Fortalecimento do uso de dados de mortalidade na tomada de decisão de políticas públicas de saúde

INTRODUÇÃO

Dados de alta qualidade são necessários para a tomada de decisões adequadas. Sem dados completos, oportunos e precisos (especialmente no que diz respeito às causas de mortalidade), as autoridades de saúde pública têm capacidade limitada de fazer escolhas bem embasadas para melhorar políticas e programas. No entanto, melhores fontes de dados de saúde pública, embora necessárias, não são suficientes para garantir que decisões políticas sejam regularmente guiadas pelos dados. Sem mecanismos para levar as ideias certas para as pessoas certas no momento certo não se garante que fontes de dados aprimoradas levem a uma melhoria da saúde pública.

Um objetivo principal do Data for Health (uma iniciativa em países de baixa e média renda cofinanciada pela Bloomberg Philanthropies e pelo governo australiano) é melhorar a qualidade dos dados sobre causas da morte¹; este Suplemento relata os esforços implementados no Brasil como parte dessa iniciativa. Além disso, o Data for Health reconheceu a grande importância de abordar a lacuna entre dados e decisões, apoiando as atividades de “Impacto dos dados”, que deliberadamente vincularam fontes de dados às escolhas estratégicas e operacionais que professionais de saúde pública enfrentam rotineiramente. Este artigo apresenta duas lições importantes aprendidas com as atividades, que podem orientar os gestores de saúde pública a desenvolver estratégias que otimizem o uso de dados de mortalidade para a formulação de políticas de saúde.

LIÇÃO Nº 1: OS DADOS DEVEM SER TRANSFORMADOS RIGOROSAMENTE PARA PRODUZIR IMPACTO POLÍTICO

Dados de saúde pública, mesmo dados de alta qualidade, não levam imediatamente a políticas que melhoram a saúde pública². Em vez disso, dados de qualidade devem passar por um processo de transformação para produzir políticas públicas adequadas.

Figura 1
O processo de transformação de dados em políticas públicas.

• Preparação: A maneira como os dados brutos são organizados define quais análises podem ser realizadas.

• Análise: O alcance e a precisão dos métodos de investigação dos dados determinam quão completas e perspicazes serão as descobertas.

• Síntese: A capacidade de discernir a relevância de descobertas específicas é essencial para definir mudanças em políticas públicas para enfrentar os desafios revelados pela análise de dados.

• Comunicação: A apresentação acessível e convincente dos dados gera apoio entre profissionais da equipe de governo (e outros) que aprovam e implementam mudanças nas políticas públicas.

A transformação de dados em políticas públicas é tão forte quanto o elemento mais frágil desse processo. Por exemplo, fontes de dados bem preparadas e rigorosamente analisadas não produzem políticas mais eficazes se os achados não forem traduzidos em ação e comunicados de forma convincente. O Data for Health criou um programa intensivo de “Data-to-Policy” (D2P) que dá apoio a técnicos de ministérios da saúde para lidar com todo o processo de transformação em torno de questões específicas. Em Xangai, por exemplo, os participantes do programa D2P utilizaram dados para desenvolver mudanças legislativo-políticas e abordar cinco questões diferentes, convencendo a liderança do governo a pressionar pela adoção dessas mudanças. Como resultado, novas iniciativas orientadas por dados foram implementadas em Xangai, como a que propôs aumentar o uso de capacete entre os usuários de bicicletas elétricas.

LIÇÃO 2: TRÊS PILARES - PESSOAS, PROCESSOS, PRODUTOS - SÃO A BASE PARA UMA ABRANGENTE E SUSTENTÁVEL TRANSFORMAÇÃO DE DADOS EM POLÍTICAS PÚBLICAS

A maioria dos ministérios da saúde podem se mobilizar a curto prazo e utilizar dados para informar uma decisão de saúde pública que é prioridade para alguma autoridade proeminente eleita ou para o ministro da saúde. No entanto, esses esforços ad hoc só podem ser feitos para um número limitado de problemas e são dirigidos inteiramente por indivíduos específicos (que podem permanecer em suas funções apenas por um curto período de tempo).

O Data for Health promove o uso amplo e sustentável de dados por meio de mudanças institucionais que afetam tudo (ou a maioria) de um ministério e que não dependem de uma única liderança. Essas atividades se concentram em três domínios amplos:

• Pessoas: O Data for Health aprimora a competência de: administradores de fontes de dados para integrar diversas fontes em poderosos conjuntos de dados; equipe analítica para gerar e apresentar insights significativos de fontes de dados extensas e variadas; gestores para reconhecer a relevância de dados específicos para a tomada de decisões ; e equipe de comunicação para traduzir achados complexos de dados técnicos em mensagens compreensíveis para não-especialistas.

• Processos: Mesmo com uma equipe altamente capacitada, os ministérios precisam de estruturas e procedimentos de suporte para facilitar o uso adequado de dados. O Data for Health tem promovido esse tipo de ambiente, criando unidades de inteligência de saúde pública e redesenhando esforços regulares que exigem uma extensa revisão de dados (por exemplo, planejamento estratégico de longo prazo).

• Produtos: Pessoas e processos geralmente se unem para criar produtos de dados como visões gerais estratégicas (por exemplo, avaliação anual da situação de saúde); estudos tópicos (por exemplo, tendências recentes de mortes no trânsito); e relatórios gerenciais (por exemplo, dados trimestrais de desempenho do programa). O Data for Health colaborou com os ministérios para aprofundar os insights desses relatórios e melhorar sua apresentação nos formatos estático (impresso) e interativo (digital).

O impacto do fortalecimento institucional é ilustrado no Peru, onde o Data for Health apoiou a publicação de um novo relatório (“Analysis of the Causes of Mortality in Peru, 1986-2016”), a primeira análise de tendências de longo prazo sobre causas de mortalidade no país. Esse relatório (junto a seu interativo “Atlas de Mortalidade”) está se tornando uma fonte essencial de informação para a tomada de decisões no Peru. Além disso, durante esse esforço, o Data for Health ajudou a aumentar as habilidades técnicas/de comunicação dos profissionais da equipe (por exemplo, corrigir dados não registrados) que os tornam mais bem equipados para esforços futuros de atualizar o relatório e criar mais outros produtos de dados robustos.

Figura 2
Ambiente de apoio para o uso de dados.

CONCLUSÃO

O Data for Health fornece um roteiro estratégico para os ministérios fortalecerem o uso de fontes, tais como dados sobre a causa da morte, a fim de orientar a formulação de políticas públicas de saúde. Essa estratégia exigirá não apenas uma transformação estruturada dos dados em decisões específicas, mas também uma reformulação intencional da infraestrutura e cultura dos ministérios a fim de facilitar e sustentar o processo de transformação mencionado acima. Essa mudança, embora não seja rápida nem fácil, garantirá que os dados subsidiem políticas e programas de saúde pública mais eficazes que melhorem a vida dos cidadãos.

REFERÊNCIAS

• ¹
  Bloomberg Philanthropies. Data for health [citado em 10 out. 2019]. Disponível em: Disponível em: https://www.bloomberg.org/program/public-health/data-health/#overview
  » https://www.bloomberg.org/program/public-health/data-health/#overview
• ²
  AbouZahr C, Adjei S, Kanchanachitra C. From data to policy: good practices and cautionary tales. Lancet. 2007;369(9566): 1039-46, 2007. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(07)60463-2
  » https://doi.org/10.1016/S0140-6736(07)60463-2

• Fonte de financiamento: Vital Strategies como parte da iniciativa Dados para a Saúde da Fundação Bloomberg Philanthropies (Projeto 23998 Fundep/UFMG).

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  5 Dez 2019
• Data do Fascículo
  2019

Histórico

• Recebido
  27 Jun 2019
• Aceito
  24 Jul 2019