Open-access Fortalecer as atividades de informação e vigilância epidemiológica é essencial e urgente para reduzir a força de transmissão do SARS-CoV-2*

A COVID-19 é causada pelo vírus SARS-CoV-2, agente transmitido rapidamente por via respiratória e, eventualmente, por superfícies contaminadas. Após quase 18 meses de pandemia e seus efeitos, existe expectativa de que haja uma redução sustentada de incidência, casos graves e óbitos, em função do aumento da cobertura vacinal. Porém, dada a baixa velocidade das ações de vacinação1, considera-se que o momento é de cautela, fazendo-se necessária a implementação de novas ações capazes de reduzir e manter em níveis baixos o limiar de transmissão do ­SARS-CoV-2. Tem-se que destacar que as vacinas são importantes recursos no controle da pandemia, com alta eficácia na redução de casos graves e mortes, e menores efeitos na transmissão do vírus2. Portanto, até que sejam alcançados altos níveis de cobertura vacinal, é de extrema importância que sejam mantidas as medidas não-farmacológicas, em especial o uso obrigatório de máscaras, o distanciamento social e o controle do fluxo dos deslocamentos intra- e inter-urbanos3,4,5.

Adiciona-se, ainda, a necessidade premente de implantar iniciativas que garantam ações contínuas de controle de transmissão, mediante rastreamento de casos e contatos em cada comunidade, de modo que os profissionais de saúde orientem e adotem as medidas indicadas para cada situação (isolamento, quarentena, uso de máscaras etc.). Tais medidas visam reduzir ao mínimo a força de transmissão desse agente, contribuindo não somente para a diminuição do número de casos6,7,8,9 como também para a contenção do surgimento ou difusão de novas variantes10, eventualmente mais transmissíveis ou patogênicas, a exemplo da variante Delta, recentemente introduzida - porém já circulando ativamente - no território nacional11.

Embora o Sistema de Vigilância Epidemiológico do Sistema Único de Saúde (SUS) seja considerado um dos melhores sistemas nacionais de saúde, quando comparado aos de outros países com níveis de desenvolvimento e população similares, a pandemia de ­COVID-19 expôs suas fragilidades, decorrentes de acentuado desinvestimento nos últimos anos. Deve-se enfatizar que, além da falta de coordenação nacional das ações de enfrentamento da pandemia, grande parte dos esforços e recursos adicionados ao SUS para enfrentamento desta Emergência de Saúde Pública vêm sendo direcionados para ampliar a atenção hospitalar de média e alta complexidade. Evidentemente, essas iniciativas foram de suma importância para responder ao aumento da demanda gerada pelos casos graves. Contudo, em paralelo, deveria ter ocorrido a implementação de ações de controle pela rede de atenção primária, com vistas à redução da transmissão do SARS-CoV-2, o que só aconteceu de forma tímida e, no mais das vezes, em alguns municípios que, por iniciativa própria, tomaram tal iniciativa. Ou seja, a vigilância de novas infecções, novos casos e seus contatos tem sido muito frágil, ignorando-se que essas ações, ao interromper as redes de transmissão, evitam novas infecções e o surgimento de casos subsequentes, levando à redução da demanda hospitalar e do número de óbitos. As medidas de vigilância epidemiológica (VE) possuem amplo espectro de ação, incluindo desde atividades de divulgação de medidas de higiene até a participação ativa do processo de notificação e identificação de casos, visando a rápida implementação de ações como rastreamento dos contatos para orientar e monitorar o isolamento dos infectados e quarentena, quando indicados. Exemplos de sucesso são os municípios de Araraquara (SP)12 e Eusébio (CE)13,14, que conseguiram implementar programas vigorosos de VE, com reduções marcantes nas taxas de infecção.

Nesse sentido, esta proposta pretende sensibilizar Gestores Públicos para a necessidade de implementar ações efetivas na redução da transmissão do SARS-CoV-2, mediante o fortalecimento e a ampliação de estratégias efetivas de VE local (comunitário), por meio da identificação de casos de COVID19 - sejam eles isolados ou em aglomerados (clusters) - e, com o suporte de uma rede rápida de informação, adotar as medidas de contenção necessárias para reduzir e manter baixos os níveis de força de transmissão do vírus.

Deve-se reconhecer que, por ser causada por um agente antes desconhecido, houve dificuldades técnicas para diagnóstico rápido de casos de COVID-19 (sintomáticos ou assintomáticos) tanto nas unidades de saúde como nas comunidades. O único procedimento diagnóstico disponível inicialmente (RT-PCR) requer a coleta de amostras com swab de nasofaringe, além de ser realizado em laboratórios especializados. Devido à sobrecarga de amostras para análise, pode-se levar dias para a emissão e a devolução dos resultados. Desse modo, a detecção insuficiente de casos e contatos de COVID-19 com grande atraso no fluxo de informações para as unidades básicas de saúde sobre os casos ocorridos em sua área de abrangência, impedem que ações adequadas de isolamento e/ou quarentena sejam adotadas. Esses problemas, associadas ao pouco incentivo às medidas de redução de transmissão comunitária, tornaram pouco eficientes e até inexistentes, na maioria dos municípios, as ações de controle da transmissão do SARS-CoV-2. Embora ações coletivas visando a redução da transmissão venham sendo adotadas por Governadores e Prefeitos, pela implementação de medidas não-farmacológicas como o distanciamento físico ou restrições de deslocamento, a decisão de adotá-las, em geral, tem sido embasada em indicadores hospitalares, principalmente da taxa de ocupação de unidades de terapia intensiva (UTI), e não em indicadores epidemiológicos relativos à intensidade de transmissão do SARS-CoV-2.

Neste cenário, propomos que os Gestores adotem estratégias para estabelecer a obrigatoriedade da busca ativa de casos, do rastreamento de contatos e prontas ações de controle local. Tais ações devem ser desenvolvidas pelos profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS) em articulação com os profissionais de VE de cada município6,7. Vale salientar que a capilaridade da rede escolar e o fato de que muitas escolas estão situadas nas áreas de abrangência de atuação das unidades da Estratégia Saúde da Família favorecem o desenvolvimento de ações voltadas ao controle e proteção dos trabalhadores de educação, alunos e seus familiares. Por sua vez, para que as ações sejam adotadas de modo universal, será necessária a alocação de recursos para esse nível de atenção, com vistas a capacitar e ampliar as equipes de trabalho.

Importante ressaltar que houve avanço nas ferramentas diagnósticas e que, atualmente, já estão disponíveis testes rápidos de antígenos do vírus, os quais possibilitam a rápida detecção dos infectados na comunidade. Essas novas tecnologias podem e devem tornar-se acessíveis para as equipes de busca ativa de casos e rastreamento de contatos. A rapidez no diagnóstico da infecção é uma das principais ferramentas que possibilitam a identificação precoce de casos, o rastreamento dos contatos e a tomada das medidas necessárias para o maior controle da disseminação do SARS-CoV-2.

PROPOSIÇÕES

Para atender o exposto, propõe-se que, rapidamente, sejam estabelecidas diretrizes para fortalecimento da VE da COVID-19 no nível local, com vistas à redução e eventual controle da transmissão comunitária do SARS-CoV-2.

Além de outras orientações e atividades, tais diretrizes devem incluir:

  1. Identificação de casos na sua fase inicial, com o propósito de monitorar a população de forma sistemática, consistente e contínua (testagem de antígeno em indivíduos sintomáticos; busca ativa de casos e contatos; adoção das medidas de controle etc.). Cada sistema local de saúde deverá adequar a(s) norma(s) conforme a sua especificidade territorial, realidade social e econômica, cobertura de saúde da família, entre outros aspectos.

  2. Rastreamento de contatos para identificar indivíduos que foram expostos à infecção por contato próximo com um caso, seja sintomático ou assintomático. Realização de teste rápido de antígeno em todos esses contatos, independentemente de sintomas, para detecção de potenciais transmissores sintomáticos ou assintomáticos.

  3. Adoção de medidas de contenção da transmissão pelo isolamento dos casos positivos e quarentena para os negativos para a infecção, com o monitoramento adequado dessas pessoas. Orientação de indivíduos e famílias, bem como a verificação in loco da possibilidade de isolamento domiciliar.

  4. Garantir apoio institucional e medidas de proteção aos casos e contatos com dificuldades para cumprir o isolamento e/ou quarentena. Se necessário, adotar providências para que o isolamento seja feito em outro local (escola, abrigo, associação de bairro, quadra esportiva, dentre outros equipamentos sociais) ou mediante rearranjos familiares. Profissionais das Unidades Básicas devem monitorar essas situações.

  5. Adoção de medidas de contenção coletivas, quando houver indícios de aumento de transmissão em uma área, buscando verificar o raio de influência desses possíveis aglomerados de casos (clusters) para ampliar a ação de controle a áreas geográficas contíguas.

  6. Compartilhamento imediato, com as Unidades Básicas de Saúde, de todos os resultados dos exames laboratoriais de COVID-19 produzidos pelos Laboratórios Centrais de Saúde Pública dos Estados (LACENs) e outros laboratórios públicos ou privados que realizam PCR e/ou Testes de Antígenos, para adoção imediata das medidas pertinentes acima referidas.

  7. Estabelecimento, ou quando existir, fortalecimento do fluxo específico de informações dos casos diagnosticados nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), clínicas e hospitais públicos e privados, com vistas a viabilizar o desencadeamento imediato das ações de contenção indicadas.

  8. Garantia de acesso e uso de aparatos de proteção e medidas de higiene, em acordo com as normas vigentes, para evitar infecções dos profissionais de saúde envolvidos nessas atividades.

  9. Incentivo ao uso generalizado de máscaras faciais de boa qualidade e eficientes, fornecendo-as para as populações vulneráveis.

  10. Incremento da vigilância epidemiológica em locais de trabalho, para que as ações de contenção sejam adotadas em tempo oportuno.

  11. Incremento da vigilância epidemiológica nas escolas, com a articulação de ações da VE à Atenção Primária à Saúde, mediante o estabelecimento de canais de comunicação rápida, para o controle efetivo de surtos na comunidade escolar, a qual envolve os trabalhadores da educação e da assistência social, estudantes e suas famílias.

  12. Garantia da ampla vacinação, com a busca ativa de não vacinados e faltantes da 2ª dose.

  13. Implementação de ações de educação em saúde que fortaleçam a adoção das medidas de contenção da transmissão.

A implantação dessas estratégias de fortalecimento da VE de casos e contatos de forma sistêmica e universal deve ajustar-se com a realidade de cada local e comunidade, e somente poderá ser conduzida com suporte político, financeiro e técnico/operacional adequados. Do ponto de vista técnico-científico, essas medidas têm eficácia, eficiência e efetividade demonstradas historicamente, em epidemias e pandemias de enfermidades transmissíveis, mediante diferentes estudos epidemiológicos conduzidos em diversas realidades e contextos, aqui disponibilizada na forma de uma série articulada de recomendações técnicas, visando contribuir para mitigar os efeitos desta pandemia nesta nova fase.

REFERÊNCIAS

  • *
    Apresentado à Comissão Científica do Consórcio de Governadores do Nordeste.
  • Fonte de financiamento: nenhuma

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    06 Ago 2021
  • Aceito
    06 Ago 2021
  • Preprint postado em
    17 Ago 2021
location_on
Associação Brasileira de Saúde Coletiva Av. Dr. Arnaldo, 715 - 2º andar - sl. 3 - Cerqueira César, 01246-904 São Paulo SP Brasil , Tel./FAX: +55 11 3085-5411 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revbrepi@usp.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro