdividida em 21 ferramentas, acompanhadas de suas respectivas estratégias de ação. Estudos sobre a aplicabilidade desses kits na prática clínica indicam uma preferência por instrumentos mais concisos e de fácil utilização, além de apontarem que a implementação de mudanças demandou mais tempo do que o inicialmente previsto. Entre as limitações identificadas estão a necessidade de planejamento, reorganização da estrutura física do ambiente, ajuste no fluxo de atendimento, e capacitação da equipe em habilidades de comunicação.
Considerações finais e implicações para prática Destaca-se que o valor desse referencial reside na reunião de recomendações baseadas em evidências científicas, que podem ser utilizadas para promover interações eficazes com os usuários dos serviços de saúde.
Palavras-chave: Comunicação em Saúde; Educação em Saúde; Letramento em Saúde; Empoderamento; Autogestão
Resumen
Objetivos Describir el documento Health Literacy Universal Precautions Toolkits y reflexionar sobre su aplicabilidad en la promoción del alfabetismo en salud en diferentes contextos.
Método Esta es una reflexión que sintetiza las dimensiones y estrategias de acción, así como presenta un resumen de las implicaciones para la práctica clínica.
Resultados Los kits están organizados en cinco dimensiones: preparación para la mejora, comunicación verbal, comunicación escrita, autogestión y empoderamiento, y sistemas de apoyo. Cada dimensión está subdividida en 21 herramientas, acompañadas de sus respectivas estrategias de acción. Los estudios sobre la aplicabilidad de estos kits en la práctica clínica indican una preferencia por instrumentos más concisos y fáciles de usar, y también revelan que la implementación de cambios tomó más tiempo del originalmente anticipado. Las limitaciones identificadas incluyen la necesidad de planificación, reorganización del entorno físico, ajuste del flujo de servicio y capacitación del personal en habilidades de comunicación.
Consideraciones finales e implicaciones para la práctica El valor de este marco radica en la recopilación de recomendaciones basadas en evidencia que pueden ser utilizadas para promover interacciones efectivas con los usuarios de los servicios de salud.
Palabras clave: Alfabetización en Salud; Comunicación en Salud; Educación en Salud; Empoderamiento; Automanejo
Abstract
Objectives To describe the Health Literacy Universal Precautions Toolkits document and reflect on its applicability in promoting health literacy in different contexts.
Method This is a reflection that synthesizes the dimensions and action strategies, as well as presents a summary of the implications for clinical practice.
Results The toolkits are organized into five dimensions: preparation for improvement, verbal communication, written communication, self-management and empowerment, and support systems. Each dimension is subdivided into 21 tools, accompanied by their respective action strategies. Studies on the applicability of these toolkits in clinical practice indicate a preference for more concise and easy-to-use instruments, and also reveal that implementing changes took more time than originally anticipated. Identified limitations include the need for planning, reorganization of the physical environment, adjustment of service flow, and training of the staff in communication skills.
Final considerations and implications for practice The value of this framework lies in the collection of evidence-based recommendations that can be used to promote effective interactions with health care users.
Keywords: Health Communication; Health Education; Health Literacy; Empowerment; Self-management
INTRODUÇÃO
A visão contemporânea da educação em saúde baseia-se na premissa de que o educador vai além de apenas transmitir informações, tornando-se um facilitador do processo de ensino-aprendizagem. Nesse contexto, ensinar envolve intervir deliberadamente, compartilhando informações relevantes para alcançar melhores resultados em saúde. Dessa forma, o aprendizado é visto como um elemento concreto para incorporar comportamentos saudáveis ao estilo de vida, por meio da aquisição de conhecimentos, habilidades e atitudes.1
O papel do educador em saúde como facilitador pressupõe o estabelecimento de uma parceria entre educador e educando. Nesse contexto, o educador busca a forma mais apropriada de conduzir o aprendizado, com base nas necessidades e preferências do educando. Assim, o educando deixa de receber passivamente informações (abordagem centrada no educador) e passa a colaborar ativamente, reconhecendo o que é necessário saber para cuidar da própria saúde (abordagem centrada no educando).1
A saúde e a educação são indissociáveis na manutenção do bem-estar multidimensional da pessoa humana. A busca por informações de saúde, bem como a correta interpretação dessas informações para promover a saúde por meio de ações deliberadas e eficazes, é essencial em uma organização social que entende a interligação entre saúde e educação.2 Considerar esses pressupostos implica que qualquer processo de educação em saúde deve ser centrado na pessoa e buscar potencializar o letramento em saúde.3
Uma recente revisão sistemática, que teve como objetivo avaliar a efetividade de intervenções educativas para favorecer o letramento em saúde em pessoas com doenças crônicas de países de baixa e média renda, concluiu que tais intervenções são efetivas para promover conhecimentos, atitudes e comportamentos de saúde, especialmente entre pessoas com diabetes.4 O letramento em saúde para pessoas com diabetes é apontado como um fator determinante para a melhoria do controle glicêmico, aumento do conhecimento sobre a doença, adesão à medicação e satisfação com o tratamento.5
Pesquisas em diversas áreas indicam que o nível de letramento em saúde das pessoas é insuficiente.6 O baixo nível de letramento reflete-se na capacidade da pessoa de compreender, interpretar e utilizar informações de saúde, o que indica uma alta suscetibilidade a se expor a fatores de risco e, quando adoecida, ter poucos recursos para tomar decisões assertivas durante o tratamento. Portanto, essas limitações devem ser consideradas em todas as fases do processo educacional.7
Os planos educacionais em saúde geralmente incluem recursos de ensino, como materiais educativos em saúde, tais como folders, folhetos e cartazes. Esses recursos têm sido utilizados há décadas para disseminar informações de saúde, seja para reforçar orientações verbais sobre cuidados, seja para promover comportamentos saudáveis.8
Recentemente, começou-se a questionar até que ponto os recursos de ensino favorecem o alcance dos objetivos educacionais, especialmente no que diz respeito à compreensão das informações sobre saúde e à capacidade do material educativo de estimular mudanças de comportamento. Pesquisas desenvolvidas com esse propósito têm demonstrado um descompasso entre o nível de letramento exigido pelos recursos educacionais e o que o público-alvo realmente possui. Isso limita o verdadeiro propósito do material, que é gerar aprendizado e promover mudanças de comportamento.9-12
Sendo assim, é essencial que as interações entre educador e educando sejam pautadas em estratégias que promovam o letramento em saúde.7 Entre essas estratégias, destacam-se os Health Literacy Universal Precautions (HLUP) Toolkits, elaborados pela Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ), uma agência governamental vinculada ao U.S. Department of Health and Human Services.13
O HLUP Toolkits foi elaborado com base em critérios fundamentados em evidências científicas que demonstram a importância e a complexidade da educação e do letramento em saúde. Este artigo justifica-se pela possibilidade de utilizar essas ferramentas em diferentes contextos, a partir de seu reconhecimento e análise reflexiva. Assim, os objetivos deste artigo são descrever o HLUP Toolkits e refletir sobre a aplicabilidade desse recurso, visando à promoção do letramento em saúde em diversos contextos.
MÉTODO
Este estudo é uma reflexão sobre as estratégias de promoção do letramento em saúde que podem contribuir para melhorar o processo de educação em saúde. O foco é valorizar o cuidado centrado na pessoa e utilizar evidências científicas para alcançar resultados positivos em saúde.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Há cerca de uma década, a AHRQ reconheceu a lacuna existente entre as limitações no letramento em saúde da população americana e o amplo espectro das demandas dos cuidados de saúde na atenção primária. Esse espectro envolve cuidados de diferentes complexidades, desde informar sobre o preparo para um exame preventivo até orientar o uso correto de medicamentos para pessoas com condições crônicas.14
A AHRQ decidiu, então, reunir estratégias que pudessem auxiliar os serviços de atenção primária a redesenhar seus processos de trabalho para promover o letramento em saúde nas interações com os usuários.14 Dessa forma, o HLUP Toolkits reúne um conjunto de técnicas efetivas para a intervenção educacional em saúde, independentemente do nível educacional e de letramento em saúde do público-alvo.
O conceito de precauções universais representa a necessidade de considerar que todo usuário de serviços de atenção primária pode ter limitações de letramento em saúde e, portanto, dificuldades para compreender e usar as informações de saúde.15 O propósito fundamental é oferecer uma abordagem sistemática que auxilie a comunicação em todas as interações com o usuário e torne o ambiente amigável, facilitando também a navegação no sistema de saúde.13,14
A última versão do AHRQ HLUP Toolkits reúne 21 ferramentas distribuídas em cinco dimensões: (1) preparar o caminho; (2) comunicação verbal; (3) comunicação escrita; (4) autogerenciamento e empoderamento; e (5) sistemas de suporte. A escolha dessas dimensões foi baseada nos desafios enfrentados na atenção primária, caracterizada pela extensa demanda de cuidados de promoção, prevenção, gerenciamento e reabilitação da saúde.14 A conceituação de cada dimensão é valiosa para a compreensão da sua relação intrínseca com a educação voltada para o letramento em saúde.
Em todos os processos organizacionais que envolvem a implementação de mudanças, é fundamental preparar a equipe de trabalho e estruturar os recursos necessários para alcançar os resultados desejados. Por isso, as HLUP enfatizam a importância de “preparar o caminho”, apresentando elementos para compor a equipe, planejar as ações e criar a consciência necessária para promover mudanças.13
Em seguida, a comunicação está dividida em duas dimensões: verbal e escrita. Essas dimensões são tradicionalmente reconhecidas e incorporadas como habilidades essenciais a serem desenvolvidas pelos profissionais de saúde, sendo indispensáveis para a comunicação efetiva. As falhas de comunicação são reconhecidas como a principal causa de danos aos pacientes. Portanto, a comunicação deve ser entendida como um processo de interação, e não apenas como uma atividade destinada a transmitir informações.16,17
A competência de comunicação é amplamente testada quando a intencionalidade da educação em saúde está na construção de habilidades para o autogerenciamento e o reforço do empoderamento de pessoas com doenças crônicas. No século XXI, o termo autogerenciamento, também conhecido como autogestão, ganhou destaque ao ser promovido na estratégia global de combate e controle de doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs). O conceito de autogerenciamento (autogestão) surge da compreensão de que, na presença de uma doença crônica, independentemente da etiologia, as pessoas devem adquirir habilidades para reconhecer e monitorar sinais e sintomas, além de ajustar comportamentos relacionados à dieta, atividade física e estados psicoemocionais adaptativos. Outras habilidades importantes a serem desenvolvidas no contexto do autogerenciamento incluem o estabelecimento de relacionamentos eficazes com profissionais de saúde, a gestão de compromissos para o controle da doença e o conhecimento da rede de saúde.18-20
Dada a diversidade de habilidades exigidas pela autogestão, o estado de empoderamento é uma consequência altamente desejável e está atrelado a outro conceito importante: o de autoeficácia. Autoeficácia é a capacidade percebida pela pessoa para enfrentar eficazmente as situações vivenciadas. A percepção de autoeficácia influencia diretamente a capacidade de autocuidado e, portanto, é crucial na gestão de doenças crônicas e dos desafios associados a elas. Altos níveis de autoeficácia estão ligados a um sentimento de controle sobre a própria saúde, melhorando as percepções de qualidade de vida e bem-estar.21,22
Os sistemas de suporte também são parte integrante da qualidade assistencial e da geração de habilidades para as pessoas com DCNT. O sistema de suporte inclui tanto os recursos sociais institucionais, representados pela rede de atenção à saúde disponível para a população, quanto os recursos presentes no microssistema social dos indivíduos.23
Ao reunir as cinco dimensões mencionadas, o AHRQ HLUP Toolkits traduz a complexidade da educação em saúde e se torna uma opção instrumental valiosa para os profissionais. Cada dimensão oferece ferramentas e estratégias de ação específicas, facilitando a implementação de práticas eficazes para promover o letramento em saúde.
Cada ferramenta é composta por um conjunto de recomendações destinadas a dar suporte a todos os profissionais e equipes de apoio (médicos, enfermeiros, recepcionistas, administradores, entre outros). Essas recomendações incluem ações, instrumentos e formas de acompanhar as mudanças necessárias para promover o letramento em saúde.13,14 As ferramentas contêm três seções distintas: (1) uma breve explicação sobre o conteúdo do tópico; (2) estratégias e ações recomendadas; e (3) recursos e métodos para acompanhar o progresso da equipe na implementação da ferramenta.13 A descrição das AHRQ HLUP Toolkits encontra-se no Quadro 1.
Descrição das ferramentas segundo as dimensões “iniciar caminho de melhoria”, “melhor a comunicação verbal”, “melhorar a comunicação escrita”, “melhorar o autogerenciamento e o empoderamento” e “melhorar os sistemas de suporte” e, as respectivas estratégias de ação do AHRQ Health Literacy Universal Precautions Toolkits, 2015.
Observe que as ferramentas são abrangentes e discuti-las separadamente não seria produtivo em um artigo de reflexão. No entanto, alguns comentários gerais são pertinentes. Dada a importância das habilidades de comunicação no contexto da educação em saúde, o primeiro ponto a destacar é a preocupação com a linguagem a ser utilizada. Deve-se dar ênfase ao uso de uma linguagem simples, que possa ser facilmente compreendida pelo público-alvo, evitando termos técnicos e utilizando palavras usuais. Figuras devem ser usadas como recursos auxiliares para facilitar a compreensão de orientações escritas ou verbais. Além disso, os materiais escritos devem complementar a comunicação verbal.13
Entre as recomendações relacionadas à comunicação verbal, destaca-se o cuidado de avaliar a real compreensão do educando por meio do método teach-back. Esse método baseia-se no uso de questionamentos simples para avaliar o grau de compreensão do educando em relação aos principais elementos de uma mensagem transmitida verbalmente. Como exemplo, o documento cita as seguintes perguntas: “Hoje discutimos muitos aspectos sobre sua saúde. Vamos revisar alguns. Você poderia relatar três coisas principais que você concordou em fazer para ajudá-lo a controlar o diabetes?”.13
O método teach-back também pode envolver outra técnica chamada experimentação, especialmente útil para conteúdos procedimentais. A demonstração de um procedimento ou técnica por parte do educando permite verificar se ele é capaz de reproduzir a explicação de forma adequada.13 Esse método oferece a oportunidade de obter uma avaliação real dos resultados do processo educativo, o que não deve ser negligenciado, pois determina a medida de sua excelência.3
O desenvolvimento de materiais escritos deve seguir diretrizes para comunicação clara, como as oferecidas nas Guidelines for Creating, Assessing, and Rewriting Materials da Harvard School of Public Health. Este documento orienta que a criação de materiais deve se basear em três elementos-chave: linguagem simples (plain language), organização do texto (organization) e forma de disposição do texto (layout and design).13,24
Entre as principais recomendações do Harvard School of Public Health para a criação de materiais destacam-se: 1) usar palavras conhecidas, voz ativa e sentenças curtas, destacando pontos-chave; 2) dispor informações dentro de um contexto ou usar questionamentos para envolver o leitor; 3) agrupar informações em seções curtas, separando-as com espaços em branco; 4) disponibilizar um sumário para encontrar as principais informações; 5) dispor as informações de forma ordenada; 6) solicitar o feedback dos usuários sobre o recurso educacional usado.24
Outras recomendações das AHRQ HLUP para materiais escritos especificam como descrever informações numéricas de forma compreensível. Por exemplo, é aconselhável: 1) relacionar os riscos e benefícios de uma ação; 2) apresentar a proporção de pessoas que podem se contaminar (p. ex., 1 a cada 10.000 pessoas) em vez de usar a percentagem de risco absoluto (ex: o risco de contaminação é de 0,01%).13
Um aspecto importante para materiais escritos é a recomendação de que sejam avaliados quanto à legibilidade e compreensibilidade. A legibilidade refere-se à facilidade com que o material pode ser lido, e está baseada na extensão das frases, na complexidade das palavras e na contagem de sílabas. A legibilidade pode ser medida utilizando fórmulas desenvolvidas para esse propósito.13
A compreensibilidade de um material escrito envolve o quanto o leitor consegue interpretar e explicar as mensagens principais.25 Para avaliar a compreensibilidade, as AHRQ HLUP citam os seguintes instrumentos: (1) o Patient Education Materials Assessment Tool (PEMAT) para avaliar materiais escritos e audiovisuais; (2) o Suitability Assessment of Materials (SAM), que avalia a adequação do material educativo para estimular a aprendizagem; e (3) o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) Clear Communication Index (CCI).13
Apesar de o PEMAT ter sido criado com o propósito de avaliação de materiais educativos em saúde, este instrumento oferece diretrizes para o desenvolvimento desses recursos, capazes de promover compreensibilidade e acionabilidade. A acionabilidade de um material educativo é entendida como a capacidade desse recurso de mobilizar uma ação com base nas informações fornecidas.25,26
Em 2019, o CDC publicou o CCI, com a proposta de servir tanto como um guia para o desenvolvimento de recursos de comunicação quanto como um instrumento para avaliar a clareza de um recurso já existente. O CCI é composto por 20 critérios baseados em técnicas de linguagem simples, conforme expressas no Plain Language Guideline (Guia de Linguagem Simples).27 O Quadro 2 descreve os critérios usados no PEMAT e no CCI, recomendados para garantir a comunicação clara em materiais educativos.
O desenvolvimento do CCI está vinculado ao alcance dos objetivos do National Action Plan to Improve Health Literacy e do CDC’s Health Literacy Action Plan.13 Isso é importante porque evidencia a preocupação do governo americano em delinear políticas públicas de promoção do letramento em saúde.
Desde seu desenvolvimento, estudos foram realizados para avaliar a aplicabilidade das precauções universais na prática clínica.14-15 Inicialmente, um protótipo desses kits de ferramentas foi testado por quatro meses em oito clínicas de atenção primária pertencentes ao North Carolina Network Consortium (NCNC). Os resultados revelaram que as clínicas preferiram usar os instrumentos mais concisos e de fácil utilização, e que a implementação de mudanças exigiu mais tempo do que o previsto no projeto original.14
Posteriormente, a Universidade de Denver conduziu uma demonstração nacional do HLUP Toolkit e avaliou sua utilização em 12 clínicas de atenção primária selecionadas. O estudo qualitativo demonstrou que a implementação das ferramentas é desafiadora, pois teve que lidar com demandas concorrentes (restrição de pessoal e de tempo; falta de interesse e comprometimento da equipe), obstáculos burocráticos (atrasos na aprovação das mudanças), desafios tecnológicos (impossibilidade de fazer alterações nos prontuários eletrônicos), experiência limitada em melhoria da qualidade (dificuldades na implementação e avaliação dos instrumentos) e apoio limitado da liderança (ausência de participação dos líderes).15
Entretanto, os profissionais e o pessoal de apoio envolvidos nesse estudo reconheceram a eficiência do conjunto de ferramentas, especialmente quando aliado a outras ações de melhoria da qualidade. Eles também recomendaram alterações específicas em alguns instrumentos para aprimorar sua eficácia.15
Os resultados desse estudo levaram à publicação do Guide to Implementing the Health Literacy Universal Precautions Toolkit, que oferece recomendações concretas para viabilizar a utilização das precauções no contexto clínico. Esse guia destaca quatro dimensões que devem ser consideradas como pontos críticos para promover o letramento em saúde: comunicação verbal, comunicação escrita, autogerenciamento e empoderamento, bem como sistemas de suporte.28,29
Alguns estudos já confirmaram essa abordagem. Uma revisão da ferramenta Design Easy-to-Read Material foi realizada com base nos resultados de um estudo cujo propósito foi entender quais estratégias foram usadas para implementá-la e se sua aplicação resultou em materiais com melhor legibilidade, compreensibilidade e acionabilidade. As entrevistas conduzidas indicaram que as recomendações foram seguidas de maneira flexível, especialmente para modificar materiais simples, como cartas aos pacientes e formulários informativos. A avaliação de materiais escritos mais extensos (p.ex., cartilhas) concluiu que esses exigiam um nível elevado de letramento em saúde. Os resultados apontaram a necessidade de envolver múltiplos participantes para melhorar a qualidade dos materiais escritos.25
Um recente estudo que utilizou dados do Medical Expenditure Panel Survey (MEPS), um inquérito nacional nos Estados Unidos que mensura indicadores da aplicação de estratégias para promover o letramento em saúde, concluiu que a implementação dessas estratégias não é generalizada, como preconizado. As estratégias para fornecer instruções de fácil entendimento, usar o método teach-back e oferecer ajuda no preenchimento de formulários foram utilizadas preferencialmente com pessoas vulneráveis (p.ex., idosos, pessoas com menor escolaridade e minorias étnico-raciais), não universalmente. Os autores destacaram que o uso seletivo das ferramentas, considerando o baixo letramento da população, pode perpetuar resultados de saúde adversos, como custos elevados. Além disso, ressaltaram que a aplicabilidade das AHRQ HLUP requer uma reestruturação do fluxo de atendimento nos serviços de saúde para ser eficaz.30
Neste contexto, a aplicabilidade das estratégias que promovem o letramento em saúde depende da capacitação da equipe de saúde para utilizá-las. A falta de conhecimento e de confiança em utilizar essas estratégias foi apontada pelas equipes de saúde como uma barreira para a implementação com pacientes idosos em reabilitação.31
A AHRQ reconheceu a necessidade de promover a capacitação dos profissionais de saúde em habilidades de comunicação ao desenvolver a abordagem SHARE (Seek, Help, Assess, Reach, Evaluate).32 Este acrônimo guia o processo de tomada de decisão compartilhada, pautado em informações baseadas em evidências, conhecimento e experiência do profissional de saúde, além dos valores e preferências da pessoa assistida.33
As dificuldades apontadas para a implementação das AHRQ HLUP sugerem que a promoção do letramento em saúde requer organizações letradas em saúde. Nessas organizações, a responsabilidade pela promoção do letramento deve ser de todos os provedores de informação, incluindo os próprios serviços de saúde, o governo e a sociedade civil.2
Dentro dessa perspectiva, o U.S. Department of Health and Human Services propôs o Health Literate Care Model (HLCM), incorporando os princípios e ferramentas das AHRQ HLUP ao HLCM. Essa abordagem considera que não é possível dissociar cuidado de letramento, pois a excelência na prestação assistencial depende do envolvimento ativo da pessoa na própria saúde.6
Portanto, os serviços de saúde que almejam atingir alta qualidade assistencial precisam se estruturar em termos de equipes, recursos e tempo, a fim de produzir interações positivas com seus usuários. Isso implica criar uma cultura organizacional que facilite a compreensão das informações e dê suporte à navegação no sistema de saúde. Além disso, exige trabalho em equipe, comprometimento da liderança e acompanhamento dos resultados.
As limitações deste artigo estão nas próprias características de um artigo de reflexão pautado em literatura científica de conveniência. Portanto, ele se restringe a poucos documentos e às perspectivas analíticas dos pesquisadores.
CONCLUSÃO E IMPLICAÇÕES PARA PRÁTICA
As AHRQ HLUP reúnem recomendações efetivas para promover o letramento em saúde, agrupadas em cinco dimensões indispensáveis: preparar o caminho, comunicação verbal, comunicação escrita, autogerenciamento e empoderamento, e sistemas de suporte.
Para cada dimensão, o documento destaca ferramentas que podem ser utilizadas para o sucesso da promoção do letramento em saúde. Entre essas ferramentas estão: 1) favorecer a linguagem simples e culturalmente sensível; 2) organizar e projetar o texto escrito de maneira clara; 3) criar materiais educativos que sejam compreensíveis e que estimulem a mudança de comportamento; 4) utilizar estratégias de experimentação para o domínio de cuidados procedimentais. Essas ferramentas ajudam a pessoa a entender melhor sua situação de saúde, a desenvolver habilidades e a ganhar a segurança necessária para tomar decisões informadas que possam resolver problemas e melhorar sua qualidade de vida e bem-estar.
Estudos apontaram limitações na aplicabilidade do AHRQ HLUP Toolkits. Entre essas limitações, destacam-se a necessidade de planejamento e reorganização da estrutura física do ambiente e do fluxo de atendimento, além da capacitação da equipe de trabalho em habilidades de comunicação. Apesar das dificuldades e desafios mencionados, ressalta-se que o valor do AHRQ HLUP Toolkits está em reunir recomendações baseadas em evidências científicas para subsidiar os profissionais de saúde na desafiadora tarefa de educar por meio dos princípios do letramento em saúde.
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FINANCIAMENTO
Projeto de pesquisa financiado pela Vice-Reitoria de Pós-graduação e Pesquisa da Universidade Paulista – UNIP (processo n° 7-02-1188/2023) sob o título: “Programa diabetes em dia: desenvolvimento e avaliação de compreensibilidade e capacidade de ativação do material educativo”. O projeto é coordenado pela Profa. Dra. Maria Meimei Brevidelli.
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Editado por
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EDITOR ASSOCIADO
Marta Sauthier https://orcid.org/0000-0002-5153-0170
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EDITOR CIENTÍFICO
Ivone Evangelista Cabral https://orcid.org/0000-0002-1522-9516
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
04 Out 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
16 Fev 2024 -
Aceito
21 Jul 2024