Resumo:
A história da Psicologia no Brasil evidencia que esta ciência e profissão se consolidou vinculada aos interesses das elites, mas que transformações aconteceram no decorrer dos anos de 1970 devido, principalmente, aos esforços das teorias críticas e práticas contra-hegemônicas da Psicologia Comunitária e da Educação. Esses novos fazeres fortaleceram o compromisso ético-político com a transformação da sociedade e a categoria “classe social” passou a fazer parte de muitas análises críticas da área. Cabe, agora, questionar como a articulação classe-raça-gênero-geração, que abarca diferentes vivências, subjetividades e opressões, pode se presentificar nas ações e produções teóricas comprometidas com o enfrentamento das desigualdades sociais. O objetivo deste artigo é apresentar três experiências extensionistas intituladas “Mulheres, Arte e Cuidado”, “Escuta Clínico-Política Singular e em Processos Grupais” e “Narrativas Mambembes”, de modo a contribuir para as reflexões sobre as produções teóricas em psicologia acerca das relações desiguais de gênero e suas propostas de intervenção visando à construção de uma sociedade com condições igualitárias para todas/os. As experiências relatadas compõem o programa de extensão “Arte e Lugares de Escuta como Processos de Emancipação Política” desenvolvido na Unifesp, campus Baixada Santista, o qual considera a importância da criação de dispositivos de intervenção para que as pessoas possam ser cuidadas, acolhidas e contextualizadas sociopoliticamente. A partir disso, defendemos a inserção dos estudos interseccionais na produção de conhecimentos em psicologia, de modo a pluralizar os currículos de formação de psicólogas/os e visibilizar as perspectivas teórico-metodológicas elaboradas por mulheres.
Palavras-chave:
Gênero; Psicologia; Mulheridades; Extensão Universitária; Sofrimento Sociopolítico
Abstract:
The history of psychology in Brazil shows that this science and profession was consolidated while linked to the interests of the elite, although transformations took place during the 1970s due mainly to the efforts of the critical theories and counter-hegemonic practices of community and education psychology. These new practices have strengthened the ethical and political commitments to transform society, and the social class category has become part of many critical analyses in the field. It is now up to us to question how the articulation between class-race-gender-generation that encompasses different experiences, subjectivities, and oppressions can feature in the actions and theoretical productions committed to fighting social inequalities. This study aims to describe three intervention experiences titled “Women, Art and Care”, “Singular Clinical-Political and In-Group Listening” and “Circus-Related Narratives” to contribute to the reflections on the theoretical productions in psychology about the unequal gender relations and their intervention proposals striving at the construction of a society with equal conditions for all. The reported experiences belong to the extension program “Art and Places for Listening as Processes of Political Emancipation” developed at Unifesp, Baixada Santista campus, which considers the importance of creating intervention devices so that people may be cared for and welcomed, including in a sociopolitical context. Therefore, we defend the inclusion of intersectional studies in the production of knowledge in psychology to pluralize its psychologists training curricula and make visible the theoretical and methodological perspectives developed by women.
Keywords:
Gender; Psychology; Women; University Extension Project; Socio-political suffering
Resumen:
La Psicología en Brasil se consolidó vinculada a los intereses de las élites; sin embargo, a partir de la década de 1970 se produjeron transformaciones gracias a los esfuerzos de las teorías críticas y las prácticas contrahegemónicas de la Psicología Comunitaria y de la Educación. Estas nuevas prácticas fortalecieron el compromiso ético-político con la transformación de la sociedad, y la categoría clase social pasó a formar parte de muchos análisis críticos del área. Cabe preguntarse cómo la articulación entre clase-raza-género-generación, que incluye diferentes vivencias, subjetividades y opresiones, puede estar presente en las acciones y producciones teóricas comprometidas con el enfrentamiento de las desigualdades sociales. El objetivo de este artículo es presentar tres experiencias de intervención “Mujeres, Arte y Cuidados”, “Escucha Clínico-Política Singular y en Procesos Grupales” y “Narrativas Circenses”, de modo a contribuir a las reflexiones sobre las producciones teóricas en Psicología acerca de las relaciones desiguales de género y sus propuestas de intervención para construir una sociedad con condiciones igualitarias para todas/os. Las experiencias relatadas integran el programa de extensión “Arte y Lugares de Escucha como Procesos de Emancipación Política” desarrollado en la Unifesp, campus de la Baixada Santista, que considera la importancia de la creación de medidas de intervención para el cuidado, acogimiento e inclusión social y política de las personas. Desde esta premisa, defendemos la inserción de los estudios interseccionales en la producción de conocimiento en Psicología para ampliar los currículos de formación de los psicólogas/os y hacer visible las perspectivas teóricas y metodológicas elaboradas por las mujeres.
Palabras clave:
Género; Psicología; Mujeridades; Extensión Universitaria; Sufrimiento Sociopolítico
Introdução
Nós mulheres e não brancas fomos “faladas”, definidas e classificadas por um sistema ideológico de dominação que nos infantiliza. Ao impor-nos um lugar inferior no interior de sua hierarquia (apoiadas nas nossas condições biológicas de sexo e raça), ele suprime nossa humanidade justamente porque nos nega o direito de sermos sujeitos não só do nosso próprio discurso, mas também da nossa própria história
(Gonzalez, 2020Gonzalez, L. (2020). Por um feminismo afro-latino-americano. In H. B. Hollanda (Org.), Pensamento feminista hoje: Perspectivas decoloniais (pp. 38-51). Bazar do tempo. , p. 41-42).
Em resgates históricos sobre a consolidação da psicologia no Brasil, Ana Bock ( 2010 Bock, A. M. B. (2010). A Psicologia no Brasil. Psicologia Ciência e Profissão, 30 (spe), 246-271. https://doi.org/10.1590/S1414-98932010000500013
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) e Mitsuko Antunes ( 2008 Antunes, M. A. M. (2008). Psicologia escolar e educacional: História, compromissos e perspectivas. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, 12(2), 469-475. https://doi.org/10.1590/S1413-85572008000200020
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) apontaram que essa ciência e profissão serviu ao conservadorismo, ao controlar, higienizar, diferenciar e categorizar sujeitos. Práticas de testagem e classificação, concepções essencialistas sobre a subjetividade, a representação de um ideal universal de sujeito indicavam análises individualizantes e normativas. Ao realizar um balanço dos quarenta anos da psicologia no Brasil, Bock ( 2009Bock, A. M. B. (2009). Psicologia e sua ideologia: 40 anos de compromisso com as elites. In A. M. B. Bock (Org.). Psicologia e o compromisso social (2a ed., pp. 15-28). São Paulo: Cortez. ) problematiza a forma como a psicologia vinculou-se à sociedade brasileira, comprometida com os interesses de suas elites.
Se houve um movimento para fortalecer o compromisso ético-político da psicologia com a transformação social, foi devido aos esforços das teorias críticas e práticas contra-hegemônicas da psicologia comunitária e da psicologia da educação, que tomaram força no decorrer dos anos de 1970, ao evidenciar a necessidade de teorias que enfatizassem as determinações sociais, culturais e econômicas das sujeitas 1
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A fim de evidenciar as mulheridades nos termos e conceitos, optamos por utilizar “sujeitas”, tal como D’Andrea ( 2020 ).
e dos sujeitos (Bock, 2009Bock, A. M. B. (2009). Psicologia e sua ideologia: 40 anos de compromisso com as elites. In A. M. B. Bock (Org.). Psicologia e o compromisso social (2a ed., pp. 15-28). São Paulo: Cortez. , 2010 Bock, A. M. B. (2010). A Psicologia no Brasil. Psicologia Ciência e Profissão, 30 (spe), 246-271. https://doi.org/10.1590/S1414-98932010000500013
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; Campos, 2007Campos, R. H. F. (2007). Psicologia social comunitária: Da solidariedade à autonomia (13a ed.). Vozes. ; Lane & Codo, 1989 Lane, S. T. M., & Codo, W. (1989). Psicologia Social: O homem em movimento (8a ed.). Brasiliense. https://geisamoterani.wordpress.com/wp-content/uploads/2014/05/o_homem_em_movimento_silvia_lane_wand_codo.pdf
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). Nesse sentido, a categoria “classe social” passou a fazer parte de muitas análises críticas da área, como a produção do fracasso escolar (Patto, 2000 Patto, M. H. S. (2000). A produção do fracasso escolar: Histórias de submissão e rebeldia. Casa do Psicólogo. https://doi.org/10.11606/9786587596334
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), a medicalização da educação (Moysés & Collares, 1992Moysés, M. A. A., & Collares, C. A. L. (1992). A história não contada dos distúrbios de aprendizagem. Cadernos Cedes, 46(28), 31–48. ), processos de exclusão social (Sawaia, 2014Sawaia, B. (Org.) (2014). As artimanhas da exclusão: Análise psicossocial e ética da desigualdade social (14a ed.). Vozes. ), humilhação social (Gonçalves Filho, 1998 Gonçalves Filho, J. M. (1998). Humilhação social: Um problema político em psicologia. Psicologia USP, 9(2), 11–67. https://doi.org/10.1590/S0103-65641998000200002
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) e processos grupais (Lane & Codo, 1989 Lane, S. T. M., & Codo, W. (1989). Psicologia Social: O homem em movimento (8a ed.). Brasiliense. https://geisamoterani.wordpress.com/wp-content/uploads/2014/05/o_homem_em_movimento_silvia_lane_wand_codo.pdf
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).
Nos sessenta anos da psicologia brasileira, cabe questionar como as discussões sobre gênero vêm se articulando a práticas e produções teóricas comprometidas com o enfrentamento às desigualdades sociais, na medida em que a intersecção gênero-classe-raça-geração abarca diferentes experiências, subjetividades, hierarquizações, vulnerabilidades e opressões (Carneiro, 2019Carneiro, S. (2019). Mulheres em movimento: Contribuições do feminismo negro. In H. B. Hollanda (Org.), Pensamento feminista brasileiro: Formação e contexto (pp. 271-292). Bazar do Tempo. ; Davis, 2016Davis, A. (2016). Mulheres, raça e classe. Boitempo. ; Gonzalez, 2020Gonzalez, L. (2020). Por um feminismo afro-latino-americano. In H. B. Hollanda (Org.), Pensamento feminista hoje: Perspectivas decoloniais (pp. 38-51). Bazar do tempo. ; hooks, 2019hooks, b. (2019). O feminismo é para todo mundo: Políticas arrebatadoras (6a ed.). Rosa dos Tempos. ; Lorde, 2019Lorde, A. (2019). Não existe hierarquia de opressão. In H. B. Hollanda (Org.). Pensamento feminista: Conceitos fundamentais (pp. 235-236). Bazar do tempo. ).
Tal como Joan Scott ( 1995 Scott, J. (1995). Gênero: Uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, 20(2), 71–99. https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/71721
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, p. 86), compreendemos o conceito de gênero como um “elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos”, sendo “uma forma primária de dar significados às relações de poder”. Os processos de socialização de gênero operam por meio de binarismos como forte/fraco, razão/emoção, grande/pequeno, sendo as características valorizadas socialmente atribuídas à masculinidade hegemônica, enquanto as outras identidades sexuais e de gênero são posicionadas mais ou menos à margem, a depender de entrelaçamentos com os marcadores sociais da diferença. O gênero como categoria de análise nos possibilita refletir sobre os modos de organização social, suas normas e funcionamento com base nas relações de poder presentes nas mais diversas arenas (Scott, 1995 Scott, J. (1995). Gênero: Uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, 20(2), 71–99. https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/71721
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).
Nesse sentido, as experiências vivenciadas pelas mulheridades não são fruto de uma suposta essência feminina, mas de relações desiguais de gênero, e suas articulações com classe-raça-geração. Gênero, longe de ser um “destino biológico”, diz respeito à “estilização repetida do corpo, um conjunto de atos repetidos no interior de uma estrutura reguladora altamente rígida, a qual se cristaliza no tempo para produzir a aparência de uma substância, de uma classe natural de ser” (Butler, 2003Butler, J. (2003). Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade. Civilização Brasileira. , p. 59). Assim, ao utilizarmos o conceito de mulheridades, em detrimento de mulher, buscamos evidenciar as construções sociais de gênero e as múltiplas maneiras de vivenciar o corpo e a identidade, ressaltando as pluralidades nos modos de ser e estar no mundo e opondo-nos às perspectivas essencialistas que universalizam “a mulher” e “o homem” – de maneira binária, desracializada e descontextualizada socialmente.
Em diálogo com Alice Walker ( 2021Walker, A. (2021). Em busca dos jardins de nossas mães: Prosa mulherista. Bazar do tempo. ), que denominou de “mulherismo” e “mulherista” as produções de conhecimento e as lutas contra o sexismo e o racismo protagonizadas por mulheres negras, compreendemos a necessidade de ampliar o debate sobre o tema, abarcando também as mulheres travestis, transgêneras e pessoas não-bináries. Segundo Letícia Nascimento ( 2021Nascimento, L. C. P. (2021). Transfeminismo. Jandaíra. ), o conceito de mulheridades visa “demarcar os diferentes modos pelos quais podemos produzir estas experiências sociais, pessoais e coletivas. Além disso, a ideia também é conferir movimentos de produção, visto que o termo ‘mulher’ pode sinalizar algo que se é de modo essencial” (p. 25).
As mulheridades evidenciam-se na jornada contínua e extenuante de trabalho, na precarização das relações sociais e profissionais no emprego, na vivência e na exposição a situações de violência desde a infância, nas imagens de controle (Collins, 2019Collins, P. H. (2019). Pensamento feminista negro: O poder da autodefinição. In H. B. Hollanda. (Org.), Pensamento feminista: Conceitos fundamentais (pp. 271-310). Bazar do Tempo. ) para seguir padrões inatingíveis de beleza, na impossibilidade de expressar desejo e prazer sexual livremente, na marginalidade das experiências transgêneras e travestis, na invisibilidade da bissexualidade e lesbianidade, na hipersexualização dos corpos das mulheres negras e no etnocídio das mulheres indígenas. Sua pluralidade também se manifesta nas contraposições às normas de gênero enrijecidas, como por meio do riso entre mulheres (Cixous, 2022Cixous, H. (2022). O riso da medusa. Bazar do Tempo. ), da escrita insubmissa (Anzaldúa, 2000 Anzaldúa, G. (2000). Falando em línguas: Uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo. Estudos Feministas, 8(1), 229–236. https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/9880/9106
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) e da palhaçaria (Pimenta, 2021 Pimenta, F. D. F. (2021). Palhaças subversivas: Comicidades feministas. Anais Abrace – XI Congresso da Abrace, 21. https://mega.nz/file/U1Z02BpC#00KNxMaI8sZG2nxOdqL8BTDU5HB7tCIJLu-eq6Xk8Rk
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). As narrativas de história de vida de mulheres artistas circenses são exemplo disso, pois, nelas, os dispositivos de gênero (Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: Cultura e processos de subjetivação. Appris. ), como matéria-prima para criação de suas encenações cômicas, como o desejo de maternidade – elemento produzido culturalmente, comum e coletivo –, podem ser reinterpretados e subvertidos na performance de algumas mulheres palhaças (Pimenta, 2021 Pimenta, F. D. F. (2021). Palhaças subversivas: Comicidades feministas. Anais Abrace – XI Congresso da Abrace, 21. https://mega.nz/file/U1Z02BpC#00KNxMaI8sZG2nxOdqL8BTDU5HB7tCIJLu-eq6Xk8Rk
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).
Apesar disso, o conhecimento hegemônico na psicologia ainda é androcêntrico, embora a maior parte das psicólogas brasileiras sejam mulheres (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2022 Conselho Federal de Psicologia. (2022). A Psicologia brasileira apresentada em números. http://www2.cfp.org.br/infografico/quantos-somos/
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). Em um estudo realizado pelo CFP ( 2013 Conselho Federal de Psicologia (2013). Psicologia: Uma profissão de muitas e diferentes mulheres. CFP. https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2014/01/Publica%C3%A7%C3%A3o_Mulher_FINAL_WEB.pdf
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), percebeu-se que as orientações teóricas de 1.179 psicólogas eram compostas majoritariamente por autores homens como Freud, Jung, Rogers e Skinner 2
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É preciso salientar que não temos a intenção de reforçar o binarismo homem/mulher, como se incluir autoras mulheres fosse a única forma possível de garantir o estudo crítico sobre as desigualdades de gênero, ou como se homens não estivessem propondo reflexões importantes para a crítica à dominação de gênero. Buscamos problematizar uma aparente invisibilidade da produção teórica das mulheridades na psicologia, assim como seus possíveis efeitos na formação de psicólogas/os.
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A escolha por determinada perspectiva teórico-metodológica é um ato político. Longe de ser uma “escolha livre”, há opressão masculina e dominação simbólica (Bourdieu, 2019Bourdieu, P. (2019). A dominação masculina: A condição feminina e a violência simbólica. Bertrand Brasil. ) dessas abordagens na academia, o que pode invisibilizar a produção de conhecimento das mulheres. Djamila Ribeiro ( 2019Ribeiro, D. (2019). Pequeno manual antirracista. Companhia das Letras. ) indica o epistemicídio nas universidades brasileiras, nas quais faltam referências às autoras negras como Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Sueli Carneiro e Conceição Evaristo. Acrescenta-se o fato de que, na área da psicanálise, só há pouco tempo os trabalhos de Neuza Souza Santos e Virgínia Bicudo – em seus estudos sobre os aspectos sociológicos e psicológicos da negritude – foram valorizados pelas psicanalistas, como denunciou Ana Paula Musatti-Braga ( 2021Musatti-Braga, A. P. (2021). Os muitos nomes de Silvana: Contribuições clínico-políticas da psicanálise sobre mulheres negras. Blucher. ). Em seu livro Pequeno manual antirracista , Ribeiro ( 2019Ribeiro, D. (2019). Pequeno manual antirracista. Companhia das Letras. ) indica que uma das formas de combater o racismo é ler mais autoras negras e autores negros. Além disso, pesquisadoras feministas têm indicado que o conhecimento é sempre situado e, portanto, o lugar que ocupamos na sociedade pode vir a atravessar o conhecimento que está sendo construído. Nesse sentido, os saberes produzidos por mulheres podem acarretar outras concepções, objetos de estudo e categorias analíticas (Arruda, 2019Arruda, A. (2019). Feminismo, gênero e representações sociais. In H. B. Hollanda (Org.), Pensamento feminista brasileiro: Formação e contexto (pp. 335-355). Bazar do Tempo. ; Haraway, 1995 Haraway, D. (1995). Saberes localizados: A questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, (5), 7–41. https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1773/1828
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; Narvaz & Koller, 2006 Narvaz, M. G., & Koller, S. H. (2006). Metodologias feministas e estudos de gênero: Articulando pesquisa, clínica e política. Psicologia em Estudo, 11(3), 647–654. https://doi.org/10.1590/S1413-73722006000300021
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).
Muitos dos estudos na psicologia que abordam questões consideradas socialmente como atribuições das feminilidades são protagonizados por mulheres. Eis alguns exemplos: investigações e fazeres voltados para a educação infantil e questões de gênero nas políticas educacionais, por Fúlvia Rosemberg ( 2002Rosemberg, F. (2002). Educação formal, mulher e relações de gênero: Um balanço preliminar da década de 1990. Editora 34. , 2013 Rosemberg, F. (2013). Políticas de educação infantil e avaliação. Cadernos de Pesquisa, 43(148), 44–75. https://doi.org/10.1590/S0100-15742013000100004
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); os afetos e a questão do sofrimento ético-político, por Bader Sawaia ( 2014Sawaia, B. (Org.) (2014). As artimanhas da exclusão: Análise psicossocial e ética da desigualdade social (14a ed.). Vozes. ); as implicações de classe social pautando a escuta de psicólogas nas instituições e na clínica voltada para pessoas que sofrem com a violação de seus direitos, e a dimensão sociopolítica do sofrimento, por Miriam Rosa ( 2002 Rosa, M. D. (2002). Uma escuta psicanalítica das vidas secas. Textura: Revista de Psicanálise, 2(2), 42–46. https://psicanalisepolitica.files.wordpress.com/2014/06/33-rosa-m-d-uma-escuta-psicanalc3adtica-das-vidas-secas-textura-sc3a3o-paulo-sc3a0o-paulo-v-2-n-2-p-42-47-2002.pdf
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, 2016Rosa, M. D. (2016). A clínica psicanalítica em face da dimensão sociopolítica do sofrimento. Escuta/Fapesp. ); a elaboração coletiva do luto das mães periféricas, por Sandra Alencar ( 2011 Alencar, S. L. S. (2011). A experiência do luto em situação de violência: Entre duas mortes [Tese de doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. https://tede2.pucsp.br/handle/handle/16919
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); a saúde mental, por Valeska Zanello ( 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: Cultura e processos de subjetivação. Appris. ); estudos sobre a branquitude no Brasil, por Maria Aparecida Bento ( 2014 Bento, M. A. S. (2014). Branqueamento e branquitude no Brasil. In I. Carone & M. A. S. Bento (Orgs.), Psicologia social do racismo: Estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil (6a ed., pp. 25-57). Vozes. https://tinyurl.com/wukhd8pb
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); a psicologia social do racismo, por Iray Carone ( 2014 Carone, I. (2014). Breve histórico de uma pesquisa psicossocial sobre a questão racial brasileira. In I. Carone & M. A. S. Bento. (Orgs.), Psicologia social do racismo: Estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil (6a ed., pp. 13-23). Vozes. https://tinyurl.com/wukhd8pb
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); o debate sobre transgeneridade, por Patrícia Porchat ( 2014Porchat, P. (2014). Psicanálise e transexualismo: Desconstruindo gêneros e patologias com Judith Butler. Juruá. ); a parentalidade e a homossexualidade, por Anna Paula Uziel ( 2007Uziel, A. P. (2007). Homossexualidade e adoção. Garamond. ); os estudos sobre e das artistas circenses que articulam palhaçaria, o riso e cuidado em saúde mental (Barros, 2018 Barros, L. F. (2018). As artes circenses como possibilidade de atuação em instituições de saúde mental [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de São João del-Rei]. https://mega.nz/file/Q4Rgxa6J#OL6s1TxbXBDd-mSAFa1bT5SY4aI0PMbYf0uFEzwFR7A
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; Ferreira, 2019 Ferreira, A. C. (2019). Pistas para criadores e possíveis arrepios: Uma experiência de formação. [Trabalho de conclusão de curso, Universidade Federal de São Paulo]. https://mega.nz/file/c8wnSaaC#v_ydRurDydtEuWFvDhtgiBmrWGcsMeSdjrMMfZfwj74
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).
No entanto, a existência de mulheres nesses campos não necessariamente as evidencia como produtoras de conhecimento. Em nome de uma suposta neutralidade, é comum a adoção do masculino genérico na linguagem acadêmica. Esse processo de escrita pode vir a favorecer a manutenção da naturalização do homem como sujeito universal e normativo, ao invisibilizar as diferentes identidades de gênero no espaço acadêmico (Kilomba, 2019Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação: Episódios de racismo cotidiano. Cobogó. ). Levando isso em consideração, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo publicou, em 2015, uma nota reconhecendo o quanto a escrita gendrada permite evidenciar as mulheres na construção linguística, assim como na produção subjetiva que estranha o sexismo, na medida em que “as palavras utilizadas cotidianamente transportam ideias e auxiliam na construção de modos de ser e de pensar” (Conselho Regional de Psicologia, 2015 Conselho Regional de Psicologia – São Paulo. (2015). Escrita gendrada: Somos todas psicólogas? https://www.crpsp.org/noticia/view/1897/somos-todas-psicologas
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, s. p.).
Desnaturalizar a dominação masculina e situar o conhecimento, evidenciando as mulheridades em nossa escrita e nossos fazeres, são formas de posicionar as mulheres como sujeitas da história. Tendo essas questões em vista, o objetivo deste artigo é apresentar três experiências de extensão universitária propostas por, com e para mulheres, em uma tentativa de contribuir para as reflexões sobre relações desiguais de gênero e como elas podem afetar as produções teóricas em psicologia e suas propostas de intervenção visando a transformação social e um tipo de produção de conhecimento que não cinde a emoção da razão e, assim, inclui os afetos na construção do cuidado mútuo entre proponentes e público-alvo.
Essas intervenções pautam o programa de extensão “Arte e lugares de escuta como processos de emancipação política” (Imbrizi, Spaziani, & Domingues, 2022), que visa articular três projetos de extensão universitária, intitulados “Mulheres, arte e cuidado” (Spaziani, 2021), “Escuta clínico-política singular e em processos grupais” (Imbrizi, 2021 Imbrizi, J. M., Silva, J. S., Vieira, L. S., & Freitas, J. C. (2021). Produção onírica e trabalho de luto em contexto pandêmico. Cadernos de Estudos Linguísticos, 63, e021033 https://doi.org/10.20396/cel.v63i00.8665134
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) e “Narrativas mambembes: registro e memórias de vidas circenses” (Almeida, Ferreira, Imbrizi, & Domingues, 2022), e coordenados por professoras da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), campus Baixada Santista. O objetivo do programa é promover espaços de reflexão, expressão, partilha de experiências e cuidado, a fim de suscitar a criatividade, a potência de ação e a emancipação política nas/os participantes das atividades propostas pelos projetos de extensão vinculados a ele. As propostas, ao arrepio das produções de conhecimento que anulam as articulações entre afetos e ciência, partem da propositura de duas mulheres pesquisadoras da psicologia social: Bader Sawaia, espinosana, e Miriam Debieux Rosa, psicanalista. A primeira cunhou a noção de sofrimento ético-político e nos alerta para a inserção da escuta e discussão das emoções como modo de luta contra as opressões, pois só assim é possível criar políticas públicas que incluam os afetos: o riso, o choro, o sofrimento e o prazer. A segunda discute a dimensão sociopolítica do sofrimento e, de seu lugar de psicanalista, afirma que o sofrimento se expressa de modo singular, mas é produzido no contexto das relações de poder que acontecem no espaço público e, portanto, urge criar dispositivos de intervenção que incidam na subjetividade, nos espaços da cidade, na cultura, nos coletivos e no contexto social. O público-alvo das três propostas extensionistas são as mulheres – universitárias, negras periféricas e artistas circenses – que, vindas de lugares sociais muito diferentes, nos ajudam a incluir as mulheridades nos projetos de pesquisa e de extensão nas universidades, assim como nos apoiam na construção de uma escuta interseccional vinculada às propostas epistemológicas das feministas negras e artistas 3
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Os projetos de extensão foram aprovados pela Câmara de Extensão e Cultura da universidade. A fim de garantir os aspectos éticos, foram feitos contratos verbais ressaltando a importância do sigilo sobre os relatos e reflexões feitas nos grupos, assim como informando sobre o registro dos encontros por meio de relatórios e publicações científicas, sendo retiradas informações que pudessem identificar as participantes.
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Mulheres, arte e cuidado
Estima-se que a cada seis minutos uma menina/mulher vivencie situações de violência sexual no Brasil (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2024Fórum Brasileiro de Segurança Pública. (2024). Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024. FBSP. ). Esse dado indica que, longe de ser uma exceção, a violência faz parte do cotidiano de meninas e mulheres, seja por sua ocorrência, seja pelo medo de vivenciá-la. Compreendê-la por meio de uma perspectiva de gênero nos permite estranhar os discursos que a apresentam como resultado de uma patologia de seu perpetrador. Não são raros os estudos acadêmicos e as representações em artefatos culturais e midiáticos que retratam o perpetrador como alguém cujo comportamento é compulsivo, descontrolado, que tem dificuldades em conter seus impulsos agressivos e sexuais. Análises psicologizantes tendem a compreender a violência como um fenômeno individual e a reproduzir estereótipos de gênero (Spaziani & Vianna, 2020 Spaziani, R. B., & Vianna, C. P. (2020). Violência sexual contra crianças: A categoria de gênero nos estudos da educação. Educação Unisinos, 24(1), 1–18. https://revistas.unisinos.br/index.php/educacao/article/view/edu.2020.241.16
https://revistas.unisinos.br/index.php/e...
).
Considerar essa violência como uma produção social, parte de uma cultura do estupro e de terrorismo sexual (Butler, 2020 Butler, J. (2020). De quem são as vidas consideradas choráveis em nosso mundo público? El País. https://brasil.elpais.com/babelia/2020-07-10/judith-butler-de-quem-sao-as-vidas-consideradas-choraveis-em-nosso-mundo-publico.html
https://brasil.elpais.com/babelia/2020-0...
; Sousa, 2017 Sousa, R. F. (2017). Cultura do estupro: Prática e incitação à violência sexual contra mulheres. Estudos Feministas, 25(1), 9–29. https://doi.org/10.1590/1806-9584.2017v25n1p9
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), permite-nos analisar os discursos e práticas que legitimam e promovem assimetrias de poder entre masculinidades e feminilidades em suas intersecções com classe-raça-geração. Judith Butler ( 2020 Butler, J. (2020). De quem são as vidas consideradas choráveis em nosso mundo público? El País. https://brasil.elpais.com/babelia/2020-07-10/judith-butler-de-quem-sao-as-vidas-consideradas-choraveis-em-nosso-mundo-publico.html
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) denomina “vidas precárias” aquelas que não são dignas de tristeza ou luto social quando violentadas e assassinadas, tamanha a banalização das agressões a seus corpos. São vidas compreendidas como despossuídas de si, que experienciam o terror da iminência da violência ou de sua morte. Pudemos identificar o quanto esses medos se presentificam na vida de universitárias, invadindo até mesmo seus sonhos.
Foi uma narrativa onírica compartilhada na ação extensionista Roda de Sonhos, vinculada ao projeto de extensão “Arte e sonho: abordagem psicanalítica nos modos de cuidar das juventudes” (Imbrizi, 2020), que desencadeou a criação de estratégias de enfrentamento às violências de gênero. As professoras, junto com estudantes do curso de psicologia 4 4 As estudantes extensionistas foram Gabriela Corrêa Ramos, Jussara de Souza Silva, Luísa Segalla de Carvalho e Juliana Teixeira Gomes. , perceberam a importância de inventar dispositivos grupais para discutir as questões que atravessam as feminilidades e, assim, elaboraram o projeto de extensão “Mulheres, arte e cuidado” (Spaziani, 2021) a fim de promover espaços de escuta sensível, acolhimento e partilha de experiências direcionadas a mulheres.
Inicialmente, as ações extensionistas foram voltadas a jovens universitárias 5 5 Atualmente, o projeto de extensão voltou suas ações para jovens mulheres que frequentam um equipamento de contraturno escolar, assim como para mulheres adultas periféricas da cidade Santos, de modo a atingir um público que tem o seu acesso à universidade dificultado. . A divulgação dos encontros foi feita por meio de redes sociais e grupos de WhatsApp de estudantes, convidando à participação pessoas que se identificassem como mulheres e/ou pessoas não bináries. As interessadas fizeram inscrição para participar do projeto, de modo a garantir a presença das mesmas estudantes em todos os encontros e, assim, buscar fortalecer os laços entre elas. Os encontros relatados a seguir tiveram como participantes cerca de dez mulheres universitárias, de diferentes classes sociais, orientações sexuais e racialidades, cisgêneras, com idades entre 18 e 29 anos.
Nos encontros, a arte foi pensada como forma de cuidado, denúncia e reivindicação. Desse modo, os disparadores reflexivos foram textos literários e produções artísticas cujas autoras são mulheres e que têm como centralidade questões que envolvam as feminilidades. Lia Rangel, Alice Ruiz, Hilda Hilst, Angélica Freitas, Teresinha Soares, Rupi Kaur, Elena Ferrante e Ju Strassacapa foram algumas das artistas e escritoras que tiveram suas obras apresentadas com o intuito de refletir sobre as diferentes formas de vivenciar as mulheridades, a sexualidade e as expressões de prazer e desejo sexual, a maternidade e o direito ao abortamento seguro, o questionamento dos imperativos de padrões de beleza para a conquista da aprovação masculina e a inserção no ambiente de trabalho, e a violência de gênero em suas diferentes expressões.
As integrantes do grupo são convidadas a se expressar do modo como desejarem. Há aquelas que partilham seus poemas e desenhos, outras falam sobre suas dores e indignações. “Quero falar, mas está preso”, disseram – pois silêncios e dificuldades em nomear as emoções suscitadas por obras e reflexões também fazem parte dos encontros. Afetos como raiva, incômodo e tristeza estão sempre presentes, assim como as palavras “culpa”, “sobrevivência”, “vergonha” e “medo”, geralmente associadas às questões da sexualidade, maternidade e violência.
Foram realizados sete encontros; cada um deles recebia um título referente ao tema disparador do dia. O direito ao prazer sexual, como nomeamos um de nossos encontros, tinha como intenção construir uma crítica às normas que regulam o gênero e criam representações sobre os modos “corretos” de vivenciar o corpo e a sexualidade, como o domínio do desejo sexual pelas masculinidades e o ideal de feminilidade associado à pureza (hooks, 2019hooks, b. (2019). O feminismo é para todo mundo: Políticas arrebatadoras (6a ed.). Rosa dos Tempos. ). Essas questões circularam no grupo especialmente por meio de reflexões sobre como tais investimentos sociais acabam por gerar nas integrantes desconhecimento do próprio corpo e seus prazeres. No entanto, o que esteve mais presente nas falas das mulheres heterossexuais foi o “pavor de engravidar”. Como vivenciar uma sexualidade prazerosa diante do ideal da maternidade apresentado como única possibilidade, da ausência de informações de qualidade para as jovens sobre métodos contraceptivos, com a medicalização dos corpos femininos e a criminalização do aborto? Tais questões circularam no grupo como forma de reflexão sobre seus afetos em relação à temática, porém sem a pretensão de buscar respostas naquele momento.
bell hooks ( 2019hooks, b. (2019). O feminismo é para todo mundo: Políticas arrebatadoras (6a ed.). Rosa dos Tempos. ) questiona a tensão entre sexo e o temor de engravidar. No entanto, não prevíamos que isso apareceria de modo tão intenso nas falas das integrantes do grupo. As possibilidades de reflexão sobre os prazeres sexuais se dissiparam diante de tamanha ameaça. A maternidade foi relacionada à compulsoriedade em diferentes momentos, vinculada a um suposto “instinto materno”. Na contramão dessa imposição social, algumas das mulheres expressaram o desejo de não se tornarem mães.
A divisão sexual desigual do trabalho foi apontada como um dos aspectos responsáveis pela decisão de não engravidar. Enquanto há legitimidade para que homens decidam se tornar pais, recai sobre as mulheres o acúmulo de funções: maternagem, cuidados domésticos e de familiares, e estudo/emprego, o que Federici ( 2017Federici, S. (2017). Calibã e a bruxa: Mulheres, corpo e acumulação primitiva. Elefante. ) denomina trabalho reprodutivo em sua célebre frase: “O que eles chamam de amor, nós chamamos de trabalho não pago”. Nesse sentido, a maternidade esteve associada ao excesso de tarefas exclusivas para as mulheres e à invisibilidade de mães no espaço público, ambas como relações dialéticas da inclusão/exclusão social.
Outra questão apontada como forma de cerceamento da liberdade das mulheres é a violência. Essa discussão esteve presente em diferentes encontros, no relato de experiências pessoais, na discussão sobre a cultura do estupro e a objetificação que ocorre desde a infância, e refletiu-se sobre os modos como se manifesta, para além da violência física e sexual.
Ainda que os afetos de dor, medo, culpa e vergonha tenham circulado nas rodas de conversa, foram muitos os momentos de acolhimento mútuo e fortalecimento das mulheres do grupo. Havia muita alegria em estarem juntas, anunciando outros modos de vida que não o passivo e fatalista, assim como a recusa de viver sob condições de opressão. A heterogeneidade do grupo contribuiu para a circulação de diferentes vozes e trajetórias, e, assim, ampliaram-se os olhares sobre os fenômenos discutidos, de modo a politizá-los. Talvez tenha sido possibilitado outro posicionamento dessas mulheres no discurso, de modo mais vinculado à potência de vida, por meio da amizade entre mulheres, criatividade, contemplação de artes feministas e transgressão.
Escuta clínico-política singular e em processos grupais
Em dados recentes do mapa da violência no Brasil foi constatado que 55,3% dos homicídios de homens acontecem no período da juventude. De 2009-2019 mais de 333.330 jovens (15 a 29 anos) foram vítimas da violência letal no Brasil (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2021 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. (2021). Atlas da Violência 2021. https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/
https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/...
). Os índices de homicídio mais elevados estão vinculados a homens negros e mulheres negras (pretos e pardos): em relação a não negros, chega a ser 74,0% para homens negros e 64,4% para as mulheres negras (Ipea, 2020 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. (2020). Atlas da Violência 2020. https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/
https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/...
). O estudo Trajetórias interrompidas: Homicídios na adolescência em Fortaleza e em seis municípios do Ceará , conduzido por pesquisadoras/es da Unicef e pela Assembleia Legislativa e o Governo do Ceará ( 2011 Unicef, Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, & Governo do Estado do Ceará (2011). Trajetórias interrompidas: Homicídios na adolescência em Fortaleza e em seis municípios do Ceará. https://cadavidaimporta.com.br/wp-content/uploads/2018/03/trajetorias-interrompidas-junho-2017.pdf
https://cadavidaimporta.com.br/wp-conten...
), indicou que 55% dos jovens vítimas de homicídio em Fortaleza eram filhos de mulheres que foram mães ainda na adolescência e em situação de vulnerabilidade social e que, em sua maioria, não tiveram auxílio do pai da criança. A ausência de uma rede de apoio e, principalmente, de políticas públicas voltadas para as jovens pode dificultar sua trajetória em uma sociedade que oferece poucas alternativas para mulheres de classes populares, além do exercício do papel de mães e do trabalho precário, muitas vezes como cuidadoras de crianças. Há um ciclo de violência que inclui a ausência de políticas públicas afirmativas. Nesse contexto, os dois projetos se interseccionam, pois a compulsoriedade de ser mãe está presente tanto para jovens universitárias, quanto para adolescentes da periferia que têm a gravidez como única possibilidade de entrar na vida adulta.
A violência contra juventudes negras, periféricas e das classes populares é uma tragédia anunciada, mas pouco tem sido feito para mudar as condições sociopolíticas que produzem a tragicidade da vida de jovens no Brasil. Cabe ressaltar que muitas mães de jovens mortos como resultado de situações de violência se uniram em movimentos sociais com o objetivo de denunciar violações de direitos humanos, dar visibilidade aos crimes, além de visar à reparação para familiares das vítimas. Há na Baixada Santista o grupo Mães de Maio e, no Brasil, outros coletivos de mulheres que se formaram com vistas a organizar a luta por justiça em memória dos filhos mortos em decorrência da violência do Estado e como etapa importante do trabalho psíquico singular e coletivo da elaboração do luto.
Ante essa realidade, que interpela sujeitas implicadas com a transformação social, foi implantado o projeto de extensão “Escuta clínico-política singular e em processos grupais” (Imbrizi, 2021 Imbrizi, J. M., Silva, J. S., Vieira, L. S., & Freitas, J. C. (2021). Produção onírica e trabalho de luto em contexto pandêmico. Cadernos de Estudos Linguísticos, 63, e021033 https://doi.org/10.20396/cel.v63i00.8665134
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), cujas atividades tiveram início no segundo semestre de 2021, com a proposta de convidar mulheres que são mães em luto para participar de grupos de partilha de sonhos.
É sabido que a produção onírica tem como uma de suas funções o trabalho psíquico de elaboração de acontecimentos traumáticos (Ferenczi, 2011Ferenczi, S. (2011). Reflexões sobre o trauma. In S. Ferenczi, Obras completas: Psicanálise IV (2a ed.). Martins Fontes. ; Freud, 2010Freud, S. (2010). Além do princípio do prazer. In S. Freud, Sigmund Freud obras completas, (Vol. 14). Companhia das Letras. ; Imbrizi, Silva, Vieira, & Freitas, 2021 Imbrizi, J. M., Silva, J. S., Vieira, L. S., & Freitas, J. C. (2021). Produção onírica e trabalho de luto em contexto pandêmico. Cadernos de Estudos Linguísticos, 63, e021033 https://doi.org/10.20396/cel.v63i00.8665134
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). A morte de um filho jovem é sempre um trauma para as mães porque inverte “a ordem natural das coisas”, pois espera-se que mães se despeçam da vida antes de seus filhos. São mortes violentas nas quais seus rebentos são considerados criminosos e delinquentes. Elas sofrem ameaças veladas e são impedidas de ter respostas sobre as condições obscuras que envolveram os assassinatos, e estão privadas de seus direitos como mães de preservar a dignidade da memória do falecido. Ao convidá-las para participar da ação de extensão, o que se visa é criar um grupo com e para as mulheres partilharem sua dor, criar um espaço de acolhimento que possibilite a elaboração da dimensão sociopolítica do sofrimento.
René Kaës ( 2004Kaës, R. (2004). A polifonia do sonho: A experiência onírica comum e compartilhada. Ideias e Letras. ) é um dos autores que inspiraram a criação da proposta, pois criou o conceito de porta-sonhos, que se refere ao fato de que, no ambiente grupal, o que interessa não são apenas as singularidades de quem conta um sonho, mas também se valoriza aquilo que o material onírico expressa de sensações, angústias e sofrimentos pertencentes a todas as participantes. O grupo é coordenado por duas mulheres, uma estagiária do quinto ano de psicologia e uma mestranda 6 6 Estagiária Beatriz Vieira de Castro Ferreira e mestranda Julia Tocalino Morabito. . Em uma reunião de agosto de 2021, T. conta seu sonho:
No sonho, eu estava morando fora do Brasil, acho que morava de modo ilegal nos Estados Unidos da América. Aí aparece uma pessoa que joga lixo na frente da minha casa e eu peço para ela retirar o lixo. Na frente tem uma carroceria de lixo reciclável. Daí tem essa senhorinha do reciclável. Então, eu entro na casa e tem uma família que mora comigo. Todos trabalhavam, todos tinham emprego. Eu estava andando, tinha um saco na minha cabeça do tamanho de um travesseiro e quando percebi a polícia da imigração me parou, eles estavam fiscalizando essa região. Me deu uma pressa e eu saí correndo, o saco subiu e uma menina gritou: “Vixi, corre”. E daí eu corri em direção a um fardado e gritei: “Socorro, me ajuda!”. Eu pensava que eles iriam me deportar. Daí eu entrei numa construção estilo haras, com vários espaços para colocar bichos. E daí eu me escondi lá em cima, percebi que já não era mais a polícia de azul, essa polícia já estava vestida de cinza, mas eu vi que era policial, era autoridade. Daí um cachorro me achou e eu pedi ajuda para um homem, de farda bege, ele disse: “Vou te ajudar, me segue”. Daí eu o segui e ele me levou para um lugar com pau de arara, corrente, e eu vendo aquilo me desesperei, pensei que tinha que correr e fugir dali. Eu corri, mas ele me deixou à vontade, porque ele sabia que não havia saídas. Quando a polícia entrou, eu corri e tinha muito arame. Tinha muito cachorro, grande e pequeno, parecia um canil. Daí eu pensei em pular, mas ninguém me ajudava, tinha uma mulher lá e ela também não me ajudou, fechando a porta da casa dela. Daí eu saí correndo, e não pulei. E eu via polícia em todos os lugares que eu ia, eles não tinham pressa de me pegar não, estavam tranquilos, porque eles sabiam que eles podiam me pegar quando quisessem.
Quem são as mulheres que sonharam juntas com o material onírico narrado por T. no grupo? Elas responderam a divulgação e o chamamento que foi feito nos diversos grupos de mães em luto inseridos em páginas das redes sociais, principalmente Facebook e Instagram. Os encontros aconteciam online pelo WhatsApp e pela plataforma Google Meet, e chegaram ao número de oito participantes. São mulheres negras, acima dos quarenta anos, sujeitas periféricas (D’Andrea, 2020 D’Andrea, T. P. (2020). Contribuições para a definição dos conceitos “periferia” e “sujeitas e sujeitos periféricos”. Novos Estudos, 39(1), 19–36. https://doi.org/10.25091/S01013300202000010005
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) das classes trabalhadoras, donas de casa, costureiras, trabalhadoras domésticas e diaristas expostas a situações de violência desde a infância. Ou seja, quando têm emprego, experimentam uma jornada contínua e extenuante de trabalho associada à precarização das relações sociais e profissionais; sofrem ou já sofreram violência doméstica em seus lares, e muitas estão impedidas de viver livremente sua sexualidade por conta de valores religiosos inscritos na cultura patriarcal-racista. Elas se sentem culpadas pelas mortes de seus filhos, como se tivessem falhado em protegê-los da violência policial, cujo alvo são jovens negros das classes populares que ocupam os bolsões da pobreza em nosso país. Portanto, elas são atravessadas pelo racismo estrutural à brasileira e têm o coração dilacerado em decorrência do falecimento precoce de seus filhos. Esse sofrimento agudo tem impedido essas mulheres de cuidar de outros filhos, que sobreviveram e necessitam de atenção. Elas ficam paralisadas em um complexo melancólico que as impede de projetar futuros melhores, e não há saídas oferecidas pela sociedade.
O trabalho que tem sido feito no grupo com essas mulheres é de desconstruir o único papel que parece ter sobrado, e que foi usurpado de suas vidas: o de mãe. Trata-se de ampliar as possibilidades de ser mulher no contemporâneo; resgatar aquilo que lhes dava prazer; reconhecê-las como brasileiras que não são estrangeiras em seu país, apesar da mensagem implícita que chega até elas por meio da desvalorização da vida de seus rebentos, que, assim como elas, são considerados “lixo”, restos, dejetos e vidas matáveis. Visa-se favorecer relações solidárias entre as mães-mulheres para que uma elaboração coletiva do luto seja possível, e associada à conquista de ações judiciais que condenem os responsáveis pela violência, e que se faça justiça à memória de seus filhos – ou seja, pelo fim da violência contra as juventudes periféricas brasileiras.
As coordenadoras do grupo de mães em luto também são jovens mulheres que, em momentos de supervisão, demonstraram certa paralisia diante da dor dessas mães, constatando o tamanho descaso contra as suas vidas, como se houvesse um espelhamento intergeracional entre elas. À supervisora, coube alertar a psicóloga e a estudante para o fato de que o que fazíamos parecia ser pouco, mas estávamos diante da ponta mais frágil do ciclo de violência que assola o Brasil. E que não nos silenciaríamos, mas denunciaríamos essas dores e esses sofrimentos invisibilizados por meio de publicações nas redes sociais e em artigos científicos como este. No que se refere à questão intergeracional, Ribeiro ( 2017Ribeiro, D. (2017). O que é lugar de fala? Letramento. ) retoma o pensamento de Patrícia Hill Collins sobre a intersecção das desigualdades e afirma que as experiências de diferentes formas de ser mulher se entrecruzam, sem predominância de nenhuma das pontas, em gênero, raça, classe, geração. Trata-se de considerar “as condições sociais que permitem ou não que esses grupos acessem lugares de cidadania” (Ribeiro, 2017Ribeiro, D. (2017). O que é lugar de fala? Letramento. , p. 59), pois há um abismo entre as experiências das jovens universitárias e as das mães em luto, e o projeto visava construir pontes entre vidas inseridas em territórios apartados. Ao mesmo tempo em que foi possível criar identificação entre mulheres vindas de lugares tão diferentes, as participantes acolhidas no processo grupal tinham a mesma idade das mães das universitárias, e as estudantes coordenadoras das atividades propostas no grupo poderiam ser as filhas perdidas para a violência policial. O que estava fadado a se reduzir a um conflito intergeracional transformou-se em modo de cuidado, reparação e elaboração coletiva do luto construído entre gerações.
Como no sonho-modelo de T., a questão é enfrentar uma sociedade que não oferece saída para mulheres periféricas. A figuração onírica retrata a ausência de instâncias para as quais se possa dirigir um pedido de ajuda, e a sonhante encontra-se em ambiente sufocante, pois, ao correr de um obstáculo, se depara com outros maiores. O canil retratado no sonho parece nos remeter ao final do livro O processo , de Franz Kafka ( 1997Kafka, F. (1997). O processo. Companhia das Letras. ), cujo protagonista morre como um cachorro. Assim, na ação extensionista, o material onírico pode significar uma brecha na qual seja possível elaborar as opressões e, quem sabe, construir coletivamente estratégias para enfrentamento de injustiças sociais que oprimem, principalmente, as mulheres. Os policiais fardados, cujas vestimentas vão mudando de cor, talvez nos alertem para um jogo transferencial no qual a farda azul pode significar representantes do Estado capazes de se compadecer das dores dessas mulheres e que possam acolhê-las. No caso, as duas universitárias que coordenam o grupo fazem parte dos quadros de uma universidade pública que atua valorizando as vidas das mulheridades e as de seus rebentos.
Narrativas mambembes: registro e memórias de vidas circenses
A pandemia de covid-19 mudou o cenário de todos e todas com as medidas de distanciamento físico, e o setor cultural foi um dos primeiros a sofrer esse impacto, com o fechamento de teatros, casas de shows, circos e outros espaços voltados para arte. A situação atingiu quase 10 mil artistas circenses que obtinham seus rendimentos em apresentações que aconteciam debaixo da lona e nas ruas das cidades. Palhaços/as, malabaristas, acrobatas, contorcionistas, equilibristas, ilusionistas e outros/as artistas tiveram que se aventurar em novos negócios para sobreviver enquanto durava a pandemia. Outros/as tiveram que levar o picadeiro para a internet, adaptando apresentações para um público reduzido que circulava pelas redes sociais, YouTube e Instagram (Rodrigues, 2021 Rodrigues, L. (2021). Sem bilheteria e sem calor humano: Pandemia desafia artistas de circo. Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-03/sem-bilheteria-e-sem-calor-humano-pandemia-desafia-artistas-de-circo
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).
Muitos/as artistas receberam o auxílio emergencial 7
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O auxílio emergencial foi um benefício financeiro aprovado pelo Congresso Nacional para garantir a renda mínima dos brasileiros em situação de vulnerabilidade durante a pandemia do Covid-19.
oferecido pelo Governo Federal, pois já se encontravam em condições bastante precárias, mesmo antes da pandemia. O setor também foi contemplado com a Lei Aldir Blanc (Lei 14.017/ 2020 Lei nº 14.017, de 29 de junho de 2020. (2020, 29 de junho). Dispõe sobre ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas durante o estado de calamidade pública. Presidência da República. https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.017-de-29-de-junho-de-2020-264166628
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), sob a forma de subsídios para manutenção de espaços culturais, editais para realização de eventos e produção cultural e renda emergencial aos e às artistas (rendimentos bem inferiores aos que receberiam caso os espetáculos continuassem a acontecer). No meio circense, o acesso aos recursos foi restrito, pois tinham que garantir contrapartidas e prestação de contas em um momento em que se encontravam endividados e sem comida na mesa (Rodrigues, 2021 Rodrigues, L. (2021). Sem bilheteria e sem calor humano: Pandemia desafia artistas de circo. Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-03/sem-bilheteria-e-sem-calor-humano-pandemia-desafia-artistas-de-circo
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).
Em mapeamento publicado pela Fundação Nacional de Artes (Funarte), vinculado ao Ministério da Cidadania, existem 651 circos no Brasil que garantem o sustento de 9.579 trabalhadores/as, cuja maioria atua em circos itinerantes (Rodrigues, 2021 Rodrigues, L. (2021). Sem bilheteria e sem calor humano: Pandemia desafia artistas de circo. Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-03/sem-bilheteria-e-sem-calor-humano-pandemia-desafia-artistas-de-circo
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). Longe dessa lista estão os/as artistas de rua, aqueles/as que se apresentam fora das lonas e picadeiros, ocupando espaços públicos, produzindo uma arte que habita a rua, os semáforos, as praças das pequenas e grandes cidades, e que dependem da contribuição financeira dos transeuntes. É uma arte de rua que se produz como linha de fuga a favor de sua democratização e que se posiciona contra a sua própria espetacularização.
Com o agravamento da pandemia e a imprevisibilidade do retorno das atividades artísticas e culturais presenciais, outras demandas passaram a se manifestar, como aquelas relacionadas à saúde mental e ao suporte social dos artistas. Uma rede de apoio começou a ser formada e sustentada por centenas de pessoas no Brasil. A campanha “Força, Artistas” passou a arrecadar cestas básicas distribuídas a trabalhadores da arte e a fortalecer colaborações institucionais e civis. Posteriormente, foi inaugurada a Rede Fortalece Artistas, que agregou psicólogos/as voluntários/as dispostos/as a oferecer escuta qualificada aos/às artistas circenses em sofrimento psíquico. Com sua ampliação, passou a ser nomeada Rede de Saúde Mental e Circo, não mais restrita à oferta de atendimentos individuais, mas buscando parcerias com universidades públicas e privadas, grupos de estudos e trabalhos com grupos.
Visando alargar o alcance dessa rede, expandir a discussão sobre o enlace entre a saúde mental e o circo e produzir visibilidade para os modos de vida circenses no âmbito universitário, foi criado o projeto de extensão “Narrativas mambembes: registro e memórias de vidas circenses” (Almeida, Ferreira, Imbrizi, & Domingues, 2022). O projeto visa contribuir para o entrelaçamento entre o conhecimento produzido no ambiente universitário e as manifestações culturais e artísticas das artes circenses, considerando as contribuições de diferentes epistemes, metodologias e linguagens que inserem a emoção, principalmente o riso, na produção de conhecimento.
A elaboração narrativa de histórias de vida é tomada como estratégia metodológica, pois, além de serem registros que preservam a memória e a identidade local e social, são formas de elaborar os acontecimentos recentes e passados, carregadas de uma força que denota a intensidade das experiências vividas. As narrativas são constituídas por relatos orais, que são transcritos posteriormente. Durante a coleta das histórias, que ocorre no encontro com os/as narradores/as, estimula-se a contação de episódios importantes da trajetória de vida e do contexto do qual os/as artistas fazem parte. O fluxo narrativo não é interrompido com perguntas, intervenções diretas ou julgamentos.
Ao se embrenhar nas histórias de vida de artistas circenses, a proposta visa compreender como as singularidades compõem a história partilhada e coletiva do circo. Visa, sobretudo, tirar do anonimato as pessoas de vidas precárias, homens e mulheres sem fama, dos quais temos notícia porque são tomados pelas relações de poder corporificadas pelo Estado (Butler, 2020 Butler, J. (2020). De quem são as vidas consideradas choráveis em nosso mundo público? El País. https://brasil.elpais.com/babelia/2020-07-10/judith-butler-de-quem-sao-as-vidas-consideradas-choraveis-em-nosso-mundo-publico.html
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). Dar visibilidade a suas histórias é iluminar as experiências de sujeitos e sujeitas agentes, artistas e produtores/as de arte que foram invisibilizadas na história das cidades.
Para este artigo, recortamos as experiências relatadas pelas artistas mulheres que foram indicadas e convidadas por duas psicólogas egressas, que também são circenses e compõem a rede de apoio criada durante a pandemia, além de uma delas ser pesquisadora e palhaça (Ferreira, 2019 Ferreira, A. C. (2019). Pistas para criadores e possíveis arrepios: Uma experiência de formação. [Trabalho de conclusão de curso, Universidade Federal de São Paulo]. https://mega.nz/file/c8wnSaaC#v_ydRurDydtEuWFvDhtgiBmrWGcsMeSdjrMMfZfwj74
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). As narradoras são jovens, brancas, com formação técnica ou superior. Elas buscam conciliar a profissão de artista com atividades remuneradas em outras áreas profissionais: docentes das artes circenses, diretoras e escritoras de peças teatrais e performances cuja matéria-prima são os improvisos e imprevistos.
Elas reivindicam o direito à cidade, e muitas atuam de modo a romper fronteiras entre o espaço privado (a casa e a vida doméstica, destinada às mulheres) e o espaço público (a rua e os lugares destinados aos interesses econômicos e políticos reservados aos homens). A ocupação das ruas por meio da arte não apenas garante o acesso à vida artística, como também permite a criação de novas linguagens e cenários urbanos. A presença das mulheres em intervenções públicas rompe, além disso, com a cultura dos limites estabelecidos ao pertencimento dos espaços (Perrot, 1989 Perrot, M. (1989). Práticas da memória feminina. Revista Brasileira de História, 9(18), 9–18. https://www.anpuh.org/arquivo/download?ID_ARQUIVO=3846
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).
A prática circense é narrada como uma vida-rio, água que corre se entranhando no solo, ganhando novos contornos e novas potências. As quedas, para as artistas acrobáticas, ajudam a engolir os bocados do mundo, a enfrentar e esvaziar-se dos enrijecimentos impostos por uma cultura normativa e patriarcal. A dança ajuda a sair do controle e liberar outros jeitos de enxergar e expressar o mundo, contribui na construção de coragem para embarcar na própria história e não se deixar dominar por padrões que visem o controle de comportamentos, de gestos “adequados” e esperados para mulheres.
A importância e a garantia do lugar de pertencimento de mulheres artistas também não são de fácil reconhecimento nas artes circenses. Historicamente, entre o final do século XIX e a primeira metade do século XX, o circo itinerante de lona foi fortemente marcado pela atuação masculina e por escassos registros da atuação de mulheres, apenas em situações marginalizadas, como com a substituição de um colega impossibilitado de trabalhar ou a atuação escondida sob maquiagem e figurino masculinos, ocultando o fato de serem mulheres (Leite, Maletta & Silva, 2015Leite, A. D., Maletta, E., & Silva, E. (2015). Considerações sobre a escassez de mulheres palhaças no circo itinerante de lona brasileiro durante a primeira metade do século XX. Anais do Seminário da Pós-Graduação em Artes na UFMG, 1. ).
Tem sido crescente e notável o número de mulheres palhaças e cômicas que surgiram no Brasil e na América Latina nos últimos vinte anos, impulsionadas, especialmente, por um elevado número de festivais exclusivos de mulheres palhaças (Pimenta, 2021 Pimenta, F. D. F. (2021). Palhaças subversivas: Comicidades feministas. Anais Abrace – XI Congresso da Abrace, 21. https://mega.nz/file/U1Z02BpC#00KNxMaI8sZG2nxOdqL8BTDU5HB7tCIJLu-eq6Xk8Rk
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). Em seus processos criativos na montagem de uma cena cômica, muitas ideias surgem pelo fato de serem mulheres. Elas buscam eleger temas e signos que evidenciem e destruam as opressões estruturais em relação a suas condições de vida. Utilizam, na relação e comunicação com o público, vivências e experiências para que as pessoas possam desenvolver percepções sobre o corpo e suas sensações e afetos, e convocam o riso como forma de subversão dos comportamentos limitantes impostos às mulheres.
“Criar uma narrativa com a linguagem corporal significa agregar uma quantidade de fatos sobrepostos da memória, que correm em diferentes direções” (Lopes, 2009 Lopes, B. (2009). A performance da memória. Sala Preta, 9, 135–145. https://doi.org/10.11606/issn.2238-3867.v9i0p135-145
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, p. 135). Assim, a palhaçaria feminina (e também feminista) é aquela que, ao abordar em sua dramaturgia os temas relacionados ao universo da mulher, subverte as demandas sociais e existenciais impostas a ela. Diferenciam-se, em suas performances, das brincadeiras, tropeços, trapaças, gambiarras, enganações e jogos que representam o divertimento do universo masculino desde a commedia dell’arte , do século XVI. Alinhada às últimas décadas, em que há maior visibilidade dos discursos e escritas feministas, a dramaturgia da palhaça expressa os pensamentos desejosos e pulsantes em busca de maior ocupação das cenas das lonas e das ruas, maior circulação pelos espaços da cidade e da sociedade e maior equidade entre os gêneros.
Nessa perspectiva, ao analisarmos as situações das mulheres pretas, periféricas, pobres, velhas, gordas, homossexuais, transexuais, nômades, imigrantes, entre outras questões que as assolam e definem suas existências, não podemos deixar de fazer analogia com suas respectivas palhaças, que provavelmente, por meio de suas vivências e memórias, trarão à cena suas dores e, por meio do riso, tentarão subvertê-las
(Pimenta, 2021 Pimenta, F. D. F. (2021). Palhaças subversivas: Comicidades feministas. Anais Abrace – XI Congresso da Abrace, 21. https://mega.nz/file/U1Z02BpC#00KNxMaI8sZG2nxOdqL8BTDU5HB7tCIJLu-eq6Xk8Rk
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A subversão da ordem social por meio do riso funciona como um deslocamento do que naturalmente é esperado de uma mulher (ser frágil, delicada e suave) e atua como denúncia dos paradigmas impostos a sua imagem e aos lugares que ela pode ocupar. Quando esses paradigmas são colocados e ridicularizados em cena, ampliam o entendimento de como os papéis sociais influenciam a vida coletiva. O riso é um tipo de emoção que funciona como um código que identifica o contexto e reconhece a vivência coletiva das mulheres, problematizando e subvertendo a experiência do fracasso e do ridículo, traduzidos na cena cômica – é uma forma de contar outra história das mulheres, por meio da linguagem, da performance e do corpo das artistas circenses.
Considerações finais
Neste artigo apresentamos três intervenções vinculadas a projetos de extensão que visam criar espaços para que as mulheres falem em primeira pessoa. Ao partilhar histórias pessoais, sonhos, risos e dores, as participantes dos projetos podem vir a encontrar acolhimento e cuidado, assim como é possível haver um movimento que explicite as dimensões histórica, ética e sociopolítica dos sofrimentos e dos desalentos compartilhados no grupo, subvertendo-os ao expô-los ao ridículo, ao transformá-los em material de sonhos noturnos e em manifestações artísticas que as posicionam de modo a ocupar a primeira pessoa do plural. Segundo Gonzalez ( 2020Gonzalez, L. (2020). Por um feminismo afro-latino-americano. In H. B. Hollanda (Org.), Pensamento feminista hoje: Perspectivas decoloniais (pp. 38-51). Bazar do tempo. , p. 41), a criança, “ao ser falada pelos adultos na terceira pessoa, é consequentemente excluída, ignorada, colocada como ausente apesar da sua presença”, tal como ocorre com as mulheres e pessoas não brancas em uma sociedade patriarcal-racista.
Compreender e nomear os afetos frutos das injustiças sociais no grupo das mulheres em luto, produzir riso em situações ridículas e patéticas que fazem parte da vida, no caso das artistas circenses, e refletir sobre as violências cotidianas em processos grupais formados somente por mulheres, e tendo a arte como mediadora das relações do cuidado mútuo, é uma mudança analítica na lógica individualizante do sofrimento: experiências vividas na singularidade dizem muito sobre as desigualdades de poder produzidas socialmente. Como muitas autoras feministas escreveram, “o pessoal é político”. Evidenciar a dimensão sociopolítica do sofrimento é um modo de romper a culpabilização comum de mulheres e de explicitar que fazer política incluindo os afetos pode vir a desconstruir sociabilidades opressivas e demonstrar que a arte é um modo de subverter a designação de lugares às feminilidades, antes reservadas a espaços privados e agora destinadas a também ocupar espaços públicos vinculados a disputas por poder. Trata-se de construir novos horizontes políticos possíveis. Ou seja, da mediação de uma arte (literária, onírica e cômica) que denuncie as opressões e reivindique um devir-mulher desejante e politicamente pulsante.
Nos encontros grupais, pudemos perceber a importância do pensamento interseccional de classe-raça-gênero-geração para criar lugares de escuta sensíveis. Se na primeira experiência extensionista apresentada neste artigo a maternidade apareceu como compulsória; na segunda foi a impossibilidade de exercitá-la, devido ao genocídio da população jovem negra, que prevaleceu; já na terceira, pudemos delinear histórias de mulheres que encontram nas artes mambembes uma forma de resistência, denúncia e subversão dos padrões e expectativas exigidos ao seu universo. As artistas circenses provam para todas nós que, por meio da performance que invade as ruas, as praças e a lona, é possível ridicularizar e desafiar as demandas sociais e existenciais impostas a elas.
Assim, nós, mulheres autoras deste artigo, acreditamos ser imprescindível, ao pensar nos futuros possíveis para uma psicologia comprometida com a transformação social, a articulação entre a categoria classe social – tão necessária e evidenciada na produção de conhecimento do nosso campo – e as dimensões de gênero, raça e geração. Isso envolve repensar os currículos de formação de psicólogas/os de modo a visibilizar tais perspectivas teórico-metodológicas. Grada Kilomba ( 2019Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação: Episódios de racismo cotidiano. Cobogó. ) assinala que a crítica ao epistemicídio pode ser uma das pautas feministas para sustentar uma agenda antirracista e antissexista. A artista alerta para o fato de que negligenciar os afetos, as emoções e as dimensões de classe, raça e geração na reflexão sobre as mulheridades pode levar à reprodução de opressões, impossibilitando o cuidado ao não legitimar diferentes trajetórias de vida. Se tanto criticamos um sujeito masculino universal, é preciso atenção para não universalizarmos “a mulher”.
Precisamos das mulheridades – em toda a sua pluralidade – para nos ensinarem uma “escuta feminista” (Diniz & Gebara, 2022Diniz, D., & Gebara, I. (2022). Esperança feminista. Rosa dos Tempos. ), que testemunhe o horror das violências e opressões às quais as mulheres são submetidas, subverta a hierarquia entre os sexos e os binarismos de qualquer tipo e, assim, estranhe as naturalizações, impossibilidades e fatalismos. Dentre outros aspectos, há em comum nos três projetos de extensão relatados a tentativa de exercitar tal escuta, assim como de enunciar as mulheres em outras posições sociais, não mais pela marginalidade ou apassivação, mas como produtoras de conhecimento, saberes e atividades artísticas, sujeitas inventivas, capazes de criar enfrentamentos às desigualdades de gênero. Mulheridades potentes, não mais reduzidas ao papel de mãe e objetificadas nas relações sociais e amorosas, que exercitam a arte da vida e do riso como subversão da dor, capazes de lutar contra o sexismo e de conjugar o verbo esperançar .
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- Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: Cultura e processos de subjetivação. Appris.
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A fim de evidenciar as mulheridades nos termos e conceitos, optamos por utilizar “sujeitas”, tal como D’Andrea ( 2020 D’Andrea, T. P. (2020). Contribuições para a definição dos conceitos “periferia” e “sujeitas e sujeitos periféricos”. Novos Estudos, 39(1), 19–36. https://doi.org/10.25091/S01013300202000010005
https://doi.org/10.25091/S01013300202000... ). -
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É preciso salientar que não temos a intenção de reforçar o binarismo homem/mulher, como se incluir autoras mulheres fosse a única forma possível de garantir o estudo crítico sobre as desigualdades de gênero, ou como se homens não estivessem propondo reflexões importantes para a crítica à dominação de gênero. Buscamos problematizar uma aparente invisibilidade da produção teórica das mulheridades na psicologia, assim como seus possíveis efeitos na formação de psicólogas/os.
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Os projetos de extensão foram aprovados pela Câmara de Extensão e Cultura da universidade. A fim de garantir os aspectos éticos, foram feitos contratos verbais ressaltando a importância do sigilo sobre os relatos e reflexões feitas nos grupos, assim como informando sobre o registro dos encontros por meio de relatórios e publicações científicas, sendo retiradas informações que pudessem identificar as participantes.
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As estudantes extensionistas foram Gabriela Corrêa Ramos, Jussara de Souza Silva, Luísa Segalla de Carvalho e Juliana Teixeira Gomes.
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Atualmente, o projeto de extensão voltou suas ações para jovens mulheres que frequentam um equipamento de contraturno escolar, assim como para mulheres adultas periféricas da cidade Santos, de modo a atingir um público que tem o seu acesso à universidade dificultado.
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Estagiária Beatriz Vieira de Castro Ferreira e mestranda Julia Tocalino Morabito.
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O auxílio emergencial foi um benefício financeiro aprovado pelo Congresso Nacional para garantir a renda mínima dos brasileiros em situação de vulnerabilidade durante a pandemia do Covid-19.
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Como citar:
Spaziani, R. B., Imbrizi, J. M., & Domingues, A. R. (2024). Mulheridades em Projetos de Extensão na Psicologia. Psicologia: Ciência e Profissão , 44 , 1-15. https://doi.org/10.1590/1982-3703003267916 -
How to cite:
Spaziani, R. B., Imbrizi, J. M., & Domingues, A. R. (2024). “Womenities” in Psychology Extension Projects. Psicologia: Ciência e Profissão , 44 , 1-15. https://doi.org/10.1590/1982-3703003267916 -
Cómo citar:
Spaziani, R. B., Imbrizi, J. M., & Domingues, A. R. (2024). Mujeridades en Proyectos de Extensión en Psicología. Psicologia: Ciência e Profissão , 44 , 1-15. https://doi.org/10.1590/1982-3703003267916
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
30 Set 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
16 Set 2022 -
Aceito
28 Ago 2023