Open-access Associação entre condições demográficas e socioeconômicas com a prática de exercícios e aptidão física em participantes de projetos comunitários com idade acima de 50 anos em Ribeirão Preto, São Paulo

RESUMO:

Objetivo:  Verificar a associação entre condições demográficas e socioeconômicas com a aptidão física e a prática regular de exercícios físicos supervisionados em participantes de projetos comunitários, possibilitando investigar se a adoção de um estilo de vida ativo depende apenas da escolha pessoal ou sofre influência de fatores socioeconômicos.

Métodos:  213 indivíduos com idades acima de 50 anos com informações sobre condição socioeconômica (idade, sexo, escolaridade/anos de estudos e renda); nível habitual de atividade física; e aptidão física por meio de testes motores que permitiram o cálculo do Índice de Aptidão Funcional Geral (IAFG).

Resultados:  O modelo linear generalizado de comparação de grupos evidenciou que os participantes classificados nos grupos de IAFG mais elevado (bom e muito bom) apresentaram maiores escolaridade e renda (p < 0,05). O modelo de regressão linear complementa a análise anterior, evidenciando a magnitude da modificação da pontuação do IAFG na associação com os anos de estudos (grupo ≥ 15), a renda (todos os grupos) e a idade (p < 0,05). Pela Análise de Variância, verificou-se diferença entre os grupos e, com isso, associação entre maior tempo de prática de exercícios (> 6 meses) com a escolaridade e a renda; entre os grupos com prática de exercícios igual ou superior a seis meses, o grupo supervisionado apresentou os melhores resultados no IAFG (p < 0,05).

Conclusão:  A associação entre as variáveis fortalece a hipótese de que a adesão e manutenção da prática de exercícios podem não ser dependentes apenas da escolha do indivíduo, mas também de fatores socioeconômicos que podem influenciar a escolha pelo estilo de vida ativo.

Palavras-chave: Envelhecimento; Escolaridade; Estilo de vida; Exercício; Renda; Estilo de vida sedentário

ABSTRACT:

Objective:  To investigate the association between both demographic and socioeconomic conditions with physical fitness and regular practice of physical exercises in participants of community projects, supervised by a physical education teacher. This enabled to investigate whether the adoption of an active lifestyle depends only on the personal choice or has any influence of socioeconomic factors.

Methods:  213 individuals aged over 50 years joined the study, and provided information about their socioeconomic status (age, gender, education/years of study, and income); usual level of physical activity (ULPA); and physical fitness, by a physical battery tests which allowed the calculation of general functional fitness index (GFFI).

Results:  The generalized linear model showed that participants ranked in the highest GFFI groups (good and very good) had more years of study and higher income (p < 0.05). The multiple linear regression model complements the previous analysis, demonstrating the magnitude of the change in the GFFI in association with the years of study (group > 15), income (all groups) and age (p < 0.05). By means of analysis of variance, a difference between the groups was verified and longer practice of exercises (> 6 months) were also associated with education and income (p < 0.05); among the groups with exercise practice whether greater than or equal to six months, that supervised showed better results in the GFFI (p < 0.05).

Conclusion:  The association between variables strengthens the hypothesis that adherence and maintenance of physical exercise might not be only dependent of individual’s choice, but also the socioeconomic factors, which can influence the choice for any active lifestyle.

Keywords: Aging; Educational status; Life style; Exercise; Income; Physical inactivity; Sedentary lifestyle

INTRODUÇÃO

A população idosa no Brasil é representada por cerca de 20 milhões de habitantes, ou aproximadamente 11% da população total. Em 1940, o tempo médio de vida era de 45,5 anos, já em 2010 passou para 73,1 anos e, de acordo com as projeções, o país continuará envelhecendo, chegando a uma expectativa de vida de 81,3 anos em 20501. O envelhecimento da população resulta em mudanças econômicas e sociais, além de maior vulnerabilidade para algumas doenças, com destaque para as doenças e os agravos não transmissíveis2, como as doenças cardiovasculares.

Normalmente, as alterações funcionais, fisiológicas e comportamentais que ocorrem com o processo natural de envelhecimento são acentuadas pelo sedentarismo2. Diversos estudos têm apontado que indivíduos fisicamente ativos tendem a apresentar melhor aptidão física e menor chance de desenvolver problemas relacionados à saúde2,3,4. Entretanto, os níveis de inatividade física ainda são elevados na população brasileira. Os dados coletados em 2014, publicados em 2015, pela Vigilância dos Fatores de Risco e Proteção de Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL)5, referentes às 26 capitais dos estados brasileiros e o Distrito Federal, apontaram que 35,3% de adultos e idosos foram considerados ativos no tempo livre, segundo as novas recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) (aquele que praticou ao menos 150 minutos/semana de atividade física de intensidade leve ou moderada, ou 75 minutos semanais de atividade de intensidade vigorosa, independentemente da quantidade de dias). Em estudo realizado6 em Ribeirão Preto, São Paulo, com indivíduos acima de 30 anos, utilizando-se do International Physical Education Questionnaire (IPAQ), os autores apontaram para uma prática suficiente de atividade física (ativos e muito ativos) em apenas 37,5% dos homens e 32,1% das mulheres.

Uma das possíveis razões apontadas na literatura para os elevados níveis de sedentarismo na população é a associação entre sedentarismo e condição socioeconômica desfavorável (renda e escolaridade) e componentes demográficos (idade e sexo)5,6. Desta forma, pode-se questionar que a escolha pela adesão e manutenção do estilo de vida ativo pode não caber apenas a uma decisão individual, mas sim depender de um quadro social amplo e complexo.

Gonçalves7 aponta que nem sempre são criadas condições sociais favoráveis à adoção de hábitos saudáveis, que ainda dependem de uma rotina apropriada. É difundida, por meios de comunicação e algumas políticas públicas, a ideia de que, para melhorar a vida, algumas práticas devem ser incorporadas ao cotidiano, como se isso dependesse exclusivamente da vontade do sujeito.

Tal processo é denominado “culpabilização da vítima”, prática que pode esconder o mau funcionamento de alguns serviços, levando o próprio indivíduo a se sentir culpado por seus hábitos de vida, mesmo sem que as condições socioeconômicas necessárias para a melhoria sejam oferecidas7. Logo, existe um limite de responsabilização do sujeito frente a suas ações devido às suas reais possibilidades de escolha de hábitos e estilos de vida.

Apesar de existirem indicativos sobre a relação entre a prática regular de exercícios físicos e os fatores socioeconômicos, pouco se tem estudado sobre as reais influências que a condição socioeconômica exerceria sobre os processos de melhoria dos níveis de aptidão física, adesão a programas de exercícios físicos (tempo de prática) e a realização destes com a supervisão de um profissional de Educação Física. Deste modo, é possível sugerir que uma avaliação sobre dados objetivos relativos à aptidão física e sua relação com as condições socioeconômicas possa apontar direcionamentos mais consistentes que permitam observar a existência ou não de relação entre tais variáveis. A hipótese deste estudo é que a situação socioeconômica mais favorável esteja associada à prática regular de exercícios físicos e a melhores níveis de aptidão física dos participantes.

Desta forma, o objetivo deste estudo foi verificar a influência da condição socioeconômica na aptidão física e na prática regular de exercícios físicos supervisionados em participantes de projetos comunitários da cidade de Ribeirão Preto, São Paulo, possibilitando investigar se a adoção de um estilo de vida ativo está associada a uma condição socioeconômica favorável à escolha pessoal de adultos acima de 50 anos e idosos.

MÉTODO

Estudo transversal realizado na cidade de Ribeirão Preto, São Paulo, com 213 adultos com idade igual ou superior a 50 anos, dos quais 112 idosos com 60 anos ou mais, e participantes de projetos comunitários. Os projetos comunitários utilizados como referência para o presente estudo estavam disponíveis para toda a população e eram vinculados à Prefeitura, a associações de aposentados de empresas, e a projetos de extensão das Universidades, todos gratuitos. O cálculo do tamanho amostral (n) foi baseado em uma metodologia de dimensionamento do tamanho amostral através do teste de Análise de Variância (ANOVA One-Way)8, fixando-se o poder do teste (β) em 80% e o nível de confiança em 95%. Foi possível obter o tamanho amostral baseando-se nas diferenças segundo os contrastes ortogonais fixados para os grupos de interesse, e segundo um piloto dos dados com 90 informações. Esses cálculos retornaram um valor amostral de 194 sujeitos e acrescentamos 10% sobre o número total para prevenir eventuais perdas, totalizando, assim, 213 sujeitos. Os critérios de inclusão utilizados foram: apresentar atestado médico com liberação para realização de exercícios físicos e não apresentar nenhuma condição médica ou problemas musculoesqueléticos e de equilíbrio que pudessem impedir a realização dos testes motores.

No estágio I da amostragem por conveniência, foram selecionados conglomerados que constituem e refletem as características da população, heterogêneos quanto aos aspectos investigados. Tais conglomerados se referem a duas associações de aposentados e três programas comunitários vinculados às universidades e à prefeitura locais. Tais grupos promovem atividades relacioandas a exercício físico e variadas vivências socioculturais, como artesanato, coral e culinária. No estágio II, todos os indivíduos de cada conglomerado foram convidados a participar do presente estudo, com chances iguais de participação. Durante o processo de recrutamento, tomou-se o cuidado de balancear as informações dos participantes segundo idade, escolaridade, renda familiar per capita, cor da pele e nível habitual de atividade física (NHAF)9, a fim de que essas variáveis não fossem totalmente desproporcionais segundo a população estudada, levando a possíveis conclusões enviesadas.

Todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido e responderam a um questionário com questões abertas e fechadas que possibilitou o levantamento de informações quanto à condição de saúde (doença ou fator de risco para alguma doença específica; limitação física para atividades cotidianas ou que pudesse impedir a realização dos testes motores; cirurgia e quando foi realizada; medicamentos); quanto ao hábito de prática de exercícios físicos com ou sem supervisão de um profissional de Educação Física; e quanto as características socioeconômicas e demográficas apresentadas da seguinte forma: sexo (feminino e masculino), idade (cada ano de vida), anos de estudo (1-4 anos, 5-10 anos, 11-14 anos e ≥ 15 anos) e renda familiar per capita (de acordo com número de salários-mínimos (SM): ≤ 1 SM, 1-2 SM, 2 -3 SM e > 3 SM).

O NHAF dos participantes foi avaliado por meio da aplicação do IPAQ versão curta. A avaliação da aptidão física foi realizada por meio da bateria de testes da American Alliance for Health, Physical Education, Recreation and Dance (AAHPERD), instrumento específico para medir a aptidão funcional geral relacionado às atividades cotidianas. A escolha por essa bateria aconteceu por esta ser um instrumento muito utilizado e que dispõe de tabela normativa validada para avaliar a aptidão física de adultos e idosos10,11. A bateria é composta pelos testes motores de coordenação, agilidade e equilíbrio dinâmico, flexibilidade, resistência aeróbia e resistência de força, conforme descrito por Zago e Gobbi11, Benedetti et al.12 e Mazo et al.13. O resultado de cada teste foi classificado de acordo com as tabelas de valores normativos, variando a pontuação (escore percentil) de cada teste de 0 a 100. Os valores obtidos foram somados, resultando no Índice de Aptidão Funcional Geral (IAFG) individual, que variou de 0 a 500. Tal classificação permite a divisão de grupos em quintis11,12,13. Entretanto, devido à baixa frequência de participantes no grupo “muito fraco” (IAFG de 0 a 99), e seguindo a recomendação de um mínimo de 10% do total de participantes em cada grupo para realizar a análise estatística de forma adequada9, optou-se por unir o grupo “muito fraco” (pontuação 0 a 99) ao grupo “fraco” (pontuação 100 a 199), permanecendo a denominação “fraco” na apresentação dos resultados. Desta forma, os participantes foram divididos, em um primeiro momento, em quatro grupos, de acordo com a classificação do IAFG: fraco (0 a 199), regular (200 a 299), bom (300 a 399) e muito bom (400 a 500).

Em um segundo momento, os participantes também foram subdivididos de acordo com o tempo de prática de exercícios físicos e a supervisão de um profissional de Educação Física, formando os seguintes grupos:

  • < 6 meses sem supervisão - grupo não ativo ou com prática inferior a seis meses de exercícios físicos sem supervisão;

  • < 6 meses com supervisão - grupo não ativo ou com prática inferior a seis meses de exercícios físicos com supervisão;

  • > 6 meses sem supervisão - grupo ativo com prática igual ou superior a seis meses de exercícios físicos sem supervisão;

  • > 6 meses com supervisão - grupo ativo com prática igual ou superior a seis meses de exercícios físicos com supervisão.

Mais uma vez, optou-se por unir dois grupos, desta vez “< 6 meses sem supervisão” e “< 6 meses com supervisão”, devido à baixa frequência de participantes no grupo “< 6 meses com supervisão”, dando origem à denominação “< 6 meses” - grupo não ativo ou com prática inferior a seis meses de exercícios físicos com e sem supervisão.

Em relação à análise estatística, os resultados foram analisados por meio do software SAS® 9.0. Inicialmente, realizou-se uma análise exploratória dos dados, descritos em média e desvio padrão. A comparação entre os grupos, tendo como variável independente a classificação pelo IAFG, foi realizada por meio de um modelo linear generalizado, considerando os potenciais fatores de confundimento: sexo e idade. As variáveis passíveis de confusão foram identificadas por meio de análise descritiva dos dados, por estarem distribuídas desigualmente entre os grupos comparados e existirem evidências do ponto de vista biológico14.

Para estudar as múltiplas associações das variáveis relacionadas às características socioeconômicas e demográficas, utilizou-se de um modelo de regressão linear múltipla, de forma que fosse analisada a relação entre uma única variável dependente - IAFG - e diversas variáveis independentes - socioeconômicas e demográficas. O nível de significância foi mantido em 5% para todas as análises.

A análise de variância (ANOVA) com pós-teste de Tukey foi utilizada para detectar possíveis diferenças entre os grupos relacionadas ao tempo de prática regular de exercícios físicos e à supervisão de um profissional de Educação Física.

Os autores declaram que não há conflito de interesses de qualquer natureza. Esta pesquisa somente teve início após sua aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP/FCFRP/USP nº 172/2010).

RESULTADOS

A média e o desvio padrão da idade dos participantes foram de 61,4 (8,4) anos, respectivamente, com idade mínima de 50 anos e máxima de 80 anos. Dos participantes, 101 (47,4%) deles estavam no grupo etário de 50 a 59 anos, e 112 (52,6%) no de 60 a 80 anos. Quanto ao sexo, 163 participantes (76,5%) eram do sexo feminino e 50 (23,5%) do masculino. Em relação ao NHAF, 89 participantes (41,8%) apresentaram prática suficiente de atividade física. A Tabela 1 apresenta as variáveis qualitativas relacionadas a características socioeconômicas, aptidão física e hábitos de exercícios físicos dos participantes.

Tabela 1:
Características socioeconômicas, aptidão física e hábitos de exercícios físicos dos participantes. Projetos comunitários envolvidos no estudo. Ribeirão Preto, São Paulo, 2012.

Sobre a escolaridade e a renda familiar per capita, em geral, observa-se distribuição homogênea dos participantes nos grupos, entretanto, vale ressaltar a menor frequência de participantes com mais de 15 anos de estudos e maior frequência daqueles com renda familiar per capita entre 1 e 2 SM. Sobre a classificação IAFG, observa-se menor frequência de participantes classificados com IAFG “muito bom” e uma distribuição homogênea entre os participantes com as demais classificações. Ainda, se forem somados os grupos “> 6 meses sem supervisão” e “> 6 meses com supervisão”, e se comparados a “< 6 meses”, é possível destacar o equilíbrio entre os participantes com tempo de prática de exercícios físicos superior a seis meses e aqueles que realizam exercícios físicos há menos de seis meses. Entre os que realizam os exercícios há mais de seis meses, observa-se maior frequência de participantes no grupo supervisionado.

A Tabela 2 apresenta os resultados do modelo linear generalizado, de comparação de grupos, tendo como variável independente o IAFG e o controle de algumas variáveis geradoras de confusão (idade e sexo). Foi possível evidenciar que, quanto maior a classificação do IAFG, maior a renda familiar per capita e o número de anos de estudo.

Tabela 2:
Nível socioeconômico (renda e anos de estudo) dos participantes de acordo com o Índice de Aptidão Funcional Geral (IAFG). Projetos comunitários envolvidos no estudo. Ribeirão Preto, São Paulo, 2012.

A Tabela 3 apresenta os resultados do modelo de regressão linear múltipla para as variáveis independentes (socioeconômicas e demográficas) sobre o IAFG (variável dependente). Após ajuste das variáveis, foi possível observar associação positiva do IAFG com a escolaridade (anos de estudos) e a renda familiar per capita, e uma associação negativa entre o IAFG e a idade (a cada ano de vida). Os coeficientes β indicam a magnitude da modificação na pontuação do IAFG.

Tabela 3:
Análise multivariada entre as características socioeconômicas e demográficas com o Índice de Aptidão Funcional Geral (IAFG) dos participantes. Projetos comunitários envolvidos no estudo. Ribeirão Preto, São Paulo, 2012.

A Tabela 4 apresenta os resultados da ANOVA, tendo como variável independente o tempo de prática e a supervisão de um profissional de Educação Física. Foi possível evidenciar diferença entre os grupos “> 6 meses com supervisão” e “> 6 meses sem supervisão” com o grupo “< 6 meses” para renda familiar per capita e anos de estudos. Para o IAFG, as mesmas diferenças foram encontradas e ainda foi possível evidenciar diferença entre os grupos “> 6 meses com supervisão” e “> 6 meses sem supervisão”.

Tabela 4:
Características socioeconômicas e de aptidão física dos participantes de acordo com o tempo de prática de exercício e a supervisão de um professor de Educação Física. Projetos comunitários envolvidos no estudo. Ribeirão Preto, São Paulo, 2012.

DISCUSSÃO

A importância do estudo das influências das características socioeconômicas e demográficas sobre o estilo de vida ativo e o nível de aptidão física está nas evidências descritas na literatura para os diversos benefícios da prática regular de exercícios físicos, principalmente a associação de bons níveis de aptidão física e menores chances de desenvolver problemas relacionados à saúde2,3,4.

O resultado encontrado referente aos participantes do presente estudo, em sua maioria mulheres, segue a tendência de outros estudos com essa faixa etária15,16. Em programas comunitários para idosos, Andreotti e Okuma15 apontam para a predominância de mulheres, apresentando exemplos em que a proporção de mulheres varia de 70 a 80%. Ainda, Gomes, Nascimento e Araújo16 afirmam que os homens apresentam menor preocupação com a saúde do que as mulheres, o que pode justificar a menor participação destes nos projetos comunitários e pesquisas da área da saúde.

Em relação aos resultados do NHAF, estes aproximam-se dos resultados do estudo de base populacional em Ribeirão Preto, São Paulo6, que apontaram para a prática suficiente de atividade física (ativos e muito ativos) em aproximadamente 40% dos homens e 32% das mulheres, levando em consideração apenas os indivíduos com idade superior a 50 anos. O presente estudo, incluindo homens e mulheres, apresentou prática suficiente de atividade física de 41,8%.

A relação do IAFG e dos aspectos socioeconômicos e demográficos foi evidenciada no modelo linear generalizado de comparação de grupos, tendo como variáveis independentes o IAFG (Tabela 2) e o modelo de regressão linear múltipla (Tabela 3). Os resultados apresentados sugerem que o avançar da idade parece estabelecer uma relação inversa com o IAFG, enquanto os indivíduos classificados nos grupos mais favorecidos quanto à renda familiar per capita e escolaridade apresentaram melhores resultados no IAFG.

Quanto ao tempo de prática e supervisão (Tabela 4), observou-se que os grupos “> 6 meses sem supervisão” e “> 6 meses com supervisão” parecem ser mais favorecidos socioeconomicamente. Entretanto, em relação aos resultados do IAFG, apesar de não ser o escopo direto de nossos objetivos, observou-se que o grupo “> 6 meses com supervisão” apresentou melhores resultados, indicando que a prática orientada por um profissional qualificado parece promover melhores adaptações na aptidão física.

Outros estudos evidenciam diferentes facetas da relação entre as condições socioeconômicas, o NHAF e a prática regular de exercício físico. Em relação às variáveis renda e escolaridade, o estudo de Zaitune et al.17 - utilizando o IPAQ, com idosos no Estado de São Paulo - mostrou associação entre prática de atividade física de lazer e maior escolaridade e renda familiar. Siqueira et al.18 encontraram prevalência de maior sedentarismo na Região Nordeste em relação à Região Sul. Baixa renda familiar foi o principal fator de risco para sedentarismo nos adultos e idosos, enquanto baixa escolaridade apresentou efeito somente entre os idosos. Suzuki et al.6 também encontraram associação entre o NHAF e fatores socioeconômicos em estudo realizado em Ribeirão Preto, São Paulo. O sedentarismo apresentou associação com horas de trabalho/dia superior a dez horas para o sexo masculino; para o sexo feminino, o sedentarismo está associado ao nível educacional de um a três anos de escolaridade e renda abaixo de R$ 520,00 (o salário mínimo em vigência durante a coleta de dados deste estudo era R$ 520 - em 2016 o salário em vigência é de R$ 880,00). O estudo de Knuth et al.19, a partir dos dados nacionais da Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio (PNAD) em 2008, apresentou relação entre níveis de atividade física no lazer e escolaridade, sendo que os indivíduos com mais anos de estudos apresentaram níveis mais elevados de atividade física no lazer.

Pitanga e Lessa20 apontaram que idosos de menor renda e escolaridade do Estado da Bahia teriam menor acesso a equipamentos, locais públicos adequados e seguros para prática de exercício, ou ambientes e locais privados (pagos) e/ou de alto custo. Eles também teriam menor acesso a orientações de profissionais de saúde e às condições de vida necessárias para incorporação de práticas consideradas saudáveis. Outro aspecto relevante seria que alguns estudos21,22 apontam que uma melhor condição socioeconômica possibilita melhor conhecimento sobre os benefícios da prática regular de exercícios físicos para a saúde.

Os estudos citados anteriormente mostram de uma forma geral que sexo, escolaridade e renda estão associados à escolha do estilo de vida, especialmente no que se refere ao aumento da prevalência de sedentarismo23. Essa associação pode indicar um viés sociocultural mais forte do que o genético ou de ordem psicológica (tais como “força de vontade” individual), conforme sinalizado nos dados apresentados neste estudo, sugerindo que os indivíduos que possuem orçamento e condições de subsistência melhores do que outras pessoas terão maiores possibilidades de escolhas e adesão às práticas adotadas em seu estilo de vida. Porém, o presente trabalho aponta certo avanço ao evidenciar a associação entre condição socioeconômica mais privilegiada e melhores níveis de aptidão física.

A adoção de um estilo de vida tido como saudável é tomada, na sociedade contemporânea, como um fator importante perante a situação de saúde e de vida dos indivíduos. Porém, muitas vezes isso não ocorre, não por falta de vontade do indivíduo, mas pela ausência de condições socioeconômicas favoráveis7. Barata et al.23, em estudo realizado na área central do município de São Paulo, explicitou tal quadro ao apontar que o estado de saúde autorreferido “bom” mostrou associação inversa com a vulnerabilidade social e relação direta com a renda e a escolaridade.

De forma geral, independente da concepção adotada ou do instrumento indicador utilizado, observa-se que existe uma íntima relação entre a prática regular de exercícios físicos e melhores condições de saúde2,3,4,8. Assim, a “culpabilização da vítima” deve ser evitada, sendo necessária maior atenção para as políticas públicas, que focam, por exemplo, apenas a divulgação de informações relacionadas ao estilo de vida saudável ou construção de espaços públicos. Tais políticas são direcionadas principalmente aos indivíduos com condição socioeconômica mais favorecida, deixando uma lacuna para os indivíduos com condição socioeconômica desfavorável.

O estudo de Ferreira et al.24 ilustra esse quadro, já que propõe uma reflexão crítica sobre a ambiguidade da Promoção da Saúde por meio de programas institucionais de promoção da atividade física. Segundo os autores, tais programas visam aumentar o nível de conhecimento sobre os benefícios de um estilo de vida ativo, além de incrementar o nível de atividade física. Ainda, fundamentam-se na abordagem comportamentalista/conservadora de Promoção da Saúde, uma vez que condenam o sedentarismo, culpabilizam seus adeptos e apoiam suas estratégias em mudanças comportamentais individuais como meio de redução do risco epidemiológico, independentemente dos condicionantes sociais, econômicos e culturais.

Tal perspectiva crítica concorda com os dados apresentados neste estudo, que apontam que a adoção de hábitos saudáveis depende da atitude e da adequação do sujeito a uma rotina apropriada, desde que sua condição socioeconômica proporcione essa opção de escolha. Indivíduos com maior renda familiar per capita e escolaridade demonstram maiores níveis de aptidão física, acesso à prática de exercício físico regular e supervisão especializada de um profissional.

Diante deste contexto, vale destacar a importância do papel do profissional de Educação Física, juntamente com outros profissionais da área da saúde, nos processos de transformação social e promoção de um estilo de vida saudável. O processo de “culpabilização da vítima”, além de responsabilizar os sujeitos pela adesão ao estilo de vida inativo e desresponsabilizar o Poder Público da necessidade de oferta de melhor condição socioeconômica, atribui ao profissional da área de saúde responsabilidades que não lhe cabem25. A transformação social necessária para a melhora das condições de aptidão física e, de forma colaborativa, de saúde da população, requer a participação de diferentes profissionais da área da saúde, além de políticas públicas que favoreçam o acesso a boas condições de adesão e manutenção da prática de exercícios físicos regulares e orientados25. Corroborando essa ideia, o estudo de Virtuoso et al.26 sugere que, ao investir em um envelhecimento ativo, oferecendo espaços adequados à prática de atividade física, é possível reduzir o crescente aumento da demanda e da utilização de serviços de saúde pela população com 60 anos ou mais.

Neste sentido, para que ofereçam melhores benefícios à população, as políticas públicas de saúde baseadas na prática de exercícios físicos poderiam estar atreladas a projetos e agendas dos campos da educação, do trabalho, dos cuidados com saúde, da infraestrutura, da segurança pública, entre outros, uma vez que este estudo sugere que a simples prática de atividade física, isolada e descontextualizada, não é capaz de melhorar a qualidade de vida de um indivíduo de forma ampla25,26.

Algumas limitações devem ser levadas em consideração na interpretação dos resultados encontrados. A primeira refere-se à amostragem por conveniência, restrita aos participantes dos projetos comunitários da cidade de Ribeirão Preto, São Paulo, que se dispuseram a participar da referida pesquisa. A segunda é que, devido ao delineamento transversal utilizado, os resultados não possibilitam nenhum tipo de relação temporal de causa e efeito, somente associações.

CONCLUSÃO

Os resultados apresentados apontam para uma associação entre condição socioeconômica mais favorável e adesão à prática regular de exercícios físicos. Deste modo, é fortalecida a ideia de que a adesão e manutenção da prática de exercícios físicos podem não depender apenas das vontades dos participantes, mas também de condições socioeconômicas que permitam a escolha pelo estilo de vida ativo.

Desta forma, os resultados deste estudo sugerem a necessidade de políticas públicas que visem não somente a divulgação da importância da prática de exercícios físicos, disseminando a lógica de “culpabilização da vítima”, mas também que ofertem bons espaços e materiais para a prática de exercícios, assim como a facilitação do acesso à orientação por parte de um profissional de Educação Física e demais profissionais da área da saúde, contribuindo assim de forma significativa para a melhoria da qualidade de vida dos praticantes.

A melhoria do estilo de vida da população está associada à condição socioeconômica, o que aponta para uma perspectiva complexa de saúde coletiva e demanda transformações sociais amplas que transcendem apenas a motivação individual dos participantes.

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  • Fonte de financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, processo 557967/2009-0, e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, processo 09/54586-0.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    20 Maio 2015
  • Aceito
    09 Ago 2016
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