Resumos
OBJETIVO: avaliar um programa de acompanhamento do desenvolvimento infantil na atenção básica em saúde, desenvolvido pela área da Fonoaudiologia, sob a ótica da família. MÉTODO: utilizou-se pesquisa qualitativa, por meio do grupo focal, com realização de dois encontros e participação de oito sujeitos. Todos os participantes convidados para o grupo haviam comparecido, pelo menos, a duas avaliações no programa em questão. A coleta de dados teve a participação de moderador, relatora e observadora. Os dados foram analisados, unindo-se as categorias mais relevantes e frequentes no discurso dos participantes. A discussão se concentrou nos aspectos: acolhimento, promoção de saúde, empoderamento, equipe de saúde, trabalho interdisciplinar, integralidade e vínculo. RESULTADOS: os participantes do programa reconheceram que o Fonoaudiólogo atua na prevenção e promoção de saúde e desenvolve ações de esclarecimento de dúvidas dos cuidadores, empoderando os familiares sobre aspectos do desenvolvimento infantil, estabelecendo o vínculo e a integralidade da atuação. CONCLUSÃO: foi possível avaliar a qualidade do modelo de gestão em saúde vigente, propondo a continuidade deste programa, porém com início durante a gestação, com retornos mais frequentes, enfatizando a importância do trabalho interdisciplinar.
Satisfação dos Consumidores; Serviços de Saúde; Atenção Primária à Saúde; Desenvolvimento Infantil
PURPOSE: the aim of our research was to evaluate a child development monitoring program conducted by speech and language therapists taking into account the point of view of the families. METHOD: a qualitative study analyzed a focus group attended by eight subjects during two meetings. All group participants had at least attended two evaluations of the program. Data was collected with the support of a moderator, an observer and a reporter; it was then analyzed by grouping the most relevant and frequent categories found in the speeches of the participants. The discussion focused on the following aspects: reception, health promotion, empowerment, health care team, interdisciplinary work, integrality and bonding. RESULTS: program participants recognized the importance of speech therapists for health promotion and prevention insofar as they offer awareness training to child care providers and empower family members regarding infant development, which results in bonding between professionals and child care providers and integrated work. CONCLUSION: we analyzed the quality of the current health management model and suggest it be continued. However, it should start during gestation, include a higher number of follow up consultations and develop more multidisciplinary work.
Consumer Satisfaction; Health Services; Primary Health Care; Child Development
ARTIGOS ORIGINAIS
Avaliação de um programa de acompanhamento de lactentes sob a óptica da família
Kátia de Cássia BotassoI; Maria Teresa Pereira CavalheiroII; Maria Cecília Marconi Pinheiro LimaIII
IFonoaudióloga; Mestre em Saúde, Interdisciplinaridade e Reabilitação pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, Campinas, SP
IIFonoaudióloga; Professora Adjunto na Faculdade de Fonoaudiologia da PUC-Campinas, SP; Mestre em Psicologia Escolar pela PUC-Campinas
IIIFonoaudióloga; Professora Associada do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, Campinas, SP; Doutora em Ciências Médicas pela Universidade Estadual de Campinas
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Maria Cecília M. P. Lima Rua Tarumã 412 - Alphaville Campinas - SP - Brasil. CEP: 13098-341 E-mail: mcmplima@gmail.com
RESUMO
OBJETIVO: avaliar um programa de acompanhamento do desenvolvimento infantil na atenção básica em saúde, desenvolvido pela área da Fonoaudiologia, sob a ótica da família.
MÉTODO: utilizou-se pesquisa qualitativa, por meio do grupo focal, com realização de dois encontros e participação de oito sujeitos. Todos os participantes convidados para o grupo haviam comparecido, pelo menos, a duas avaliações no programa em questão. A coleta de dados teve a participação de moderador, relatora e observadora. Os dados foram analisados, unindo-se as categorias mais relevantes e frequentes no discurso dos participantes. A discussão se concentrou nos aspectos: acolhimento, promoção de saúde, empoderamento, equipe de saúde, trabalho interdisciplinar, integralidade e vínculo.
RESULTADOS: os participantes do programa reconheceram que o Fonoaudiólogo atua na prevenção e promoção de saúde e desenvolve ações de esclarecimento de dúvidas dos cuidadores, empoderando os familiares sobre aspectos do desenvolvimento infantil, estabelecendo o vínculo e a integralidade da atuação.
CONCLUSÃO: foi possível avaliar a qualidade do modelo de gestão em saúde vigente, propondo a continuidade deste programa, porém com início durante a gestação, com retornos mais frequentes, enfatizando a importância do trabalho interdisciplinar.
Descritores: Satisfação dos Consumidores; Serviços de Saúde; Atenção Primária à Saúde; Desenvolvimento Infantil
INTRODUÇÃO
A necessidade de garantir o direito à saúde e promover o acesso de todos aos serviços de saúde foi o cenário da realização da Conferência Internacional sobre Cuidados Primários em Saúde, conhecida como Conferência de Alma Ata, em 19781 que apontou, entre outras questões, a importância das ações intersetoriais, dos cuidados primários em saúde e da participação da população no planejamento e execução destes cuidados. As diretrizes definidas nesta Declaração foram fundamentais e serviram de base para os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), instituído na Constituição de 19882,3, concebido como uma rede integrada de serviços, que atribui grande importância à atenção primária. Um dos princípios do SUS é o da regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde, pressupondo que o cuidado com a saúde seja ordenado em níveis de atenção, incluindo-se aqui a execução de ações de Vigilância em Saúde4.
A Portaria GM 3.252 de 20095 define, como um dos componentes da vigilância em saúde, a promoção da saúde. Os programas de promoção da saúde são importantes para a detecção precoce de patologias e diminuição dos riscos e agravos aos quais uma população, principalmente a infantil, possa estar exposta. Por outro lado, a avaliação de serviços é fundamental para a implementação de ações realizadas nesses programas.
A avaliação representa uma atividade bastante antiga, encontrando-se relatos desde os primórdios na história da humanidade6. Porém, o conceito de avaliação de programas públicos surge após a Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de melhorar a eficácia da aplicação de recursos do Estado, sendo desenvolvidos métodos para possibilitar a análise das vantagens e dos custos de programas7.
A partir da década de 80, no Brasil, observa-se o desenvolvimento da pesquisa de avaliação de políticas públicas, no início academicamente7, e, posteriormente incorporando-se ao cotidiano da administração pública8,9.
A forma de avaliação de serviços vincula-se ao que se pretende avaliar e à perspectiva do avaliador sem a necessidade de uma metodologia única. Entretanto, para avaliar as percepções dos atores sociais, por meio de suas vivências nos programas, faz-se importante uma abordagem qualitativa de pesquisa. Essa perspectiva de pesquisa tem alicerce na intersubjetividade, ou seja, no encontro da subjetividade da vivência dos informantes, com a vivência do pesquisador, pois serão consideradas a compreensão e interpretação compartilhadas8.
Na área da Fonoaudiologia, são poucos os trabalhos que abordam a avaliação de serviço10. No município de Mogi Mirim, cidade situada no interior do Estado de São Paulo, as primeiras ações da Fonoaudiologia foram dirigidas a um programa voltado às gestantes, com o objetivo de prevenção e promoção à saúde em Unidade Básica de Saúde (UBS), seguindo as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). O Papel da Fonoaudiologia, neste programa, era o de orientar as gestantes sobre o aleitamento materno e contribuir para promover o desenvolvimento das funções orais, da fala e da linguagem infantil.
Por acreditar na importância da continuidade das ações de promoção e prevenção após o nascimento dos bebês, foi proposta a ampliação do referido programa para intervenção junto aos lactentes, denominado "Programa de Observação do Desenvolvimento de Linguagem e Função Visual de Lactentes", com a aplicação do Protocolo de Observação do Desenvolvimento de Linguagem e Função Visual de Lactentes11.
O objetivo desta pesquisa foi avaliar um projeto de acompanhamento do desenvolvimento infantil na atenção básica em saúde, desenvolvido pela área da Fonoaudiologia, sob a ótica da família.
MÉTODO
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp com o protocolo nº 393/2009.
Trata-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa, tendo em vista o objetivo do estudo que foi o de analisar como as mães avaliavam o Programa de Observação do Desenvolvimento da Linguagem e da Função Visual em Lactentes, por meio do grupo focal.
A pesquisa qualitativa trabalha com dados descritivos obtidos no contato direto do pesquisador com o ambiente e a situação estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e preocupa-se em retratar a perspectiva dos participantes.
Uma forma de se avaliar um serviço ou um programa é por meio da formação de grupos. O grupo focal, um tipo de entrevista ou conversa em pequenos grupos e homogêneos, recolhe informações por meio da interação entre os participantes, para obter-se consenso ou divergências. É aplicado mediante um roteiro, do geral ao específico, necessitando de um moderador para coordenar o grupo, que faz com que todos participem, conseguindo o ponto de vista de todos e de cada um.
É possível, por meio do grupo focal, compreender os problemas do ponto de vista dos grupos populacionais, conhecer as aspirações expressas pela própria comunidade, minimizar o número de programas que resultam em baixa resolutividade e o número de iniciativas distorcidas que são embasadas com o interesse dos dirigentes e nem sempre com o da população. O roteiro de entrevista utilizado no grupo focal deve ser provocador, permitindo debate entusiasmado e participativo e promover aprofundamento das questões discutidas. Podem ser utilizados vários meios, como formulação de uma pergunta central, audiovisual ou elaboração de um texto que focalize a discussão12.
Nesta pesquisa, foi utilizado um roteiro com 11 questões, que versavam sobre a motivação dos cuidadores a participarem do Programa de Observação do Desenvolvimento de Linguagem e Função Visual de Lactentes, sobre como se deu o acolhimento, o trabalho da equipe, e sobre as orientações dadas quanto ao desenvolvimento da linguagem, da comunicação oral e visual, do aleitamento materno (Figura 1). Primeiramente, realizou-se um estudo piloto contando com duas participantes das oito convidadas, com o objetivo de verificar a compreensão dos sujeitos em relação ao roteiro de entrevista semi-estruturada e realizar devidos ajustes.
Foram convidadas a participar do grupo mães ou cuidadoras que compareceram com seus filhos a duas das quatro avaliações propostas no Programa de Observação do Desenvolvimento de Linguagem e Função Visual de Lactentes11, no período entre Janeiro de 2007 até agosto de 2008. As avaliações ocorreram no primeiro, quarto, oitavo e décimo primeiro meses de vida da criança. A investigação contou com oito participantes do Programa na Unidade Básica de Saúde do Bairro Maria Beatriz do Município de Mogi Mirim, sendo seis mães, uma avó e uma cuidadora, que haviam acompanhado os lactentes no Programa.
Todas as mães ou cuidadoras residem em região urbana do município e apresentam nível sócio econômico baixo. Quanto à escolaridade, quatro tem ensino fundamental incompleto, três fundamental completo e um ensino médio completo. Em relação à faixa etária, três possuem entre 20 a 30 anos, três entre 30 a 50 anos e duas mais de 50 anos. Quatro mães ou cuidadoras exercem a profissão na própria casa, uma como confeiteira de bolo, outra como manicure e duas são cuidadoras de crianças. Uma mãe trabalha em fábrica, realizando serviços gerais, outra é auxiliar de creche e duas não trabalham.
As participantes foram localizadas por meio das fichas evolutivas dos lactentes. O convite, confeccionado pela pesquisadora, foi entregue pelas Agentes Comunitárias de Saúde, na casa das participantes.
Foram realizados dois encontros do grupo focal, com no mínimo seis e no máximo dez participantes em cada um. Cada grupo contou com um moderador, um relator e um observador. Os instrumentos utilizados foram: a observação, o roteiro prévio das reuniões e a análise documental.
Os encontros tiveram a duração de 01h30min e ocorreram na sala de reuniões da Unidade Básica de Saúde. As reuniões foram filmadas por uma Agente Comunitária de Saúde e, ao término das mesmas, realizou-se a transcrição das falas. Todas as participantes ficaram ao redor de uma mesa, o que possibilitou contato visual e observação de expressão corporal. A sala tinha boa iluminação, ventilação, cadeiras confortáveis, sendo o espaço adequado para a realização da técnica proposta. Após o término dos encontros foi oferecido um lanche para as mães. O primeiro encontro contou com oito participantes e o segundo encontro com três.
A participação nesta pesquisa foi voluntária e para se inserirem nos grupos, as mães ou cuidadoras assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram excluídas as mães ou cuidadoras/avó que no período da pesquisa não quisessem mais participar da pesquisa.
A coleta de dados teve início em julho/2009 e a análise foi realizada por meio do método hermenêutico, seguindo os seguintes passos: a ordenação dos dados, classificação dos dados e análise final. Esperava-se, com isso, conhecer o relato das mães sobre o trabalho desenvolvido a fim de adequá-lo às necessidades locais.
O material transcrito foi analisado. Para a análise dos dados, utilizou-se o método hermenêutico, pois representa uma proposta de interpretação qualitativa de dados12. As respostas às perguntas feitas pela pesquisadora foram classificadas e divididas por categorias mais frequentes de aparecimento e de relevância aos participantes.
RESULTADOS
Após a transcrição das fitas gravadas, releituras das respostas das famílias às perguntas realizadas e organização dos dados, as categorias mais frequentes e de relevância no discurso das mães foram: acolhimento das famílias que procuraram o serviço, promoção de saúde e empoderamento, equipe de saúde e trabalho interdisciplinar, integralidade e vínculo.
Com relação ao acolhimento das famílias, a maioria das participantes do grupo concordou com a importância da confiança no profissional que realiza o acompanhamento, para o estabelecimento de uma relação com base nesse sentimento:
[...] eu acho que depende do profissional que atende, por que nem todos atendem bem como a gente gostaria. Então uma vez que ele atende bem, a gente sempre retorna, quando você fica insatisfeito é obvio que você acha um pretexto pra não voltar. Eu, como sempre fui bem atendida eu nunca faltei a um retorno. Atender bem, em minha opinião é dar atenção, é tentar ajudar nas dificuldades que tem, por que muitos não ajudam [...] (P8).
As participantes mostraram que acreditam no novo modelo assistencial pautado na escuta, orientação e promoção de saúde, impactando positivamente no desenvolvimento dos usuários:
[...] Eu acho que a sugestão é a gente continuar com a fono mesmo, escutar o pediatra só na doença, é febre, é garganta e a orientação é a fono mesmo, a sugestão que nós temos é essa, por que o médico é para uma coisa e a fono é para estar orientando a gente [...] (P5).
Observa-se nas falas que as participantes empoderaram-se das informações sobre a importância do aleitamento materno e da influência positiva para o desenvolvimento dos lactentes:
[...] a orientação que eu tive é que o aleitamento materno é fundamental para a criança até os seis meses de vida, não há necessidade para dar nem água para a criança, que o aleitamento materno, tanto que ele começou a tomar suquinho depois dos seis meses..., que era a única fonte de alimentação, sem necessidade de dar mais nada... cada caso é um caso [...] (P2 e P8).
Na compreensão das mães ou cuidadoras, elas tiveram orientação já antes do nascimento da criança, e, portanto, empoderaram-se das informações e tiveram a autonomia de escolher participar ou não do programa, e também de questionar sobre o que estava instituído a elas, priorizando as reais necessidades:
[...] quando marcaram, eu não precisava saber mais o motivo... eu já sabia, fui orientada a vir marcar quando a criança nascesse. Quando o meu primeiro nasceu não tinha isso... só tinha pediatra, não tinha fono, trazia só quando ficava doente. Agora não, a gente é orientada a marcar para acompanhar, para ver a visão, ver se escuta, para ver os movimentos [...] (P3)
[...] ter um acompanhamento mais frequente, de repente a cada três meses, eu acho que seria importante para uma criança menor [...] (P8).
Nesta pesquisa, diversas participantes compartilharam a necessidade do trabalho em equipe com enfoque interdisciplinar, pois expressaram que os profissionais da saúde nem sempre articulam seus saberes e ações:
[...] então uma coisa que confunde, é para tirar a criança do peito, a caixinha de leite que a gente compra, vem falando para a gente amamentar a criança até os dois anos, a pediatra diz que até um ano de idade está bom, mas se puder até os dois está ótimo e a fono manda tirar com menos de dois anos. Aí a gente pensa, tira com menos de dois anos, deixa mamar até os dois anos, tira com seis meses ou deixa mamar até quando a criança quiser mamar? [...] (P2).
Algumas participantes apontaram a importância do envolvimento das diversas especialidades no processo de trabalho, mostrando que as profissões nem sempre se integram nas equipes:
[...] eu acho que deveria fazer em outras áreas também (a pesquisa)... por exemplo, com o otorrino, precisa se envolver mais, como o pediatra também [...] (P8).
As participantes concordaram que esse programa modificou a saúde dos lactentes, quando compararam com outros que não participaram:
[...] o M. aprendeu a mastigar fácil... ele estava com oito meses, ele queria mastigar, então eu acho muito importante, por que eles falam, quando a criança mama no peito desenvolve essa parte aqui (mostrou a mandíbula), então eu acho que foi isso, por que ele aprendeu fácil a mastigar os alimentos [...] (P3).
[...] a minha A, ela já começou a falar, já fala quase tudo... é muito esperta..., desde quando ela tinha onze meses, é difícil ela ficar doente [...] (P7).
Também foi observado pelas participantes que a atenção integral favoreceu a autonomia dos mesmos nas decisões em relação à saúde dos lactentes:
[...] como ela falou, recebi a orientação que é até os seis meses para amamentar, mas eu continuei dando, eu pensava que o outro, se eu tivesse dado até os seis meses, ele teria falado. Para essa eu vou dar até ela não querer mais[...] (P7).
A maioria das participantes do grupo compartilhou da idéia desse programa garantir a promoção e prevenção:
[...] eu, ter recebido a orientação pra tirar a chupeta e a mamadeira, ajudou bastante, por que em seguida ele já começou a falar e já aprendeu sem problema, não teve problema com fala, fala tudo direitinho [...] talvez se tivesse com chupeta e mamadeira teria complicado [...] Como eu tive sua orientação de eliminar esses dois vícios [...] ajudou bastante, por que hoje ele fala bem [...] (P8).
O vínculo com as famílias favoreceu a troca de saberes, o estabelecimento de uma relação horizontal, pois o saber dos participantes é valorizado, bem como a do profissional Fonoaudiólogo:
[...] pra mim tudo que a fono passava, eu passava pra ela (mãe), por que a mãe veio só uma vez só... por que cada vez que venho na fono, tudo que me orientava eu passava tudo pra ela. Eu acho que influenciou muito bem, por que as duas vivem muito bem. A mãe trouxe só uma vez, e uma vez com o pai, que também foi orientado muito bem, inclusive ele ficou uma hora, ela aproveitou aquele dia que o pai estava junto. Toda vez que eu passei tudo à V., e ela fez tudo certinho [...](P5).
[...] tem gente que fala que aqui é bobagem, mas nós estamos aqui para aproveitar essa palestra, não estamos aqui à toa, tem gente que não escuta a fono, como se diz, o que a fono orienta, não faz nada direito, não passa pra mãe. Isso é muito bom gente, como disse, se tivesse isso na época do C.J., teria sido melhor, eram outras orientações que deram, então perdi muito. Agora com a L.A. não perdi uma [...] (P5).
[...] bom, só com a fono? Eu acho que no meu caso não teve nenhum ponto negativo não, nunca tive do que reclamar, assim nunca voltei pra casa com nenhuma dúvida, por isso eu acho que todos os pontos foram positivos. Não ficou faltando, não tive nenhuma dúvida, e todas que eu tive, todas foram esclarecidas, então eu não vejo nenhum ponto negativo [...] (P8).
DISCUSSÃO
Nesta pesquisa, foi possível avaliar o Programa de Observação do Desenvolvimento de Linguagem e Função Visual de Lactentes, com base no grupo focal, em que se detectou, no discurso das mães, importantes elementos referentes ao Programa, salientando suas características voltadas à vigilância em saúde, com ênfase na promoção do desenvolvimento infantil.
Primeiramente, observou-se que parte da população que frequentou o Programa reconheceu o profissional Fonoaudiólogo e a importância deste na prevenção e promoção de saúde. Para as mães ou cuidadoras, o acolhimento recebido se pautou na relação delas com este profissional que segundo elas, foi essencial na questão do bem atender, da escuta, no estabelecimento de uma boa relação entre profissional e usuário.
O acolhimento, segundo alguns autores, permite uma reflexão do processo de trabalho, com o objetivo da superação da prática sob a lógica curativista, centrada na queixa e no saber médico, o que não tem trazido resolutividade ao serviço, gerando insatisfações tanto aos usuários como aos trabalhadores de saúde13. É uma proposta de trabalho que proporciona respostas adequadas àqueles que procuram os serviços de saúde, pois é baseada nas relações e no ato de receber e ouvir13. Além disso, o acolhimento relaciona-se com o vínculo entre o usuário e o serviço de saúde, com a resolutividade do atendimento e com a adequação do serviço às necessidades do cliente14.
Em uma pesquisa realizada com gestantes, na Grande São Paulo, foi destacado que o modelo preconizado pelo Programa de Saúde da Família, no qual o cuidado é, usualmente, prestado pelos mesmos profissionais a cada oportunidade de contato do usuário com o serviço de saúde, proporcionou, no caso da gestante, a segurança desejada e necessária no transcorrer da gravidez15. Outro trabalho, realizado com 78 mulheres que se encontravam no Alojamento Conjunto de um hospital público do Ceará, revelou que 74,3% relataram estar muito satisfeitas com o serviço oferecido e alguns motivos foram: bom atendimento, os profissionais são bons, atenciosos, tratam com respeito e tiram dúvidas16. Acredita-se que no Programa em questão, a adesão dessas mães e cuidadora e o estabelecimento do vínculo com um profissional possa ser devido ao tipo de acolhimento recebido, inclusive com a constância do profissional fonoaudiólogo.
Com relação ao empoderamento dos sujeitos em questão, observou-se que as mães e cuidadoras adquiriram uma série de conhecimentos quanto aos aspectos de desenvolvimento. Ao empoderar as famílias, pretende-se garantir a promoção da cidadania, por meio da reafirmação da autonomia do sujeito, da liberdade de escolha, do entendimento sobre si e sua vida. Os profissionais da saúde passam a compreender que o outro tem um saber sobre si, devendo ser considerado em todos os momentos. Assim, os usuários deixam de considerar o profissional como o detentor da verdade17.
São diretrizes da Política Nacional de Promoção da Saúde18, a busca da equidade e da melhoria da qualidade de vida e de saúde. O fortalecimento da participação social é fundamental para os resultados da promoção da saúde, em especial a equidade e o empoderamento individual e comunitário.
Cabe ao sistema de saúde contribuir para ampliar o grau de autonomia da população. A adoção da co-construção de autonomia exige uma reformulação dos modelos de gestão e de atenção, para a qual os objetivos do trabalho em saúde são produzir a saúde e a co-construção da capacidade de reflexão e de ação autônoma para os sujeitos envolvidos nos processos, os profissionais de saúde e usuários19.
Estes novos modelos de gestão e atenção pressupõem a interdisciplinaridade na prática da saúde, que ocorre quando os profissionais com formações e experiências diferentes se reúnem para compartilharem uma meta comum, reconhecendo que as ações fragmentadas não são suficientes para abordar o adoecimento, a assistência e a reabilitação20. Nesta pesquisa, diversos participantes compartilharam a necessidade do trabalho em equipe com enfoque interdisciplinar, pois expressam que os profissionais da saúde não articulam seus saberes e ações.
Uma nova visão de trabalho em equipe é a metodologia de gestão do trabalho em saúde baseada em equipes de referência e apoio matricial. A equipe de referência é aquela que se organiza considerando o poder de gestão com a equipe interdisciplinar. O apoio matricial exige uma modificação entre as relações dos especialistas, integrando-se nas várias equipes, oferecendo assistência e assim, produzindo um espaço em que ocorra troca de conhecimentos entre as diversas especialidades e profissões21.
Os serviços de saúde ainda contam com a rigidez da estrutura, na qual os profissionais conseguem apenas encaminhar os pacientes a outros profissionais, sem um espaço para trocas ou questionamentos. Essa forma de interação traz como resultado, práticas isoladas dos diferentes profissionais, não contemplando objetivos comuns20.As participantes deste estudo indicaram a importância de uma equipe integrada, na qual os profissionais articulam as ações e interagem a partir da elaboração de um projeto assistencial comum, a serviço da integralidade das ações e cumprindo os objetivos estabelecidos.
O princípio da Integralidade implica em oferecer um sistema de saúde voltado às diferentes fases da atenção à saúde, ao processo de cuidar, ao relacionamento do profissional de saúde com os usuários. Integralidade pode ser definida como: "boas condições de vida", consequência de fatores ambientais e lugares no processo produtivo; acesso às tecnologias capazes de melhorar e prolongar a vida; "vínculos afetivos" entre usuário e equipe/profissionais de saúde22.
Além disso, as participantes valorizaram o profissional que tem uma visão de prevenção e promoção de saúde, que não prioriza apenas a doença e o doente, mas que dá voz aos usuários, trazendo a percepção dos mesmos em relação aos programas e ao modo de oferta dos serviços, de acordo com suas reais necessidades.
Observa-se que o referido programa vem se mostrando importante na detecção precoce de patologias, no acompanhamento do aleitamento materno e na redução de hábitos viciosos. Portanto, a inserção do profissional fonoaudiólogo em Unidades Básicas de Saúde, mostra um novo modelo de gestão, valorizando atividades de promoção e prevenção como parte do processo do fazer saúde e incentivando a humanização do serviço23. Atuando desta forma, é possível também avaliar a qualidade do modelo de gestão em saúde vigente, deixando clara a importância da continuidade deste Programa, porém com maior divulgação durante a gestação, com retornos mais frequentes e com a importância do trabalho interdisciplinar.
Os relatos dos sujeitos mostram que cada profissional deve repensar suas práticas, refletindo sobre uma nova forma de realizar o seguimento com os usuários. A percepção das participantes sobre o fazer saúde de forma fragmentada deve ser analisada por todos os profissionais da UBS, contribuindo para reorganização dos processos de trabalho, que contemple o trabalho interdisciplinar sugerido por eles.
CONCLUSÃO
Considerando a amplitude dos princípios e diretrizes do SUS e a complexidade das necessidades em saúde, fica evidente a importância da participação de diferentes categorias profissionais, e entre estes a Fonoaudiologia, na organização dos serviços e ações que compõem o Sistema Único de Saúde. A valorização de uma categoria profissional está relacionada com a qualidade do serviço oferecido aos usuários. Portanto, a avaliação desse programa não só contribui para a reorganização do mesmo, com base nas necessidades reais da população, mas também para que todos os profissionais reflitam sobre o trabalho atual, para superar a forma isolada e fragmentada de intervenção que não favorece o alcance dos objetivos e resultados positivos.
Os participantes desta pesquisa evidenciam que o protocolo utilizado no programa, o acolhimento, vínculo, responsabilização e autonomia dos sujeitos, são importantes no encontro entre os usuários e o profissional da saúde, para a produção de saúde. O cuidado desde os primeiros anos de vida, como o Programa de Observação do Desenvolvimento de Linguagem e Função Visual de Lactentes, que permite a promoção da saúde e detecção precoce dos agravos, reduziu significantemente os encaminhamentos para a atenção especializada, minimizando os impactos negativos que os distúrbios da comunicação podem trazer à saúde da população.
Recebido em: 17/05/2012
Aceito em: 27/12/2012
Conflito de interesses: inexistente
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
14 Maio 2013 -
Data do Fascículo
Abr 2013
Histórico
-
Recebido
17 Maio 2012 -
Aceito
27 Dez 2012